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terça-feira, 14 de maio de 2013

INSOLVÊNCIA INSOLVÊNCIA CULPOSA PRESUNÇÃO ILIDÍVEL - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa -18.04.2013


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1027/10.0TYLSB-A.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÃO ILIDÍVEL

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 18-04-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I - Após se enunciar no n.º 1 do art.º 186.º do CIRE, em cláusula geral, os elementos constitutivos da situação de insolvência culposa, no n.º 2 do mesmo artigo descrevem-se comportamentos dos administradores do devedor, que não seja pessoa singular, que determinam sempre a qualificação da insolvência como culposa.
II - Por sua vez no n.º 3 do transcrito artigo prevê-se uma presunção (ilidível) de existência de culpa grave por parte dos administradores do devedor quando não tenham cumprido o dever de requerer a declaração de insolvência ou a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial; embora se presuma a culpa grave na violação dos aludidos deveres, para que se possa qualificar de grave a própria insolvência, haverá que demonstrar que dessa conduta resultou a insolvência ou o seu agravamento.
III – Deve ser qualificada como culposa a insolvência de sociedade, decretada por iniciativa de uma credora, quando o administrador da devedora, notificado pelo tribunal para prestar a sua colaboração ao administrador da insolvência, não prestou qualquer informação ao administrador da insolvência ou ao tribunal, não entrou em contacto com o administrador da insolvência ou com o tribunal, apesar de saber que a devedora havia abandonado as instalações onde se encontrava o seu estabelecimento e a sua sede, ignorando-se onde estariam os seus bens e documentação relevante, tendo como efeito nada se ter apurado quanto ao destino do património da insolvente e quanto à existência ou não de contabilidade organizada.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 04.02.2011 “A” – Bebidas, S.A., credora reclamante nos autos de insolvência de “B” – Sociedade Hoteleira, S.A., pendentes no 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, apresentou, no correspondente incidente de qualificação de insolvência, alegações onde defendeu que fosse declarada a insolvência culposa da sociedade insolvente, com as legais consequências.
Em 06.4.2011 o processo de insolvência foi declarado encerrado, por insuficiência da massa insolvente, prosseguindo o administrador da insolvência as suas atribuições tão só relativamente à apresentação de contas e aos trâmites do incidente de qualificação da insolvência.
O administrador da insolvência emitiu parecer, no sentido de a dita insolvência ser considerada culposa, com responsabilidade do administrador da sociedade insolvente, “C”.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa, com afetação do seu administrador, “C”.
Notificada a devedora e citado o mencionado administrador, para se oporem, querendo, veio o administrador juntar aos autos procuração forense e comprovativo do requerimento de apoio judiciário, “para os efeitos tidos por convenientes”.
O requerimento de apoio judiciário foi indeferido e “C” e a devedora nada mais disseram nos autos.
Em 18.4.2012 o tribunal a quo, ajuizando que os autos continham todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, proferiu sentença na qual qualificou a insolvência de “B” – Sociedade Hoteleira, S.A., como fortuita.
A credora “A” – Bebidas, S.A., apelou dessa sentença, apresentando motivação na qual formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem:
(…)
Não houve contra-alegações.
O tribunal a quo pronunciou-se pela inexistência da nulidade assacada pela apelante à sentença.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: nulidade da sentença recorrida; qualificação da insolvência; eventualmente, necessidade de realização de diligências instrutórias.
Primeira questão (nulidade da sentença)
A sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (art.º 668.º n.º 1 alínea d) do CPC). Este preceito conjuga-se com o disposto no n.º 2 do art.º 660.º do CPC: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
In casu, a apelante alega que na sentença recorrida o tribunal a quo não se pronunciou sobre a necessidade da produção da prova testemunhal arrolada pela recorrente.
Vejamos.
