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quarta-feira, 11 de abril de 2012

JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 29-03-2012


Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4914/07.9TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
BOA FÉ
DEVERES LABORAIS

Data do Acordão: 29-03-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA

Sumário : I - No âmbito do CT/2003, do elenco gradativo das sanções disciplinares aí previstas, o despedimento sem qualquer indemnização ou compensação surge como a “ultima ratio”, reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho.
Estes são os casos de justa causa de despedimento, com os contornos delimitados pela noção/cláusula geral estabelecida no art. 396.º, n.º 1, preenchida por um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo juslaboral, impossibilidade perspectivada enquanto inexigibilidade da sua manutenção.

II - Na apreciação da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, para além das circunstâncias que se mostrem particularmente relevantes no caso, ponderam-se, com objectividade e razoabilidade, os factores a que alude o n.º 2 do art. 396.º, aferindo-se a final a gravidade do comportamento em função do grau de culpa e da ilicitude, como é regra do direito sancionatório, nela incluído necessariamente o princípio da proporcionalidade, convocado aquando da opção pela adequada sanção disciplinar – art. 367.º.

III - O despedimento-sanção é a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interacção relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador.

IV - No âmbito da relação laboral, trabalhador e empregador têm de sedimentar a sua conduta no postulado ínsito no princípio geral da boa-fé e da mútua e leal colaboração na execução do contrato, expressamente plasmado no art. 119.º, em cujos termos as partes, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa fé, devendo colaborar, na execução do contrato, no sentido da obtenção da maior produtividade e bem assim da promoção humana, profissional e social do trabalhador.

V - A ideia de mútua colaboração – não obstante a coexistência latente de uma conflitualidade ôntica nas relações de trabalho – elaborada embora em contexto histórico coevo do sistema corporativo (vide art. 18.º da LCT), continua a ser o suporte matricial dos deveres de zelo e diligência na realização do trabalho, que impendem sobre o trabalhador, e que concretamente integram a panóplia elencada no art. 121.º (cfr. alíneas c) e g) do seu n.º 1).

VI - O contrato de trabalho, sendo intuitu personae, pressupõe uma particular relação de confiança e de colaboração estreita, estando nele subjacente o credo nas qualidades de honestidade, lealdade e confidencialidade, fundamentais para a consecução da finalidade contratual, sendo que essa confiança nas qualidades da outra parte – embora de maior ou menor grau/intensidade consoante a correspectiva exigência fiduciária das funções confiadas – constitui sempre a “raiz indefectível e o pressuposto essencial e constante da relação”, pela óbvia razão de que a permanente proximidade e interacção entre os dois protagonistas da relação implica consideráveis riscos de lesão recíproca: o trabalhador vê-se inserido numa organização dominada pelo empregador, ficando, por isso, exposto à potencial violação dos seus direitos; o empregador insere na sua organização produtiva alguém que pode causar-lhe prejuízos significativos.

VII - É de afirmar a justa causa do despedimento quando está demonstrado que a trabalhadora - única pessoa, ao serviço da R., a exercer funções de controle de qualidade da actividade dos clientes desta - após realizar as respectivas visitas inspectivas aos mesmos, não elaborou, em tempo oportuno, os correspondentes relatórios, imprescindíveis à apreciação a efectuar pelas entidades estatais competentes para o efeito; nessa situação, no âmbito de uma reunião com a gerente da R. solicitou autorização para frequentar uma acção de formação e, perante o indeferimento dessa autorização, fundamentada na não elaboração dos referidos relatórios, saiu da referida reunião a cantarolar, entrando em situação de baixa médica no dia seguinte – baixa essa que se prolongou por mais de dois meses – e, ainda, face às solicitações da R. para disponibilizar os elementos necessários à elaboração dos respectivos relatórios por outro técnico, manteve uma conduta de indiferença.

VIII - Este circunstancialismo afronta os deveres previstos nas alíneas a), c), d) e g) do n.º 1 do art. 121.º do CT/2003 e preenche a previsão constante do art. 396.º, n.ºs 1 e 3, alíneas a), d) e m) do mesmo diploma legal, configurando inequivocamente um comportamento culposo e grave da A. que, em si e nas suas consequências, atingiu fatalmente o suporte psicológico da relação, não sendo justo nem suportável, no balanço dos interesses em presença, impor à R. empregadora a manutenção do vínculo juslaboral.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I –


1.

AA, residente na Rua …, …, com os demais sinais dos Autos, veio intentar contra:

“BB, Ld.ª”, com sede na Rua ..., em Lisboa, a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que se anule a sanção disciplinar de despedimento com justa causa e se condene a Ré a compensá-la no valor das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito da sentença e a pagar-lhe € 1.500,00 de indemnização por danos patrimoniais e € 35.000,00 por danos não patrimoniais, com juros.


Para o efeito alegou, em resumo útil, que trabalhou para a Ré como Técnica Superior de Higiene e Segurança, desde 14.1.2002, sempre desempenhando as suas funções de modo exemplar.

Porém, em 2 de Julho de 2007, foi notificada da decisão de despedimento depois da instauração de um processo disciplinar inválido, cuja existência de justa causa impugna, considerando mesmo abusiva a sanção de despedimento aplicada.


Na contestação a Ré reiterou os factos imputados à Autora na nota de culpa, bem como a existência de justa causa e concluiu pela improcedência da acção.


Após a realização da Audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente, porque parcialmente provada, declarando ilícito o despedimento da A., que anulou, e condenando a Ré, em conformidade, a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, mais a condenando a pagar à A. a quantia de € 49.416,56 (quarenta e nove mil e quatrocentos e dezasseis euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, somada das quantias que se vierem a vencer pelo mesmo título (art. 437.º do CT aprovado pela Lei 99/2003) até ao trânsito em julgado da decisão final do processo.

Condenou por fim a Ré a pagar à A. a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença relativa ao pagamento de todas as despesas decorrentes dos presentes autos, incluindo os honorários da mandatária da A.



2.

A Ré, inconformada, interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe concedeu provimento, julgando procedente o recurso interposto e revogando a sentença recorrida por se considerar que existiu justa causa no despedimento efectuado, com a consequente absolvição da R. dos pedidos contra si formulados, tudo conforme dispositivo do Acórdão, a fls. 498.


É ora a A. que se insurge contra o assim decidido, mediante a presente Revista, cujas alegações remata com a formulação deste quadro conclusivo:


«1ª - Atentas as provas carreadas nos presentes os autos, e considerando o conteúdo do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência e cumprir as ordens e instruções do empregador no que respeite à execução e disciplina do trabalho, entende a Recorrente que não foi violado nenhum dos deveres de que a mesma vem acusada.


2ª - Assim considera-se falta de zelo e diligência o caso em que "(...) o trabalhador cumpre o seu dever principal sem atender a determinados parâmetros de diligência,(...)

A falta de zelo e a negligência têm de ser aferidas por parâmetros objectivos, segundo o padrão do bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, variando em função da actividade a desenvolver." - cfr. Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., p. 455. (sublinhado nosso).

"Assim, a actuação do trabalhador será diligente se corresponder ao comportamento normalmente exigível para aquele tipo de trabalhador, naquela função em concreto". - cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho Parte II, cit., p. 355.


3ª - Foi exactamente nestes termos que o Tribunal de 1.ª instância fez uma correcta aplicação dos factos ao direito, e considerou e bem que a Recorrente nos dias 21, 22, 23 e 26 de Fevereiro efectuou 10 vistorias, apenas ficando livre para elaborar os relatórios a partir de dia 27 de Fevereiro. Considerou ainda que não podendo aplicar uma métrica de 3 relatórios ao dia, não se pode acusar a Recorrente de ter o serviço atrasado a partir dos primeiros dias de Março de 2007. Acresce ainda o facto de desde dia 15 de Março até 23 de Maio esteve com baixa médica.

