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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Decisão de Punição do Juiz Desembargador por Unanimidade - 16/12/2010

9/10.6 Y FLSB.S1
Nº Convencional: CONTENCIOSO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
MAGISTRADO
DEVER DE ZELO
DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO
PODERES DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
PROIBIÇÃO DE EXCESSO
ÂMBITO DA SINDICÂNCIA JUDICIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Data do Acordão: 16-12-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: INDEFERIDO

Sumário :

1. A tutela jurisdicional efectiva dos administrados consagrada no nº 4 do artº 268º da Constituição, que prevê entre o mais “a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma”, haverá que coadunar-se com o artº 3º do C P T A, segundo o qual, “No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação”.

2. Por um lado, tem-se visto neste preceito um alargamento da competência dos tribunais administrativos comparativamente com o regime antecedente, mas por outro, os poderes de plena jurisdição agora facultados não escamoteiam as limitações inerentes à salvaguarda da referida área de discricionariedade da Administração. Ora, é neste campo, em princípio vedado a controle por parte do tribunal, que se devem situar os poderes do C S M, quando se pronuncia sobre a valoração duma actuação, que alegadamente contrariou o dever de zelo exigido a um magistrado.

3. O artº 82º do E M J faz depender a ocorrência de infracção disciplinar, entre o mais, da “violação dos deveres profissionais”, o nº 1 do artº 3º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo D L 24/84 de 16 de Janeiro (E D F A A C R L) consagra disciplina paralela, e considera no seu nº 4, o dever de zelo, como um dos deveres gerais decorrentes da função. Este, vem definido no nº 6 como o dever de o funcionário, para além de conhecer as normas e instruções pertinentes, “possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correcção”. E segundo o nº 7 do artº 3º da Lei 58/2008 de 9 de Setembro (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas), o dever de zelo analisa-se, entre o mais, no exercício de funções “de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas”.

4. Deparamos aqui com conceitos caracterizados por boa dose de indeterminação, cuja concretização apela para “preenchimentos valorativos” por parte do órgão administrativo aplicador do direito, e daí que o juízo sobre responsabilização disciplinar do magistrado, por omissão de dever de zelo, se reclame de exigências ético-deontológicas tal como o C S M as concebe, e da experiência vivida ou conhecida do trabalho dos tribunais, por parte dos membros do mesmo Conselho. Ora esse juízo não é determinado, antes, tão só, enquadrado, por critérios jurídicos.

5. Neste domínio, a Administração pode considerar não só justa como vinculante a valoração que pessoalmente tenha feito, já que, perante a pluralidade de sentidos que a expressão da lei comporta, o legislador espera não só uma tomada de posição individual do órgão decisor, como, além disso, que essa tomada de posição ilustre uma orientação do mesmo órgão decisor. E assim, essa tomada de posição escapa à mera subsunção lógica, como se fosse o caso de haver aqui uma única solução legal já contida na norma que o aplicador viesse dar à luz, antes existe sempre uma valoração autónoma que se traduz numa escolha entre alternativas.

6. Trata-se de uma actividade que apenas está sujeita ao dever de o juiz verificar, se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica, certo que o tribunal não pode reapreciar o acto da Administração para o substituir por outro, sob pena de estar a exercer uma função administrativa e não jurisdicional.

7. Acresce que, noutra perspectiva, condutora embora ao mesmo resultado, a instância de recurso deverá, em termos de legalidade ampla, sindicar também a observância do nº 2 do art. 266º da Constituição, segundo ao qual a Administração deve actuar no exercício dos seus poderes com respeito, entre outros, pelo princípio da proporcionalidade, cifrado aqui, basicamente, numa proibição de excesso.

8. No campo do direito administrativo sancionatório, concretamente do procedimento disciplinar, a sindicância que cabe à instância de recurso, em nome da proporcionalidade referida, levará a acolher a pretensão de impugnação do acto, se que à factualidade fixada for dado um relevo ostensivamente desadequado, traduzido na escolha ou medida da sanção aplicada. O tribunal ad quem pode na verdade concluir que, respeitada a “área designada de justiça administrativa”, onde a Administração se move a salvo da sindicância judicial, se confronta com a utilização de critérios estranhamente exigentes, ou com a violação grosseira de princípios que devem reger a actividade administrativa.

9. A “área designada de justiça administrativa” traduz-se aqui num juízo de mérito, que se socorre de critérios próprios, apanágio da instância administrativa Plenário do C S M. De tal modo que a praxis do Plenário é informada por esses critérios, quanto ao que deva entender-se que, no comportamento do juiz, violou os seus deveres profissionais, e aceitando-se uma margem de discricionariedade que escapa ao controle judicial. Mas porque também esta é uma discricionariedade vinculada, ela tem limites intrínsecos que serão ultrapassados quando houver desproporção.

10. Na linha apontada, o que se pede à instância de recurso S T J não é que se pronuncie sobre a reacção específica que se reputa justa, face aos factos provados, substituindo-se ao órgão da Administração (aqui o C S M), e sim que se pronuncie sobre se a instância recorrida reagiu de uma forma claramente desadequada, e portanto desproporcionada. Tal ocorreria se se estivesse perante a não exigibilidade de conduta diversa por parte do recorrente e não, como é o caso, quando tudo se discute só ao nível da medida da culpa ou do grau de censura que o agente deve suportar. Isto, porque alguma censura merece.

 
Decisão Texto Integral:


A - PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

No pedido de Habeas Corpus nº 3532/06 formulado no Pº 8/03.4 ZFLSB da 1ª Secção da 7ª Vara Criminal de Lisboa, foi considerado que o requerente AA, um dos vários arguidos condenados nesse processo crime, se encontrava numa situação de prisão ilegal, e foi por isso restituído à liberdade.
Mais se considerou que se justificava a averiguação da responsabilidade disciplinar, entre outros, do Exmº Desembargador BB, o aqui recorrente, relator do processo depois da respectiva subida, em recurso, ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Assim, extraída certidão daqueles autos de Habeas Corpus, foi a mesma remetida ao Conselho Superior da Magistratura (C S M), o qual, por deliberação de 10/10/2006 do respectivo Plenário decidiu a instauração de inquérito.
Nesse inquérito, o Exmº Inspector propôs o arquivamento dos autos em relação a vários Magistrados, e a sua prossecução no tocante a outros, certo que o C S M em Plenário, a 14/2/2007, arquivou os autos em relação a todos esses Senhores Juízes, com excepção do recorrente, o Sr. Dr. BB.
Este, veio a ser notificado nos termos e para efeitos dos nºs 4 e 5 do art. 85º da Lei 21/85 de 30 de Julho [Estatuto dos Magistrados Judiciais (E M J)] e, a 17/4/2007, o Plenário do C S M decidiu-se pela instauração do procedimento disciplinar.
Depois de uma proposta de arquivamento, pelo Exmº Inspector Judicial Extraordinário, que o Plenário do Conselho não acolheu, foi designado outro Exmº Inspector que lavrou a acusação.
O Exmº Relator nomeado pelo C S M elaborou projecto de acórdão que foi porém no sentido do arquivamento dos autos. Como esse projecto não logrou vencimento, os autos foram redistribuídos e relatada a decisão que, votada a 3/11/2009, no Plenário do Conselho, aplicou a pena disciplinar de advertência, por violação de dever de zelo.
É desta decisão que o Exmº Desembargador BB agora vem recorrer.

B - DECISÃO RECORRIDA

O acórdão recorrido considerou provados, no que ora mais releva, os seguintes factos:

“ 1. O Exm° Desembargador BB exerce as funções de Juiz Desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa.

2. Foi classificado em 18 de Outubro de 1988, 29 de Setembro de 1992, 13 de Dezembro de 1994 e em 16 de Junho de 1998, com "Bom com Distinção", e em 16 de Junho de 1998, com "Muito Bom".

3. As quatro primeiras classificações foram-lhe atribuídas na qualidade de Juiz de Direito do 1º Juízo do tribunal da Comarca da Guarda e a última na qualidade de Juiz de Círculo da Guarda.

4. Num processo crime que correu termos pela 7ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa, foram julgados e condenados, por Acórdão de 6 de Junho de 2005, entre outros, AA,CC, DD e EE.

5. Os quatro arguidos, referidos no artigo anterior, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o AA apresentado autonomamente em relação aos três restantes, o recurso e a sua motivação.

6. Os recursos interpostos pelos arguidos CC, DD e EE foram admitidos logo que interpostos.

7. O AA interpôs recurso e apresentou a respectiva alegação mas, pelos motivos que constam de folhas 5141 do respectivo processo, O Exm° Juiz de Direito entendeu que o recurso foi interposto um dia depois de terminar o prazo que a lei concede para o efeito e mandou cumprir o disposto no art. 145° do Código do Processo Civil.

8. Em vez de pagar a multa, o AA requereu que fosse considerado ter sido o recurso interposto em tempo ou, caso assim se não entendesse, fosse a multa aplicada reduzida nos termos do art° 145. n° 5 do Código do Processo Civil.