Nos termos do art.º 188.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4, que não havia sido publicada à data da decisão recorrida pelo que não será aplicável na solução a dar ao litígio – art.º 12.º n.º 1 do Código Civil), no caso de o Ministério Público e o administrador de insolvência, ou um deles, se pronunciarem no sentido da qualificação da insolvência como culposa, o devedor e a pessoa ou pessoas que devam ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa podem opor-se à qualificação da insolvência como culposa (n.ºs 4 e 5). Decorrido o prazo para apresentação de resposta à eventual oposição (art.º 188.º n.º 6 do CIRE), o processo é concluso para os efeitos previstos nos artigos 510.º ou 511.º do CPC, ou seja, para o juiz proferir despacho saneador e, se for o caso, selecionar a matéria de facto (artigos 188.º n.º 7 e 136.º n.º 3 do CIRE). Se os autos deverem prosseguir, procede-se às diligências probatórias que devam ser realizadas antes da audiência de discussão e julgamento e depois é designada audiência de discussão e julgamento, finda a qual será proferida sentença (artigos 188.º n.º 7, 137.º a 139.º, 140.º n.º 1 e 189.º do CIRE).
Na sua alegação a credora reclamante ora apelante arrolou três testemunhas.
Tais testemunhas, como resulta do Relatório supra, não foram ouvidas.
Contudo, na sentença justificou-se a prolação de decisão imediata, sem a realização de mais diligências probatórias, escrevendo-se que “os autos contêm todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa”.
Ora, tal juízo contém em si a asserção de que a audição das testemunhas arroladas pela credora reclamante é desnecessária. Ou seja, na decisão encontra-se pronúncia (tácita) sobre a produção da prova testemunhal indicada pela ora apelante, no sentido da sua desnecessidade.
Aparentemente a apelante põe, a par da omissão de pronúncia quanto à prova testemunhal, a ocorrência de omissão de pronúncia quanto a outras questões (vide conclusão 53.ª: “igualmente o é [nula] por não ter conhecido de matéria que estava obrigada a conhecer”). Porém, não as identifica, sendo certo que esta Relação não lobriga quais serão.
Não se verifica, pois, a apontada nulidade.
Pelo exposto, a apelação improcede nesta parte.
Segunda questão (qualificação da insolvência)
O tribunal a quo deu como provada, sem impugnação sequer por parte da apelante, a seguinte
Matéria de facto
1 - “B”- Sociedade Hoteleira, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede no Centro Comercial “D”, Lj. ..., ..., ..., …, ..., freguesia de ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., sob mesmo número, foi declarada insolvente por sentença de 17.11.2010, transitada em julgado, conforme teor de fls. 121 a 128 dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2 - A declaração de insolvência foi requerida em 28.7.2010, por “D” ... Portugal, SA, conforme teor de fls. 2 e ss. dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3 - A insolvência foi declarada com fundamento no disposto no art. 20º, nº1, als. b) e g)-iv do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com base no incumprimento da obrigação de pagamento de € 69.022,41, de rendas do local da sede da insolvente, conforme teor de fls. 121 a 128 dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4 - Por decisão de 6.4.2011, transitada em julgado, o processo foi declarado encerrado, por insuficiência da massa insolvente, nos termos dos arts. 230º, nº1, al. d) e 232º nº2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, conforme teor de fls. 249 a 251 dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido
5 - “C” mostra-se registado como vogal do Conselho de Administração da insolvente, desde 13.10.2004, para o triénio de 2004 a 2007, não se mostrando registada qualquer outra designação posterior, conforme certidão de fls. 105 a 108 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6 - Decretada a insolvência, a notificação dirigida ao administrador da insolvente, “C”, cuja cópia consta a fls.141/142 dos autos de insolvência, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi recebida em 22.11.2010, conforme fls. 157 dos autos principais.
7 - O Sr. Administrador da Insolvência dirigiu a “C” carta registada, com aviso de recepção, cuja cópia se mostra a fls. 176 dos autos principais, cujo teor se dá por reproduzido, a qual foi devolvida com a indicação “não atendeu”, conforme teor de fls. 178 e verso dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8 - “C” não entrou em contacto com o Sr. Administrador da Insolvência.
9 - Não foi apreendido qualquer elemento da contabilidade da requerida.
10 - Não foram apreendidos quaisquer bens para a massa insolvente.
11 - Da certidão de matrícula da insolvente não consta qualquer depósito de prestação de contas.
12 - A sede da insolvente, onde funcionava o respectivo estabelecimento, encerrou em Outubro de 2006.