Em face dos factos apurados e após uma correcta aplicação dos normativos de direito ao caso em apreço o tribunal de 1.ª Instância considerou que não existiu desobediência no que concerne à conclusão dos relatórios que justificasse uma violação grave do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, e de que cumpriu as ordens e instruções do empregador no que respeite à execução e disciplina do trabalho conforme de seguida se transcreve:

"Os factos apurados não se integram inteiramente na versão da Ré. No que toca ao primeiro bloco, a A. faz 9 vistorias a empresas no Norte, em 21, 22 e 23 de Fevereiro de 2007, uma 10.ª em 26.2.2007, em Alverca, uma 11.ª em 6.3.2007 e uma 12.ª em 13.3.2007. Notar-se-á que 25 e 25 (sic) de Fevereiro de 2007 foram Sábado e Domingo. Ou seja, em rigor, só a partir de 27.2.2007 é que a A. não teria vistorias e podia fazer os relatórios. É certo que quando voltou ao serviço, em Maio 24, no dia a seguir completou 3 relatórios. Mas isto não nos diz, ou melhor, o Tribunal não apurou, porque também não foi alegado nem falado, se todos os relatórios e vistorias eram da mesma complexidade. O mais natural era que não fossem, porque é de esperar que as empresas não sejam todas iguais nem estejam no mesmo estado e portanto que seja diferente a complexidade ou tempo de elaboração dos relatórios respectivos, ou seja, não podemos aplicar uma métrica de 3 relatórios ao dia para acusar a A. de ter o serviço atrasado a partir dos primeiros dias de Marco de 2007."

Isto significa que não se pode afirmar uma desobediência relativamente a não elaboração dos relatórios, porque o facto de deverem ser logo entregues, este "logo" é bastante relativo sobretudo quando a A. passa dias e dias seguidos fora da sede a fazer vistorias, e sobretudo porque esse "logo" tem um limite que é o de 30 de Abril, data em que as empresas têm de apresentar os relatórios no ISHST (facto sub 16, supra). E até essa data havia cem relatórios para fazer. O que quero significar é que se a A. fica doente em 15 de Março, não podemos dizer com rigor que já estivesse atrasada, apesar de termos como provado que os relatórios deviam ser logo entregues." "Aquilo, o da A. estar doente e dever considerar-se tão morta quanto Inês, sendo ainda certo que é crime a profanação de cadáver, leia-se, sendo ainda certo que não se pode sequer falar a um doente, a menos que seja para lhe desejar as melhoras, significa também que todo o terceiro bloco de suposta ilicitude se resolve — para os efeitos deste processo onde apenas sabemos aquilo que as partes nos trouxeram — no seu contrário, isto é, a conduta da A. não tem absolutamente nada de ilícito." (sublinhado e negrito nosso).


4ª - Já quanto ao cumprimento das ordens e instruções do empregador no que respeite à execução e disciplina do trabalho, importa ter em consideração que sendo o dever de diligência "o grau de esforço exigível para determinar e executar a conduta que representa o cumprimento de um dever" (Pessoa Jorge, in ‘Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil’, p. 76), podemos assim questionar-nos se "(...) O trabalhador pode recusar-se a realizar actividades laborais, alegando que tal sobrecarga de trabalho irá prejudicar o grau de diligência exigível para a execução da prestação de trabalho?

Entendemos que sim, porquanto o trabalhador não está vinculado a realizar a prestação de trabalho em moldes que ultrapassem o humanamente exigível; por outro lado, como já vimos nas anotações à alínea c), do art. 120.º, a entidade patronal tem o dever de fornecer "boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral", mormente abstendo-se de sobrecarregar o trabalhador com um número excessivo de tarefas, o que faria relembrar os momentos áureos da escravatura." (Paulo Quintas e Hélder Quintas, in ‘Código do Trabalho Anotado e Comentado’, p. 326).


5ª - Assim, importa enfatizar o mencionado na sentença de 1.ª instância quanto ao número de relatórios que se encontravam pendentes, cerca de cem, sendo que a Recorrida apenas detinha uma técnica, conforme esta assume, quando deveria ter no mínimo três, já que se encontrava em processo de certificação, e acresce o facto de nos meses de Março e Abril o volume de trabalho aumentar, conforme ficou provado, já que é necessário remeter os relatórios anuais às empresas clientes da Recorrida.


6ª - Todavia o Acórdão aqui em crise considerou que a elaboração de todos os relatórios, bem como as deslocações para os clientes da Recorrente e o tempo que foi dispendido em cada uma das vistorias ser razoável e que competia à Recorrente ter os relatórios concluídos no início de Março. Por outro lado, entendeu e bem o Tribunal da 1.ª instância, posição sufragada pela ora Recorrente, que tais ordens implicam um esforço extremo para qualquer trabalhador colocado na posição de um bom pai de família e como tal ser perfeitamente aceitável o suposto "atraso" apenas de alguns dias na conclusão dos mesmos. Salvo o devido respeito, que é muito, não se afigura razoável, sem alegações, provas e assim, quaisquer elementos, que o tribunal recorrido possa formular juízos de apreciação quanto à gestão do tempo e organização do trabalho da Recorrente in casu, quando, salvo distinta opinião, o que releva reter é o elemento factual existente a apreciar: a Recorrente, quando inicia a sua situação de baixa médica, estava em tempo de cumprir com os prazos em causa.


7ª - O atrás referido deve, para efeitos da boa apreciação, ser indissociável do que nos parece inquestionável e não está a ser atendido pela decisão ora posta em crise, e que é o facto da situação de baixa médica ser um motivo de falta justificada e não imputável à trabalhadora. E tal bem apreciou o tribunal de 1.ª instância, porém, não mereceu acolhimento pelo tribunal de que ora se recorre, retirando-se da decisão recorrida que afinal, um trabalhador pode ser penalizado por se encontrar em situação de baixa médica. Ora, temos que, não pode um trabalhador que num dia x potencialmente estava em tempo de cumprir com a entrega dos seus trabalhos, ser despedido porque, tendo entrado em situação de doença, não conseguiu, afinal, cumprir e tal veio a causar a problemática alegada pela empresa in casu. A aceder por essa via, mais não significa que um trabalhador que não tem quem o substitua, pode, em caso de doença e baixa médica, logo, incapacidade e inexigibilidade para o trabalho, ser penalizado e despedido porque as tarefas afectas ao seu posto de trabalho não foram cumpridas, ou sequer pelos seus métodos de trabalho (mais ou menos notas e que na perspectiva de um trabalhador que fez as vistorias e contava fazer relatórios seriam suficientes) se a empresa não está organizada para fazer face a este tipo de imprevistos e cuja solução é depender de um trabalhador e sobretudo, culpá-lo, despedindo-o, porque esteve doente em má altura.


8ª - Tal decisão é ainda, e não pode deixar de se dizer, preocupante. A mesma fomenta uma cultura tendencial e crescente de temor reverencial por parte de um trabalhador que sem condições de saúde para ao trabalho, cuide da sua saúde e fique em situação de baixa médica se essa for a decisão e conselho médico. Curioso que a Recorrida não colocou a baixa médica da Recorrente em causa, o que poderia ter feito. Igualmente não colocou em causa a doença concreta e se a mesma era mais ou menos impeditiva, não ponderou sequer se a doença da Recorrente era de foro infecto-contagioso, se se encontrava em coma ou se tinha um qualquer osso partido. O que só se compreende quando o objectivo não é ponderar uma tomada de iniciativa qualquer, quanto mais uma ponderação de acção disciplinar ou uma pena disciplinar, o que só se compreende quando o objectivo é despedir e penalizar um trabalhador sem qualquer razoabilidade. Deste modo, esteve bem a Recorrente quando decidiu não ir trabalhar, para bem da própria Recorrente e da empresa ora Recorrida pois que não se encontrava capaz de fazer um trabalho competente.


9ª - E mais chegando a extremos conforme fez a Recorrida, uma vez que entende que os trabalhadores e mais especificamente a Recorrente, devem ser responsabilizados pelos trabalhos que deixam de realizar no período em que estão doentes, ao invés de estar preparada para eventuais contingências, como seria expectável, sempre se pergunta se a doença tivesse tido um desfecho infrutífero para a Recorrente, quem é que a Recorrida iria responsabilizar pelo facto dos relatórios não ficaram concluídos.


