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terça-feira, 10 de abril de 2012

VIOLAÇÃO, VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 08/02/2012


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1/09.3GDVPA.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AIRISA CALDINHO
Descritores: VIOLAÇÃO
VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO

Nº do Documento: RP201202081/09.3GDVPA.P1
Data do Acordão: 08-02-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: Pratica, em concurso real de infracções, um crime de violação de domicilio e um crime de violação na forma tentada, o agente que entra na habitação da ofendida, contra a vontade desta e, por meio de violência, tenta ter relações sexuais com ela.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo n.º 1/09.3GDVPA.P1
2.ª Secção Criminal
Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar
*
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal:
*
I. No processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 1/09.3GDVPA do Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, foi proferida decisão a:
-“…
a) Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material de um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, al. a), do Código Penal, por referência aos artigos 22º, nºs 1 e 2, 23º, nºs 1 e 2, e 73.º do mesmo Código, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, a qual é suspensa na sua execução.
b) Absolver o arguido dos restantes crimes de que vinha acusado.
c) Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido pela demandante C… e condenar o arguido/demandado a pagar àquela o montante de €5.000,00 (cinco mil) euros a título de danos não patrimoniais.
Aos aludidos montantes acrescem juros de mora cíveis contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.
…”
Inconformado com o acórdão que assim decidiu, interpõe recurso o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões:
- “…
1. O arguido que tentou ter relações sexuais com a ofendida, por meio de violência, e para tal entrou na habitação desta, contra a sua vontade e o seu consentimento, comete não apenas um crime de violação na forma tentada p. e p. pelos arts. 22°, n°s 1 e 2, 23° n°s 1 e 2, 73° e 164°, n° 1, ai. a) todos do C. P. em virtude do crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 190° do mesmo diploma legal se não encontrar numa relação de concurso aparente com aquele, como decidiu o tribunal recorrido, mas, pelo contrário, comete em concurso real um crime de violação na forma tentada e um crime de violação de domicílio p. e p. pelas disposições legais citadas.
2. Não abrangendo o crime de violação da previsão do art. 164° do C. P. a protecção do bem jurídico ambicionado pelo crime de violação de domicílio da previsão do art. 190° do mesmo diploma, nem tendo este uma gravidade de tal modo diminuta para poder prescindir-se da sua valoração autónoma, o tribunal recorrido, no caso dos autos e salvo melhor opinião, errou ao decidir que o arguido praticou tão-só um crime de violação na forma tentada, por o crime de violação de domicílio se encontrar numa relação de concurso aparente com aquele.
3. Efectivamente não basta para a configuração da consunção, que o "crime meio" se considere estritamente necessário ao cometimento do "crime fim". É preciso que proteja o mesmo bem jurídico do "crime fim" e tenha uma gravidade de tal modo diminuta, para, na imagem global do facto, poder prescindir-se da sua valoração autónoma. O cerne da consunção parte exactamente deste dado.
4. Verificando-se, pois, entre os dois aludidos crimes um concurso real de infracções, deve ser alterada a qualificação operada pelo tribunal recorrido, bem como a pena que lhe foi aplicada ao arguido.
5. Consequentemente deverá ser-lhe aplicada a pena de 4 meses de prisão pela prática do crime de violação de domicílio e a pena única de 20 meses de prisão resultante do cúmulo jurídico com a pena de prisão que lhe fora aplicada pelo crime de violação na forma tentada.
6. Foram violados, por erro de interpretação, pelo tribunal recorrido os arts. 30°, n° 1, 164°, n° 1 e 190° todos do C. P.”
O arguido não respondeu.
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pela procedência do recurso.
Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada foi dito.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. É a seguinte a factualidade provada constante da decisão recorrida:
- “…