13 - Em 29.7.2005 a insolvente celebrou com a “A” - Distribuição de Bebidas, SA um denominado “Contrato de compra exclusiva”, conforme fls. 51 a 53 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14 - Com data de 8.8.2005 a “A” - Distribuição de Bebidas, SA remeteu à insolvente a carta e o cheque datada de 8.8.2005, no valor de €42.350, conforme fls. 56 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15 - Com data de 14.8.2005 a insolvente emitiu a factura n.º3, em nome de “A” - Distribuição de Bebidas, SA, no valor de €42.350, conforme fls. 55 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
16 - Com data de 14.8.2005 a insolvente emitiu o recibo n.º3, em nome de “A” -Distribuição de Bebidas, SA, no qual declara ter recebido desta a importância de €42.350, conforme fls. 54 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17 - Em 16.2.2006 a insolvente celebrou com a “A” - Distribuição de Bebidas, SA um denominado “Contrato de compra exclusiva”, conforme fls. 126 a 129 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
18 - Com data de 16.2.2006 a “A” - Distribuição de Bebidas, SA remeteu à insolvente a carta e o cheque no valor de €75.625, conforme fls. 65 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
19 - Com data de 10.8.2005 a insolvente emitiu a factura n.º 11, em nome de “A” - Distribuição de Bebidas, SA, no valor de €75.625, conforme fls. 63 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
20 - Com data de 14.8.2005 a insolvente emitiu o recibo n.º3, em nome de “A” - Distribuição de Bebidas, SA, no qual declara ter recebido desta a importância de €75.625, conforme fls. 64 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
21 - “A” - Distribuição de Bebidas, SA reclamou um crédito de €205.781,35 sobre a insolvente, decorrente do incumprimento dos contratos referidos em 13. e 17.
22 - A insolvente celebrou com “E” - Companhia Portuguesa de Locação Financeira Mobiliária, SA, o contrato de locação financeira mobiliária n.º..., conforme fls. 79/80 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
23 - O contrato referido em 18 [queria dizer-se “22”] tinha por objecto os bens elencados na factura pró-forma n.º82, de 26.8.2004, conforme fls. 79/80 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
O Direito
Conforme consta no preâmbulo do diploma que aprovou o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas - CIRE – (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18.3), o incidente de qualificação da insolvência tem como objetivo “a obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresa e dos administradores de pessoas colectivas.” Segundo o legislador, “as finalidades do processo de insolvência e, antes ainda, o próprio propósito de evitar insolvências fraudulentas ou dolosas, seriam seriamente prejudicados se aos administradores das empresas, de direito ou de facto, não sobreviessem quaisquer consequências sempre que estes hajam contribuído para tais situações. A coberto do expediente técnico da personalidade jurídica colectiva, seria possível praticar incolumemente os mais variados actos prejudiciais aos credores.” Inspirado na Ley Concursal espanhola, o dito incidente destina-se a apurar, sem efeitos quanto ao processo penal ou à apreciação da responsabilidade civil, “se a insolvência é fortuita ou culposa, entendendo-se que esta última se verifica quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos), do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e indicando-se que a falência é sempre considerada culposa em caso da prática de certos actos necessariamente desvantajosos para a empresa.” (n.º 40 do preâmbulo).
Conforme se sintetiza no preâmbulo, “a qualificação da insolvência como culposa implica sérias consequências para as pessoas afectadas que podem ir da inabilitação por um período determinado (esta consequência, prevista na alínea b) do art.º 189.º do CIRE, veio a ser julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 173/2009, de 02.4.2009, por violação do princípio da proporcionalidade, no que diz respeito à imposição da inabilitação do administrador da sociedade comercial declarada insolvente), a inibição temporária para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de determinados cargos, a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência e a condenação a restituir os bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.”
O supra referido propósito sancionatório concretizou-se, no que diz respeito à delimitação do conceito de insolvência culposa e à caraterização das situações aplicáveis, no artigo 186.º do CIRE, que aqui se reproduz:
“Insolvência culposa
1 - A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º
3 - Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.
4 - O disposto nos n.os 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações.
5 - Se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente.”
