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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

PROCEDIMENTO DISCIPLINAR NOTA DE CULPA FACTOS NOVOS - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 11.11.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
884/12.0TTPNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
NOTA DE CULPA
FACTOS NOVOS

Nº do Documento: RP20131111884/12.0TTPNF-A.P1
Data do Acordão: 11-11-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: I – A arguição das nulidades da sentença em matéria laboral deve lugar no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artigo 77º, nº 1, do CPT – expressa e separadamente.
II – Inexiste impedimento legal a que a entidade empregadora envie ao trabalhador/arguido uma nova nota de culpa no decurso do procedimento disciplinar, seja por novos factos, seja para rectificação ou complemento da anterior, desde que seja assegurado o direito de defesa a cada um das notas de culpa.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 884/12.0TTPNF-A.P1 Reg.321
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. Paula Maria Roberto
Recorrente: B…
Recorrida: C…

Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
◊◊◊
◊◊◊
I – RELATÓRIO
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1.
B… intentou, ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra C…, opondo-se ao seu despedimento.
◊◊◊
2.
Frustrada a conciliação empreendida na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento, tendo o Autor respondido ao alegado articulado e deduzido reconvenção, à qual a Ré apresentou resposta.
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3.
Realizou-se Audiência Preliminar, onde mais uma vez não foi possível conciliar as partes.
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4.
Foi proferido despacho saneador, no qual foram conhecidas as seguintes matérias em discussão:
a) - Da nulidade por ininteligibilidade do processo disciplinar, cuja foi julgada improcedente.
b) Da caducidade do direito de exercer a acção disciplinar no âmbito do processo disciplinar nº 311, cujo conhecimento foi relegado para a sentença.
c) Da caducidade do procedimento disciplinar nº 311 suscitada pelo trabalhador nos artigos 33º a 40º e 41º a 47º da sua contestação, cujo conhecimento foi relegado para a sentença.
d) Da caducidade e prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos constantes da nota de culpa adicional do processo nº 311, cujo conhecimento foi relegado para a sentença.
e) Da fraude à lei que o Trabalhador alega nos artigos 52º a 58º da sua contestação, cuja foi julgada improcedente.
f) Da falta de comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa de 12/10/2011, cuja nulidade foi julgada improcedente.
g) Da nulidade por preterição de diligência essencial à descoberta da verdade, cuja nulidade foi julgada improcedente.
h) Da invalidade da decisão de despedimento por omissão de pronúncia, cuja foi julgada improcedente.
◊◊◊
5.
Inconformado com estas decisões dela recorreu o Autor, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.ª O douto despacho saneador em crise para decidir da inteligibilidade do(s) “PD(s)” considerou como fundamento de facto entre outros a existência de deliberações de instauração de PDs e decisão do Conselho de Administração da Ré, respectivo teor e data, quanto a cada um dos PDs;
2.ª O mesmo despacho saneador selecciona para a base instrutória os factos capazes de corporizar a existência, teor e data dessas mesmas deliberações;
3.ª O mesmo acontece quanto à questão de saber qual natureza/finalidade, data, etc., dos documentos anteriores aos termos de abertura dos “PDs” que na fundamentação do despacho que os considera inteligíveis surgem adquiridas, para mais à frente, no que concerne à apreciação e decisão de outras questões de mérito, serem quesitadas;
4.ª Os pressupostos da decisão de mérito acerca da inteligibilidade dos PDs não estão adquiridos nos autos pelo contrário estão controvertidos;
5.ª Não pode o Tribunal Recorrido fundar a decisão da inteligibilidade do(s) PD(s) na enumeração de factos que considera assentes, para mais à frente os considerar controvertidos, sob pena de possibilitar decisões contraditórias;
6.ª Veja-se que, a manter-se o actual estado de coisas e se a prova a produzir em julgamento conduzir à não prova dos factos simultaneamente quesitados e pressupostos da decisão da inteligibilidade, o Apelante ficará confrontado com um primeiro despacho que decidiu que o mesmo compreendeu, ou tinha a obrigação de compreender algo que, na hipótese levantada, não existe e que actualmente está controvertido;
7.ª Incorre assim o despacho recorrido nesta parte na nulidade prevista no art.º 668.º n.º 1 al. c) do C.P.C., que aqui se deixa arguida para os devidos e legais efeitos;
Sem prescindir,
8.ª Como resulta dos autos o Tribunal não logrou discernir, na presença do(s) “PD(s)” e com a posição das partes definida nos autos a existência dos factos àqueles referentes que quesita designadamente nos itens 1.º a 11.º da B.I.;
9.º Em face do exposto é manifesto que o A./Apelante, num momento anterior, nos 10 dias que teve para procurar advogado, aconselhar-se, constituir mandatário, consultar o processo (que a ser um tem mais de quinhentas páginas) e responder à nota de culpa e sucessivos não conseguiu percepcionar os mesmos factos;
10.º Ou seja, o Trabalhador não conseguiu saber se existiu deliberação do Conselho de Administração da Ré, ou de outro órgão qualquer, em que sentido, designadamente de instaurar, ou mandar instaurar processo disciplinar sua data, a sua legitimidade, o que são os papéis que estão antes dos termos de abertura, etc.;
11.º São pressupostos da própria inteligibilidade natural mínima do processo disciplinar que o trabalhador, aquando da consulta do PD, possa saber designadamente quando o mesmo se iniciou, porquê e por quem, a fim de poder pelo menos avaliar das questões fundamentais de defesa, como sejam a caducidade do direito de acção disciplinar, a legitimidade de quem o promove e a amplitude dos factos pelos quais o PD é instaurado;
12.ª Razão pela qual o(s) PD(s), no caso corrente, é ininteligível;
13.ª O que se afere do próprio teor dos documentos juntos aos autos e por isso devia ter sido decidido já no despacho saneador;
14.ª O Tribunal recorrido ao decidir nos termos em que decidiu violou o disposto no art.º 353.º, 355.º e art.ºs ss. do C.T. e art.º 53.º da C.R.P.;
15.ª O Apelante fundou porém a nulidade da ininteligibilidade do(s) PD(s), noutros factos a saber: a existência de papéis no(s) PD(s) que não datados, assinados, dos quais não se retira designadamente a autoria, existência de documentos que parecem ser comunicações por e-mail entre interlocutores não identificados cujas condições de publicidade não parecem garantidas ou demonstradas, a existência de mapas informáticos sem qualquer legenda, referenciação, ou explicação, existência de várias duplicações de documentos, sobre o critério de numeração do(s) PD(s), se se trata de um só PD ou vários e neste caso quando e se foram apensados e por tudo da própria organização e sistemática do(s) PD(s);