9. O Juiz indeferiu o requerimento referido no artigo anterior e o arguido recorrente pagou a multa em 14 de Julho de 2005;

10. Paga a multa, o processo foi concluso ao Juiz em 19 de Julho de 2005 e, nesse mesmo dia, foi admitido o recurso, sendo o despacho que o admitiu bem visível.

11. O despacho referido no ponto 9, que indeferiu o requerimento, encontra-se a folhas 5163 do processo-crime e o que admitiu em 19 de Julho de 2005, a fs 5390.

12. O Ministério Público apresentou a sua resposta e esse recurso em 22 de Julho de 2005, conforme se vê de folhas 5398, 5399, 5400 e 5401 do respectivo processo, começando por dizer no seu articulado "resposta da Magistrada do M° P° ao recurso interposto peio arguido AA".

13. Todos os recursos foram admitidos com efeito suspensivo.

14. Os autos tinham vinte e cinco volumes e dois apensos e obtiveram na Relação de Lisboa, para onde foram remetidos, o n° 8398/05.

15. Distribuídos ao Exm° Desembargador BB este, como Relator, proferiu, quando lhe foram conclusos pela primeira vez o seguinte despacho:
"Recurso próprio e tempestivo, com efeito e regime de subida adequados, e sem outras questões que obstem ao seu conhecimento, ou sejam extintivas do procedimento ou da responsabilidade criminal,
Aos vistos.
Após, ao Exm° Presidente da Secção, a fim de ser designada data para o Julgamento".

16. Após os vistos dos Juízes Adjuntos, o processo foi concluso ao Presidente da Secção e este designou para a audiência o dia 13 de Outubro de 2005, pelas 14h15;

17. Da acta da audiência consta que, além do Presidente, do Relator e dos Adjuntos estiveram presentes "a Srª Drª J...N..., Ilustre Mandatária do Arguido AA, o Sr. Dr. J...A..., Ilustre Mandatário da Assistente Interbancos, S. A., e não se encontrando presente a Srª Drª S...M... Ilustre Mandatária dos arguidos Recorrentes CC e J...D..., pelo que o Ilustre Sr. Juiz Desembargador Presidente nomeou para substituição da Ilustre Mandatária dos arguidos a Srª Drª V...M..., como Defensora Oficiosa designada pela Ordem dos Advogados com escritório na ...Lisboa".
18. Consta também da acta que "pelo Juiz Presidente foi declarada aberta a audiência, tendo o Juiz Relator introduzido os debates, expondo sumariamente o objecto do recurso, enunciando as questões que entendeu merecerem exame especial " e que "finda a exposição, o Juiz Presidente deu a palavra para alegações ao Magistrado do M° P° e aos Advogados que dela usaram".

19. Consta, ainda, da acta que, findas as alegações, o Juiz Presidente proferiu o seguinte despacho "Considerando que há outras diligências a realizar no dia de hoje, não é possível o Tribunal reunir para deliberar designando ainda o dia de hoje, para reunião, deliberação, publicação e afixação da parte decisória do Acórdão, às 17 horas".

20. Consta também da acta que a audiência teve lugar no dia 13 de Outubro de 2005 e que o seu início foi ás 16h20 e o seu encerramento às 16h40.

27. Da nova acta, também datada de 13 de Outubro de 2005, consta que "neste Tribunal onde se encontrava o Exm° Desembargador Presidente desta Secção Crime, Dr. Vasques Dinis, comigo Oficial de Justiça ..., sendo a hora designada, procedeu-se à publicação da decisão do Acórdão proferido nos presentes autos, mediante a inscrição do seu resultado em Tabela: Em conceder parcial provimento ao Recurso" e que "seguidamente pelo Juiz Presidente foi ordenado o cumprimento do n° 5 do art° 425° do Código do Processo Penal".

22. O Acórdão tem 162 folhas e a data de 13 de Outubro de 2005.

23. E nele identificam-se como arguidos/recorrentes CC, DD e EE.

24. Da parte final do Acórdão consta o seguinte: "Com os expostos fundamentos acordam os Juízes em audiência, em conceder provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, fixando-se a pena única do arguido J...D... em seis (6) anos de prisão, a do arguido CC em quatro (4) anos de prisão e a do arguido DD em dois anos e seis meses de prisão, ficando esta suspensa na sua execução por um período de quatro anos".

25. O arguido AA não figura no Acórdão como recorrente.

26. O acórdão foi notificado a S...M..., Advogado de AA, por ofício de 14 de Outubro de 200, e dele consta o seguinte:
“Assunto: Notificação
Recorrente(s): AA e Outros
Recorrido(s): Mº Pº e Outros
Origem: Lisboa Varas Criminais Juízo/Vara: 7ª Secção: 1ª
Nº Processo:8/03.4ZFLSB

Fica V. Exª notificado (a) do Douto Acórdão proferido, cuja cópia integral se junta”.

27. No dia 20 de Outubro de 2005, o Mandatário do AA, Dr. S...M..., apresentou no Tribunal da Relação e Lisboa, por fax, um requerimento do seguinte teor: "AA, arguido/recorrente nestes autos vem solicitar a V. Exa se digne notificá-lo da decisão do recurso interposto cuja audiência decorreu já neste Tribunal no passado dia 13 de Outubro de 2005, pelas 14.14 conjuntamente com os co-arguidos recorrentesCC, DD e EE cuja decisão, relativamente a estes, foi já pública e notificados da mesma".

28. Em 25 de Outubro de 2005 foi apresentado um requerimento que era o original do que havia sido apresentado por fax.

29. Concluso a processo ao Relator, este proferiu, no dia 27 de Outubro, o seguinte despacho: "Visto, uma vez que já se mostra notificado".

30. O processo foi remetido à 1ª Instância no dia 11 de Novembro de 2005.

31. Depois de várias vicissitudes ocorridas na 1ª Instância, após a baixa do processo, este voltou à Relação em 6 de Novembro de 2006 a fim de ser apreciado o recurso que havia sido interposto pelo AA:

32. Chegado o processo à Relação e concluso ao Relator, este disse, como questão prévia e no essencial o seguinte:
a) O não conhecimento do recurso interposto pelo arguido AA deveu-se a lapso manifesto
b) Caberia ao arguido denunciar o lapso logo que dele tomasse conhecimento, o que se verificou com a notificação do Acórdão proferido em 13 de Outubro de 2005, cuja carta foi expedida em 14 de Outubro de 2005.
c) E tal denuncia deveria ter sido de forma precisa e inequívoca, alertando o Relator para o facto do objecto do Recurso não haver sido conhecido.
d) O recorrente AA pretendeu com o seu requerimento de 20 de Setembro de 2006 ser apenas notificado do acórdão em 13 de Outubro de 2005.
e) Como o recorrente já havia sido notificado e não é lícita a prática de actos inúteis no processo foi proferido o despacho de folhas 5507.
f) Os Magistrados, dado o volume de trabalho que têm a seu cargo, não podem dispersar-se em coisas menores, designadamente, debruçando-se sobre a análise de questões que no seu subconsciente consideram já resolvidas e ultrapassadas.
g) Daí que ao pedir-se, apenas, que fosse feita uma notificação que já se mostrava efectuada sem se alertar para a existência, já conhecida do recorrente AA, daquilo que era um relevante lapso, se tenha proferido o referido despacho de folhas 5507.h) Nesta instância, o AA nada mais requereu, devendo fazê-lo por escrito.
i) Na 1ª Instância para onde os autos foram remetidos foi feita uma liquidação tendo o Mandatário do AA sido notificado em 2 de Dezembro de 2005 para pagar as custas e nada disse.
j) Só quando em 18 de Outubro de 2006 foi detido é que o AA veio, com requerimento, alertar para a situação ocorrida.
k) Quando se fez o estudo dos autos com vista ao conhecimento dos diversos recursos verificou-se que o arguido não havia sido admitido, ao contrário do que acontecera aos demais.
I) Ordenado, entretanto, o cumprimento do disposto no art° 145° do Código do Processo Civil veio o mesmo arguido requerer a folhas 5162 e mais uma vez, que fosse considerado interposto em tempo mas este requerimento mereceu o despacho de indeferimento constante de folhas 5163.
m) O M° P° apresentou, entretanto a sua resposta a qual visou, apenas, os recursos interpostos pelos demais arguidos.
n) Este facto aliado ao despacho de indeferimento de folhas 5163 induziu o Relator em erro levando-o à convicção de que o recurso do arguido AA não havia mesmo sido admitido e assim determinado uma análise menos cuidadosa dos termos do processo, onde o despacho de admissão do recurso acabou por ser aí proferido, após os vários "incidentes", mais tarde e bastante páginas mais à frente.

33. Na Relação de Lisboa são agendados, em regra entre dez a doze julgamentos para a mesma tarde (quinta-feira) os quais decorrem a um ritmo bastante rápido, com mudanças frequentes de colectivo e entrada e saída quer de Magistrados do M° P° quer dos Advogados Mandatários ou defensores Oficiosos intervenientes em cada um dos processos.