Assim, após se enunciar no n.º 1, em cláusula geral, os elementos constitutivos da situação de insolvência culposa (a) - atuação do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto; b) dolosa ou com culpa grave; c) ocorrida nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; d) que teve como consequência a criação ou o agravamento da situação de insolvência), no n.º 2 do art.º 186.º descrevem-se comportamentos dos administradores do devedor, que não seja pessoa singular, que determinam sempre a qualificação da insolvência como culposa. Por sua vez no n.º 3 do transcrito artigo prevê-se, como resulta da letra do preceito e é apontado na supra citada passagem do preâmbulo, uma presunção (ilidível) de existência de culpa grave por parte dos administradores do devedor quando não tenham cumprido o dever de requerer a declaração de insolvência ou a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial. Assim, embora se presuma a culpa grave na violação dos aludidos deveres, para que se possa qualificar de grave a própria insolvência, haverá que demonstrar que dessa conduta resultou a insolvência ou o seu agravamento. Esta é a posição da esmagadora maioria da jurisprudência publicada (vide, v.g., acórdãos da Relação de Lisboa, 22.01.2008, 10141/2007-7; Lisboa, 09.11.2010, 168/7.5TBLNH-D.L1-7; do Porto, 15.3.2007, 0730992; Porto, 18.6.2007, 0731779; Porto, 13.9.2007, 0731516; Porto, 27.11.2007, 0723926; Porto, 20.10.2009, 578/06.5TYVNG-A.P1; Porto, 24.5.2010, 3618/08.0TBVFR-C.P1; Porto, 28.9.2010, 3157/08.9TBVFR-D.P1; Porto, 10.02.2011, 1238/07.0TJPRT-AG.P1; Porto, 05.6.2012, 363/10.0TYVNG-A.P1; Guimarães, 20.9.2007, 1728/07-2; Guimarães, 12.3.2009, 1621/07.6TBBCL-B.G1; Guimarães, 24.4.2012, 172/086TBGMR-B.G1; Guimarães, 28.6.2012, 44/11.7TBAMR-A.G1; Guimarães, 29.11.2012, 2320/11.0TBGMR-A.G1; Coimbra, 19.01.2010, 132/08.7TBOFR-E.C1; Coimbra, 26.01.2010, 110/08.6TBAND-D.C1; Coimbra, 08.02.2011, 1543/06.8TBPMS-O.C1; Coimbra, 07.02.2012, 2273/10.1TBLRA-B.C1; Coimbra, 05.12.2012, 1567/10.0TBVIS-C.C1; Évora, 13.12.2011, 2076/9.6TBSTR-A.E1; STJ, 06.10.2011, 46/07.8TBSVC.O.L1.S1) e também da maioria da doutrina (Luís M. Martins, “Processo de insolvência anotado e comentado”, Almedina, 2.ª edição, 2010, páginas 349 e 350; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, Almedina, 2012, 4.ª edição, pág. 275; Joana Albuquerque Oliveira, “Curso de Processo de Insolvência e de Recuperação de Empresas”, Almedina, 2011, pág. 88; aparentemente, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da insolvência e da recuperação de empresas anotado”, volume II, Quid Juris, 2006, páginas 14 a 16). Entendendo que a dita presunção juris tantum prevista nas duas alíneas do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE se aplica à própria qualificação da insolvência como culposa, sob pena de ser praticamente inútil, vide Catarina Serra, “O Regime Português da Insolvência”, Almedina, 2012, pág. 141 e “Decoctor ergo fraudator”? – A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções)”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 21, Jan/Março 2008, páginas 59 e seguintes. Adotando uma posição mista, ou seja, aceitando a posição maioritária quanto à alínea a) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE e a posição minoritária quanto à alínea b) do referido n.º 3, manifesta-se Rui Estrela de Oliveira, “Uma brevíssima incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência”, in Julgar, 11, Maio/Agosto 2010, páginas 244 e 245. Seguindo a perspetiva apontada por Catarina Serra, decidiram a Relação de Lisboa em acórdão de 17.01.2012 (processo 46/07.8TBSVC-O.L1-7) e a Relação de Coimbra, em acórdão de 22.5.2012 (processo 1053/10.9TJCBR-K.C1). Interpretando o n.º 3 do art.º 186.º do CIRE em termos idênticos aos do n.º 2, assinalando tão só, como traço diferenciador, a natureza ilidível da presunção consagrada no n.º 3, sem aprofundamento da questão, vide o acórdão da Relação do Porto, de 22.5.2007, processo 0722442, o acórdão da Relação do Porto, de 17.11.2008, processo 0855650 e o acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 564/2007, de 13.11.2007.
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil).
