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terça-feira, 19 de novembro de 2013

GRAVAÇÃO ILÍCITA DIREITO À PALAVRA INTROMISSÃO NA VIDA PRIVADA CONTRATO DE SEGURO - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 24.10.2013


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
102197/12.1YIPRT-A.L1-2
Relator: TIBÉRIO SILVA
Descritores: GRAVAÇÃO ILÍCITA
DIREITO À PALAVRA
INTROMISSÃO NA VIDA PRIVADA
CONTRATO DE SEGURO

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 24-10-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: 1. Sendo admissível, em abstracto, a indicação de registos fonográficos como meio de prova, importará saber se eles consubstanciam abusiva intromissão na vida privada que torne ilícita a recolha desses registos.
2. Ainda que tal não ocorra, estando em causa uma comunicação telefónica destinada à adesão a um contrato de seguro, haverá que apurar se não estará configurada a ofensa do direito à palavra, constitucionalmente consagrado, através da gravação não autorizada das respostas/declarações do contactado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1
Banco “A”, S.A., antes denominado Banco ..., S.A., com os sinais dos autos, apresentou contra “B”, também com os sinais dos autos, requerimento de injunção, alegando que concedeu à Requerida um empréstimo, a ser pago em 59 prestações mensais, tendo ocorrido, a data altura, incumprimento por parte da mesma Requerida, razão por que veio (o Requerente) pedir o pagamento da importância de €4.949,00, acrescida de juros e imposto de selo, nos termos que aqui se têm por reproduzidos.
A Requerida deduziu oposição, alegando, além do mais, que o Requerente, do total contratualizado de €14.732,30), já se cobrou de € 12.153,99, pelo que o montante em falta se cifra apenas em €2.578,31 e, assim, deve o pedido improceder parcialmente.
Na data designada para a audiência de julgamento, foi dada a palavra à Exmª Mandatária do A. para se pronunciar quanto às excepções constantes da contestação, tendo o A. apresentado resposta por escrito.

Nos artigos 23º e 24º dessa resposta, o A. alegou o seguinte:
«23°
Importa antes de mais esclarecer que a R. - como muito bem sabe mas parece agora esquecer - no decurso da vigência do contrato dos autos aderiu ao "Seguro “A” Protecção Perda Total" da Companhia de Seguros “C”, motivo pelo qual o valor da prestação mensal - que passou a englobar o prémio do dito seguro – passou a elevar-se, a partir da 9ª prestação vencida em 30/12/2008, ao valor total de € 272,43 (vide doc.’s 5 e 6 que ao diante se juntam e que aqui se dão por reproduzidos).
24°
O seguro referido no anterior artigo foi anulado, nos termos das respectivas condições, em virtude da falta de pagamento dos respectivos prémios, em 27/04/2012, motivo pelo qual o A. reclama o pagamento das 20 prestações não pagas apenas pelo valor de € 249,70 cada uma».

Para além da restante prova oferecida (conforme resulta da acta da audiência de discussão e julgamento), o A. requereu a reprodução de um CD com a gravação da adesão da R. ao seguro de protecção total para prova do quesito 23º da resposta […] apresentada pela A..
Relativamente a este requerimento, a R. tomou a seguinte posição:
«A R. vem-se opor à junção da prova em suporte digital relativa a uma suposta adesão a um seguro de protecção total, em virtude de o respetivo conteúdo, a ser admitido nos presentes autos, constituir uma alteração da causa de pedir inadmissível nos termos do DL.269/98, de 1 de setembro.
Ademais, desconhece se a referida gravação foi autorizada pela oponente aquando da alegada gravação pela oponida».
A Exmª Juíza relegou a decisão sobre a admissão da requerida reprodução da gravação de conversa telefónica para momento ulterior, ordenando que, oportunamente, lhe fossem os autos conclusos.
Aberta conclusão, foi proferido despacho, no qual se concluiu o seguinte:
«No caso dos autos cumpre, pois, determinar se a gravação que a A. pretende reproduzir em julgamento é nula e inadmissível como meio de prova. por abusiva intromissão na vida privada, face à aplicação analógica ao processo civil do disposto, conjugadamente, nos Art°s 32°, n° 8, da nossa Constituição Política, e 12ó° do Código de Processo Penal, quanto a provas nulas pelo método como foram obtidas), ou se, pelo contrário, pode ser eventualmente valorada em sede de julgamento.
Admitindo-se que os registos fonográficos podem, em abstracto, ser meio de prova (vd. arts. 368° do Código Civil e 527° do Cod. Proc. Civil) só o poderão, todavia, ser em concreto, se for demonstrado o consentimento do outro interlocutor na sua obtenção, ou esta tiver sido determinada, na ponderação de outros valores ou interesses comunitariamente superiores segundo o princípio da proporcionalidade, pela autoridade pública competente e sempre sem afronta, nesse caso, sobretudo quanto à sua valoração, do respeito devido à dignidade humana.
Pelo exposto, constituindo abusiva intromissão na vida privada a gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização judicial concedida pela forma prevista na lei processual, sendo nulos quanto à sua obtenção os respectivos registos fonográficos e, como tal, inadmissíveis como meio de prova, mesmo no processo civil, indefiro a reprodução do CD requerida pelo A.».

