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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Famoso Acórdão do "Casaco" - Ac. TRP de 29.09.2010

"96/06.1GCAMT-A.P1
Nº Convencional:  JTRP000
Relator:  JOSÉ CARRETO
Descritores:  APREENSÃO DE COISAS SEM VALOR

Nº do Documento:  RP2010092996/06.1GCAMT-A.P1
Data do Acordão:  29-09-2010
Votação:  UNANIMIDADE
Texto Integral:  S
Privacidade:  1

Meio Processual:  REC. PENAL.
Decisão:  NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais:  1ª SECÇÃO.
Área Temática:  .

Sumário:  A autoridade judiciária pode ordenar a destruição de coisa apreendida sem valor, como seja o caso de um casaco de bombazina em estado de decomposição.
Reclamações:

Decisão Texto Integral:  Rec. nº 96.06.1GCAMT-A.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto
No Proc. C. S. 96.06.1GCAMT, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, e em que foi julgado o arguido
B………..,

Após prolação da respectiva sentença absolutória do crime de condução ilegal de veículos motorizados em 28/10/09,
Veio a verificar-se que se encontrava apreendido um objecto
Mediante promoção do MºPº veio a providenciar-se pela notificação do seu dono para proceder o seu levantamento.
Em face da notícia do óbito do mesmo, e apesar de o MºPº promover a notificação dos familiares mais próximos, o Mº Juiz proferiu o seguinte despacho:

“ Fls 22 do apenso: Destrua, sem mais nada”
Inconformado recorreu o MºPº, em 2/3/2010, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, foi apreendida, com o objectivo de servir de elemento de prova, uma casaca em bombazina de cor castanha a qual pertencia a C……..;
2- Ora, não constituindo o casaco, então, nem instrumento. Nem produto do crime e neste último caso, também, não tendo a natureza de poder colocar em perigo a segurança das pessoas, a moral ou ordem públicas, nem oferecendo sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos típicos ilícitos, requisito constante do artigo 109º nº1 do Código Penal, teria que ser restituído a quem de direito, como impõe o artigo 186º do CPP;
3- Ao não decidir desta forma e ao ordenar a imediata destruição do referido objecto sem proceder à sua avaliação e sem fundamentar a razão de assim decidia, violou o Mma Juiz do Tribunal a quo o disposto nos artºs 109º do CP e 186º do CPP;
4- Termos em que deverá o despacho ser substituído por outro que ordene o cumprimento do disposto no artº 186º3 CPP na pessoa dos familiares do proprietário do referido objecto;

Não houve resposta;
O Mº Juiz recorrido, proferiu despacho de sustentação, no qual esclarece que o “casaco de bombazina em questão está em estado de infecta desagregação”, e o seu dono faleceu há 3 anos, e o arguido seu irmão estava internado em estado grave relacionado com o consumo de drogas; foi para não inquietar uma família tão atingida para lhe perguntar se querem um vestuto casaco pertencente ao seu filho, sepultado há 3 anos … fazendo-a reviver o seu drama”.

Nesta Relação o ilustre PGA, é de parecer que atenta a razão de ser da norma, ao interesse que visa acautelar, ao concreto interesse da tramitação processual, ausência de valor comercial do bem, que levaria á sua destruição, e às susceptibilidades que se visam acautelar, deve improceder o recurso;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP;

Colhidos os vistos, procedeu-se á conferência, com observância do formalismo legal
Cumpre conhecer;
A decisão recorrida é do seguinte teor:
““ Fls 22 do apenso: Destrua, sem mais nada””
+
A questão suscitada pelo recurso prende-se apenas com o destino que deve ser dado ao casaco de bombazina apreendido nos autos.
+
Resulta dos autos que o casaco de bombazina, pertença de C…….., foi denunciado como tendo sido furtado em 22/3/2006;
Como objecto do furto veio a ser apreendido em 5/4/06 pela GNR e entregue nos serviços do MºPº em 20/4/06.
Em 15/6/09 pelo MºPº foi proferido despacho de arquivamento em relação a tal crime de furto, e nada foi determinado quanto ao objecto do mesmo;

Remetido que foi esse objecto ao tribunal em 18/1/2010, na sequência da promoção para notificação do proprietário para os fins do artº 186º3 CPP, foi a mesma ordenada pelo Mº Juiz;
A notificação do proprietário não ocorreu porquanto a GNR veio informar a tal não ter procedido por o mesmo ter falecido há 3 anos.
Promoveu o MºPº a notificação dos familiares mais próximos.
Ao que o MºJuiz ordenou a sua destruição;
Quid júris?