10ª - Face ao anteriormente exposto, entende a ora Recorrente que agiu de acordo com deveres e obrigações que lhe eram exigidos e que respeitou os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência e cumpriu as ordens e instruções do empregador no que respeite à execução e disciplina do trabalho, e na colaboração da execução de actos à melhoria da produtividade da empresa, não se podendo assacar qualquer ilicitude que justifique o despedimento.


11ª - No que concerne ao entendimento do Acórdão da Relação de Lisboa, quanto à justa causa de despedimento, o mesmo considerou que: "Afigura-se-nos assim que a actuação da autora integra a violação grave e culposa dos deveres de obediência e de realização do trabalho com zelo e diligência devidas, bem como os seus deveres urbanidade, respeito e de colaboração com a entidade empregadora (...) cuja violação integram infracções disciplinares graves susceptíveis de integraram justa causa de despedimento, ao abrigo dos n°1 e 3, al. a) d) e) do art. 396 do CT/2003".


12ª - Ora salvo o devido respeito, a análise da Recorrente sobre a matéria dada como assentes leva à conclusão em sentido contrário da decisão recorrida, ou seja, pela improcedência dos fundamentos invocados para a justa causa de despedimento.

Senão vejamos:


13ª - Apesar do tribunal recorrido considerar que a Recorrente actuou com desobediência reiterada às ordens dos responsáveis da empresa, cumpre ressaltar que a fundamentação e posição da Recorrente vai no mesmo sentido que a decisão do tribunal de 1.ª instância, que considerou que não só não existiu qualquer ilicitude nos comportamentos tidos pela Recorrente, como, qualquer comportamento que se lhe possa assacar não vai além de um atraso de dias na conclusão dos relatórios o que não constitui um motivo justificativo para o despedimento. Até porque, conforme refere e bem a douta sentença de 1.ª instância, quais são os prejuízos sérios demonstrados pela Recorrida, e em que valores é que a mesma ficou prejudicada? São elementos que nem o Tribunal, nem a Recorrente, mesmo a própria Recorrida, conseguiram apurar pelo simples facto de os mesmos não existirem, conforme de seguida se transcreve:

"E em conclusão, onde estão os prejuízos sérios? E de que monta foram? Quanto custou o outro técnico? Nada. Em conclusão, portanto, nenhuma justa causa assistiu à Ré para despedir a A., nenhum dever violou aquela. Porque a única coisa que se lhe pode assacar é um atraso, mas de dias, na elaboração dos relatórios, e o que diz a Lei é que o comportamento tem de ser culposo, e tão grave que comprometa a persistência imediata da relação laboral, o que manifestamente não era o caso, tanto assim que a própria lógica da decisão disciplinar, e antes dela, da nota de culpa, é o somatório de tantas pequenas ofensas que a A. teria feito." (sublinhado nosso).


14ª - Importa frisar ainda que a Recorrente se encontrava sozinha a efectuar as vistorias e a elaborar os relatórios para todos os clientes da empresa, que mesmo em alturas de mais trabalho, como se verificava nos meses de Março e Abril, não era contratado mais nenhum técnico para auxiliar e ao longo dos seis anos que trabalhou para a Recorrida nunca lhe foi apontado qualquer reparo.


15ª - No mesmo sentido do pugnado supra, tem vindo a Jurisprudência – cfr. Acórdão do STJ, de 5 Nov. 2003, Processo 02S4298, que desde já se transcreve: "Por último – como já foi assinalado pelas instâncias e, neste Supremo Tribunal, pela Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta –, na aplicação de uma medida disciplinar' importa ter presente os antecedentes do trabalhador. E, neste plano, não pode deixar de considerar-se como excessiva uma medida extrema de expulsão, tendo por base um caso isolado de violação do dever de cuidado na condução de máquinas pesadas, quando, por um lado, o trabalhador permaneceu durante 30 anos ao serviço da ré sem qualquer repreensão disciplinar e sempre manteve bom comportamento, e, por outro, pela natureza das coisas, a sua actividade profissional estava sujeita ao risco próprio de toda a condução de veículos motorizados, agravada, no caso, pela especial perigosidade da tarefa que lhe estava cometida.", bem como os acórdãos STJ de 24 Set. 2003, Processo 01S1199 e de 13 de Outubro de 2010.


16ª - Face ao exposto, não tem congruência o Acórdão aqui posto em crise, quando entende que existe uma impossibilidade real da subsistência da relação laboral, uma vez que a continuidade da vinculação representaria uma insuportável e injusta imposição à entidade empregadora.


17ª - Que injusta posição caberia à entidade empregadora, manter uma relação de trabalho com uma trabalhadora que só ao final de 6 anos é que tem algo a apontar? Sendo que o único reparo é um alegado atraso de dias na elaboração dos relatórios, num período em que o volume de trabalho aumenta e sendo apenas a única técnica ainda tenha assegurado a realização de vistorias junto dos clientes e a elaboração dos relatórios respectivos em complemento com os relatórios anuais.


18ª - No que concerne aos alegados incumprimentos da Recorrente no período em que se encontrava doente e de baixa médica, os mesmos não tem acolhimento pelo seguinte:


19ª - Durante o período em que o trabalhador se encontra de baixa médica, o seu contrato de trabalho fica suspenso nos termos no artigo 333.º do CT, mantendo-se os direitos e deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho – cfr. artigo 331.º, n.° 1, do CT.


20ª - Ora isto significa desde logo que o Recorrido não pode exigir o cumprimento de uma tarefa que pressupõe a efectiva prestação do trabalho. Se não é exigível à Recorrente o cumprimento de tarefas que pressuponham que se encontrava a trabalhar, também não pode ser acusada de não cumprir com essas mesmas ordens e consequentemente não pode essa omissão justificada ser objecto de um processo disciplinar e apreciação para a justa causa de despedimento.


21ª - Por outro lado, a Recorrente não consegue alcançar como é que o douto Tribunal da Relação consegue alegar que a situação de doença da Recorrente não era de moldes a impossibilitar uma activa participação com a Recorrida, porquanto dos factos assentes, desconhecesse o estado de saúde da Recorrente, devendo-se presumir conforme fez o Tribunal de 1.ª Instância que se a Recorrente não respondeu à carta foi porque não se encontrava capaz para o fazer.


22ª - Acresce que encontrando-se a Recorrente doente conforme refere e bem a douta sentença de 1.ª instância: "A Ré que não pode— para os efeitos deste processo, repetimos (isto significa: como não sabemos, ninguém nos disse, qual era a doença da A., temos de aceitar que ate podia ser uma daquelas que exigem absoluto repouso, completa tranquilidade e profundo silêncio) — estar a mandar cartas e telegramas à A., nem pode exigir-lhe que ela entregue nada, que saia de casa para ir à empresa fornecer seja o que for, sejam elementos preciosos ou as chaves da empresa (o que nos ultrapassa manifestamente, quer dizer, não percebemos porquê, em que contexto) nem sequer que vá à porta de sua casa atender um qualquer mensageiro da R. Temos visto de facto muitas entidades patronais fazerem tábua rasa desta coisa simples que é o reconhecimento de que os trabalhadores, como quaisquer outros, ficam doentes e precisam de se recuperar. Se tem as pernas partidas mas os braços ainda funcionam, então levo-lhe aí a casa uns dossiers para ir trabalhando — isto, literalmente, já vimos uma instituição bancária fazer a um trabalhador. Mas há uma coisa desagradável chamada Lei, que obriga àquilo que dizíamos acima: - ou a doença é falsa e a entidade patronal tem o direito de mandar confirmar, e se apurar a falsidade despede, e nós aplaudirmos, ou não fazendo isto, pois tem de se conformar. Independente dos prejuízos que lhe cause a doença do trabalhador. Mesmo que seja preciso contratar outra pessoa." (sublinhado e negrito nosso).


23ª - Face ao exposto e considerando que há justa causa de despedimento quando, ponderados os interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes, verifica-se intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes, que permitam concluir pela premência da desvinculação.