16.ª Sobre as ditas questões não incidiu decisão do Tribunal, ou quando assim não se entenda, o que se equaciona por mera cautela de patrocínio, a ter existido decisão a mesma não se encontra fundamentada de facto e de Direito;
17.ª Pelo que o despacho em crise incorre na nulidade prevista no art.º 668.º n.º 1 al. d), ou na al. b) subsidiariamente, que aqui se deixa alegada para os devidos e legais efeitos;
18.ª Sendo que para o caso das nulidades supra arguidas não procederem o que não se concede, nem se concebe, então, tal como supra se expôs o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 353.º, 355.º e art.ºs ss. do C.T. e art.º 53.º da C.R.P., ao considerar que o(s) “PD(s)” são inteligíveis, tanto mais que laborou em grosseiro erro de julgamento quanto à apreciação dos documentos (“PDs”), meio de prova e pressuposto da decisão.;
Acresce ainda que,
19.ª Na réplica a Apelada juntou documentos que são supostamente a concretização de uma diligência de instrução requerida pelo Trabalhador e que não constavam do(s) PD(s) juntos aos autos, nem respeitam a sua (des)organização;
20.ª O Apelante impugnou os documentos e reiterou a ininteligibilidade já alegada, que a não ser conhecida pelo Tribunal, permitiria a posterior e insindicável inserção de documentos no(s) PD(s);
21.ª O Tribunal recorrido suprindo a falta de requerimento de prova da Ré acerca da genuinidade dos documentos que integram os supostos PD(s), matéria da sua responsabilidade probatória e cujo prazo tinha já esgotado, ordenou a junção aos mesmos dos dois processos disciplinares;
22.ª Sucede porém que, apesar disso, sem os originais juntos aos autos e sem puder verificar a sua conformidade/completude com o(s)PD(s) juntos aos autos, o Tribunal decidiu a inteligibilidade arguida na contestação;
23.ª Praticou assim o Tribunal dois actos que a Lei não admite com manifesta influência no exame e decisão da causa, o primeiro a ordem para junção aos autos do original dos “PDs”, o segundo a decisão sobre a inteligibilidade dos mesmos sem se ter produzido prova sobre a genuinidade dos documentos que os compõem – cfr. art.ºs 668.º n.º al. c) e d), e subsidiariamente art.º 201.º do C.P.C. – nulidade que aqui se deixa também alegada para os devidos e legais efeitos;
Sem prescindir ainda:
CADUCIDADE E FRAUDE À LEI
24.ª A Apelada replicou no processo propósito da caducidade que o Apelante oportunamente alegou, que quem conduziu a investigação que resultou na elaboração dos relatórios de averiguações que contém os factos imputados ao Apelante não tem poderes disciplinares e fez a investigação fora daquilo que se pode considerar um inquérito prévio, ou mesmo a instrução de um PD, embora conste dos documentos que diz comporem o último;
25.ª O Apelante, por cautela de patrocínio, e para a possibilidade de não lograr demonstrar os poderes disciplinares da Direcção da Ré que realizou a investigação, ou demonstrar que esta é um inquérito prévio, veio subsidiariamente suscitar que então a Ré fez assim tramitar o(s) “PD(s)” para que não se apliquem os prazos de caducidade (para se furtar ao cumprimento das normas imperativas reguladoras da caducidade) do exercício da acção disciplinar, 60 dias após o conhecimento dos factos e 30 dias após o fim do inquérito prévio;
26.ª Os factos em causa são os alegados nos art.ºs 21.º a 58.º da contestação que foram levados aos itens 43.º a 47.º da B.I.
27.ª A alegação, sucinta é verdade, do Apelante a propósito da fraude à Lei, tem de ser sistematicamente interpretada na contestação, muito concretamente com a questão da caducidade anteriormente suscitada e na sequência da qual surge;
28.ª Se assim se interpretar a fraude à Lei invocada, o que corresponde ao que se escreve na contestação, não há insuficiência factual na questão suscitada;
29.ª É que se a tese da Apelada é a de que os prazos de caducidade não decorreram porque designadamente a Direcção de Auditoria e Inspecção não tem competência disciplinar dentro da Ré e por isso o seu conhecimento dos factos não releva para efeitos de caducidade, nem esta direcção, nas investigações que realizou, conduziu inquérito prévio, nem instrução do(s) PD(s), o que alega também para afastar a caducidade do direito de expedir a nota de culpa, então tem o Tribunal de decidir, na eventualidade da prova da respectiva tese, se a função designadamente daquela direcção não é, pela respectiva actuação, garantir à Ré na acção a tramitação do PD fora das respectivas normas, concretamente derrogando os prazos de caducidade imperativamente previstos no C.T.;
30.ª O douto despacho recorrido ao julgar improcedente a questão da fraude à Lei por falta de fundamento factual, fez incorrecta interpretação da Lei e do Direito designadamente dos art.ºs 352.º, 329.º do C.T., 330.º do C.C. e incorrecta/ incompleta interpretação da contestação do Apelante, razão pela qual deve ser revogado e substituído por outro que relegue o respectivo conhecimento para a sentença;
31.º Sem prejuízo do que vem dito a verificação no caso concreto da fraude à Lei não deve ficar exclusivamente dependente da alegação de facto e de Direito pelas partes, antes deve ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal, como causa de nulidade que é; e 32.ª Se o entendimento do Tribunal a quo é diverso, isto é, que carece de concretização factual a dita fraude à Lei, então, nos termos dos art.º 508.º do C.P.C. e 27.º, al. b) do C.P.T. deveria ter lançado mão do poder/dever de convidar o Apelante a concretizar a sua alegação;
33.ª O que não fez, omitindo a prática de despacho de convite ao aperfeiçoamento antes de decidir de mérito e definitivamente a questão, acto que a Lei prescreve e que tem manifesta influência no exame e decisão na causa, desde logo porque a questão foi indeferida exactamente pela falta dos factos que de outra forma poderiam estar no processo, pelo que cometeu a nulidade prevista no art.º 201.º n.º 1 do C.P.C., que subsidiariamente se deixa aqui alegada para todos os efeitos;
Sem prescindir
FALTA DE COMUNICAÇÃO DA INTENÇÃO DE DESPEDIMENTO JUNTA À NOTA DE CULPA DE 12/10/2011
34.ª Considera o Tribunal a quo, no douto despacho recorrido que a entidade empregadora não está impedida de enviar mais do que uma nota de culpa ao trabalhador no decurso do mesmo processo disciplinar;
35.ª Não estando igualmente impedida de fazer uma única decisão quanto aos dois processos disciplinares;
36.ª A questão suscitada pelo trabalhador e, por isso, sujeita a apreciação, tal como aquele a formulou é: saber qual a consequência da não comunicação ao A. da intenção de proceder ao seu despedimento na nota de culpa de 12/10/2012;
37.ª Ou seja, decidir qual a consequência da falta de comunicação da intenção de despedimento ao trabalhador, facto assente, numa das três notas de culpa cujos factos conjunta e indistintamente com outros fundamentam a final o despedimento;