Começando pela presunção de que o legislador soube exprimir adequadamente o seu pensamento, parece não haver dúvidas de que a formulação utilizada pelo legislador aponta para a interpretação dita maioritária. Após, no n.º 1 do art.º 186.º, o legislador ter destrinçado, entre os pressupostos da insolvência culposa, o dolo ou culpa grave do agente, no n.º 2 anunciam-se casos em que se considera que a insolvência é culposa, ou seja, em que se considera como preenchida, com base em presunção ou equiparação, a totalidade da situação previamente anunciada no n.º 1. Já no n.º 3 do art.º 186.º formula-se uma presunção de culpa incidente não sobre a insolvência, mas sobre determinadas atuações do agente, o que obriga, pois, para a qualificação da insolvência como culposa, ainda à demonstração de que tais atuações causaram ou agravaram a situação de insolvência. Esta diferença de perspetivas é mencionada no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 53/2004: “entendendo-se que esta última [insolvência culposa] se verifica quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda [culpa grave] em certos casos [os do n.º 3 do art.º 186.º], do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e indicando-se que a falência é sempre considerada culposa em caso da prática de certos actos necessariamente desvantajosos para a empresa [os enumerados no n.º 2 do art.º 186.º]”. No que concerne à violação do dever de atempada apresentação à insolvência (dever regulado no artigo 18.º do CIRE e cuja violação se presume gravemente culposa, nos termos da alínea a) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE), pode contribuir para o agravamento da situação da insolvente, como se comprovou, por exemplo, nos casos analisados no acórdão da Relação de Guimarães de 11.01.2007 (processo 1954/06-2), no acórdão da Relação do Porto de 28.9.2010 (processo 3157/08.9TBVFR-D.P1) e no acórdão da Relação de Coimbra, de 26.01.2010 (processo 110/08.6TBAND-D.C1) e se salienta no estudo de Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos administradores na insolvência”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66, vol. II, Set. 2006, a páginas 699 a 701. Quanto ao incumprimento das obrigações de elaboração pontual das contas anuais, da sua submissão à devida fiscalização e do seu depósito na conservatória do registo comercial (obrigações previstas nos artigos 18.º, 29.º, 40.º n.º 1 e 62.º do Código Comercial, art.º 65.º do Código das Sociedades Comerciais, 3.º n.º 1, alínea n) e 15.º n.º 1 do Código de Registo Comercial e cuja violação se presume gravemente culposa na alínea b) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE), pese embora o nexo entre essas omissões e a ocorrência da insolvência ou do seu agravamento não ser evidente ou imediato (conforme salientam Carneiro da Frada, estudo citado, páginas 693 a 698, Catarina Serra, estudo citado, páginas 66 a 69, Rui Estrela de Oliveira, estudo citado, página 79), não é impossível estabelecer essa relação, na medida em que, por exemplo, a referida omissão pode contribuir para o desconhecimento, seja dos sócios, seja dos parceiros no mercado, de uma eventual situação económica perigosa da devedora, que se fosse conhecida poderia ocasionar medidas corretivas, preventivas da insolvência ou atenuadoras dos seus efeitos.
É certo que se as presunções previstas no n.º 3 do art.º 183.º do CIRE contemplassem a qualificação da insolvência no seu todo, elas teriam um maior efeito prático, alargando o universo de casos sancionados pela omissão de deveres tidos como particularmente relevantes para dar transparência ao mercado e, por conseguinte, a confiança necessária a uma regular e proveitosa atividade económica. Mas está em causa uma opção legislativa, na qual não cabe ao intérprete interferir. De resto, o legislador bem recentemente interveio no regime da insolvência, através da Lei n.º 16/2012, de 20.4, tendo inclusivamente introduzido algumas alterações ao nível do incidente de qualificação da insolvência, terminando com a sua obrigatoriedade e adaptando o leque de sanções ao juízo de inconstitucionalidade da sanção de inabilitação emitido, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional no supra referido acórdão n.º 173/2009, de 02.4.2009, publicado no D.R., I série, de 04.5.2009. Ora, o legislador não buliu com o teor do artigo 186.º do CIRE, não tendo, pois, considerado necessário modificar o sentido da interpretação, largamente maioritária, que a jurisprudência lhe tem dado.
Analisemos o caso dos autos.