34. Na generalidade dos casos, as alegações orais proferidas pelos Mandatários dos recorrentes não são mais do que a reprodução das motivações escritas já apresentadas na interposição do recurso e as proferidas pelos Advogados oficiosamente nomeados para o acto que se limitam a pedir justiça.

35. O Exm° Desembargador exerce a judicatura há mais de vinte anos.

36. É um Magistrado trabalhador, competente e com sentido de responsabilidade, zelo e dedicação.

37. Está na Magistratura por vocação e tem dela o sentido de Serviço Público.
38. É dinâmico e metódico.

39. Tem bom comportamento, relaciona-se com grande facilidade e goza de enorme consideração entre os seus pares.

40. Em Agosto de 2006 foi acometido de doença grave da qual resultou a necessidade de ser submetido a operação melindrosa e de difícil recuperação.

41. Em Setembro e Outubro de 2006 foram-lhe distribuídos dois processos de grande complexidade, um deles com o n° 11364/05, por "Crime de Manipulação de valores Mobiliários", cujo Acórdão teve 307 folhas, e um outro com o n° 4140/06, por "Crime de Fraude Fiscal", cujo Acórdão teve 109 folhas.

42. Apesar da doença, entregou os projectos de acórdão naqueles processos em fins de Outubro princípios de Novembro para evitar a prescrição dos crimes.

43. Na altura era notória para os colegas a sua debilidade física.

Dos documentos juntos e dos depoimentos prestados durante o inquérito, resulta também estar provado que:

44. Após os autos baixarem à 1a instância, como referido em 10., o Ministério Público, entendendo que a condenação efectuada em 1a instância, relativamente ao arguido AA, tinha transitado em julgado, procedeu à liquidação da pena respectiva e promoveu a emissão de mandatos de detenção para cumprimento da pena de prisão (2 anos).

45. O Mm.º Juiz FF, a 18.11.2005, entendendo que tinha ocorrido o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida em 1ª instância, determinou a passagem de mandatos de detenção para cumprimento de pena.

46. A 11.07.2006, o Dr. GG também entendendo que tinha ocorrido o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida em 1ª instância, determinou nova passagem de mandados de detenção para cumprimento de pena, na sequência de nova promoção nesse sentido por parte do Ministério Público.

47. Na sequência da detenção do arguido AA e do requerimento de libertação imediata que endereçou à 1ª Secção da 7ª Vara Criminal de Lisboa, alertando para a sua prisão ilegal, o Dr. HH indeferiu esse requerimento considerando também que a decisão condenatória de 1ª instância transitara em julgado e era exequível.

48. A 18.09.2006, o arguido AA renovou o seu requerimento a solicitar a notificação da decisão que, relativamente a ele, tenha sido proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa e o Dr. HH, a 25.09.2006, despachou no sentido de que nada há a conhecer ou a decidir na 1ª instância porque o requerimento em causa já foi apreciado no Tribunal da Relação de Lisboa.

49. O arguido AA apresentou no Supremo Tribunal de Justiça a providência excepcional de Habeas Corpus que, por Acórdão de 28.09.2005 foi deferida determinando-se a imediata restituição à liberdade do arguido AA, por se ter considerado que o mesmo esteve em prisão ilegal desde 18.09.2006.”

Discorrendo sobre a infracção disciplinar imputada, referiu a decisão recorrida, entre o mais:

“(…)B.2 Da infracção disciplinar
O Ex.° Desembargador mantém que não violou qualquer dever funcional, designadamente, o dever de zelo.
Contudo, os factos apurados não nos deixam dúvidas sobre a falta de razão do Ex-° Desembargador.
Importa, no entanto, desfazer o equivoco que atravessa quase toda a defesa do Ex.° Desembargador: não está em causa, neste processo, a responsabilidade disciplinar do respondente relativamente à prisão ilegal sofrida por AA no processo-crime em que foi condenado e que deu origem ao pedido de habeas corpus; o que está verdadeiramente em causa é a suposta falta de zelo no tratamento do recurso interposto por esse arguido para o Tribunal da Relação, onde o Ex.° Desembargador exerce funções, e a forma ligeira como foi apreciado o requerimento a que se alude nos pontos 27. e 28. da matéria de facto provada.
Posto isto.
A sentença proferida na 7ª Vara Criminal de Lisboa, no processo n.° 1044/05, NUIPC 8/03.4ZFLSB, da 1ªt Secção, havia condenado, entre outros, os arguidos CC, AA, DD e EE nas penas de 6, 2, 3 e 8 anos de prisão efectiva, respectivamente.
Dessa sentença interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa todos os citados arguidos, sendo que a admissão do recurso do AA foi precedida de alguns incidentes, nos termos que constam dos pontos 7. a 10.
O requerimento de interposição desse recurso encontra-se a fls. 5040 do processo-crime (íls. 66 destes autos), a respectiva motivação a íls. 5096 a 5102 (fls. 67 a 73), c o despacho de admissão a fls. 5390 (íls. 81).
O recurso foi distribuído ao Ex.° Desembargador BB, cabendo-lhe o n.° 8398/05.
Em 13.10.2005 foi prolatado o respectivo acórdão, que não se pronunciou sobre o recurso interposto pelo arguido AA.
Quando foi expedida notificação do acórdão para os advogados doa arguidos recorrentes, o do AA reagiu, no dia 20 de Outubro de 2005, através de um requerimento do seguinte teor:
"AA, arguido/recorrente nestes autos vem solicitar a V." Ex." se digne notifica-lo da decisão do recurso interposto cu/a audiência decorreu já neste Tribunal no passado dia 13 de Outubro de 2005, pelas 14,14 conjuntamente com os co-arguidos recorrentes CC, DD e EE cuja decisão, relativamente a estes, foi já pública e notificados da mesma"— cfr. ponto 27.
O Ex.° Desembargador, face a este requerimento, despachou:
Visto, uma vez que já se mostra notificado"- cfr. ponto 29.
O Ex.° Desembargador afirma que o requerimento do Ex. mandatário do arguido AA, reproduzido no ponto 27., não expressa com precisão e inequivocidade a existência da falta de conhecimento do seu recurso.
Concede-se que o dito requerimento podia ser mais claro e objectivo. Contudo, não podem transferir-se para o Ex,° advogado do AA quaisquer responsabilidades sobre o sucedido.
Quem falhou - há que dizê-lo sem rodeios - foi o Ex.° Desembargador.
E falhou, pelo menos, em dois momentos. Desde logo - e esta é, sem dúvida a falta mais grave - quando não apreciou o recurso que o referido arguido havia interposto e cuja motivação, com sete páginas, não podia passar despercebida, sendo que dos autos também constava a resposta do Ministério Público (fls. 5398 a 5401 do processo-crime). Falhou também ao não se ter debruçado convenientemente sobre o requerimento do arguido AA, datado de 20.10.2005, que, embora pouco claro, indiciava que algo de anormal teria ocorrido. Quanto a este último ponto, o acórdão do STJ que apreciou o pedido de habeas corpus também assinalou que "o relator do processo ... perante o pedido de notificação indeferiu-o secamente, por ter certamente considerado o respectivo objecto como um pedido insólito, em vez de ter procurado surpreender o porquê de tal requerimento, cuidado exigível que teria como resultado a verificação de que um recurso — o do arguido AA -ficara por conhecer" — cfr. fls. 10,
Sabemos que o processo em causa era volumoso — vinte e cinco volumes e dois apensos (cfr. ponto 14.) - e que vários incidentes antecederam a admissão do recurso do AA.
Contudo, o Ex.° Desembargador, quer no exame preliminar do processo (art. 417° do CPP), quer, sobretudo, no momento do estudo do recurso e da prolação do acórdão, podia e devia ter atentado nos vários elementos respeitantes ao recurso do AA. O próprio reconhece, no artigo 17° da defesa, "ligeireza na leitura do processo".
Ora, a atenção e o esforço de análise que o julgador investe na apreciação de um recurso não podem depender nem do volume do processo-, nem da quantidade de incidentes nele deduzidos.
Para mais, tratando-se de um processo em que haviam sido aplicadas penas de prisão efectivas aos arguidos recorrentes, impunha-se um redobrado cuidado de análise.
Vejamos, então, em que termos é que o Ex." Desembargador BB pode ser disciplinarmente responsabilizado.
Além dos deveres específicos decorrentes da sua função, especialmente tipificados no capítulo II do seu estatuto, os Juízes têm de observar ainda, nos termos dos arts. 32°e 131° do EMJ, os deveres gerais previstos no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (doravante designado por EDFA), aprovado pelo DL 24/84, de 16 de Janeiro.
Segundo estabelece o art. 82° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) -; "constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os factos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções".
Desta definição legal extrai-se a conclusão de que as infracções disciplinares são apenas tendencialmente tipificadas devendo a sua verificação ser encontrada por referência aos deveres gerais e especiais subjacentes à específica função cometida aos magistrados judiciais.
A infracção disciplinar consiste, portanto, no concreto desrespeito de um dever (geral ou especial) atribuível à função exercida e pressupõe uma conduta voluntária (activa ou omissiva) e censurável, seja a título de dolo ou de negligência.
No caso dos autos, a conduta do Ex.° Desembargador mostra-se violadora do dever de zelo, previsto no art. 3º, n,° 4, al. b) e n.° 6 do ED.
O dever de zelo consiste na execução da prestação funcional com eficiência e correcção, de acordo com os objectivos fixados e com as competências que tenham sido consideradas adequadas.
Como se viu, o Ex.° Desembargador não agiu com a atenção c o cuidado que lhe eram exigíveis no cumprimento desse dever, omitindo o conhecimento de um recurso interposto por um arguido condenado a uma pena efectiva de prisão e aligeirando a apreciação de um requerimento do seu mandatário judicial na sequência da notificação do acórdão onde aquela omissão era patente.”