24ª - No caso em apreço, não resultou provada a existência de culpa e gravidade, nem quanto ao alegado atraso, repete-se de dias na conclusão dos relatórios devido ao volume de trabalho existente e à complexidade na elaboração dos mesmo, nem mesmo no período em que a Recorrente esteve doente e com baixa médica, por não ter respondido prontamente à carta remetida pela Recorrida, porquanto o seu estado não lhe permitia deslocações à empresa para o cumprimento de tarefas que lhe estavam a ser solicitadas, contrariando o direito ao repouso que assistia à Recorrente.


25ª - Por outro lado, a Recorrida limitou-se a quantificar os comportamentos tidos pela Recorrente como violadores dos deveres profissionais, sem relacionar os mesmos com o fundamento para o despedimento ilícito.


26ª - Considerando que o despedimento se apresenta como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas conservatórias se revelarem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção de situações similares e para os interesses fundamentais da empresa, não se verificou, provou ou sequer justificou qualquer situação grave que reconduzisse a um despedimento com justa causa.


27ª - Com efeito, tendo a relação laboral vocação de perenidade, o recurso à sanção expulsiva apenas se justificará, no necessário respeito pelo princípio da proporcionalidade, quando as medidas conservatórias ou correctivas se revelarem de todo inadequadas, o que entenda-se não é o caso, dos presentes autos. Enfatize-se que não ficou demonstrada a proporcionalidade da decisão de despedimento aos comportamentos da Recorrente.


28ª - Por tudo quanto ficou exposto, importa repristinar tudo quanto atrás se explanou para ser, como se crê, flagrantemente considerada a absoluta desadequação e desproporcionalidade da decisão de despedimento com justa causa com base em alegados incumprimentos da Recorrente.


29ª - Não pode, de forma alguma, a Recorrente conformar-se com a posição do douto Tribunal da Relação, quando entende que a conduta da Recorrente que ao sair da sala a cantarolar, denúncia uma falta de respeito e urbanidade para com a Recorrida, porquanto não resultou provado qual era o relacionamento entre a Recorrente e as restantes pessoas da Recorrida, de igual modo não resultou provado qual o ambiente que se vivia no seio da Recorrida, que permitisse concluir que o comportamento da Recorrente é violador dos deveres de respeito de urbanidade.


30ª - Entende a Recorrente que assiste razão aos argumentos elencados pela sentença de 1.ª Instância conforme se transcreve: "O segundo bloco, por cima do qual pedimos desculpa de ter saltado, resolve-se também simplesmente: - é que o Tribunal não acolheu em termos de facto a opinião ou impressão das pessoas que estavam na reunião da qual a A. saiu a cantarolar. O Tribunal ficou-se pelo simples facto da A. ter saído a cantarolar. E de ter pedido autorização para ir a eventos fora do serviço, e dessa autorização lhe ser negada com o fundamento do trabalho em atraso.

Precisávamos de mais elementos de facto, precisávamos de saber qual é o tipo de ambiente que se vivia na Ré, se as reuniões eram formais e solenes, se a A. era uma pessoa apagada e sem dotes musicais, tudo enfim elementos que nos permitiriam interpretar a saída a cantarolar como ofensiva, carregada de desprezo pelo serviço, pela ré, pelos interesses desta, pelas obrigações da A., ou corno uma situação normal, duma pessoa bem disposta e que vive o presente, em harmonia consigo mesmo, e que perante uma recusa não desanima, não fica abatida, e segue cantando. Portanto, por falta de elementos, o segundo bloco não tem valor constitutivo de justa causa." (sublinhado nosso).


31ª - No sentido oposto ao decidido pelo Acórdão aqui em crise vai o Acórdão de 21 Maio de 2008 do STJ, Processo 08S604: "2.3. Acompanha-se, igualmente, a apreciação acolhida no aresto recorrido em relação aos factos provados 59) a 79), ou seja, relativamente à alegada violação dos deveres de respeito e urbanidade para com o seu superior hierárquico, Dr. SP, director do Departamento de Serviços Jurídicos.

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes: «Da factualidade exposta resulta assim de forma clara que a conduta do autor, procurando o Director do Departamento de Serviços Jurídicos do réu à porta de casa deste, constitui um comportamento desadequado e que a forma como o interpelou e lhe solicitou documentos, que poderia ter solicitado nos serviços do réu, constitui uma violação dos deveres de respeito e urbanidade para com superior hierárquico, consagrados no art. 121.º, n.º 1, ai. a), do CT.

"Deste modo, considerando o contexto apurado, entendemos que a inadequada conduta do autor, na perspectiva de um empregador normal colocado na situação do réu, não seria, por si só, suficientemente grave no sentido de determinar a impossibilidade da subsistência da relação laboral, o que só sucederia perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador que não se nos afigura ser o caso. A referida conduta poderia, é certo, justificar a aplicação ao autor de alguma sanção disciplinar menos grave, mas não a do despedimento."


32ª - Assim, não assiste razão igualmente a este argumento, posto que despedir um trabalhador com 6 anos de casa e sem antecedentes disciplinares, pela prática de um acto isolado de rebelião, atenta contra o princípio da proporcionalidade que deve existir entre a sanção e a gravidade da infracção.


33ª- A fundamentação invocada pela Recorrente deve proceder, pois que, não se verifica qualquer ilicitude de comportamentos e nem nenhum dos fundamentos de justa causa de despedimento.

Diga-se mais, diga-se que, dissecado todo o processo, se justa e ponderadamente analisado, resolvido que deve ser, no sentido de que um trabalhador em tempo de cumprir com as suas obrigações que entra em situação inquestionável de baixa médica, não pode ser prejudicado e muito menos despedido, resulta um único comportamento a analisar, e mesmo assim em tese e nunca o suficiente, em termos razoáveis, para sequer ter qualquer repercussão disciplinar: o sair a cantarolar de uma reunião. E diz-‑se em tese porque, na prática e num bom conceito apreciativo e decisório, é inconcebível quer a aplicação de sanção da pena expulsiva, quer, desde logo, uma acção disciplinar.

Ou seja, não se concebe a ponderação deste comportamento isolada ou conjugadamente considerado sem alegação, prova e base factual quanto à sua desadequação e seu respectivo grau. Assim, não existe qualquer quadro factual do que sucedeu na reunião, como era o ambiente da mesma, como eram em regra as reuniões, como era o comportamento e estado de humor habitual da Recorrente, isto é, inexiste factualidade suficiente que permita retirar de tal alegação um resultado de apreciação negativo ou que a ser, suficientemente negativo e no limite, irremediavelmente negativo no âmbito da subsistência da relação de trabalho.


Termina no sentido de que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o Acórdão do Tribunal da Relação, mantendo-se a sentença de 1.ª Instância.

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A recorrida contra-alegou e requereu a ampliação do objecto do recurso, formulando as seguintes asserções conclusivas:

“Conclusões (quanto à matéria da ampliação do objecto do recurso):

Para o caso de se vir a entender que os factos elencados sob os n.ºs 2 e 11.º a 24.º dos fundamentos de facto não são suficientes para o despedimento então:

A - Deverá o despedimento ser julgado válido também em razão dos factos 25 a 30, donde se conclui que a Autora se colocou na situação de não poder prestar o seu trabalho, nem da Empresa o receber. De qualquer modo e sem prescindir,

B - Nunca a Ré poderia ser condenada na reintegração da Autora; e isto,

C - Não só porque a Autora, apesar de notificada para o fazer, não formulou tal pedido,

D - Mas também porque se verifica ofensa do caso julgado consubstanciado no despacho de 11.04.2008.

E - Verifica-se, assim, violação do disposto no n.º 2 do art. 675.º, bem como no n.º 2 (2.ª parte) do art. 660.º e n.º 1 do art. 661.º, o que consubstancia nulidade da sentença nos termos da al. a) (excesso de pronúncia), do n.º 1, do art. 668.º, todos do CPC. Por outro lado,

F - Nunca à Autora seria devido o montante de € 49.416,56, a título de salários intercalares.

