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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

TRABALHO SUPLEMENTAR REGISTO INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 15-12-2011


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1861/09.3TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: TRABALHO SUPLEMENTAR
REGISTO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 15-12-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO

Sumário: 1. O regime de registo do trabalho suplementar previsto no art.º 204 do CT /2003 consagra um regime de controlo apertado e formal da prestação do trabalho suplementar em ordem a permitir, por um lado, a fiscalização pelos organismos da Administração, Inspecção-geral do Trabalho e, por outro, a garantir aos trabalhadores, mediante o acesso ao registo obrigatório e à informação dele constante, o exercício dos direitos emergentes da sua prestação.
2. A inexistência desse registo era um facto que o autor não podia ter ignorado porque ele pressupõe a sua assinatura, como decorre do n.º2 do mesmo art.º204, impondo-se assim que o autor tivesse actuado no sentido de promover junto da entidade empregadora a regularização dessa situação, pois era a ele que lhe incumbiria fazer a prova de ter prestado o trabalho suplementar, por força do n.º1 do art.º 342 do C. Civil.
3. A inversão do ónus de prova exige que a prova de determinada factualidade, por acção ou omissão da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer e em que esse comportamento da parte contrária, lhe seja imputável a título culposo.
4. No caso, desde logo, o autor não está impossibilitado de fazer a prova do trabalho suplementar prestado com o recurso a outros meios de prova, designadamente a testemunhal.
5. Resultando provado que o trabalhador prestou trabalho suplementar, mas fracassando a prova dos dias e do número exacto de horas em que trabalhou para além do período normal de trabalho, deve o respectivo apuramento e o apuramento dos valores devidos a esse título, ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo do disposto no art.º661, n.º 2, do CPC, podendo o autor, nesse âmbito, beneficiar da presunção a que alude o n.º7do art.º204 do CT/2003, relativamente ao pagamento mínimo por cada dia de trabalho suplementar prestado.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A, (…), intentou a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra:
B Hotelaria e Restauração, SA, (…), pedindo a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de €42.476,49, a título de trabalho suplementar, trabalho realizado em dias feriados e em dias de descanso obrigatório, descanso compensatório remunerado e respectivo acréscimo pela sua substituição por trabalho efectivo, trabalho nocturno, subsídio mensal para falhas, subsídio de alimentação e complemento de função, quantias essas acrescidas de juros legais vincendos até integral pagamento, sem prejuízo de outros valores que, ao mesmo título, se vençam na pendência da acção, a liquidar em execução de sentença.

Alega que foi admitido ao serviço da Ré mediante contrato a termo certo, com efeitos a 09 de Março de 1998, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização e na sua dependência económica exercer as funções de chefe de cozinha. O referido contrato foi entretanto convolado em contrato sem termo, passando o Autor a deter a categoria profissional de Chefe de Operações, auferindo o salário base de €955,00, o que se mantém pelo menos desde 2004, a que acresce desde 01.10.2007 o subsídio mensal para falhas no montante de €33,62. Acrescia, ainda, a título de subsídio de alimentação, cumulativo com alimentação em espécie, o valor mensal de €95,47, que a entidade patronal fez cessar unilateralmente, a partir de Maio de 2005.
A partir de Maio de 2005 a Ré passou a atribuir ao Autor, mensalmente, um complemento de função, no montante de €162,25, o qual, também, unilateralmente e sem o acordo do Autor, fez cessar a partir de Outubro de 2007.
As exigências do serviço forçaram o Autor, por imposição da Ré, a estender as suas funções às que são próprias de “cozinheiro” e “barman”, que, com frequência quase diária, também tem vindo a executar. A Ré coagiu o Autor em 13 de Julho de 2004 a assinar uma minuta por ela elaborada, apelidada de “Cessão de Posição Contratual”. A jornada diária de oito horas, por determinação da Ré e da C Café, SA, em regra nunca foi respeitada pela empregadora, impondo ao Autor a realização frequente, regular e sistemática de trabalho suplementar por antecipação ou prolongamento e também em dias de descanso semanal e feriados, o que sucedeu nos dias e horas descritos a fls. 67 a 71 dos presentes autos.
No exercício das suas funções de Chefe de Operações o Autor movimentava desde Agosto de 2004 regularmente dinheiro, pelo que tem direito ao subsídio mensal para falhas desde tal data, nos termos da cláusula 74º do CCT celebrado entre a ARESP e a FESAHT, num total de €1.412,04.


Na contestação a ré invocou a excepção de prescrição e pugnou pela improcedência da acção. Sustentou, em síntese, que nunca a Ré ou a C Café ordenou ao Autor que prestasse trabalho suplementar.

Por requerimento apresentado em 01.10.2009, constante de fls. 146 a 155 dos autos, veio o Autor apresentar articulado superveniente, onde alegou, em síntese, que face à matéria alegada nos autos pela demandada se tornou definitivamente claro para o demandante que a Ré nega a existência dos créditos laborais de natureza retributiva reclamados pelo Autor, recusando o seu pagamento. Confrontado com a subsistência do incumprimento do contrato de trabalho por banda da Ré considerou o Autor que está integrado no direito de resolver o contrato de trabalho dos autos com invocação de justa causa, nos termos do art.º 394º, nºs 1 e 2, alíneas a), b) e e) do Código do Trabalho. No exercício desse direito o Autor notificou a Ré nos termos do art.º 395º daquele diploma, dirigindo-lhe em 30 de Julho de 2009, por meio de correio registado com aviso de recepção a carta reproduzida a fls. 151 dos presentes autos. Conclui pugnando pela condenação da Ré a pagar ao Autor uma indemnização nos termos do art.º 396º do Código do Trabalho, no montante de €14.427,00, bem como o valor de €1.671,00 correspondente a proporcional de férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho realizado até à data da cessação do contrato de trabalho (31.07.2009), valores a que acrescem juros nos termos e à taxa legal, tudo sem prejuízo do pedido já formulado na Petição Inicial.