Reporta-se a uma sociedade anónima, cuja constituição foi registada em 13.10.2004. Em outubro de 2006 a sociedade (“B” – Sociedade Hoteleira, S.A.) encerrou o seu estabelecimento, onde também tinha a sede. Nesse mesmo mês a “D” ... Portugal, entidade que cedera à “B” o direito de utilização da loja onde esta tinha o seu estabelecimento e sede resolveu o respetivo contrato, por falta de pagamento das rendas. Tal dívida veio a dar origem ao requerimento de declaração da insolvência da “B”, apresentado em 28.7.2010 pela “D”. A insolvência da “B” veio a ser decretada em 17.11.2010.
A insolvência foi declarada com fundamento no disposto no art. 20.º, n.º 1, als. b) (“falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”) e g)-iv (“incumprimento generalizado, nos últimos seis meses (…)”, de “rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente ao local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência”), com base no incumprimento da obrigação de pagamento de € 69.022,41, de rendas do local da sede da insolvente.
Tendo a insolvência sido decretada com base na falta de pagamento das ditas rendas, cujo contrato foi resolvido em outubro de 2006, presume-se, inilidivelmente, que a devedora e o seu administrador tiveram conhecimento da insolvência da sociedade pelo menos em janeiro de 2007 (art.º 18.º nº 3 do CIRE : “quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º”). Assim, a devedora deveria ter-se apresentado à insolvência até março de 2007 (art.º 18.º nº 1 do CIRE), obrigação essa cuja iniciativa cabia à respetiva administração (art.º 19.º do CIRE).
A insolvente não cumpriu essa obrigação, presumindo-se a culpa grave, nessa omissão, pelo menos do seu administrador “C”, supra referido no n.º 5 da matéria de facto (n.º 3, alínea a) do art.º 186.º do CIRE).
Dos autos resulta que a insolvente também não cumpriu a obrigação de depositar as suas contas na conservatória do registo comercial (n.º 11 da matéria de facto).
Conforme se reconheceu na decisão recorrida, mostram-se preenchidas as duas alíneas (a) e b)) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE.
Porém, tal como se considerou na sentença recorrida, o factualismo apurado não permite dar como demonstrado que tais omissões causaram a situação de insolvência ou contribuíram para o seu agravamento.
Mas, contrariamente ao expendido na sentença recorrida, afigura-se-nos que o administrador “C” incorreu na previsão da alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE (“Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º”).
Se a petição de declaração de insolvência não tiver sido apresentada pelo devedor, no ato da sua citação o devedor é advertido de que os documentos referidos no n.º 1 do art.º 24.º do CIRE (nomeadamente, relação dos credores e respetivos créditos, identificação de ações e execuções contra si pendentes, documento explicitando a sua atividade nos últimos três anos, relação de bens e direitos, contas anuais relativamente aos últimos três anos, relatórios e pareceres de fiscalização e auditoria, mapa de pessoal) devem estar prontos para imediata entrega ao administrador da insolvência na eventualidade de a insolvência ser declarada (n.º 2 do art.º 29.º do CIRE).
Decretada a insolvência, o devedor fica obrigado a “fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal” (alínea a) do n.º 1 do art.º 83.º do CIRE), a “apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo administrador da insolvência (…)” (alínea b) do n.º 1 do art.º 83.º do CIRE), “a prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções” (alínea c) do n.º 1 do art.º 83.º do CIRE).
Nos termos do n.º 3 do art.º 83.º do CIRE, “a recusa de prestação de informações ou de colaboração é livremente apreciada pelo juiz, nomeadamente para qualificação da insolvência como culposa.”
Sendo certo que o supra disposto é aplicável, nomeadamente, aos administradores do devedor bem como às pessoas que tenham desempenhado esse cargo dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência (n.º 4 do art.º 83.º do CIRE).