38.ª Ora, o Tribunal recorrido não se pronunciou manifestamente sobre a questão suscitada, embora indefira a nulidade consequentemente arguida;
39.ª Salvo melhor opinião em contrário o despacho em crise incorreu por isso na nulidade prevista no art.º 668.º n.º 1 al. d) do C.P.C., que aqui se alega para os devidos e legais efeitos, ou pelo menos preteriu completamente a fundamentação de facto e de direito da decisão, o que gera a nulidade que subsidiariamente se alega da al. b) do mesmo artigo e número;
40.ª Tendo sido omitida decisão a mesma deve ser tomada por constarem no processo todos os elementos a isso necessários;
41.ª Com efeito, conforme resulta da resposta á nota de culpa notificada sem intenção de despedimento o Apelante confessou inúmeros factos que vieram a fundar o seu despedimento, circunstância que com toda a probabilidade iria ponderar se soubesse disso mesmo;
42.ª Acresce que o trabalhador nunca teve a oportunidade de se pronunciar sobre a susceptibilidade daqueles factos, isolada ou conjuntamente com outros, poderem conduzir à aplicação da sanção de despedimento, havendo pois preterição do respectivo direito de defesa;
43.ª Por fim diga-se que como decorre da própria natureza das coisas o trabalhador que se depara com uma nota de culpa com intenção de despedimento tem a possibilidade de oferecer argumentos factuais e jurídicos de defesa, requerendo a respectiva prova, diversos daqueles que tem numa nota de culpa sem intenção de despedimento; aliás, a própria postura do trabalhador há-de ser necessariamente diferente perante dois processos disciplinares com objectivos diferentes;
44.ª A comunicação da nota de culpa com expressa menção “sem intenção de despedimento”, teve inequívoca influência no exercício do direito de defesa do trabalhador, parcialmente preterido e realizado com base naquele pressuposto posteriormente alterado, o que impõe que se conclua pela invalidade e ilicitude do despedimento, nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 e n.º 1 do art.º 382.º do C.T.;
45.ª Por cautela de patrocínio e para o caso da nulidade supra arguida não proceder o que não se concede, nem se concebe, então, tal como supra se expôs o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 353.º, 355.º e art.ºs ss., 382.º do C.T. e art.º 53.º da C.R.P.;
Sem prescindir por fim
NULIDADE: PRETERIÇÃO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA ESSENCIAL NO PD
46.ª o Apelado vem acusado de ter utilizado, em 10.03.2011, entre as 13H04M44S e as 13H07M05S, as credenciais do Gerente para, sem autorização deste e à sua revelia, levar a efeito os 6 movimentos de compensação, sendo certo que, na tese da Apelada esses mesmos factos foram do conhecimento do gerente do balcão escassos dias após, quando confrontado pela cliente com o pagamento do cheque;
47.ª Na resposta à nota de culpa requereu ao Ex.mo Sr. Dr. Instrutor do processo se dignasse oficiar junto dos serviços informáticos da Arguente se e quando, por referência à data e hora, o Gerente D… procedeu à alteração das respectivas credenciais desde Janeiro de 2011 e até Dezembro do mesmo ano;
48.ª A diligência requerida a mesma não se destina, nem se vislumbra como se a possa destinar, a demonstrar uma qualquer causa de exclusão de ilicitude nos factos concretamente imputados ao Apelante, mas antes visa apurar a autoria, ou a co-autoria dos factos;
49.ª É que o Gerente que supostamente não fez os movimentos em causa, não os autorizou e não teve deles contemporâneo conhecimento, deveria na respectiva tese, aquando da reclamação da cliente, ter alterado as credenciais;
50.ª Saber se o gerente mudou, ou não, as credências é assim fundamental para se obter um dos poucos indícios e meios de prova com relevância para a decisão da causa, já que, não consta que alguém venha aos autos relatar, mais do que aquilo que está no(s) “PD(s)”.
51.ª Ao decidir pela não essencialidade da diligência requerida pelo Apelante no PD o douto despacho em crise fez incorrecta aplicação da Lei e do Direito, designadamente do disposto nos art.ºs 355.º, 356.º e 381.º al. c) do C.T., pelo que deve ser revogado por um que conheça da sua não realização e respectiva consequência;
52.ª Por tudo quanto se expôs o douto despacho recorrido, é parcialmente nulo, ou ainda que assim não se entenda, fez incorrecta aplicação da Lei e do Direito pelo que deve ser revogado.
◊◊◊
6.
A Ré apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
A- Não tendo dado cumprimento – como não deu – ao disposto no artº 77º, nº 1 do CPT, as nulidades constantes das Conclusões 1ª a 7ª; 8ª a 17ª; 19ª a 23ª; 24ª a 33ª e 34ª a 39ª, têm que ser julgadas improcedentes por suscitadas extemporaneamente.
B- Das diferentes decisões de que o douto despacho saneador trata apenas pode ser objecto de recurso imediato a matéria contida nas Conclusões 24ª a 33ª.
Mas,
C- Mesmo nesta matéria, o recurso deverá ser julgado improcedente.
D- Pois, nada obsta a que uma entidade bancária esteja organizada de tal modo que a sua Direcção de Auditoria e Inspecção – que não tem poder disciplinar – averigue os factos antes de os mesmos irem ao conhecimento do CA.
E- Sendo certo que só o conhecimento dos factos pelo CA faz desencadear o prazo em que o procedimento disciplinar, pelos factos da responsabilidade dos trabalhadores da instituição, poderá ser exercido.
◊◊◊
7.
A Exª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido da inadmissibilidade do recurso quanto às questões relacionadas com a caducidade do direito de exercer a acção disciplinar no âmbito do processo disciplinar nº 311, com a caducidade do procedimento disciplinar nº 311 suscitada pelo trabalhador nos artigos 33º a 40º e 41º a 47º da sua contestação, da caducidade e prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos constantes da nota de culpa adicional do processo nº 311, cujo conhecimento foi relegado para a sentença; da intempestividade da arguição das nulidades da sentença e da improcedência das nulidades a que se refere o artigo 201º, nº 1 do CPC.
◊◊◊
8.
Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
◊◊◊
◊◊◊
II – QUESTÕES A DECIDIR
Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, as questões a apreciar são as seguintes:
- Da inadmissibilidade de algumas matérias que foram objecto de recurso;
- Das nulidades da sentença e da sua eventual arguição intempestiva (conclusões 7ª, 17ª, 23ª e 39ª);
- Das nulidades a que se refere o artigo 201º, nº 1 do Código de Processo Civil (conclusões 23ª e 33ª) – caso o recurso seja admissível;
- Erro de julgamento.
◊◊◊
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III – FUNDAMENTOS
◊◊◊
1.
FACTOS PROVADOS:
Os já referidos no relatório antecedente.
◊◊◊
2.
DO MÉRITO
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2.1.
DA INADMISSIBILIDADE DE ALGUMAS MATÉRIAS QUE FORAM OBJECTO DE RECURSO