1) No dia 25 de Janeiro de 2009, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida C..., situada no …, …, …, Ribeira de Pena, estando a porta encostada empurrou-a, assim conseguindo aceder ao seu interior, e, em acto contínuo, agarrou-a de frente pelos seus braços, entrelaçando-os na zona do peito, arrastando-a para o quarto e tentando tirar-lhe as calças com vista a ter relações de cópula com a ofendida.
2) Ao mesmo tempo a ofendida tentou libertar-se da acção do arguido, mexendo o seu corpo, e começou a gritar.
3) Acto contínuo, o arguido colocou a mão na boca da ofendida, para a calar, de modo a continuar com os seus intentos, altura em que a ofendida lhe mordeu a mão, tendo este fugido com receio de que a ofendida fosse ouvida pela vizinhança.
4) O arguido sabia que entrava na habitação da ofendida sem o seu consentimento e que nela permaneceu apesar de saber que a ofendida pretendia que abandonasse aquela habitação.
5) O arguido, apesar de saber que a ofendida não queria ter relações sexuais com ele, decidiu tentar fazê-lo contra vontade dela na ocasião supra referida, utilizando a sua força superior.
6) O arguido quis agir como agiu, com intenção de manter relações sexuais de cópula completa com a ofendida, só não o conseguindo pela acção da ofendida.
7) O arguido agiu sabendo que a sua conduta era proibida e penalmente punível e, por isso, censurável.
8) O arguido foi condenado em 09.08.04, factos de 11.10.00, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 200 dias de multa.
9) O arguido descende de uma família de modestos recursos sócio-económicos, sendo o mais velho de três irmãos.
10) O arguido tem o 7º ano de escolaridade, tendo começado a trabalhar com 16 anos de idade na construção civil, trabalhando ao dia.
11) O arguido vive com o pai.
12) A ofendida nasceu em 25.10.1943, viúva, vive sozinha num sítio isolado.
13) A ofendida sentiu-se vexada, envergonhada e humilhada na sua honra.”
O Ministério Público questiona a decisão de direito de subsumir a conduta do arguido a um só crime de violação, por considerar verificar-se um concurso aparente, sob a forma de consumpção, entre esse e o crime de violação de domicílio.
A este propósito, diz a decisão recorrida:
- “…
Relativamente ao crime de violação de domicílio do artº 190º, nºs 1 e 3, do C. Penal o Tribunal Colectivo considera que tal crime se encontra numa relação de concurso aparente com o crime de tentativa de violação dos artº 22º, 23º e 164º, nº 1, a), do C. Penal.
Com efeito, pese estarmos perante bens jurídicos diferentes, encontramo-nos perante o chamado “facto anterior não punível”, “crime meio” ou “crime instrumento”, com vista a atingir o “crime fim” isto a prática do crime de tentativa de violação.
No presente caso o crime de violação de domicílio está desqualificado por ser um “crime-meio” o qual desaparece por ser secundário em relação ao “crime-fim”, porquanto se mostra associado a este através de uma forma de aparição regular, ou forçosamente necessária, pois, o arguido para cometer o crime de tentativa de violação tinha necessariamente de violar o domicílio da ofendida, porquanto ele apenas entrou na residência desta para a violar o que no presente caso só o conseguia realizar entrando na residência.
Ou seja, no presente caso existe um concurso aparente, sob a forma de consumpção, o preenchimento de um tipo legal (mais grave) inclui o preenchimento de outro tipo legal (menos grave) devendo a maior ou menor gravidade ser encontrada na especificidade do caso concreto.
Por força dos princípios ne bis idem e lex consumens derogat lex consumate só se aplica o tipo mais grave. Pode, no entanto, acontecer o caso inverso e o crime mais grave acompanhar um crime menos grave consumpção impura aplicando-se, então, a norma mais leve;
Por todo o exposto improcederá a acusação quanto ao crime de violação de domicílio do artº 190º, nºs 1 e 3 do C. Penal de que o arguido vinha acusado.”
A propósito da consumpção, diz o Prof. Eduardo Correia (“Unidade e Pluralidade de Infracções”, reimpressão de 1983, pág. 130 e ss):
“As relações de parentesco que se estabelecem entre os diversos preceitos penais não se resumem, porém, naquelas que logo se surpreendem pela mera comparação dos elementos constitutivos dos tipos de crime descritos na lei.