E quanto à escolha da pena de advertência:

“B.3. Da pena
Já no Plenário de 14.02.2007 o CSM entendeu que a conduta do Ex.° Desembargador era susceptível da aplicação da pena de advertência e foi nesse mesmo sentido que o Plenário se voltou a pronunciar em 04.11.2008.
O Sr. Inspector extraordinário, Ex.° Conselheiro Bettencourt de Faria, na acusação que deduziu, a fls. 437 a 446, propôs igualmente a aplicação da pena de advertência.
Trata-se da pena mais leve na escala das penas disciplinares e consiste num mero reparo pela irregularidade praticada ou numa repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível - arts. 85°, n.° 1, al. a), 86° e 91° do EMJ.
Não obstante as circunstâncias que abonam o bom desempenho do Ex.° Desembargador nas funções que vem exercendo - cfr. pontos 35 a 39 - entendemos que as circunstâncias da infracção e a evidente falta de cuidado com que actuou não aconselham a advertência sem registo, propugnada pelo arguido por via subsidiária.”

Por fim se decidiu:

“III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acordam os membros do Plenário do CSM em aplicar ao Ex.° Juiz Desembargador BB a pena de advertência, pela prática de uma infracção disciplinar consubstanciada na violação do dever de zelo, previsto no art. 3º, n,° 4, al. b), e n.° 6 do ED, ex vi dos arts. 32° e 131° do EMJ.”

C - RECURSO

O recorrente elaborou a sua fundamentação do recurso, dizendo a partir de certa altura:

“(…) 26. Relativamente à factualidade dada por provada, afigura-se que, por relevante para a apreciação e decisão do recurso, os pontos 15 e 32 da matéria de facto deverão ser substituídos pela transcrição integral do Despacho proferido pelo Desembargador BB, já que a factualidade que o CSM deu por assente constitui um resumo, necessariamente subjectivo, daquele despacho.
27. Para tanto, deverá a Secção do Contencioso do STJ conhecer não somente da matéria de Direito, como tradicionalmente sucedia, mas também, ainda que excepcionalmente, e enquanto instância única de recurso, conhecer da matéria de facto.
28. Na verdade, a nova legislação decorrente da reforma do contencioso administrativo, aplicável ao contencioso da magistratura por força do disposto no art.° 178° do EMJ, dando execução ao imperativo constitucional de assegurar o exercício pelos Tribunais Administrativos - e aqui a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, funciona como verdadeiro Tribunal Administrativo na economia dos recursos do contencioso da magistratura - da tutela jurisdicional efectiva, consagra o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos.
29. Citamos, a propósito, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA in O NOVO REGIME DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, Almedina, Porto Setembro de 2003:
"Propósito primacial do CPTA é o de concretizar, no plano da legislação ordinária, o imperativo constitucional de assegurar que os tribunais administrativos proporcionam uma tutela jurisdicional efectiva a quem a eles se dirigir em busca de protecção. Este propósito é assumido no art° 2º, que se reveste, por isso, da maior importância na economia do código. Com efeito, e a exemplo do que sucede com o artigo 2º do CPC, o artigo 2º consagra o princípio de que a todo o direito - entenda-se: a todo o direito ou interesse legalmente protegido - corresponde uma acção, no sentido de que a toda a posição jurídica sustentada em normas ou princípios de Direito encontra na lei o meio adequado à sua actuação perante os tribunais administrativos. E o elenco meramente exemplificativo que se encontra enunciado no artigo 2º n° 2, permite verificar que, de facto, todo o tipo de pretensões passa a poder ser deduzido perante os tribunais administrativos."
30. E, continuando a citar o mesmo Autor, op. cit.,:
"Um modelo baseado no princípio de que todas as pretensões fundadas no Direito podem ser deduzidas contra a Administração perante os tribunais administrativos pressupõe e, ao mesmo tempo, implica que aos tribunais administrativos seja reconhecido o poder de emitir todo o tipo de pronúncias contra a Administração - incluindo, portanto, pronúncias condenatórias, designadamente no domínio, tradicionalmente vedado, do exercício de poderes de autoridade. Como claramente estabelece o artigo 3º n° 1, este poder apenas encontra obstáculo nos domínios da conveniência e da oportunidade da actuação administrativa."
31. Existindo no contencioso da magistratura uma única instância normal de recurso - cfr. art.° 168° n°s 1 e 2 do EMJ - cabe a esse Supremo Tribuna] de Justiça, através da Secção do Contencioso, conhecer de toda a matéria do recurso - quer em termos de matéria de facto quer de matéria de Direito - sob pena de se violar o princípio do direito à tutela jurisdicional efectiva, a que alude o art.° 268° n° 4 da CRP e que o actual contencioso administrativo consagra no art.° 2º do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos), aplicável ex-vi do artº 178°do EMJ.

32. Consequentemente, por manifestamente relevante para a apreciação da conduta do Magistrado Arguido, deverá substituir-se os pontos 15 e 32 da factualidade provada, pela transcrição do supracitado Despacho:

"Questão prévia:
Pese embora todo o empenho e cuidado postos na análise dos autos, como humanos que somos, também erramos. E foi o que se verificou nestes, ao não conhecermos do recurso também interposto, embora mais tarde, pelo arguido AA, o que haverá de ser entendido como lapso manifesto.

Porem os erros ou lapsos, corrigem-se, oficiosamente, ou a requerimento, como se prevê, v.g., no art° 380° do C.P.P., relativamente às sentenças ou aos despachos.

Ora, no caso dos autos, não se havendo o tribunal apercebido, atempadamente, do lapso em causa, cabia ao arguido denunciá-lo logo que do mesmo teve conhecimento, o que se verificou com a notificação do acórdão proferido em 13/10/2005, cuja carta foi expedida em 14/10/2005, conforme fls. 5499.
E essa denúncia deveria ter sido feita de forma precisa e inequívoca, alertando-se o relator para o facto de o objecto do seu recurso não haver sido conhecido. Se isso tivesse sido feito, com a saliência e a autonomia devidas, até pela relevância do lapso, sobre o respectivo requerimento não haveria de ter deixado de incidir o correspondente despacho.

Porém, isso não fez o recorrente, optando, antes, por fazer o 'enroscado' requerimento constante de fls. 5506, quiçá, porque havendo ao recurso sido fixado o efeito suspensivo, quanto mais tardasse a decisão melhor!
E o que pretendeu o recorrente no referido requerimento?
Apenas isto: que fosse notificado do acórdão proferido em 13/10/2005. Esta é que é a verdadeira essência daquele.

Ora, como o recorrente já havia sido notificado, o que resulta claro de fls. 5499, e não é lícita a prática de actos inúteis no processo, como dispõe o art° 137° do C.P.C., ex vi, art° 4º do C.P.P., proferiu-se o despacho de fls. 5507.

Depois, num Tribunal onde o volume e a complexidade do serviço não dão tréguas, não podem os respectivos magistrados dispersar-se com coisas menores, designadamente, debruçando-se sobre a análise de questões que, no seu subconsciente, consideram já resolvidas e ultrapassadas.

Daí que, ao pedir-se apenas, que fosse feita uma notificação que já se encontrava efectuada, sem se alertar para a existência, já conhecida do recorrente AA, daquilo que era um relevante lapso, se tenha proferido o despacho de fls. 5507.

E, nesta instância, o referido recorrente nada mais requereu, devendo fazê-lo, por escrito, e não verbalmente, como diz agora ter feito 'à secretaria', sabe-se lá em que circunstâncias, por certo, num final de sessão, onde o dever e a preocupação primeira daquela seria o de 'dar conta' dos muitos processos que haveria de transportar para a secção!