G - Não só porque tal montante lhe não era devido,

H - Como ainda porque, ao montante dos salários intercalares, há a deduzir o montante das importâncias que ela obteve com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento. O que, tudo é de conhecimento oficioso.

I - E além disse, há a considerar os salários correspondentes ao tempo em que o processo esteve parado por culpa exclusiva da Autora - 4 meses.

J - Ao condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 49.416,56, o Tribunal da 1.ª Instância violou os n.ºs. 3 e 2, bem como o n.º 4 (ao caso aplicável por analogia) do art. 437.º do Cód. Trabalho.

K - A condenação teria, pois, que ser genérica e a liquidar no respectivo incidente, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 661.º, verificando-se, pois, as nulidades previstas nas als. d) e e) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.

L - Muito menos podia a 1.ª Instância condenar em quantia certa no que se refere às retribuições que se vencerem entre a data da sentença e a do trânsito em julgado da decisão, uma vez que quanto a estas sempre a Ré poderá invocar, futuramente, a dedução a que se refere o n.º 2 do citado art. 437.º do Cód. Trabalho.

M - Ao condenar em quantia certa, mesmo no que às "retribuições intercalares futuras" diz respeito, o Tribunal da 1.ª Instância violou o disposto na 1.ª Parte do n.º 2 do art. 661.º e cometeu a nulidade de excesso de pronúncia previsto na 2.ª parte da ai. d) do n.º 1 do art. 668.º, os dois do CPC. Por outro,

N - Ao condenar no pagamento das despesas dos autos da forma em que o fez, o MM.º Juiz "a quo" cometeu a nulidade que vem prevista na 1.ª parte da al. e) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.

O - Ao condenar no pagamento de juros de mora à taxa legal sobre os € 49.461,56, o Tribunal cometeu a nulidade que vem prevista na ai. c) do n.º 1 do art. 668.º do Cód. Proc. Civil.

P - Uma vez que, primeiro, diz que sobre tal quantia não há juros de mora e, depois, condena em juros de mora.


Termina, por seu turno, no sentido de que deverá confirmar-se o Acórdão da Relação.

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Já neste Supremo Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu proficiente Parecer em que propende para a improcedência do recurso, uma vez que, na sua perspectiva, se mostram reunidos os pressupostos que justificam, no caso, a inexigibilidade da manutenção do vínculo por banda da R. empregadora.

Dele notificadas as partes, apenas a A./recorrente ofereceu resposta, discordando da posição sustentada pelo M.º P.º e concluindo pela procedência da impugnação deduzida, nos termos a que nos reportamos.

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3.

O ‘thema decidendum’.

Ante o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito do recurso – a questão primordial consiste em dilucidar e resolver da (i)licitude do despedimento cominado enquanto fundado ou não em justa causa.


No âmbito da ampliação do objecto do recurso, trazida pela recorrida nos termos do art. 684.º-A do C.P.C., em caso de procedência da Revista importará considerar – se vier a ser caso disso – que, dos aduzidos motivos da alegada justa causa, não foi relevado o relativo à não renovação/caducidade do CAP (Certificado de Aptidão Profissional), de cuja atempada renovação a A. não cuidou, deixando por isso de poder exercer a sua profissão a partir de 11.7.2007.

Além disso, não existia qualquer razão para que a R. fosse condenada na reintegração da A., que não formulou tal pedido.

Depois, no que tange ao montante dos salários intercalares, a condenação em quantia certa de retribuições que ainda ‘não estão vencidas’ afronta o disposto na 1.ª parte do n.º 2 do art. 661.º do C.P.C.

No mais, reportamo-nos ao elenco conclusivo da respectiva síntese, já acima integralmente reproduzido, que será retomado se assim vier a tornar-se necessário.


Colheram-se os vistos devidos.

Tudo revisto e ponderado, cumpre decidir.

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II –

Dos Fundamentos


A – De Facto.

Vem dada como provada a seguinte factualidade:

1.º - A A. trabalha por conta e direcção da R. desde 14/01/2002, data em que celebrou contrato de trabalho.

2.º - Nos termos do referido contrato, a A. desempenha as suas funções na sede da R., com a categoria profissional de Técnica Superior de Higiene e Segurança, auferindo a remuneração base mensal de € 1.232,33 (mil duzentos e trinta e dois euros e trinta e três cêntimos), incluindo o subsídio de refeição médio de € 5,00 (cinco euros) por cada dia de trabalho efectivamente prestado.

3.º - Em 25 de Junho de 2007, foi a A. notificada de instauração de processo disciplinar, com suspensão preventiva, conforme documento n.º 8, junto com a P.I., tendo respondido à nota de culpa, conforme documento n.º 9, junto com a P.I.

4.º - Em 24 de Julho de 2007, foi a A. notificada da decisão de despedimento por justa causa, conforme documento n.º 10, junto com a P.I.

5º - Dá-se aqui como integralmente reproduzido o Processo Disciplinar que se mostra junto com a contestação.

6º - A A. faltou ao serviço na tarde do dia 8 de Março de 2007 e durante todo o dia seguinte.

7º - A A. foi contactada telefonicamente no dia 8.3.2007 pelo infantário da sua filha e informada de que esta estava doente, do que a A. informou a Ré.

8º - A A. solicitou o computador portátil da empresa para levar para casa.

9º - No dia 9.3.2007, a A. recebeu electronicamente os dados referidos como anexados no doc. 1, com a P.I., enviados pela Ré na pessoa de CC.

10º - A A. reenviou à Ré um e-mail relativo a um workshop sobre ruído e vibrações, a ter lugar em 29 e 30 de Março de 2007, promovido pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, com o patrocínio da empresa DD & …, onde iria estar em foco o novo Regulamento Geral do Ruído, entre outras matérias, escrevendo: “ (…) Reencaminho um Mail da DD. A participação no Workshop parece-me interessante. Aguardo o seu feedback (…)”.

11º - No âmbito das tarefas que lhe foram atribuídas, a Autora, por incumbência da Ré, nos dias 21, 22 e 23 de Fevereiro de 2007, efectuou vistorias às seguintes Empresas clientes da Ré:

• A... – B… – sediada no Porto;

• D... – sediada no Porto;

• P… – sediada no Porto;

• A... – B… – sediada em Vila Nova de Gaia;

• A... – B… – sediada em Braga;

• HOTEL … – sediado em Fafe;

• HOTEL … – sediado em Braga;

• A... – B… – sediada em Aveiro;

• C… – sediada em Aveiro.

12º - No dia 26 de Fevereiro de 2007, à A... – B…, em Alverca; no dia 6 de Março de 2007, à ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM, em Lisboa e no dia 13 de Março de 2007, ao RESTAURANTE ..., também em Lisboa.

13º - A Autora, regressada à Ré após as vistorias, deveria ter procedido à elaboração dos correspondentes relatórios, os quais devem ser encaminhados, logo de seguida, para as empresas vistoriadas.

14º - No dia 14 de Março de 2007, em reunião efectuada com a gerente da Ré, D. EE, a Autora solicitou autorização para ir frequentar a acção de formação sobre Ruído, a que se refere o mail, que constitui o documento n.º 11, com a P.I.

15º - Em virtude de ainda não terem sido efectuados os relatórios das vistorias supra referidas e em virtude do que se descreve no número seguinte, tal pedido foi-lhe indeferido.

16º - Em 14.3.2007 estava-se ainda em período de realização dos relatórios anuais da actividade dos serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, que as empresas têm que apresentar no ISHST, impreterivelmente até ao dia 30 de Abril, relatórios cuja elaboração era também da responsabilidade da Autora. Ao tempo, encontravam-se cerca de 100 (cem) por elaborar.

17º - A Autora, no fim da referida reunião, saiu a cantarolar.

18º - A A. entrou de baixa médica em 15.3.2007; o seu marido telefonou nesse dia a avisar a Ré; essa baixa foi por 10 dias, depois prorrogados por mais 30 e depois novamente prorrogada até 23.5.2007 inclusive, tendo a A. enviado os comprovativos das baixas à Ré.