A qualificação da insolvência como culposa, em termos imperativos e inilidíveis, no caso de reiterada falta de colaboração por parte do administrador após o decretamento da insolvência, foi alvo de apreciação pelo Tribunal Constitucional, que não lhe encontrou vícios de desconformidade com a Constituição, nomeadamente à luz dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cfr. acórdão do TC nº 70/2012, de 08.02.2012, consultável no sítio do TC na internet). Após realçar que “insolvência culposa” é uma categoria normativa, a que corresponde um regime próprio, que genericamente se pode caracterizar como punitivo e dissuasor de práticas violadoras de deveres funcionais dos administradores, pelo que há que ajuizar se as formas de incumprimento previstas na alínea i) merecem ou não ser sancionadas com as medidas que têm essa qualificação por pressuposto, ou, dito de outro modo, se elas, para esse efeito, podem ser tratadas como insolvência culposa, sem desconformidade com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, o Tribunal Constitucional realçou que no caso da alínea i) está em causa um comportamento posterior ao início do processo de insolvência, acrescentando, no entanto, que “do ponto de vista valorativamente relevante, e no plano funcional dos interesses a tutelar, não há diferença substancial entre prevenir atos geradores da situação de insolvência, caracterizadamente censuráveis e ilícitos (e puni-los, uma vez praticados) e, após essa situação estar criada, prevenir e punir omissões que, para além de dificultarem ou obstaculizarem o regular andamento do processo, podem conduzir a um agravamento da insolvência.” Segundo o TC, “a falta aos deveres de apresentação e de colaboração pode não resultar de um simples alheamento do processo, de desinteresse ou negligência, mas antes da intenção deliberada de não concorrer para o conhecimento de factos anteriores ao início do processo de insolvência que levariam à qualificação da insolvência como culposa, à luz de qualquer das restantes previsões”.
“Nessa medida”, acrescenta o TC, “essa norma apresenta uma relevante conexão de sentido com as restantes do n.º 2 do artigo 186.º, posicionando-se, se assim se pode dizer, como “norma de salvaguarda” da efetividade aplicativa daquele regime – o que justificará a sua integração sistemática no preceito.”
No que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, expende o TC que “tendo-se gerado uma situação de insolvência, já de si lesiva dos interesses creditórios e do comércio jurídico, em geral, é elementar dever dos administradores adotarem uma conduta leal e cooperante, por padrões de exigência qualificada, por forma a darem a sua contribuição (quase sempre indispensável, na fase inicial) para o normal desenrolar dos processos de resolução normativamente previstos e para minorar ou não agravar a afetação daqueles interesses. O incumprimento desse dever expõe-se a um juízo de intenso desvalor, tanto mais que a norma só é aplicável em caso de reiteração dessa conduta, sendo que a recusa de prestação de informações ou de colaboração que não revista forma reiterada “é livremente apreciada pelo juiz, nomeadamente para efeito da qualificação da insolvência como culposa”, nos termos do artigo 83.º, n.º 3, do CIRE.”
In casu, após a citação, a devedora nada veio dizer aos autos. Na sentença que decretou a insolvência, foi fixada a residência ao administrador da devedora, nomeado e identificado o administrador da insolvência e determinado que a insolvente procedesse à entrega imediata ao administrador da insolvência dos documentos referidos nas alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h) do n.º 1 do art.º24.º do CIRE. Mais se ordenou a imediata apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da insolvente e de todos os seus bens.
O administrador da devedora foi notificado da sentença e das obrigações que sobre si impendiam.
E o que fez? Nada.
Não prestou qualquer informação ao administrador da insolvência ou ao tribunal, não entrou em contacto com o administrador da insolvência ou com o tribunal. Isto apesar de saber que a devedora havia abandonado as instalações onde se encontrava o seu estabelecimento e a sua sede, ignorando-se onde estariam os seus bens e documentação relevante.
O administrador da insolvência enviou ao administrador da devedora uma carta registada com aviso de receção, para a morada que a este havia sido fixada e onde fora notificado da sentença, marcando uma reunião, mas a carta veio devolvida, com a menção “não reclamada”.
Pelo que o administrador, no relatório referido no art.º 155.º do CIRE, limitou-se a dar conta da completa ausência de elementos relativos à contabilidade e demais documentação respeitante à insolvente, bem como à existência e paradeiro do respetivo património, uma vez que a sede da sociedade estava vazia e não encontrara ninguém da empresa (vide fls 8 a 12 destes autos).
E, no parecer previsto no art.º 188.º n.º 2 do CIRE (parecer sobre a qualificação da insolvência), o administrador da insolvência apontou a violação do dever de colaboração do administrador “C” (além de outros factos, alegadamente integradores das alíneas a) e f) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE) para fundamentar a qualificação da insolvência como culposa (vide fls 90 e 91 destes autos). Parecer que mereceu a concordância do Ministério Público (fls 92 destes autos) e que foi no sentido da alegação da credora “A”.