2.1.1.
O recorrente recorre de várias questões que foram “ apreciadas” no despacho saneador.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 79º-A do Código de Processo do Trabalho, cabe recurso de apelação da decisão do tribunal da 1ª instância que ponha termo ao processo.
O nº 2 deste normativo elenca as outras situações em que também cabe recurso de apelação.
Já o nº 3 dispõe que as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Não estando em causa decisão que ponha termo ao processo, haverá que indagar se a situação em apreço está abrangida por algum dos casos elencados no nº 2 do artigo 79º-A do CPT.
De acordo com este normativo, cabe ainda recurso de apelação nas seguintes decisões:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência do tribunal;
c) Da decisão que ordene a suspensão da instância;
d) Dos despachos que excluam alguma parte do processo ou constituam, quanto a ela, decisão final, bem como da decisão final proferida nos incidentes de intervenção de terceiro e de habilitação;
e) Da decisão prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 98.º -J;
f) Do despacho que, nos termos do n.º 2 do artigo 115.º, recuse a homologação do acordo;
g) Dos despachos proferidos depois da decisão final;
h) Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei.

2.1.2.
Facilmente se constata que não estamos perante qualquer situação que seja abarcada pelas alíneas a) a h). Resta, pois, a alínea i) que nos remete alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil, ou seja:
c) Decisão que aplique multa;
d) Decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária;
e) Decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
h) Despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa;
i) Despacho de admissão ou rejeição de meios de prova;
j) Despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo;
l) Despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar, determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento;

Para o que aqui interessa devemos atender à alínea h), pois as restantes situações estão manifestamente fora do campo de aplicação.
Ora, de acordo com a alínea h) do nº 2 do artigo 691º do Código de Processo Civil, cabe recurso do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa.
Nestes casos, o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias (artigo 80º, nº 2 do CPT), subindo em separado (artigo 83º-A, nº 2 do CPT) e com efeito devolutivo (artigo 83º, nº 1 do CPT).
Nos restantes casos, como já referimos, as decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (artigo 79º-A, nº 3 do CPT).