19º - Durante a baixa, e uma vez que as empresas referidas em 11 e 12, supra, vinham reclamando os relatórios em falta, a Ré, em 28 de Março, enviou à Autora a carta que constitui o documento n.º1, a fls 6 do PD, junto com a contestação, a fls. 103 dos autos.

20º - Face à falta de resposta, em 09 de Abril, a Ré enviou à Autora o telegrama que constitui o documento n.º 2, a fls. 7 do PD, junto com a contestação, e a fls. 104 dos autos.

21º - A A. respondeu por carta datada de 09 de Abril, que constitui o documento n.º 3 com o PD, junto com a contestação, a fls. 105 e 106.

22º - A Ré remeteu então à A., datada de 19 de Abril, a carta que constitui o documento n.º 4 do PD, a fls. 10, junto com a contestação e que consta a fls. 107 e 108 dos autos.

23º - Os documentos 5 a 80 com o PD junto com a contestação, que constam de fls. 109 a 177, elaborados pela A., não continham elementos suficientes para que os relatórios das vistorias efectuadas pela A., a que se referem tais documentos, pudessem ser elaborados por outro técnico.

24º - A Ré teve que contratar outra Técnica de Higiene e Segurança, que teve que se deslocar às empresas que mais urgentemente necessitavam dos relatórios para repetir as vistorias, a qual elaborou os relatórios que constituem o documento n.º 6, que consta do PD a fls. 178 a 209 dos autos.

25º - A Autora apresentou-se ao serviço em 24 de Maio de 2007.

26º - O C.A.P. da A. era válido até ao dia 11 de Junho de 2007.

27º - O I.S.H.S.T. aconselha que a renovação do C.A.P. seja solicitada sessenta dias antes do termo do prazo.

28º - Um dos elementos essenciais para a renovação do C.A.P. é a Declaração da entidade empregadora, contendo a menção inequívoca do exercício de funções técnicas na área da Segurança e Higiene do Trabalho e a duração das referidas funções.

29º - No dia em que a A. retornou ao serviço, 24 de Maio 2007, solicitou verbalmente a FF, assessor jurídico da Ré, a declaração mencionada no número anterior, ao que lhe foi respondido que a solicitasse por escrito.

30º - A A. efectuou tal solicitação por escrito em 29.5.2007.

31º - A Ré emitiu a declaração em 12.7.2007, em termos que não foram considerados suficientes pelo ISHST.

32º - A declaração podia ter sido emitida em tempo não superior a uma semana, o que só não aconteceu porque a gerente da Ré se ausenta frequentemente por motivos particulares.

40º - O C.A.P. da Autora caducou em 11 de Junho de 2007.

41º - A A. já tem o Certificado de Aptidão Profissional, que lhe foi passado em 3.8.2007.

42º - A A. foi examinada pelo Dr. GG, do Departamento de Neuropsicologia e Psicologia Clínica da ‘… – Serviços Integrados de Psicologia e Saúde’, que subscreveu o documento n.º 14, junto com a P.I.

43º - A Autora era a única Técnica de que a Ré dispunha e sabia que trabalho tinha para fazer.

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B – O Direito.

Conhecendo.

Como se equacionou já – e sem prejuízo do então consignado na delimitação do thema decidendum – é apenas uma questão essencial que nos vem proposta, qual seja a da justa causa do despedimento cominado e da consequente (i)licitude do despedimento da A.

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Divergiram as Instâncias quanto à solução.

No Acórdão sub specie considerou-se que – ante a situação objectiva de absoluta quebra de confiança na trabalhadora/A., única Técnica Superior de Higiene e Segurança de que a R. dispunha para o exercício das funções que lhe estavam cometidas – se tornou inexigível à empregadora a permanência do contrato (com as relações pessoais e patrimoniais que o mesmo pressupõe).


Não se questionando o quadro de facto estabelecido, nem vindo posta em crise a identificada hipótese legal de subsunção, a recorrente insurge-se tão-somente quanto à solução alcançada, a de que, afinal, não se verifica qualquer ilicitude de comportamentos e, por isso, nenhum dos fundamentos da ajuizada justa causa de despedimento.


Vejamos então.


Sob a epígrafe ‘Segurança no emprego’, a C.R.P. consagrou no seu art. 53.º a garantia aos trabalhadores de que são proibidos os despedimentos sem justa causa, proibição que ora o art. 338.º do revisto Código do Trabalho/2009 igualmente proclama.


Dispõe-se no 396.º/1 do CT/2003[1] – em termos praticamente coincidentes com a noção antes constante do art. 9.º/1 da LCCT e actualmente mantida no art. 351.º/1 do CT/2009 – que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.


A relação juslaboral é, como se sabe, tendencialmente duradoura ou de execução duradoura.

A sua ‘vocação para perdurar’ encontra no termo ‘um elemento acidental do negócio’, na expressão de Riva Sanseverino, Diritto del Laboro, 279, citado por Monteiro Fernandes[2].


A posição jurídica do empregador confere-lhe, enquanto titular da empresa (havida como uma organização de meios materiais e humanos), um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se manifesta na possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores, seus subordinados, cuja conduta se revele desconforme com as ordens, instruções e regras de funcionamento da estrutura produtiva.


Do elenco gradativo das previstas sanções disciplinares (art. 366.º/CT/2003), o despedimento sem qualquer indemnização ou compensação surge como a ‘ultima ratio’, reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho.

Estes são os casos de justa causa de despedimento, com os contornos delimitados pela referida noção/cláusula geral, preenchida por um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo juslaboral, impossibilidade perspectivada enquanto inexigibilidade da sua manutenção, como é entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime, pacífico e reiterado.


Na respectiva apreciação, para além das circunstâncias que se mostrem particularmente relevantes no caso, ponderam-se, com objectividade e razoabilidade, os factores a que alude o n.º 2 do art. 396.º, aferindo-se a final a gravidade do comportamento em função do grau de culpa e da ilicitude, como é regra do direito sancionatório, nela incluído necessariamente o princípio da proporcionalidade, convocado aquando da opção pela adequada sanção disciplinar – art. 367.º.


O despedimento-sanção é a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interacção relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador[3].


Prosseguindo:

No Acórdão sub specie, depois de explanado o respectivo contexto conceptual, considerou-se, no essencial (transcrevemos):



«No caso em apreço, resulta da factualidade apurada que a autora no âmbito das tarefas que lhe foram atribuídas, por incumbência da ré, nos dias 21, 22 e 23 de Fevereiro de 2007, efectuou vistorias às seguintes Empresas clientes da Ré:

• A... – B… – sediada no Porto;

• D... – sediada no Porto;

• P… C… – sediada no Porto;

• A... – B… – sediada em Vila Nova de Gaia;

• A... – B… – sediada em Braga;

• HOTEL … – sediado em Fafe;

• HOTEL … – sediado em Braga;

• A... – B… – sediada em Aveiro;

• C… – sediada em Aveiro;

No dia 26 de Fevereiro de 2007, à A... – B…, em Alverca; no dia 6 de Março de 2007, à ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM, em Lisboa, e, no dia 13 de Março de 2007, ao RESTAURANTE ..., também em Lisboa.

Porém, regressada à ré após as vistorias, deveria ter procedido à elaboração dos correspondentes relatórios, os quais deviam ter sido encaminhados, logo de seguida, para as empresas vistoriadas, sem que a autora os tenha feito (factos 11 a 13).

No dia 14 de Março de 2007, numa reunião efectuada com a gerente da Ré, D. EE, a autora solicitou autorização para frequentar uma acção de formação sobre ‘Ruído’, pedido que lhe foi indeferido em virtude de ainda não terem sido efectuados os relatórios das vistorias acima referidas, e ainda porque nessa altura, em 14.3.2007, estava-se ainda em período de realização dos relatórios anuais da actividade dos serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, que as empresas têm que apresentar no ISHST, impreterivelmente, até ao dia 30 de Abril, relatórios cuja elaboração era também da responsabilidade da autora, sendo que ao tempo, encontravam-se cerca de 100 (cem) por elaborar (factos 14 a 16).