Por outro lado, 'quod non est in actis non est in mundo!
Depois, remetidos que foram os autos à 1ª instância, em 14/11/2005, aí foi feita a respectiva liquidação, tendo sido notificado o mandatário do arguido, em 02/12/2005, para pagar as custas.
Porém, sendo pressuposto neste o conhecimento do significado do referido pagamento, o mesmo nada disse, mais uma vez!
E só quando o arguido foi detido, em 18/10/2006, é que o seu advogado, finalmente, veio apresentar o requerimento constante de fls, 5758, alertando para aquilo que, desde há muito, era do seu conhecimento e deveria ter denunciado.
Assim, havendo sido fixado ao recurso o efeito suspensivo, a prisão entretanto sofrida pelo arguido ficou a dever-se, essencialmente, a negligência sua!
E porque é que não conhecemos do recurso em causa, incorrendo no atrás referido lapso?
Quando se fez o estudo dos autos, com vista ao conhecimento do objecto dos vários recursos interpostos, verificou-se que o do arguido AA não havia sido admitido, contrariamente ao que acontecera com os demais. Isto resulta de fls. 5141.
Ordenado, entretanto, o cumprimento do disposto no art° 145° do C.P.C., veio o mesmo arguido requerer, a fls. 5162, e mais uma vez, que fosse considerado interposto em tempo o respectivo recurso.
Contudo, este requerimento mereceu o despacho de indeferimento constante de fls. 5163.
Entretanto, o Ministério Público apresentou a sua 'resposta', a qual visou, apenas, os recursos interpostos pelos demais arguidos.
Ora, este facto, aliado [ao] (não) citado despacho de indeferimento de fls. 5163, ter-nos-á induzido em erro, levando à convicção de que o recurso do arguido AA não havia mesmo sido admitido, e, assim, determinado a uma análise menos cuidada dos posteriores termos do processo, onde o despacho de admissão do recurso acabou por ser aí proferido, após os vários 'incidentes', mais tarde, e bastantes páginas mais à frente (fls. 5390).
Esta é a justificação que se encontra para o lapso em que incorremos, e que se entende dever aqui apresentar.
Recurso próprio e tempestivo, com efeito e regime de subida adequados, e sem outras questões que obstem ao seu conhecimento.
Aos vistos.
Após, à Exm.ª Senhora Presidente, a fim de ser designada data para o julgamento."

33. Analisado o processo disciplinar e o Acórdão em recurso, verifica-se pois que nestes autos se exclui qualquer responsabilidade do Magistrado Arguido relativamente à prisão ilegal,

34. Constatando-se que quem determinou - indevidamente - a detenção do arguido AA não sofreu qualquer sanção por tal facto.

35. Assim, a conduta imputada ao Desembargador BB decorre da não prolação de decisão relativamente ao recurso apresentado pelo arguido AA e imperfeita compreensão do requerimento apresentado pelo arguido AA de 20/10.2005.

36. Como já se referiu, o Desembargador BB aceita ter errado.

37. Porém, sem enjeitar as especiais responsabilidades que cabem ao Desembargador relator, cabe referir que nesse erro não esteve sozinho: tal erro foi também cometido por mais 5 Juízes (dois na 1ª Instância e 3 no Tribunal da Relação de Lisboa), pelos Exm°s Magistrados do Ministério Público que intervieram no processo (e até pelos Senhores Oficiais de Justiça, que são técnicos de justiça qualificados) e que não detectaram o erro.

38. Especial responsabilidade cabe também ao(s) Exm°(s) Advogado(s) do arguido AA, pelas acções, omissões e insuficiências que os autos retratam, sendo de esperar que, sendo ele o autor do recurso jurisdicional, alertasse o Tribunal, em termos muito claros, para o facto de se não ter conhecido aquele recurso, desencadeando, se necessário, de imediato, os competentes mecanismos processuais.

39. Porém, como vimos, só o Desembargador BB foi punido.

40. A punição do Desembargador BB, pela alegada violação do dever de zelo, vem suscitar a vexata quaestio de saber se todo e qualquer erro cometido por um Juiz, no exercício de funções, constitui violação de dever profissional, maxime do dever de zelo.

41. 0 dever de zelo encontrava-se previsto no art° 3º n° 4 al. b) e n° 6 do EDFAACRL, aprovado pelo DL n° 24/84 de 16.01, que o definia nos seguintes termos: "o dever de zelo consiste em conhecer as normas legais regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correcção."

42. No actual Estatuto Disciplinar - Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n° 58/2008 de 9 de Setembro - o dever de zelo encontra-se referido no art° 3º n° 2 al. e) e n° 7, sendo definido em moldes ligeiramente diversos: "o dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas."

43. Salvo o muito e merecido respeito pelo entendimento ex adverso plasmado no acto impugnado, afigura-se-nos quem, da mera constatação do erro em que claramente incorreu o Desembargador BB, não se pode concluir pela necessária violação do dever de zelo.

44. É certo que, como refere MICHAEL STOLLEIS, in O PERFIL DO JUIZ NA TRADIÇÃO EUROPEIA, Edição ALMEDINA, 2007, O Juiz é, ainda hoje, uma figura arquetípica da história europeia.

45. Citando o mesmo autor, "a maioria das grandes religiões define um perfil de juiz que julga as acções dos homens quando estes entram no reino dos mortos. O juiz compara as boas com as más acções e decide quem merece ser recompensado ou castigado. O juiz é o último recurso pelo qual se orientam todas as coisas. Era assim na antiga Babilónia, no antigo Egipto e também com os Judeus - mas não na Grécia. No credo apostólico, nós cristãos falamos de Jesus Cristo, mas definido para julgar 'os vivos e os mortos' no final dos tempos, como o “juiz do mundo”.

A nossa consciência histórica colectiva vê assim o perfil ideal deste juiz. Ele está colocado, muito direito, em posição de destaque; os seus símbolos são a balança e a espada punitiva. Ele vê tudo e decide com justiça. O seu veredicto é inevitável. Ele é a 'última instância' (...)".

46. Ora, se bem que o actual perfil do Juiz, na nossa sociedade, cuja natureza conservadora é mais efectiva que aparenta, ainda coexista com aquele arquétipo, há muito que se afastou o dogma da infalibilidade do julgador.

47. Refira-se aliás que, excluída a infalibilidade do Julgador, toda a estrutura do sistema judiciário do Estado de Direito democrático se baseia num sistema piramidal de Tribunais, no qual se efectiva a garantia de recurso, ela mesmo elevada à dignidade de garantia constitucional.

48. Ora na génese do sistema de recursos está precisamente a necessidade de garantir a possibilidade dos cidadãos reagirem eficazmente contra erros judiciários.

49. O que se extrai da conduta imputada ao Desembargador BB integra claramente o erro, numa das suas vertentes.

50. Como refere MARIA FILOMENA CUNHA, no seu estudo sobre o ERRO JUDICIÁRIO, publicado na REVISTA DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, 1º Semestre de 2009, Edição ALMEDINA:
"(...) Sendo a Justiça administrada por seres humanos, o erro judiciário constitui um risco inerente ao funcionamento do serviço de justiça.
E, por mais bem apetrechados que sejam os operadores judiciários, há sempre a possibilidade de ocorrer erro judiciário, quer por causas endógenas ao funcionamento do sistema judiciário quer por causas exógenas que afectam a própria decisão.
Daí que, sendo importante melhorar qualitativamente o funcionamento do sistema judiciário, aspecto raramente equacionado numa época em que a celeridade processual constitui preocupação quase exclusiva, quando se analisa a problemática da Justiça, há que não esquecer a salvaguarda dos mecanismos de recurso, que, sendo embora muitas vezes indevidamente considerados como mero factor de obstrução e atraso na feitura da Justiça, constituem verdadeira válvula de segurança quanto ao erro judiciário, constituem garantia do efectivo acesso à Justiça. (...)".

51. Ou seja, sendo o erro inerente à condição humana, logo, afectando os julgadores, a existência de mecanismos processuais de recurso visa precisamente salvaguardar e eliminar as consequências do erro.

52. A possibilidade de recorrer e os graus de jurisdição são precisamente a consequência necessária da falibilidade humana ao nível do julgador.

53. Porém, o reconhecimento de tal falibilidade e suas consequências, não implica, necessariamente, a violação de deveres profissionais.

54. Pensamos que nenhum profissional, no activo, por mais qualificado e empenhado que seja, assume seriamente nunca ter errado.

55. Ora o dever de zelo, na economia do EDFAACRL consiste na "(.,.) obrigação que impende sobre qualquer funcionário ou agente da Administração Central, Regional ou Local de exercer as suas funções com diligência, com exactidão e com empenho"- LEAL HENRIQUES,
ín PROCEDIMENTO DISCIPLINAR, REI DOS LIVROS 2007.

56. Afigura-se-nos que será injusto considerar que o Desembargador BB não é Magistrado diligente nem empenhado.

57. 0 que não obsta a que se reconheça que errou, in casu.

58. Porém, as circunstâncias objectivas do processo, quer pelo número de volumes, quer pela situação processual assaz atípica que rodeou a interposição de recurso pelo arguido AA e a prolação, a final, de despacho recebendo-o, quer ainda pela atitude assumida pelos Exm°s Mandatários Forenses do mesmo arguido, conduziram a que, além do Desembargador BB, 3 Juízes Desembargadores (o Presidente da Secção e 2 adjuntos), 2 Juízes da 1ª Instância, bem como os Exm°s Magistrados do Ministério Público que tiveram intervenção no processo não detectassem o erro.