2.1.3.
A Exª Sr.ª Procuradora-geral Adjunta invoca, para sustentar a inadmissibilidade do recurso, no que concerne a algumas questões trazidas à colação pelo recorrente, o artigo 510º, nº 4 do CPC que dispõe que “não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão da matéria que lhe cumpra conhecer”.
Efectivamente no despacho saneador a Mª Juiz a quo relegou para a sentença, por falta de elementos, as seguintes questões:
- Da caducidade do direito de exercer a acção disciplinar no âmbito do processo disciplinar nº 311;
- Da caducidade do procedimento disciplinar nº 311 suscitada pelo trabalhador nos artigos 33º a 40º e 41º a 47º da sua contestação;
- Da caducidade e prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos constantes da nota de culpa adicional do processo nº 311.
Porém, apesar de o recorrente no requerimento de interposição do presente recurso, ter utilizado uma forma generalista ao dizer que “Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho saneador proferido a fls. …, que decidiu várias questões de mérito suscitadas na contestação do Recorrente, Autor na acção”, não vislumbramos que, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, a essas questões se refira.

2.1.4.
Voltando à alínea h) do nº 2 do artigo 691º do Código de Processo Civil, a pergunta que nos cabe fazer é a seguinte: Quando é que o despacho saneador, sem pôr termo ao processo, decide do mérito da causa?
Segundo António Santos Abrantes Geraldes[1] “pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre “o mérito da causa” quando (…) aprecia, no sentido da procedência ou da improcedência, qualquer excepção peremptória, como a caducidade e a prescrição, a compensação, a nulidade ou anulabilidade” ou, “ quando nele se julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados”[2].
De acordo com o nº 3 do artigo 493º do Código de Processo Civil, as excepções peremptórias são aquelas que “importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.”

2.1.5.
Ora, acontece que no despacho saneador, salvo o devido respeito, não foi conhecida qualquer excepção peremptória.
Isto porque, quer a nulidade por ininteligibilidade do processo disciplinar, quer a fraude à lei que o Trabalhador alega nos artigos 52º a 58º da sua contestação, quer a falta de comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa de 12/10/2011, quer a nulidade por preterição de diligência essencial à descoberta da verdade e, por fim, quer a invalidade da decisão de despedimento por omissão de pronúncia, não constituem qualquer excepção peremptória sob o ponto de vista processual (cfr. artigo 493º, nº 3 do CPC), uma vez que não consubstanciam matéria que impeça, modifique ou extinga o efeito jurídico pretendido pelo Autor, embora, possam, em certas situações, constituir fundamento do pedido do Autor, ou seja, da acção, consubstanciando, nessa parte e nessa medida, o despacho saneador, conhecimento parcial do mérito da acção.

2.1.6.
Questão diferente é a parte do recurso referente às invocadas nulidades processuais previstas no nº 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil (conclusão 23ª – pelo facto de o Tribunal ter conhecido da ininteligibilidade do processo disciplinar sem ordenar a junção aos autos dos originais dos processos disciplinares – e 33ª – na medida em que o Tribunal não convidou o Autor a aperfeiçoar os articulados, o que era obrigado a fazer, se entendia que a questão da caducidade do procedimento disciplinar e da fraude à lei não estava suficientemente fundamentada de facto).
Ora, estas questões são decisões interlocutórias com impugnação diferida[3], ou seja, deverão ser impugnadas com o recurso interposto da decisão final.

2.1.7.
O mesmo se diga quanto à chamada “PRETERIÇÃO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA ESSENCIAL NO PD”, que não entram no elenco das decisões recorríveis nesta fase processual.

2.1.8.
Alega ainda o recorrente que para o caso das nulidades arguidas não procederem então o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 353.º, 355.º e art.ºs ss. do C.T. e art.º 53.º da C.R.P., ao considerar que o(s) “PD(s)” são inteligíveis, tanto mais que laborou em grosseiro erro de julgamento quanto à apreciação dos documentos (“PDs”), meio de prova e pressuposto da decisão.
Ora, acontece que esta decisão não conhece do mérito da causa, como o próprio recorrente reconhece ao dizer que o tribunal incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação dos documentos (“PDs”), meio de prova.
Se assim é, conforme refere a recorrida nas suas alegações, tal questão não cabe dentro do nº 1, nem dentro de qualquer das alíneas – mormente na alínea h) do nº 2 do artigo 691º do CPC.
Sendo assim, o recurso sobre a aludida matéria apenas poderá ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final.

2.1.9.
Por todo o exposto, quanto a estas questões o recurso é inadmissível, pelo que o recorrente será condenado nas custas do incidente.

2.2.
DAS NULIDADES DA SENTENÇA
Alega o Recorrente que a sentença é nula por violação do artigo 668°, nº 1, al. b), c) e d) do Código de Processo Civil.
De acordo com o expresso no artigo 668º, nº 1 do CPC:
“ É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido
f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do n.º 4 do artigo 659º”.

As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, pode este ser impugnado através do respectivo recurso. Porém as nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, devem ser invocadas no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artigo 77º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho - expressa e separadamente (“a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”).
A referida norma do CPT encontra a sua razão de ser na circunstância da arguição das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz pelo tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer.
Radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade”[4].
No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no Proc. nº 413/04 decidiu, nomeadamente, o seguinte:
Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro [que corresponde, com alterações, ao Art.º 72.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 1981], na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior[5].

Acontece, porém, que no caso em apreço, o recorrente não invocou as nulidades da sentença no requerimento de interposição de recurso, mas apenas na respetiva alegação e nas conclusões. Por conseguinte, reconhecendo a razão à recorrida e à Exa. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta ao levantarem essa questão, uma vez que o procedimento utilizado pela autor/apelante, para a arguição das nulidades da sentença, não está de acordo com o legalmente exigido em processo de trabalho, não se conhecerá das mencionadas nulidades, uma vez que, não tendo sido dado cumprimento ao estabelecido no artigo 77º, nº 1, do CPT, a sua arguição é extemporânea.