Apurou-se, porém, que autora entrou de baixa médica no dia seguinte, em 15.3.2007, por 10 dias, depois prorrogados por mais 30 e depois novamente prorrogada até 23.5.2007, inclusive (facto 18).

Assim, afigura-se-nos que a autora, ao não ter elaborado os relatórios das vistorias por si efectuados, em tempo útil, que se apurou ser logo de seguida à realização das vistorias, desobedeceu às instruções da ré no que respeita à execução e disciplina do trabalho, demonstrando ainda um elevado e repetido desinteresse pelo cumprimento das suas funções com zelo e diligência devidas, pois até à data que entrou de baixa médica (15 de Março) não havia feito os relatórios das vistorias realizadas em Fevereiro, deveres que se lhe impõem enquanto trabalhadora subordinada da ré, nos termos dos alíneas c) e d) do n.º1 do art. 121.º do CT/ 2003.

Mas, apurou-se ainda que a autora, ao sair da reunião do dia 14 de Março de 2007, o fez a cantarolar (facto 17º), depois da gerente da ré não lhe ter dado autorização para frequentar uma acção de formação pelos motivos acima referidos, o que denuncia uma falta de respeito e urbanidade para com esta, que se lhe impunha igualmente observar, nos termos da al. a) do n.º1 do mesmo art.º121 do CT/2003.

A actuação da autora continuou, contudo, em desrespeito pelos seus deveres de colaboração e execução de actos à melhoria da produtividade da empresa, referidos nas al. g) e h) do n.º1 do mesmo art.º 121 do CT/2003.

Na verdade, durante as baixas médicas, as empresas acima referidas vinham reclamando os relatórios em falta, pelo que a ré, em 28 de Março, enviou à autora uma carta, fls. 103, em que lhe pedia que comparecesse na ré a fim de prestar alguns esclarecimentos relativos às vistorias; face à falta de resposta, em 9 de Abril, a ré enviou à autora um telegrama, que constitui o documento de fls. 104 dos autos, a reiterar tal pedido, a que a autora respondeu por carta datada de 9 de Abril, (cf. fls. 105 e 106), informando que apesar de confirmar, face ao atestado médico apresentado, poder sair para efeitos de consultas médicas, idas à farmácia e em situações urgentes, não se podia deslocar à empresa para o pretendido efeito por não se tratar de uma situação urgente e porque não tinha em sua posse qualquer elemento das vistorias que havia efectuado, tendo esclarecido que elas se encontravam nas instalações da ré, no tampo da sua secretária, dentro de um pasta devidamente identificada, negando-se, ainda, a entregar as chaves que a ré lhe havia solicitado, mas indicando os dias em que pretendia gozar férias.

Ora, resultou provado que os documentos elaborados pela autora, relativos às vistorias em causa, não continham elementos suficientes para que os respectivos relatórios pudessem ser elaborados por outro técnico, pelo que a ré teve de contratar uma outra Técnica de Higiene e Segurança que teve que se deslocar às empresas que mais urgentemente necessitavam dos relatórios a fim de repetir as vistorias, tendo elaborado os respectivos relatórios que constituem fls. 178 a 209 dos autos (factos 19 a 24).

Ora, a autora demonstrou uma completa falta de empenhamento em colaborar com a ré, pois, mesmo de baixa médica, que, como se viu, não era de molde a impossibilitar a colaboração da autora no sentido de esclarecer alguns dados sobre os elementos recolhidos nas vistorias por si realizadas, a autora só respondeu ao segundo pedido da ré, e ainda assim, sem demonstrar um mínimo de colaboração no esclarecimento dos elementos colhidos nas vistorias por si realizadas, ao ponto da ré ter contratar uma outra Técnica que teve de se deslocar às empresas que mais urgentemente necessitavam dos relatórios e repetir as vistorias.

Afigura-se-nos assim que a actuação da autora integra a violação grave e culposa dos deveres de obediência e de realização do trabalho com zelo e diligência devidas, bem como os seu deveres urbanidade, respeito e de colaboração com a entidade empregadora, que decorrem da sua situação de trabalhadora subordinada, nos termos do n.º1 do art.121.º do CT/2003, cuja violação integram infracções disciplinares graves susceptíveis de integraram justa causa de despedimento, ao abrigo dos n.ºs 1 e 3, al. a) d) e) do art. 396.º do CT/2003.

E concluímos que a sua actuação de desobediência reiterada a ordens e instruções dos responsáveis da empresa, e um inexplicável desinteresse repetido pelo cumprimento, com zelo e diligência, das obrigações inerentes ao exercício das suas funções, com a consequente lesão de interesses patrimoniais da empresa e abaixamento do seu nível de produtividade, configuram comportamentos que pela sua unidade temporal, e sem nenhuma explicação por parte do autora, determinam uma impossibilidade real da subsistência da relação laboral, por configurarem uma situação de inexigibilidade da permanência do contrato de trabalho, no sentido de que a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição à entidade empregadora, dado a inequívoca falta de correspondência ao trabalho por parte do autora, sem quaisquer razões que o justifiquem.

Com efeito, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele supõe, seria inexigível a uma pessoa normal colocada na pessoa do empregador, face a uma situação objectiva de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e a trabalhadora em causa, que era a única Técnica Superior de Higiene e Segurança que a ré dispunha para o exercido das funções que lhe competiam, demonstrando um inequívoco e reiterado desinteresse na actividade por si prestada, com inevitáveis prejuízos sérios para a ré, o que, por isso, nos termos do art. 396.º, n.ºs 1 e 3 do CT, alíneas a), d) e) m), configuram justa causa de despedimento».

__


Sufragamos, no essencial, as judiciosas considerações que antecedem e que suportam a solução eleita, que igualmente ratificamos.

Nelas se fez uma criteriosa análise e interpretação dos factos, na perspectiva axiológica relevante, à luz da dimensão normativa da hipótese legal de subsunção.


Concretizando:

A conduta da A. – …por muito que lhe custe reconhecer – assumiu claramente contornos de uma abordagem perversa do postulado ínsito no princípio geral da boa- ‑fé e da mútua e leal colaboração na execução do contrato, expressamente plasmado no art. 119.º, (igualmente mantido no art. 126.º do CT/2009), em cujos termos as partes, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa fé, devendo colaborar, na execução do contrato, no sentido da obtenção da maior produtividade e bem assim da promoção humana, profissional e social do trabalhador.


A ideia de mútua colaboração – não obstante a coexistência latente de uma conflitualidade ôntica nas relações de trabalho, de que fala B. Gama Xavier[4], na senda de outros pensadores, v.g. Gianfranco Poggi[5], para quem as partes do contrato em causa são, por definição, reciprocamente hostis – elaborada embora em contexto histórico coevo do sistema corporativo (vide art. 18.º da LCT), continua a ser o suporte matricial dos deveres de zelo e diligência na realização do trabalho, que impendem sobre o trabalhador, e que concretamente integram a panóplia elencada no art. 121.º (cfr. alíneas c) e g) do seu n.º 1).

Ainda de acordo com o pensamento do mesmo Autor (ibidem), que secundamos, o contrato de trabalho, sendo intuitu personae, pressupõe uma particular relação de confiança e de colaboração estreita, estando nele subjacente o credo nas qualidades de honestidade, lealdade e confidencialidade, fundamentais para a consecução da finalidade contratual.


No vínculo juslaboral a confiança nas faladas qualidades da outra parte – embora de maior ou menor grau/intensidade consoante a correspectiva exigência fiduciária das funções confiadas – constitui sempre a ‘raiz indefectível e o pressuposto essencial e constante da relação’, pela óbvia razão de que a permanente proximidade e interacção entre os dois protagonistas da relação implica consideráveis riscos de lesão recíproca: o trabalhador vê-se inserido numa organização dominada pelo empregador, ficando, por isso, exposto à potencial violação dos seus direitos; o empregador insere na sua organização produtiva alguém que pode causar-lhe prejuízos significativos.