Depois de esgotadas as que desse confronto resultam e se olharmos os valores ou bens jurídicos que os diferentes tipos legais de crime respiram ou referem, também descobriremos entre eles laços da dependência mais estreita. Alguns desses bens jurídicos são formados pela fusão de dois ou mais valores que já vários preceitos penais protegem, outros resultam de se acrescentar um elemento novo ao valor ou bem jurídico doutro tipo, e outros ainda são entre si diversos só porque exprimem no plano criminal a específica significação de diferentes formas ou graus de ofensa de um mesmo interesse ou valor (v. g., crimes de perigo e de dano).
Entre tais valores ou bens jurídicos verificam-se, assim, relações de mais e menos: uns contêm-se já nos outros.”
Analisando os tipos de crime em questão, constatamos não existir entre eles essa especial relação de parentesco, tão diferentes que são os bens jurídicos protegidos. Na verdade, enquanto que no crime de violação, como salienta o acórdão recorrido, o bem jurídico protegido é o da liberdade de determinação sexual, no crime de violação de domicílio o bem jurídico protegido é o da privacidade.
Por outro lado, não se vê que no crime de violação se contenham já os valores ou bens jurídicos que se pretende acautelar com a incriminação da violação de domicílio.
Como se refere em anotação ao art. 190.º no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, pág. 701, a privacidade “só é protegida face a agressões qualificadas pela exigência de violação de uma esfera pessoal espacialmente limitada e fisicamente assegurada: a habitação. E isto num duplo e complementar sentido. Em primeiro lugar, a factualidade típica esgota-se na entrada ou permanência arbitrárias, não pressupondo a perturbação ou a frustração dos interesses em geral levadas à conta da função social do domicílio…Em segundo lugar, avulta a atipicidade das agressões ou perturbações que não se reconduzam à entrada ou permanência não consentidas.”
A circunstância de a violação de domicílio se ter mostrado necessária ou instrumental para a prática do crime de tentativa de violação não dá a um e outro dos crimes essa especial relação de parentesco referida pelo Prof. Eduardo Correia para que se verifique a consumpção.
Pelo contrário, de diferentes que são, na sua tipologia e tendo em consideração os bens jurídicos que a incriminação que em cada um visa proteger, só podem ter-se tais condutas como concorrentes e a merecer a violação de domicílio punição autónoma.
Temos, assim, que se impõe a condenação do arguido também pela prática de um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1 e n.º 3, do CP, verificados que se mostram, com a factualidade provada, todos os respectivos elementos objectivos e subjectivos.
A este crime corresponde pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
Considerando o grau de ilicitude do facto, que não se mostra particularmente significativo, tendo em consideração que a porta da casa da ofendida estava apenas encostada, o dolo directo, as razões que motivaram o arguido à prática deste crime, entende-se ajustada uma pena de quatro meses de prisão (não se opta pela pena de multa, por tal não se mostrar suficiente à realização das finalidades da punição, tal como as define o art. 40.º, n.º 1, do CP), sendo certo que o outro crime por que o arguido é condenado não admite tal pena).
Nesta conformidade, o recurso do Ministério Público mostra-se procedente.
Impõe-se proceder ao cúmulo jurídico das penas, nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP.
Dentro dos limites mínimo de dezoito meses de prisão e máximo de vinte e dois meses de prisão, respectivamente pena de prisão mais elevada e soma das penas parcelares (art. 77.º, n.º 2, do CP), tendo em consideração a instrumentalidade do crime de violação de domicílio, acha-se ajustada uma pena única de vinte meses de prisão, mantendo-se a suspensão da execução da pena decretada na decisão recorrida.
III. Pelo exposto:
- concede-se provimento ao recurso, condenando-se o arguido, pela prática de um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1 e n.º 3, e 73.º, n.º 1, do CP, e art. 4.º do DL n.º 401/82, de 23.09, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, condena-se o arguido na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Elaborado e revisto pela primeira signatária.

Porto, 8 de Fevereiro de 2012
Airisa Maurício Antunes Caldinho
António Luís T. Cravo Roxo

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1996dbac7a91494f802579bf004fb1ea?OpenDocument&Highlight=0,viola%C3%A7%C3%A3o

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