2.3.
Alega o recorrente que o despacho recorrido ao julgar improcedente a questão da fraude à Lei por falta de fundamento factual, fez incorrecta interpretação da Lei e do Direito designadamente dos artigos 352.º, 329.º do C.T., 330.º do C.C. e incorrecta/ incompleta interpretação da contestação do Apelante, razão pela qual deve ser revogado e substituído por outro que relegue o respectivo conhecimento para a sentença.
O recorrente fundamento a fraude à lei no modo de actuação da Recorrida-fazendo tramitar a investigação disciplinar fora das normas que regulam o inquérito prévio e o procedimento disciplinar.

Sobre esta questão o despacho recorrido exarou o seguinte:
“O Trabalhador, no artigo 57º da sua contestação, alega que a Empregadora fez tramitar a investigação disciplinar fora das normas que regulamentam o inquérito prévio e o procedimento disciplinar, visando com isso, em manifesta fraude à lei, aproveitar prazos maiores para o início, exercício, condução e decisão da acção disciplinar. Tal fraude à lei cometida pela Empregadora determina a nulidade de todo o processo disciplinar.
Na resposta, a Empregadora pugnou pela improcedência de tal nulidade, alegando que o que se verificou foi o desenvolvimento normal das funcionalidades das diversas unidades operacionais da empresa. Com efeito, na C…, a Direcção de Auditoria e Inspecção, no exercício das suas competências funcionais e orgânicas, perante um problema que surge e que, por qualquer razão, tenha a aparência de “anormal”, leva a efeito as averiguações que entende ao esclarecimento da verdade – em matéria tanto de ordem que à primeira vista possa configurar matéria disciplinar, mas não só: podem estar em causa apenas questões de ordem organizacional ou administrativa – do que dá conhecimento ao Conselho de Administração.
Este, perante os factos, se entende que os mesmos revestem carácter disciplinar, então é que aprecia e delibera actuar disciplinarmente. Até esse momento, não está em causa o exercício do poder disciplinar: este apenas é detido pelo Conselho de Administração que decide exercê-lo ou não conforme os casos.
As averiguações levadas a efeito pela Direcção de Auditoria e Inspecção não consubstanciam qualquer inquérito prévio, nos termos e no âmbito que o Contrato de Trabalho, no seu artº 352º prevê: o inquérito prévio a que se refere este artigo só pode ser ordenado por quem detém o poder disciplinar.
Ora, a respeito de tal nulidade, cumpre referir que entendemos ser a mesma manifestamente improcedente. Com efeito, o Trabalhador, para a fundamentar, limita-se a fazer considerações meramente conclusivas, considerando que a Empregadora fez tramitar a investigação disciplinar fora das normas que regulamentam o inquérito prévio e o procedimento disciplinar, visando com isso, em manifesta fraude à lei, aproveitar prazos maiores para o início, exercício, condução e decisão da acção disciplinar. No entanto, nenhum facto alega capaz de sustentar tal conclusão, sendo que nos artigos antecedentes da sua contestação, alegou factos para fundamentar outras excepções.
Pelo exposto, julgo improcedente a invocada nulidade do processo disciplinar por fraude à lei.”