59. Saliente-se que, como aliás foi dado por provado, o erro em que todos incorreram, levou a que o Ministério Público não se tenha pronunciado sobre o recurso do arguido AA: "O M° P° apresentou, entretanto a sua resposta a qual visou, apenas, os recursos interpostos pelos demais arguidos."

60. E a que tivesse sido - indevidamente - ordenada a detenção do arguido AA, facto a que o Desembargador BB foi alheio.

61.Ora, de todos aqueles Magistrados, só o Desembargador BB foi punido.

62. Isto apesar de se ter constatado que não lhe era imputável a decisão conducente à prisão do arguido AA.

63. Ademais, no atinente à conduta do Desembargador BB, cumpre salientar que esta ocorreu no contexto de uma situação de doença grave, que o debilitou bastante, num período que, para mais, coincidiu com a distribuição de outros processos muito complexos.

64. Verifica-se pois que o erro cometido pelo Arguido, Desembargador BB, foi involuntário e desculpável.

65. Erro desculpável é aquele cujas circunstâncias fazem presumir boa fé do agente.

66. Daí que subscrevamos o entendimento expresso pelo Exm° Vogal, Desembargador II, no seu voto de vencido, quando refere que "(...) Por erro desculpável fer-se-á aquele em que incorre alguém, não obstante ter actuado com a diligência medianamente exigível. Não decorrendo da matéria apurada que o Exm° Desembargador tenha actuado com padrões de zelo e diligência inferiores àqueles que, comprovadamente, sempre coloca no exercício das suas funções e tendo-se presente a envolvência desfavorável e propiciadora em que os mesmos tiveram lugar, é de concluir pela desculpabilidade dos erros em análise."

67. Aliás, como tem sido entendimento jurisprudencial, "(...) se a cada erro de interpretação da lei correspondesse uma infracção, decerto a Administração sucumbiria sob o peso dos processos disciplinares, não lhe sobrando tempo nem suporte moral para prosseguir as suas atribuições fundamentais...)"- cfr. Acórdão do TCA Sul de 2008.11.27, P° 11582/02, disponível /n www.dgsi.pt

68. Afigura-se-nos, por outro lado, inexistirem elementos probatórios que permitam caracterizar suficientemente o elemento subjectivo da infracção, nos termos decretados no douto Acórdão em recurso.

69. Como é sabido, a existência de uma conduta voluntária e consciente constitui pressuposto da ocorrência de infracção disciplinar.

70. Nos termos do art.º 82° do EMJ, constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais, e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.

71. Para que se dê como provado o elemento subjectivo da infracção, torna-se necessária a verificação de um nexo psicológico entre o agente e o facto, de molde a que este possa ser eticamente censurado por ter agido do modo que lhe é imputado.

72. Nos presentes autos inexiste, s.m.o., prova da existência do elemento subjectivo da infracção disciplinar,

73. Foram violadas as normas legais atrás apontadas, maxime o art.º 3º n° 4 al. b) e n° 6 do ED, ex vi dos art°s 32° e 131° do EMJ, e o art.º 82° EMJ, na interpretação delas acolhida no douto acto recorrido.

74. O vício de violação de lei que afecta o acto administrativo impugnado, conduz à sua anulabilidade, nos termos do art.º 135° EMJ”.

Termina com a pretensão de procedência do recurso, devendo pois, o acórdão recorrido, ser anulado.

A resposta do C S M foi no sentido da sem-razão do recorrente:

“1º Ao acórdão recorrido vem assinalado o vício de violação de lei, com fundamento na inexistência de conduta violadora do dever de zelo.
2º Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
De facto,
3º No acórdão foram descritos e criticamente analisados os factos apurados em sede de processo disciplinar, que aqui nos dispensamos de reproduzir.
4º Como aí se disse, o Ex.° Desembargador BB, não agiu com a diligência devida ao omitir o conhecimento do recurso interposto por um dos arguidos condenados em 1ª instância e ao aligeirar o conhecimento de um requerimento pelo mesmo junto aos autos.
5º Repete-se: não está aqui em causa a responsabilidade disciplinar do Ex.° Desembargador relativamente à prisão ilegal sofrida pelo referido arguido e que deu origem ao pedido de habeas corpus (cfr. fls. 16 do acórdão impugnado). O que se apreciou e sancionou no acórdão recorrido foi a falta de diligência ou zelo no tratamento do recurso interposto por esse arguido e do requerimento aludido nos pontos 27. e 28. da factualidade provada.
6º E mantemos, pelas razões expandidas no acórdão, a conclusão de que, nesses dois momentos, o Ex.° Desembargador não agiu com a atenção e o cuidado que lhe eram exigíveis no cumprimento do dever de zelo, o que afasta a tese do erro desculpável avançada nos pontos 65. e 66. das doutas alegações de recurso.
7º Também não foram minimamente questionadas, no acórdão recorrido, a valia, a competência e o sentido de responsabilidade do Ex.° Desembargador. Contudo, como se sabe, a infracção disciplinar pode existir independentemente de um desempenho profissional exemplar ao longo de muitos anos.
8º Por conseguinte, ao aplicar a pena de advertência - a mais baixa da escala sancionatória disciplinar (art. 85°, al. a), do EMJ) - o acórdão recorrido não incorreu, segundo cremos, no vício de violação de lei.
9º Termos em que deve ser negado provimento ao recurso.”

O Exmº Desembargador BB alegou, reiterando no fundamental o que já afirmara no instrumento de interposição de recurso. E disse, para além do mais, nas suas conclusões:

“(…) III. Sendo de assinalar que o acórdão ora impugnado foi precedida de um Projecto de Acórdão, relatado pelo Exm° Vogal Dr. II, que determinava o arquivamento dos autos, e que não obteve vencimento.

IV. E que o entendimento plasmado no douto Acórdão ora em recurso evidenciou-se igualmente como polémico, na medida em que teve 5 votos contra, entre os quais do Exm° Presidente do CSM, com a seguinte declaração de voto: "Vencido: entendo que se trata de um caso típico de isenção de pena, atentos os factos provados; logo não puniria o Sr. Juiz-Desembargador".

V. Tal declaração de voto foi subscrita por outros dois Vogais do CSM.

VI. Tendo o Exm° Vogal, Dr. II exarou douta declaração de voto, onde conclui nos seguintes termos (…)

VII. A mesma declaração de voto foi também acompanhada pelo Exm0 Vogal, Dr. E... T... L...; "Votei vencido, concordando inteiramente com a declaração de voto do Exm0 Desembargador Dr. II".

VIII. Igualmente polémica e atípica foi a tramitação de todo o procedimento que culminou no acto recorrido, evidenciando clara discordância quanto ao facto de a - errónea - conduta processual do ora A/Recorrente integrar qualquer infracção disciplinar.

IX. O que significa estarmos perante uma questão que é tudo menos consensual.

X. O Desembargador BB, aceitando ter errado, não admite porém ter violado qualquer dever profissional, maxime aquele que lhe é imputado, pelo que entende como manifestamente injusta a sanção aplicada, que mancha a sua carreira profissional, razão pela qual submete a questão à apreciação jurisdicional da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, por forma a ver sindicado o acto impugnado, porquanto entende que o acto administrativo impugnado enferma de vício que acarreta a sua anulabilidade. (…)
XV. A conduta imputada ao Desembargador BB decorre exclusivamente da não prolação de decisão relativamente ao recurso apresentado pelo arguido AA e imperfeita compreensão do requerimento apresentado pelo arguido AA de 20/10.2005.
XVI. Ora o Desembargador BB aceita ter errado.

XVII. Porém sem enjeitar as especiais responsabilidades que cabem ao Desembargador relator: cabe referir que nesse erro não esteve sozinho: tal erro foi também cometido por mais 5 Juízes (dois na 1a Instância e 3 no Tribunal da Relação de Lisboa), pelos Exm°s Magistrados do Ministério Público que intervieram no processo (e até pelos Senhores Oficiais de Justiça, que são técnicos de justiça qualificados) e que não detectaram o erro.

XVIII. Cumprindo ainda assinalar a responsabilidade que cabe também ao(s) Exm°(s) Advogado(s) do arguido AA, pelas acções, omissões e insuficiências que os autos retratam, sendo de esperar que, sendo ele o autor do recurso jurisdicional, alertasse o Tribunal, em termos muito claros, para o facto de se não ter conhecido aquele recurso, desencadeando, se necessário, de imediato, os competentes mecanismos processuais.

XIX. Porém, como vimos, só o Desembargador BB foi punido.

XX. A punição do Desembargador BB, pela alegada violação do dever de zelo, vem suscitar a vexata quaestio de saber se todo e qualquer erro cometido por um Juiz, no exercício de funções, constitui violação de dever profissional, maxime do dever de zelo.

XXI. Entendemos que da mera constatação do erro em que claramente incorreu o Desembargador BB, não se pode concluir pela necessária violação do dever de zelo.(…)

XXIX. Tendo o erro - involuntário e desculpável - em que o Magistrado ora A/Recorrente incorreu sido fruto das circunstâncias objectivas do processo, quer pelo número de volumes, quer pela situação processual assaz atípica que rodeou a interposição de recurso pelo arguido AA e a prolação, a final, de despacho recebendo-o, quer ainda pela atitude assumida pelos Exm°s Mandatários Forenses do mesmo arguido, conduziram a que, além do Desembargador BB, 3 Juízes Desembargadores (o Presidente da Secção e 2 adjuntos), 2 Juízes da 1a Instância, bem como os Exm°s Magistrados do Ministério Público que tiveram intervenção no processo não detectassem o erro.