Não há duvida que estamos perante o objecto do denunciado crime de furto, que foi aprendido no inquérito, com o objectivo de servir de meio de prova, e que se sabe quem é o seu dono.
Assim e logo que desnecessários devem ser restituídos ao seu dono (artº 186º1 CPP), o que em face do despacho de arquivamento do denunciado crime de furto não foi ordenado nem feito pelo titular do inquérito em face da sua desnecessidade, sendo certo que a acusação deduzida foi-o apenas por condução ilegal de veiculo motorizado, que nada tem a ver com o crime de furto em investigação, e, se não for caso de poderem vir a ser declarados perdidos a favor do Estado (artº 109º CP) o que no caso é manifesta essa insusceptibilidade por ausência de perigosidade.
Insurge-se assim o MºPº porque devia ser ordenada a entrega ao seu dono, e mais ainda sem ser feito exame de avaliação.

Quanto ao exame, cremos, que se não se fez durante os mais de 3 anos de inquérito em que não se vislumbrou a sua necessidade para a investigação e os 4 anos já decorridos, não se vislumbra agora em face dos autos a sua necessidade, que aliás a lei não exige (artºs 109º a 111º CP) com vista á devolução do bem, pressupondo como nos parece e o Ilustre PGA refere, que não é de por em causa a apreciação feita no despacho de sustentação de se encontrar em estado de infecta desagregação, estado esse não questionado pelo MºPº, em cuja posse se encontrou tal objecto desde a sua apreensão até 18/1/2010.
Em face do estado degradado do objecto, e em virtude de o seu proprietário ter falecido, justifica-se que se diligencie no sentido de notificar “os familiares mais próximos” do mesmo para virem reclamar esse bem?
O Mº Juiz entendeu que não se justificava em face do seu estado (com o que ora supre, esclarece e completa a sua decisão) e por isso ordenou a sua destruição.
E cremos que bem, porque:
1- Sem falar nos custos administrativos, na esteira do parecer do ilustre PGA, entendemos que se justifica tal decisão, e que num juízo de prognose apenas se “antecipou” o destino final do objecto.
Na verdade:
Em face do falecimento há mais de 3 anos do dono do bem (bem este de natureza pessoal: roupa – casaca), afigura-se-nos que:
- notificar os familiares mais próximos para virem reclamar o bem em causa, além de dispendioso será inútil, porque não nos é indicado quais são os familiares mais próximos ( quem são e onde moram) o que era necessário ainda averiguar; a notificação destes familiares será inócua, pois das duas uma: ou são herdeiros (por estar em causa um bem patrimonial do falecido) ou não são, se não forem herdeiros não podem reclamar o bem, e para se saber se são herdeiros terão como tal de ser habilitados, sendo que essa habilitação deverá ser promovida pelo MºPº.
Isto só para demonstrar que a seguir as estritas regras jurídicas, acabaríamos num mundo de absurdos inúteis, quando não é esta a ideia da lei, cremos nós, pois a sua finalidade é a de solucionar as questões e resolver os problemas, e no caso dar destino a um bem desnecessário no processo;
Em face do estado degradado do bem, nenhum herdeiro o viria reclamar - o que determinaria que decorrido o prazo legal, se consideraria perdido a favor do Estado ( artº 186º3 e 4 CPP) e em face do seu estado seria mandado destruir, ou, vindo-o reclamar, o mais certo em face das regras da experiência era após o seu levantamento ser mandado para o lixo, por inaproveitável para uso pessoal;
Por último, poderia ainda ser revoltante para os familiares do falecido sentirem que só agora passado tanto tempo (4 anos) e depois da morte do seu dono, e quando não lhe faz falta é que o tribunal se lembra que tem uma casaca “ velha e podre” para lhe entregar, e se a não levantarem no prazo de 90 dias, ainda podem ser condenados a pagar os custos do seu depósito (artº 186º3CPP), para além de lhe trazerem á memória factos e circunstâncias que a família não gostaria que lhe fossem relembradas, referidas pelo tribunal no seu despacho de sustentação e assumidas no seu Parecer pelo ilustre PGA;

2- Por fim se tivermos em conta que o artº 185º1 CPP dispõe que em caso de apreensão de coisa sem valor, perecível ou deteriorável, “ … a autoridade judiciária pode ordenar … a sua destruição imediata”, sem restrição da fase processual, em que ela ocorra, cremos que se justifica a aplicação desse princípio, ao caso dos autos, em face do estado de desagregação do bem de uso pessoal em causa pertença de pessoa falecida, e assim ordenar a destruição do bem, sem que se aleguem quaisquer razões para a sua conservação.
Nestes termos, é de julgar improcedente o recurso;
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo MºPº, e em consequência confirma o despacho recorrido;
Sem custas.
Notifique.
Dn

Porto, 29/9/2010
José Alberto Vaz Carreto
Joaquim Arménio Correia Gomes"


Disponível em: http://www.trp.pt/jurisprudenciaitij.html

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