A alegação da credora “A” e os ditos pareceres do administrador da insolvência e do Ministério Público não mereceram, por parte do administrador “C”, qualquer tentativa de explicação ou justificação, o qual não apresentou resposta, apesar de para o efeito ter sido notificado nos termos do n.º 5 do art.º 188.º do CIRE.
Assim, o administrador da devedora, “C”, violou absoluta e continuadamente o dever de colaboração que lhe incumbia, omitindo a prestação de qualquer informação sobre a vida da empresa e a sua situação patrimonial, o que tanto mais relevava quanto, como se provou, à devedora havia sido entregue, meses antes de entrar em estado de insolvência, quantia vultuosa (n.º 18 da matéria de facto: “Com data de 16.2.2006 a “A” - Distribuição de Bebidas, SA remeteu à insolvente a carta e o cheque no valor de €75.625, conforme fls. 65 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido”), assim como, na fase inicial da vida da empresa, havia sido entregue à “B”, em regime de locação financeira, diverso equipamento, mencionado nos números 22 e 23 da matéria de facto, cujo destino interessava conhecer.
Tal teve como consequência que na sentença recorrida nada se tenha dado como apurado quanto ao destino do património da insolvente e quanto à existência ou não de contabilidade organizada.
Esta total e continuada falta de colaboração por parte do dito administrador integra o conceito de reiterado incumprimento dos deveres de colaboração, previsto na alínea i) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE.
E mesmo que tal não sucedesse, face ao circunstancialismo exposto o comportamento omissivo do administrador justificaria a qualificação da insolvência como culposa, ao abrigo do n.º 3 do art.º 83.º do CIRE (“a recusa de prestação de informações ou de colaboração é livremente apreciada pelo juiz, nomeadamente para qualificação da insolvência como culposa).
Conclui-se, assim, que a insolvência foi culposa.
Haverá então que fixar as respetivas consequências.
Ao caso, uma vez que estão em causa condutas anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 16/2012, de 20.4, é aplicável a redação do CIRE prévia às alterações introduzidas por aquela Lei (art.º 12.º do Código Civil).
Aplica-se, pois, o art.º 189.º do CIRE, com a seguinte redação:
“1. (…)
2 — Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas afectadas pela qualificação;
b) Decretar a inabilitação das pessoas afectadas por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
3 — A inibição para o exercício do comércio tal como a inabilitação são oficiosamente registadas na conservatória do registo civil, e bem assim, quando a pessoa afectada fosse comerciante em nome individual, na conservatória do registo comercial, com base em certidão da sentença remetida pela secretaria.”
A sanção de inabilitação, prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 189.º, é inaplicável, pois, como se referiu supra, foi julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 173/2009, de 02.4.2009, publicado no D.R. I, n.º 85, de 04.5.2009.
Quanto à sanção prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 189.º, também é inaplicável, uma vez que o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, passando por isso o incidente de qualificação a reger-se pelas regras do incidente limitado previstas no art.º 191.º do CIRE (cfr., maxime, artigos 232.º n.º 5 e 191.º n.º 1 alínea c) do CIRE).
Resta, assim, aplicar ao administrador da devedora a sanção de inibição para o exercício do comércio e para ocupar certos cargos, prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 189º do CIRE, a qual, atendendo ao circunstancialismo apurado se fixa em três anos.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida (salvo quanto a custas) e em sua substituição:
a) Qualifica-se a insolvência de “B” – Sociedade Hoteleira, S.A. como culposa;
b) Declara-se afetado pela qualificação da insolvência como culposa o administrador da insolvente “C”, identificado nos autos;
c) Declara-se que durante três anos, a contar do trânsito em julgado deste acórdão, o referido administrador “C” fica inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa.
As custas da apelação são a cargo da massa insolvente (mantendo-se o decidido na sentença recorrida, quanto a custas do incidente na primeira instância).
Após trânsito em julgado deste acórdão, a primeira instância dará cumprimento ao disposto no art.º 189.º n.º 3 do CIRE.

Lisboa, 18.4.2013

Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins

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