XXX. Ademais, no atinente à conduta do Desembargador BB, cumpre salientar que esta ocorreu no contexto de uma situação de doença grave, que o debilitou bastante, num período que, para mais, coincidiu com a distribuição de outros processos muito complexos.

XXXI. O erro cometido pelo Arguido, Desembargador BB, foi pois involuntário e desculpável. (…)”

Alegou o C S M, que basicamente remeteu para o que havia dito na sua resposta, bem como o M º Pº, o qual afirmou, entre o mais:

“(…) 1.3. Os 25 volumes e 2 apensos do processo, os vários incidentes que antecederam a admissão do recurso do AA, a deficiente qualidade do requerimento por este renovadamente apresentado, o reconhecimento do recorrente como «Magistrado trabalhador, competente e com sentido de responsabilidade, zelo e dedicação» - tudo matéria igualmente dada por assente na deliberação impugnada e na mesma ponderada - não constituem circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, não justificando, designadamente, a não exigibilidade de conduta diversa [art. 32°, alínea d) do ED].
De notar que a grave doença que acometeu o recorrente e as difíceis circunstâncias que lhe sucederam (n°s. 40 a 43 da matéria dada como assente) ocorrem cerca de 10 meses depois da prática da imputada infracção disciplinar.
2. Foi observada, na determinação da pena, o disposto nos arts. 85°, n° 1, alínea a), 86° e 91° do EMJ (fls. 49/50; fls. 19/20 da deliberação).
Foi aplicada ao ora recorrente a pena de mais baixo escalão, embora com a normal sujeição a registo [EMJ, art. 85°, n°s. 1, alínea a) e 4, parte final], por se entender «que as circunstâncias da infracção e a evidente falta de cuidado com que actuou não aconselham a advertência sem registo» (fls. 50, cit.).
Parece, na matéria, dever firmar-se o entendimento de que «Em sede de graduação da culpa e de determinação da medida concreta da pena, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de "justiça administrativa", movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis [ou violarem princípios directores da actividade administrativa - princípios de igualdade, justiça, imparcialidade ou proporcionalidade] … … O uso ou não dos poderes de atenuação especial ou de suspensão de execução da pena insere-se no exercício de poderes discricionários, contenciosamente insindicável para além do erro grosseiro, desvio de poderes ou violação dos princípios constitucionais ligados ao exercício de actividade administrativa» (ac. n° 0412/05 do pleno do STA, de 29.Mar.2007).
Erro grosseiro, ostensivo ou violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade que, no caso, não se descortinam.
3. Não se identificam causas de invalidade do acto impugnado, diversas das alegadas.
IV CONCLUSÃO
Conclui-se do exposto pela improcedência do vício invocado e, não se tendo identificado causa de invalidade do acto, pela negação de provimento ao recurso.”

O Exmº Conselheiro Oliveira Rocha, a quem os autos haviam sido distribuídos, veio pedir escusa com base no artº 126º do C P C, porque subscrevera o acórdão que deferira o pedido de Habeas Corpus a que começámos por fazer referência e na sequência do qual o arguido foi libertado. O recorrente não se opôs ao pedido formulado e a escusa foi deferida. Daí ter sido designado novo relator.

C - APRECIAÇÃO

1. A delimitação do objecto do recurso pelas conclusões adiantadas, leva-nos a tomar posição sobre a pretensão de se apreciar o mérito da decisão do Plenário do C S M, ora recorrida, e sobre os termos em que tal poderá ter lugar.
Para o recorrente, muito sinteticamente, a factualidade (1) em que assenta a sua punição não passa de um “erro involuntário e desculpável” insusceptível de o fazer incorrer em responsabilidade disciplinar. A decisão recorrida enfermaria pois, para si, de vício de violação da lei, por não estar em causa conduta imputável ao recorrente violadora de dever de zelo.

1. 1. Importa antes do mais ter em conta que, como referiu o C S M (vide v. g. fls. 61), não está em causa aqui a responsabilização do recorrente pela prisão sofrida pelo arguido AA, e que deu origem ao pedido de Habeas Corpus que mereceu provimento.
O lapso consistente no não conhecimento do recurso interposto por aquele arguido, e o despacho de 27/10/2005 (2)
, são os passos iniciais de uma cadeia de actos que terminaram na prisão do arguido, mas que se encontram, aqueles, numa relação com esta, que não é de causalidade adequada. Avulta sim, neste enquadramento, a posição de todos quantos na primeira instância acharam erradamente que a primeira decisão (e até então única), que condenara o arguido AA a dois anos de prisão, transitara em julgado (3) .

1. 2. Por outro lado, e como acentuou o mesmo C S M (fls. 61), “Também não foram minimamente questionadas, no acórdão recorrido, a valia, a competência e o sentido de responsabilidade do Ex.° Desembargador. Contudo, como se sabe, a infracção disciplinar pode existir independentemente de um desempenho profissional exemplar ao longo de muitos anos”.

2. O presente recurso foi interposto ao abrigo do nº 1 do art. 168º do E M J (fls. 4). Nos termos do nº 5 do preceito “Constituem fundamentos do recurso os previstos na lei para os recursos a interpor dos actos do Governo”.
No âmbito disciplinar, o art. 74º do E D refere que “Das decisões condenatórias dos ministros e demais entidades competentes cabe recurso contencioso nos termos gerais”.
O art. 50º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (C P T A) refere no seu nº 1 que “A impugnação de um acto administrativo tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto”.
Quanto à mera tramitação, e de acordo com o art. 178º do E M J “São subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo”.

2. 1. A observância do nº 4 do artº 268º da Constituição, que garante aos administrados “tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente (…) a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma”, haverá que coadunar-se com o artº 3º do C P T A. Este preceito estabelece que “No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação”.
Se, por um lado, se tem visto neste preceito um alargamento da competência dos tribunais administrativos comparativamente com o regime antecedente, o que é certo é que os poderes de plena jurisdição agora facultados não escamoteiam as limitações inerentes à salvaguarda da referida área de discricionariedade da Administração.
Ora, é neste campo, em princípio vedado a controle, por parte do tribunal, que se devem situar os poderes do C S M, quando se pronuncia sobre a valoração duma actuação, que alegadamente contrariou o dever de zelo exigido ao magistrado.

2. 2. O artº 82º do E M J faz depender a ocorrência de infracção disciplinar, entre o mais, da “violação dos deveres profissionais”. Por outro lado, o nº 1 do artº 3º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo D L 24/84 de 16 de Janeiro (E D F A A C R L) (4) consagra disciplina paralela, e considera no seu nº 4, o dever de zelo, como um dos deveres gerais decorrentes da função. Este, vem definido no nº 6 como o dever de o funcionário, para além de conhecer as normas e instruções pertinentes, “possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correcção”.
E se quiséssemos ver a definição do nº 7 do artº 3º da Lei 58/2008 de 9 de Setembro (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas), depararíamos com um dever de zelo analisado, entre o mais, no exercício de funções “de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas”.
Deparamos aqui com conceitos caracterizados por boa dose de indeterminação, cuja concretização apela para “preenchimentos valorativos” por parte do órgão administrativo aplicador do direito (5) cuja lição seguimos de perto, bem como dos autores aí citados. .
O juízo sobre responsabilização disciplinar do magistrado, por omissão de dever de zelo, reclama-se de exigências ético-deontológicas tal como o C S M as concebe, e da experiência vivida ou conhecida do trabalho dos tribunais, por parte dos membros do mesmo Conselho. Ora esse juízo não é determinado, antes, tão só, enquadrado, por critérios jurídicos.
Em situações como a que temos em apreço, a Administração pode considerar não só justa como vinculante a valoração que pessoalmente tenha feito.
Perante a pluralidade de sentidos que a expressão da lei comporta, o legislador espera, por um lado, uma tomada de posição individual do órgão decisor. Por outro, que essa tomada de posição ilustre uma orientação do mesmo órgão decisor.
Ora, essa tomada de posição escapa à mera subsunção lógica, como se fosse o caso de haver aqui uma única solução legal, já contida na norma, e que o aplicador viesse dar à luz. Existe sempre uma valoração autónoma que se traduz numa escolha entre alternativas.
Assim, “esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autónomo da vontade do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica”. E traduz “o exercício de verdadeira discricionariedade, sendo que, quando assim sucede, o tribunal não pode reapreciar o acto da Administração para lhe substituir outro. (6) Se o fizesse estaria a exercer a função administrativa, e não já a função jurisdicional: haveria dupla administração (Doppelverwaltung), a qual seria contrária ao princípio da separação dos poderes e, portanto, inconstitucional.” (7)