Inconformado com este despacho, dele recorreu o A., concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
(…)
*
Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, a questão a dirimir, in casu, é a de saber se, diversamente do decidido, será de admitir a reprodução do CD oferecido como prova, quer porque o objecto da gravação não consubstancia uma intromissão na vida privada da Recorrida, quer porque, face à posição desta perante aquele meio de prova, se deve dar por verificada a autorização para a gravação.
2
Os elementos a considerar são os que se alinharam no ponto anterior.
A douta decisão recorrida estribou-se, primacialmente, no Ac. da Rel. do Porto (e não do Supremo Tribunal de Justiça, referenciado naturalmente por lapso) de 15-04-2010 (Rel. Teixeira Ribeiro), publicado em www.dgsi.pt, aresto no qual se faz extensa e aprofundada análise da problemática em discussão e cujo sumário é do seguinte teor:
«I – Não sendo o CPC tão claro como o C. Proc. Pen. (art. 126º) quanto à nulidade das provas e à sua inadmissibilidade no processo civil, hão-de, todavia, as suas normas conformar-se – tal como as demais de todo o nosso ordenamento jurídico – às normas e princípios constitucionais em vigor (art. 204º da CRP), particularmente, e no que agora releva, às dos arts. 26º, nº1 e 32º, nº8, da CRP.
II – Por isso, a disciplina normativa deste art. 32º, nº8, apesar de epigraficamente referenciada para o processo penal, tem aplicação analógica ao processo cível, sendo a interpretação por analogia possível devido a não ser excepcional a regra deste art., nem as suas razões justificativas (dimanadas dos direitos individualmente reconhecidos no art. 26º, nº1 da mesma Constituição) serem válidas apenas para o processo penal (art. 126º, nº3 do Cod. Proc. Pen.).
III – Constitui abusiva intromissão na vida privada a gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização judicial concedida pela forma prevista na lei processual, sendo nulos quanto à sua obtenção os respectivos registos fonográficos e, como tal, inadmissíveis como meio de prova, mesmo no processo civil».

Também no Ac. da Rel. de Guimarães de 16-02-2012 (Rel. José Rainho), publicado na mesma base de dados, se alinhou por idêntico diapasão, ao exarar-se, na fundamentação, além do mais, o seguinte:
«O art. 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada.
Por intimidade da vida privada entende-se o núcleo vivencial individual que não é exposto publicamente ou socialmente, antes é reduzido (por opção pessoal ou por força das circunstâncias) à esfera circunscrita ou recatada de cada pessoa.
Cai neste âmbito a relação dialógica (conversação) telefónica estabelecida particularmente entre duas pessoas.
Nos termos do nº 8 do art. 32º da CRP, é nula - logo necessariamente ilícita e proibida - a prova obtida mediante abusiva intromissão na vida privada ou nas telecomunicações. Esta norma, conquanto formalmente prevista para o processo penal, deve ser tida como aplicável em todo e qualquer processo, e reporta-se tanto à prova obtida pelas entidades públicas como pelas entidades particulares».

No art. 26º, nº1, da CRP, vem previsto:
«A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação».

E no art. 32º, nº8:
«São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações».

Há ainda a considerar o estabelecido no art. 34º, nº1, também da CRP:
«O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis».