Esta questão está umbilicalmente ligada à questão de saber se sobre o Tribunal a quo existia o dever de convidar o autor a aperfeiçoar o seu articulado, nos termos do artigo 27º, alínea b) do CPT- matéria que não cabe, como já se referiu, conhecer nesta fase.
Conforme se salienta no Acórdão do STJ de 20/10/2009 «[o] legislador não delineou genericamente a figura da fraude à lei, que apenas tratou em sede de direito internacional privado e no âmbito da aplicação das normas de conflitos (cf. o artigo 21.º do Código Civil ao dispor que “na aplicação das normas de conflito são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente.”) - cf., Prof. Rui de Alarcão – “Breve motivação do anteprojecto sobre o negócio jurídico na parte relativa ao erro, dolo, coacção, representação, condição e objecto negocial.” – BMJ – 138-120.
Trata-se de impedir a utilização da norma de conflitos com o fim de iludir a lei imperativa aplicável (Fernandez Rozas e Sixto Lorenzo – “Derecho Internacional Privado”, 3.ª ed., 135, Madrid 2004).
Certo, porém, que esta figura pode – e deve – estender-se para além do direito internacional privado.
Assim, existirá fraude à lei quando se lança mão de uma norma de cobertura para lograr ultrapassar – ou incumprir – a norma defraudada, ou seja a que seria a aplicável à relação jurídica.
Trata-se de, por via indirecta, por através da prática de um ou vários actos lícitos (já com propósito de defraudar, numa concepção subjectivista; ou mesmo sem tal propósito, se aderindo a uma concepção objectiva) obter um resultado que a lei proíbe.
Ensinava o Prof. Manuel de Andrade (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1992, II, 337) serem fraudulentos os actos que tenham por escopo “contornar ou circunvir uma disposição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu – aqueles que, por essa forma, pretendem burlar a lei.”
Nesta perspectiva, a fraude mais não é do que uma insidiosa violação da lei, a aferir, casuisticamente, aquando da interpretação do negócio jurídico, tal como acontece com a má fé ou com o abuso de direito.
O Prof. Menezes Cordeiro, reconhecendo a não autonomia jurídica da fraude à lei, reconduz a figura ao princípio geral de a proibição do resultado dever implicar a proibição dos meios indirectos para o alcançar, já que a mera proibição de um meio arrisca deixar aberta a porta a outros meios não proibidos para alcançar o fim. (in “Tratado de Direito Civil Português”, I – Parte Geral, Tomo I – “Introdução. Doutrina Geral. Negócio Jurídico”, 1999, 423 ss).
Adere-se à doutrina do Prof. Castro Mendes (in “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 1979, 334 ss) ao explicar lapidarmente que para haver fraude à lei é necessário um nexo entre o acto ou actos em si lícitos e o resultado proibido. E o nexo pode ser subjectivo (intenção dos agentes) ou objectivo (criação de uma situação jurídica tal que, pelo seu desenvolvimento normal, leve ao resultado proibido).
Mas não há fraude sem nexo, ou seja, sem que o acto lícito em si não esteja ligado ao resultado proibido.
De aceitar esta conceptualização mas pondo a tónica da prescindibilidade do elemento subjectivo – “animus fraudandi” – por valer um conceito ético e objectivo de boa fé, como o que, quanto ao abuso de direito, enuncia o artigo 334.º do Código Civil, concepção acolhida para este instituto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 2007 – 07 A1180 – desta Conferência, onde, além do mais se disse que “não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara assim se acolhendo concepção objectiva do abuso de direito (cf., por todos, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado”, vol. I, 1967, p. 217).”
Ora, cabia ao recorrente, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil alegar os respectivos factos consubstanciadores de tal fraude à lei e fazer a prova dos mesmos.
Acontece que, conforme é referido no despacho recorrido, o recorrente apenas alegou generalidades e conclusões, sem alegar concretamente qualquer facto.
Por outro lado, não basta vir agora dizer que afinal a questão da fraude a lei tem de ser sistematicamente interpretada na contestação, muito concretamente com a questão da caducidade anteriormente suscitada e na sequência da qual surge, razão pela qual não há insuficiência factual.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos em que é que a questão da caducidade do exercício da acção disciplinar pode preencher a lacuna da ausência de factos. Se é verdade que a fraude à lei pode levar eventualmente àquela, isso não implica que para a existência desta não tenham de se invocar os respectivos factos.
Mas seguindo o raciocínio do recorrente, então, a questão da fraude à lei pouco ou nada vai adiantar, já que na sua tese, estando os factos integradores desta alegados na questão da caducidade e tendo o conhecimento desta sido relegado para a sentença, então, o mesmo, terá ainda oportunidade de comprovar e provar a sua razão, que ao fim e ao cabo, é o sucesso da procedência da caducidade.
Por outro lado, tendo em atenção que estamos no sector bancário que dada a sua especialidade está sujeito, ou pelo menos deveria estar, a regras muito apertadas de controlo. Aliás só assim se compreende que o artigo 73º do DL 298/92 de 31/12[6] disponha que “[a]s instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.”
Sendo certo que «[o]s administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.»
Daí que seja legítimo e até crucial que as respectivas instituições bancárias se dotem de um corpo de auditores e de inspectores de forma a assegurarem que todos queles princípios e deveres estão a ser cumpridos.
Todavia deveremos ter em atenção que «[a] investigação efectuada por iniciativa do Departamento de Auditoria e Inspecção da ré para o apuramento do comportamento da trabalhadora e o subsequente relatório não podem considerar-se um procedimento prévio de inquérito, já que só o Conselho de Administração da ré, que é o órgão com competência disciplinar, é que podia ordenar a instauração daquele procedimento.»[7]
Posição esta que a própria recorrida defende, conforme se extrai das suas alegações, pelo que, logo por aqui, verificamos que esta questão não tem pressupostos que a suportem, assim improcedendo.

2.4.
Alega ainda o recorrente que a comunicação da nota de culpa com expressa menção “sem intenção de despedimento”, teve inequívoca influência no exercício do direito de defesa do trabalhador, parcialmente preterido e realizado com base naquele pressuposto posteriormente alterado, o que impõe que se conclua pela invalidade e ilicitude do despedimento, nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 e n.º 1 do art.º 382.º do C.T., tendo o Tribunal a quo violado ainda o disposto nos artigos 353.º, 355.º do mesmo normativo e 53.º da C.R.P.
Sobre esta questão o despacho recorrido referiu o seguinte:
“O Trabalhador, nos artigos 59º a 62º da sua contestação, alega que na nota de culpa que lhe foi notificada em 12/10/2012 não se comunicava a intenção de se proceder ao seu despedimento e foi nesse pressuposto que exerceu os seus direitos processuais e de defesa.
Sucede que nos factos provados que fundamentam a aplicação da sanção disciplinar de despedimento por justa causa figuram conjuntamente com outros os da primeira nota de culpa, o que faz enfermar todo o procedimento de invalidade insuprível, determinando a ilicitude do despedimento, designadamente face ao disposto na al. b) do nº2 e nº1 do art. 382º do Código do Trabalho.
Na resposta a Empregadora considera não assistir razão ao Trabalhador, porquanto no início e pelos factos de que então tinha conhecimento não era sua intenção proceder ao despedimento do Trabalhador.
Tal intenção só surgiu quando, em 10.11.2011, o Conselho de Administração tomou conhecimento do Relatório de Averiguações nº 113/2011, da DAI, de 14.11.2011 e, perante ele, deliberou mandar instaurar ao Trabalhador processo disciplinar, então já com intenção de despedimento – foi este Relatório que esteve na base do Processo Disciplinar nº 315 – NC de 23.11.2011.
Cumpre decidir.
Se é certo que a lei não prevê expressamente a possibilidade de a entidade empregadora lavrar uma nota de culpa adicional, a fim de imputar novos factos ao trabalhador, também é verdade que a lei não proíbe tal. Ou seja, embora o processo disciplinar esteja sujeito a determinado formalismo, a lei não prevê quaisquer preclusões de natureza processual e, sendo assim, a entidade empregadora não está impedida de enviar mais do que uma nota de culpa ao trabalhador no decurso do mesmo processo disciplinar, seja para lhe imputar factos que não foram incluídos na primeira nota de culpa, nomeadamente por, então, não serem ainda do seu conhecimento, seja para precisar melhor os factos já incluídos. O mesmo se diga quanto à circunstância de haver uma única decisão final quanto aos dois processos disciplinares a correr em simultâneo contra o mesmo trabalhador e nos quais estava em causa uma intenção de despedimento.
O que é essencial é que o direito de defesa do trabalhador não seja preterido e que ele possa exercê-lo relativamente a cada uma das notas de culpa, como no caso em apreço realmente aconteceu.
Pelo exposto, e com tais fundamentos, julgo improcedente a nulidade de falta de comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa de 12.10.2011 invocada pelo Trabalhador”.