2. 3. Noutra perspectiva, condutora embora ao mesmo resultado, a instância de recurso deverá, em termos de legalidade ampla, sindicar também a observância do nº 2 do art. 266º da Constituição.
Segundo esse preceito, a Administração deve actuar no exercício dos seus poderes com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
Claro que o princípio da igualdade, em termos negativos, proíbe comportamentos discriminatórios, e, em termos positivos, obriga a tratar igualmente, situações iguais. Não se dispõe, no caso, de elementos que permitam afirmar ter havido inobservância do princípio.
O princípio da justiça na actuação da Administração alude à observância de outros princípios plasmados na Constituição como sejam o da dignidade da pessoa humana ou do respeito pelos direitos fundamentais e não entrou em crise no caso que nos ocupa. Do mesmo modo se não vislumbra qualquer quebra de imparcialidade ou boa-fé na actuação do Plenário do C S M.
Fica-nos pois a questão da proporcionalidade.
Basicamente, ela prende-se, estando em causa a actividade da Administração, com uma proibição de excesso, sobretudo quando é feito uso de poderes discricionários. Porque “não basta que a Administração prossiga o fim legal justificador da concessão de tais poderes; ela deve prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adoptando, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados”. (8)
No campo do direito administrativo sancionatório, concretamente do procedimento disciplinar, vemos que a sindicância que cabe à instância de recurso, em nome ainda da proporcionalidade de que vimos falando, passará por acolher a pretensão de impugnação do acto, sempre que à factualidade fixada for dado um relevo ostensivamente desadequado, traduzido na punição, na escolha e medida da sanção aplicada.
Essa desadequação ostensiva surgirá, sempre que o tribunal ad quem conclua que, tendo respeitado a “área designada de justiça administrativa”, (9) em que a Administração se move a coberto da sindicância judicial, mesmo assim tenha ocorrido a utilização de critérios estranhamente exigentes, ou a violação grosseira de princípios que devem reger a actividade administrativa.
A “área designada de justiça administrativa” corresponde aqui a um juízo de mérito, que se socorre de critérios próprios, apanágio da instância administrativa Plenário do C S M.
A praxis do Plenário é informada por esses critérios, quanto ao que deva entender-se que, no comportamento do juiz, violou os seus deveres profissionais. E, como é evidente, este círculo em que o Plenário se move contém a margem de discricionariedade atrás apontada que escapa ao controle judicial.
Mas porque também esta é uma discricionariedade vinculada, ela tem limites intrínsecos. Esses limites serão ultrapassados quando houver desproporção.

3. No caso em apreciação nestes autos, está em causa saber se o comportamento do Exmº Desembargador BB, que o Plenário do C S M valorou negativamente, não tem claramente relevo nenhum para efeitos disciplinares, ou, se o tiver, reclama outra pena que não a de advertência registada.
Na linha apontada, o que se pede a esta instância de recurso não é, não pode ser, que nos pronunciemos sobre a reacção específica que reputamos justa, face aos factos provados, substituindo-nos ao órgão da Administração (aqui o C S M), e sim que nos pronunciemos sobre se a instância recorrida reagiu de uma forma claramente desadequada, e portanto desproporcionada.
Vemos que a conduta do recorrente foi valorada negativamente pelo C S M porque, objectivamente, a omissão negligente do conhecimento do recurso violou um dever da função exercida, que se analisa até, fundamentalmente, no processamento e julgamento de recursos.
Depois, entendeu o Conselho que havia um nexo de imputação subjectiva eticamente censurável, da conduta ao arguido, em termos de negligência inconsciente.
Pretende o recorrente que houve lapso, sim, da sua parte, mas inconsciente e desculpável.
Já se viu que a negligência imputada terá sido inconsciente, o que porém não impede a censurabilidade do(s) acto(s).
Quanto ao facto de o comportamento ser desculpável, pretende o recorrente, com a afirmação, que inexistiu qualquer culpa da sua parte, e que o mesmo não podia portanto ser censurado.
Ora, a completa exclusão da culpa do recorrente só poderia advir, no caso, da dirimente “não exigibilidade de conduta diversa” (cf. artº 32º al. d) do D L 24/84 de 16 de Janeiro, ou 21º al. d) da Lei 58/2008 de 9 de Setembro).
Fora desse contexto estar-se-á simplesmente ao nível do tipo de censura que o arguido merece, da escolha da pena ou da sua graduação.
Assim, a pergunta que cumpre fazer é a de se saber se a factualidade assente implica que, no condicionalismo, não era possível pedir ao Exmº Desembargador BB que tivesse agido de outro modo.
A resposta tem que ser forçosamente a de que tal era possível.
Ou seja, apesar das circunstâncias que rodearam a sua actuação (processo volumoso, sobrecarga de trabalho, sintomas de doença, instrumentos de interposição de recurso e despachos de admissão separados, teor do requerimento do arguido AA), não se pode razoavelmente dizer que se não podia exigir do recorrente outra actuação (10) .
Ora, depois de tudo o que acima se afirmou, só no caso dessa inexigibilidade se impor claramente é que esta instância de recurso poderia intervir, alterando o decidido.
Não sendo o caso, tudo se discutirá ao nível da medida da culpa, do grau de censura que o agente deve suportar, porque alguma censura merece, escapando portanto à sindicância possível por parte deste tribunal. Sindicância que não é aquela que o recorrente solicitou.

D - DECISÃO

Tudo visto e ponderado se delibera, neste Supremo Tribunal e Secção do Contencioso, negar provimento ao recurso, por não haver fundamento para a decisão recorrida ser impugnada.

Custas pelo recorrente

Lisboa, 16 de Dezembro de 2010

Souto de Moura (Relator)
Maia Costa
Fonseca Ramos
Moreira Camilo
Custódio Montes
Henriques Gaspar

_______________

(1) Essa factualidade inclui, no ponto 32 da matéria dada por provada, a súmula do despacho subscrito pelo recorrente, da segunda vez que os autos haviam de subir ao Tribunal da Relação de Lisboa. Tal despacho vê-se reproduzido a fls. 93 e segs. e, inclusivamente, o recorrente incluiu-o na conclusão XIV das suas alegações.
A integração na matéria de facto do dito ponto 32 não pôde ter outro sentido que não tivesse sido o de se ter dada por provada a emanação do despacho em causa, no termos em que o foi. Assim, sem que tal implique qualquer modificação da matéria de facto, é ao despacho na sua integralidade que, porque disponível, importa atender. Certo que o mesmo respeita a um comportamento do arguido posterior à prática da infracção, e que não foi considerado integrador desta.


(2) Do teor já referido "Visto, uma vez que já se mostra notificado", e que respondia ao requerimento do arguido com o conteúdo que se transcreve mais uma vez, "AA, arguido/recorrente nestes autos vem solicitar a V. Exa se digne notificá-lo da decisão do recurso interposto cuja audiência decorreu já neste Tribunal no passado dia 13 de Outubro de 2005, pelas 14.14 conjuntamente com os co-arguidos recorrentes CC, DD e EE cuja decisão, relativamente a estes, foi já pública e notificados da mesma".



(3) No acórdão que conheceu o pedido de Habeas Corpus e que se pode ver a fls. 11 do apenso a estes autos de recurso, defende-se que o acórdão que não conheceu do recurso do arguido AA não era nulo por omissão de pronúncia, o que seria o caso se esse acórdão se não tivesse pronunciado sobre questão levantada no recurso, e então sim, a falta de arguição da invalidade e a sanação do vício poderiam ter por efeito o trânsito em julgado. Ao invés, o que terá ocorrido foi o acórdão da Relação padecer do vício de inexistência parcial, o qual devia ser conhecido oficiosamente na 1ª instância, que, através de devolução dos autos à Relação deveria diligenciar pela supressão de tal vício.

(4) Aplicável subsidiariamente por força do artº 131º do E M J.

(5) Cf. Diogo Freitas do Amaral in “Curso de Direito Administrativo” vol. II, pág. 109 e segs.

(6) V. ROGERIO SOARES, Direito Administrativo, p. 64.

(7) Loc. cit. na nota 5, pág. 114

(8) Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa” II vol. pág. 801

(9) Vide o sentido da expressão por exemplo nos Ac. do S T A de 2/7/2009, ou de 29/3/2005 respectivamente nos Pºs 639/07 e 412/05. Em ambos se diz que, “Ao exercer os seus poderes disciplinares em sede de graduação da culpa e de determinação da medida concreta da pena, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de justiça administrativa, movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu atentarem contra os princípios que regem a actividade administrativa ou forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis”.

(10) Não estamos perante um circunstancialismo exterior que levasse o recorrente, inelutávelmente, à omissão imputada. E o erro sobre elementos de facto, como se sabe, exclui o dolo, mas implica a punibilidade em termos de negligência (artº 16º do C P). Usando os termos do artº 15º do C P, poder-se-á dizer que segundo aquelas circunstâncias o recorrente não estava obrigado ou não era capaz de agir com mais cuidado? A resposta também se nos afigura, necessariamente, ser a de que essa obrigatoriedade e capacidade existiam.

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