Concorda-se com o explanado nos acórdãos citados, mas importa referir que, naquele em que a decisão recorrida se baseou, estavam em causa conversas tidas no âmbito de relações interpessoais e familiares, de amizade e intimidade.
Ora, no caso que nos ocupa, do que se trata é de uma alegada proposta de aceitação de um contrato de seguro, feita pelo telefone, crendo-se, pois, que dificilmente estaremos aqui perante a reserva da intimidade da vida privada, ou seja, face àquele restrito núcleo vivencial individual que não é exposto publicamente ou socialmente, antes é reduzido (por opção pessoal ou por força das circunstâncias) à esfera circunscrita ou recatada de cada pessoa (utilizando a formulação usada no mencionado Ac. da Rel. de Guimarães). Nem a R. o alegou, pois limitou-se a dizer, em primeiro lugar, que, a admitir-se a dita prova em suporte digital, tal constituiria uma alteração da causa de pedir, afirmando, em segundo lugar, desconhecer se a gravação foi por si autorizada, aquando da respectiva recolha.
Ainda que não se esteja perante ofensa à reserva da intimidade da vida privada, não pode olvidar-se o direito à palavra, a que (também) se refere o citado art. 26º, nº1, da CRP, que é «um direito paralelo ao direito à imagem e implica a proibição de escuta/e ou gravação de conversas privadas sem consentimento ou de qualquer deformação ou utilização «enviesada» (através da montagem, manipulação e inserção das palavras em contextos radicalmente diversos etc.), das palavras de uma pessoa» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 467).
O direito à palavra – acrescentam estes Autores in loc. cit. – «desdobra-se, assim, em três direitos: (a) direito à voz, como atributo da personalidade, sendo ilícito, sem consentimento da pessoa, registar e divulgar a sua voz (com ressalva, é claro, do lugar em que ela foi utilizada); (b) direito às «palavras ditas», que pretende garantir a autenticidade e o rigor da reprodução dos termos, expressões, metáforas escritas e ditas por uma pessoa; (c) direito a auditório, ou seja, a decidir o círculo de pessoas a quem é transmitida a palavra».
Defende Isabel Alexandre que a prova fonográfica [que é, consabidamente, em abstracto, admitida na lei – arts. 368º do C. Civil e 527º (agora, 428º), do CPC] será nula, por aplicação do critério do art. 32º, nº8 da CRP, quando a sua utilização em juízo implique uma abusiva lesão do direito à palavra do interessado (Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 277).
Ademais, importará não olvidar que, não havendo consentimento, constitui crime a gravação ou utilização de palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público (art. 199º, nº1, do C. Penal).
Parece-nos, neste quadro, que, não estando, em princípio (confirmando-se que o objecto da gravação é aquele que se indica), em causa a reserva da intimidade da vida privada, importará, mesmo assim, saber se a R. deu autorização para a gravação do conteúdo das suas respostas/declarações relativamente à proposta que lhe terá sido feita, ou seja, se não houve uma recolha abusiva (sem a sua anuência) das palavras que haja proferido.
Discorda-se, com todo o respeito, da tese do A. quando defende que o Tribunal recorrido deveria ter considerado o disposto no art. 490º, nº3, do CPC, retirando da tomada de posição da Ré (a afirmação de que desconhece se deu autorização para a gravação) a conclusão de que essa autorização se verificou. Na verdade, a pronúncia da Ré, em audiência, não incidiu directamente sobre a alegação dos factos aduzidos pela contraparte na resposta, mas sobre os meios de prova apresentados naquele momento, havendo, por isso, que situar a impugnação (ou a falta dela) no âmbito, do exercício do contraditório quanto à admissão e ao valor probatório desses meios de prova (arts. 517º do CPC), não sendo de extravasar para o domínio da confissão prevista no nº3 do art. 490º do CPC, que se reporta à impugnação de factos articulados.
Entende-se, pelo exposto, que não se aplica ao caso o art. 490º, nº3, do CPC, não sendo de retirar da referida declaração da Ré a confissão da autorização para a gravação, sendo certo, ademais, que a Ré impugnou os docs. nºs 5 e 6, atinentes ao alegado no dito art. 23º da resposta (uma carta em que se que começa por felicitar a R. pela sua adesão ao produto “A” PPT e um certificado de adesão a esse seguro), dizendo o seguinte:
«Quanto aos documentos n°s 5 e 6 datados de 25 de janeiro de 2013 não foram remetidos à oponente, não foram assinados pela mesma e não se confundem com o seguro de vida a que se refere a cláusula 13a das condições gerais do contrato mútuo em apreço desde logo por ter um âmbito de cobertura diferente, pelo que a sua elaboração e alegado envio é extemporâneo porque posterior à data da celebração do contrato mútuo».
Entende-se que a forma de dilucidar a questão da existência da autorização para que se efectuasse a gravação será através da audição do início do CD. Assim se poderá aferir se, na realidade, se colheu a anuência da R. de modo a facultar-se a utilização do que viesse a ser por ela declarado relativamente à proposta que lhe era feita.
Diverge-se, pois, com todo o respeito, também do Tribunal recorrido ao dar como adquirido que não houve consentimento para a gravação, pois crê-se que subsiste a possibilidade, através da audição CD, pelo menos na parte inicial, de se demonstrar essa autorização.
Importa, no entanto, referir que essa diligência apenas deverá ter lugar se o Tribunal não entender rejeitar por outros motivos o meio de prova em apreço, já que, quando se pronunciou sobre a respectiva admissão, a R. começou por se opor à junção por razões diversas da problemática da autorização para a gravação. Ora, essas razões não foram apreciadas, certamente porque o Tribunal as teve por prejudicadas face ao entendimento que plasmou no despacho recorrido.
Por outro lado, há que ponderar que o Tribunal, ainda que constatada a existência de autorização para a gravação quanto à adesão à proposta de seguro, não estará impedido de suspender a respectiva reprodução se verificar que se entrou em domínio que extravasa a finalidade da mesma autorização e seja susceptível de ofender a reserva da vida privada da R..

Por tudo o que se deixou exposto, decide-se revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, se outras razões não ocorrerem para a rejeição do meio de prova em apreço (o mencionado CD), determine a respectiva audição para, nos descritos termos, em primeiro lugar, se verificar se houve autorização para a gravação, passando-se, depois, se for caso disso, à parte restante, com as consequências que daí possam resultar em termos probatórios e decisórios.

Custas conforme se fixar a final.

*
Sumário (da responsabilidade do relator)
(…)
*

Lisboa, 24-10-2013

Tibério Silva
Ezagüy Martins
Maria José Mouro

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