Diga-se desde já que perfilhamos o entendimento consagrado no despacho recorrido sobre esta matéria.
Na verdade, não se vislumbra que a lei laboral impeça a entidade empregadora de enviar ao trabalhador/arguido uma nova nota de culpa no decurso do procedimento disciplinar, seja por novos factos, seja para rectificar ou complementar a anterior.
Conforme se salienta no Acórdãos do STJ de 24-01-2007[8], “se é certo que o processo disciplinar de despedimento está sujeito a determinado formalismo, também é verdade que a lei não prevê quaisquer preclusões de natureza processual e, sendo assim, a entidade empregadora não está impedida de enviar mais do que uma nota de culpa ao trabalhador no decurso do mesmo processo disciplinar, seja para lhe imputar factos que não foram incluídos na primeira nota de culpa, nomeadamente por, então, não serem ainda do seu conhecimento, seja para precisar melhor os factos aí já incluídos.
Aliás, não faria sentido que assim não fosse, uma vez que a entidade empregadora sempre poderia iniciar um novo processo disciplinar contra o trabalhador com base naqueles outros factos (…).
O que é essencial é que o direito de defesa do trabalhador não seja preterido e que ele possa exercê-lo relativamente a cada uma das notas de culpa, como no caso em apreço realmente aconteceu”.
E o “pressuposto necessário para a reformulação ou o complemento da nota de culpa – seja para precisão dos factos imputados seja para imputação de novos factos que, entretanto, tenham vindo a ser conhecidos da entidade empregadora – é a existência de um procedimento disciplinar em curso e no qual não tenha ainda sido proferida e comunicada a respectiva decisão”[9].
E também nada impede que a entidade empregadora na nova nota de culpa, ao contrário do que acontecia com a primeira, entenda que os factos nela exarados constituam justa causa de despedimento e faça essa comunicação ao trabalhador. A alternativa, era como já dissemos, instaurar um novo processo disciplinar. Mas se o procedimento disciplinar ainda decorre e ainda não foi proferida, nem comunicada a decisão final, nada impede, que com o respeito pelo direito de defesa do trabalhador, o faça nesse mesmo procedimento disciplinar.
Improcede, assim, esta questão.
◊◊◊
Improcedem, assim, as conclusões de recurso.
◊◊◊
3.
Vencido é o Recorrente responsável pelo pagamento das custas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
◊◊◊
◊◊◊
IV. DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os juízes que compõem a Secção Social da Relação do Porto em:
a) Não conhecer das nulidades do despacho recorrido por as mesmas terem sido arguidos intempestivamente;
b) Não admitir o recurso, por inadmissibilidade, excepto no que tange às questões relacionadas com a fraude à lei e falta de comunicação da intenção de despedimento e, em consequência, condenarem o recorrente no respectivo incidente, fixando-se em 2 UCs a taxa de justiça;
c) Julgar improcedente o recurso e em consequência manterem na íntegra o despacho recorrido;
d) Condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso.
◊◊◊
Notifique.
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
◊◊◊
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
◊◊◊
Porto, 11 de Outubro de 2013
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
_______________
[1] Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, Almedina, 2010, p. 42.
[2] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2ª edição Revista e Actualizada, 2008, p. 185.
[3] Cfr. Abrantes Geraldes, obr. cit. pp 46/47.
[4] v., por todos, Ac. desta Relação do Porto de 20-2-2006, in www.dgsi.pt, proc. nº 0515705 e jurisprudência ali citada.
[5] In www.tribunalconstitucional.pt
[6] Com alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 246/95, de 14 de setembro, 232/96, de 5 de dezembro, 222/99, de 22 de junho, 250/2000, de 13 de outubro, 285/2001, de 3 de novembro, 201/2002, de 26 de setembro, 319/2002, de 28 de dezembro, 252/2003, de 17 de outubro, 145/2006, de 31 de julho, 104/2007, de 3 de abril, 357-A/2007, de 31 de outubro, 1/2008, de 3 de janeiro, 126/2008, de 21 de julho e 211-A/2008, de 3 de novembro, pela Lei nº 28/2009, de 19 de junho, pelo Decreto-Lei nº 162/2009, de 20 de julho, pela Lei nº 94/2009, de 1 de setembro, pelos Decretos-Leis nºs 317/2009, de 30 de outubro, 52/2010, de 26 de maio e 71/2010, de 18 de junho, pela Lei nº 36/2010, de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei nº 140-A/2010, de 30 de dezembro, pela Lei nº 46/2011, de 24 de junho e pelos Decretos-Leis nºs 88/2011, de 20 de julho, 119/2011, de 26 de dezembro, 31-A/2012, de 10 de fevereiro, 242/2012, de 7 de novembro, pela Lei nº 64/2012, de 24 de dezembro e pelos Decretos-Leis nºs 18/2013, de 6 fevereiro e 63-A/2013, de 10 de maio).
[7] Acórdão desta secção social de 14/05/2012, processo nº 1625/08.1TTPRT.P1, in www.dgsi. pt., em que o aqui relator foi relator no mesmo e o aqui 1º adjunto também o foi.
[8] Processo nº 06S3854, in www.dgsi.pt.
[9] Acórdãos do STJ de 27/05/2010, Processo nº 467/06.3TTCBR.C1.S1., in www.dgsi.pt.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/c527d58cc369e6c880257c2a0059ae82?OpenDocument

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