Ora, como deflui da factualidade adrede assente – a que nos reportamos – a A., tendo efectuado várias vistorias a empresas clientes da R. nos dias 21 a 23 e 26 de Fevereiro e nos dias 6 e 13 de Março, ambos de 2007, não se empenhou na elaboração subsequente dos correspondentes relatórios, que deveriam ser encaminhados ‘logo de seguida’, (tão rapidamente quanto possível), para as empresas vistoriadas.


Sabendo – como não podia ignorar, por necessária decorrência das suas específicas funções – que as empresas destinatárias devem apresentar no ISHST, impreterivelmente até 30 de Abril de cada ano, os relatórios respectivos, cuja elaboração era também da responsabilidade da A., esta, não obstante, tinha acumulados (e ainda por elaborar, ao tempo) cerca de cem (100) desses relatórios.

E apesar dessa relevante limitação – que condicionava logicamente a gestão do seu tempo profissional disponível, por referência àquele prazo-limite de 30 de Abril – a A., no dia 14 de Março de 2007, solicitou, ainda assim, autorização à gerente da R., na reunião havida nesse dia, para frequentar uma acção de formação sobre ‘Ruído’.


Essa pretensão foi indeferida em virtude de ainda não terem sido efectuados os relatórios das recentes vistorias, como sobredito, e também porque se estava em período de realização de relatórios anuais da actividade dos serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, que as empresas têm que apresentar, como se disse, impreterivelmente até ao dia 30 de Abril, relatórios cuja elaboração era igualmente da sua responsabilidade, encontrando-se então cerca de cem (100) por elaborar – cfr. concretamente os pontos de facto sob os n.ºs 15º e 16º do respectivo acervo.


Perante isto – …e certamente por não ter aceitado bem o indeferimento da pretendida autorização para a frequência da dita acção de formação/workshop – a A. saiu a cantarolar da referida reunião, havida com a gerente da R., como factualizado em 17º da FF[6].

E …entrou de baixa médica no dia seguinte.

…Baixa que, inicialmente por dez dias, foi prorrogada por mais 30 dias e depois de novo prolongada até 23.5.2007, inclusive.


A A., que era a única Técnica de que a R. dispunha e sabia que trabalho tinha que fazer, apresentou-se ao serviço a 24 de Maio de 2007. – itens 25.º e 43.º da FF.

Face a este súbito e inesperado cenário, a R., em 28 desse mês de Março, embora durante a baixa da sua trabalhadora – e porque estava a ser pressionada pelas empresas suas clientes, que reclamavam os relatórios em falta – enviou à A. uma carta (doc. n.º 1, a fls. 6 do PD, junta com a contestação), a que a A. não respondeu.

A R., então, a 9 de Abril, enviou à A. um telegrama (doc. 2, a fls. 7 do PD, junto também com a contestação), a que a A. respondeu por carta, precisamente nesse dia.

Os documentos reportados a fls. 5-80 com o PD, elaborados pela A., não continham elementos suficientes para que os relatórios das vistorias por ela efectuados pudessem ser elaborados por um outro técnico, o que implicou que a R. tivesse de contratar uma Técnica de Higiene e Segurança para se deslocar urgentemente às empresas que mais precisavam dos relatórios, a fim de repetir as vistorias e elaborar então os relatórios, tudo como consta de fls. 178 a 209 dos Autos – cfr. pontos de facto sob os n.ºs 19º a 24.º.

Ora, o factualizado quadro, na tríplice actuação descrita […que vai, como se viu, desde a não elaboração dos correspondentes relatórios logo de seguida às vistorias efectuadas, (deixando acumular cerca de cem nessas nessa situação); passa pela (…no mínimo) inadequada reacção ao indeferimento do pedido de autorização para frequência do falado workshop (saiu da presença da gerente da R. a cantarolar e…entrou de baixa logo a seguir) e culmina na circunstanciada conduta de indiferença assumida relativamente à solicitação dos elementos pedidos pela R. para a viabilização dos relatórios em falta por um outro técnico], afronta os deveres previstos nas alíneas a), c), d) e g) do n.º 1 do art. 121.º do Código do Trabalho e preenche a previsão constante do art.396.º, n.ºs 1 e 3 (suas alíneas a), d) e m), concretamente), configurando inequivocamente um comportamento culposo e grave da A. que, em si e nas suas consequências, atingiu fatalmente o suporte psicológico da relação, não sendo justo nem suportável, no balanço dos interesses em presença, impor à R. empregadora a manutenção do vínculo juslaboral sujeito.


São por isso – se não de toda anódinas, pelo menos de curto e irrelevante alcance – as razões contrapostas pela recorrente.

Com efeito:

No cumprimento zeloso e diligente das suas funções era-lhe exigível, nas descritas circunstâncias, outra conduta, não sendo preciso ir mais longe para significar que, num quadro de normalidade, aferível pelo padrão ou critério geral do bom pai de família, deveria ter cumprido adequadamente os seus deveres funcionais, elaborando em tempo próprio os relatórios sequentes às vistorias realizadas, aceitando, com urbanidade e sem retaliação, a negação de autorização para frequência do referido workshop, colaborando, com normal disponibilidade, na realização alternativa dos relatórios que a sua ausência, sem mais, inviabilizou.


O cumprimento sério dos deveres contratualmente assumidos pelo trabalhador não se confunde, em nenhum plano de significação, com um qualquer temor reverencial acrítico.

Normalmente improvável é que, nas relatadas circunstâncias, um trabalhador responsável se retire – …mesmo que, como no caso, por justificada doença/baixa médica – sem cuidar minimamente de providenciar/colaborar (ou, no mínimo, de se disponibilizar imediatamente quando para isso solicitado) na rápida viabilização do que, por força da sua ausência do trabalho, ficou por satisfazer, com os conhecidos riscos de incumprimento perante as empresas clientes da R., sua entidade empregadora.


Irreleva, no contexto – por óbvias, compreensíveis e algumas já explicitadas razões – o aduzido argumentário que passa pela pretensa insuficiência do quadro de técnicos da R., pela inexistência de antecedentes disciplinares da A., pela indemonstrada ocorrência de prejuízos resultantes da sua actuação ou pela suspensão da relação de trabalho durante o prolongado período de baixa médica, com a manutenção dos deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho.


À luz do que acima se deixou dito aquando da análise da dimensão normativa da noção constante do art. 396.º/1, o cominado despedimento mostra-se proporcionado à gravidade do comportamento assumido pela A.

É lícita, por isso, a sanção escolhida e aplicada pela R.

Bem se ajuizou no Acórdão revidendo.

__

Improcedem, assim, as conclusões da motivação do recurso.

__


Ora, ante a anunciada improcedência da Revista, fica necessariamente prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela R. no âmbito da ampliação do objecto do recurso, deduzida nas suas contra-alegações a coberto da previsão constante do art. 684.º-A do C.P.C.

Assim é, também por imperativo lógico, face ao teor da estatuição no n.º 2 do art. 660.º do C.P.C., aplicável aos Acórdãos proferidos pelo S.T.J. ex vi dos arts. 713.º/2 e 726.º do mesmo Compêndio, em cujos termos o dever de conhecimento e resolução de todas as questões propostas pelas partes cessa relativamente àquelas cuja decisão sempre esteja prejudicada pela solução dada a outras.

___


III –

DECISÃO


Em conformidade com o exposto, delibera-se negar a Revista e confirmar o Acórdão impugnado.

Custas pela recorrente.

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Lisboa, 29 de Março de 2012


Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rochas

Sampaio Gomes

_________________________
[1] - Serão do Código do Trabalho/2003, aplicável à relação juslaboral sub judicio, as normas adiante referidas sem indicação de origem.
[2] - ‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 179.
[3] - Cfr. Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 561.
[4] - ‘Manual de Direito do Trabalho’, 2011, Verbo, pg. 307.
[5] - In ‘Monografia’ dedicada a Max Weber, referido por Jorge Leite, em ‘Direito do Trabalho’, Vol. I, Coimbra, 1998, pg. 36-37.
[6] - FF= Fundamentação de Facto.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e71f52e348eef140802579d1004bfa43?OpenDocument

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