Notificada do requerimento superveniente apresentado, a Ré respondeu por articulado constante de fls. 156 a 167 dos presentes autos, onde invoca a excepção de caducidade, alegando em síntese que os créditos que o Autor alega estarem em dívida reportam-se grosso modo, ao período entre 2004 e Setembro de 2007, pelo que o prazo para o exercício do direito de resolução caducou ainda no ano de 2007. Conclui pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pelo Autor no seu articulado superveniente e a absolvição da Ré dos mesmos.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as invocadas excepções de prescrição e caducidade invocadas pela Ré.

Não se conformando com decisão proferida, que julgou improcedente a invocada excepção de caducidade, dela veio a Ré recorrer (fls. 204 a 217 dos presentes autos), tendo sido admitido o recurso interposto a fls. 229 dos presentes autos, com subida a final.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu do seguinte modo:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
1- condeno a Ré a pagar ao Autor:
a) a quantia de €10.880,89 (dez mil, oitocentos e oitenta Euros e oitenta e nove cêntimos), a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão até integral pagamento;
b) a quantia de €1.671,00 (mil, seiscentos e setenta e um Euros) a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de 2009, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o respectivo vencimento até integral e efectivo pagamento;
c) absolvo a Ré do mais peticionado pelo Autor.

O autor e ré, inconformados, interpuseram recurso tendo nas respectivas alegações elaborado as conclusões que a seguir se transcrevem:

Conclusões do recurso interposto pelo autor:
(…)

Conclusões das apelações interpostas pela ré:
(…)
Na apelação do recurso interposto do despacho saneador concluiu ainda que: “ O despacho saneador recorrido ao julgar que “ só face ao teor da contestação apresentada pela ré, concluiu pela impossibilidade de manutenção da relação laboral”, incorreu, com o devido respeito, numa errónea interpretação dos artigos 394 e 395 do CT, uma vez que sendo os factos imputados à recorrente factos de produção instantânea, que ocorreram até Outubro de 2007 e que nesse mês a recorrente não pagou ao Recorrido as quantias que este reclamava, o prazo de caducidade de 30 dias para o exercício do direito de resolução do contrato com justa causa já decorreu há muito.”


Cumpre apreciar e decidir

I. Tal como resulta das conclusões dos recursos interpostos que delimitam o seu objecto, as questões suscitadas são as seguintes:
- Na apelação interposta pelo autor: impugnação da matéria de facto; direito ao pagamento do trabalho suplementar prestado e do subsídio de alimentação e de complemento de função reclamados.
- Nas apelações interpostas pela ré importa apreciar o direito à resolução do contrato por parte do autor.

II. Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré mediante contrato de trabalho a termo certo, com efeitos a 9 de Março de 1998, para sob as suas ordens, direcção, fiscalização e na sua dependência económica, exercer as funções de Chefe de Cozinha;
2) O acordo referido em 1) foi entretanto convolado em contrato sem termo, passando o Autor a deter a categoria profissional de Chefe de Operações, auferindo o salário base mensal de €955,00, que se mantém pelo menos desde 2004, a que acresce desde 01.10.2007 o subsídio mensal para falhas no montante de € 33,62;
3) Acrescia ainda, a título de subsídio de alimentação, o valor mensal de € 95,47, que a entidade patronal fez cessar a partir de Maio de 2005;
4) A partir de Maio de 2005, a Ré passou a atribuir ao Autor, mensalmente, um complemento de função, que a Ré fez cessar a partir de Outubro de 2007;
5) As referidas funções de Chefe de Operações pressupõem a vigilância das operações relativas ao estabelecimento onde são executadas, nomeadamente nos períodos de maior afluência de clientes e de controlo de assiduidade e pontualidade dos trabalhadores (refeições, fins de semana, início e termo dos turnos);
6) O Autor exercia as suas funções no Restaurante XXX, o qual tinha por horário de abertura ao público o período entre as 12H00 e as 24H00;
7) O Autor tinha por horário de trabalho o período entre as 09H00 e as 17H30, com meia hora de interrupção para almoço;
8) O Autor executou igualmente funções de “Cozinheiro” e “Barman”;
9) Em 13 de Julho de 2004 o Autor assinou o acordo reproduzido a fls. 18 a 19 dos presentes autos, denominado de “cessão de posição contratual”, em que a Ré declarou ceder à sociedade C Café, SA, que declarou aceitar, a posição contratual do Autor e em que este declarou consentir em tal cedência;
10) Por determinação da Ré, datada de 23 de Outubro de 2008, o local de trabalho do Autor, que se situava no estabelecimento da demandada designado “XXX”, sediado na ..., (…), A... 0000-000 LISBOA, passou a situar-se no estabelecimento também de sua propriedade, designado por “YYY”, instalado no Centro Comercial Colombo, loja 0000-A, na mesma cidade;
11) Desde a admissão, foi estabelecido o horário semanal de 40 horas, correspondente à jornada diária de 8 horas, durante cinco dias, com dois dias de descanso (obrigatório e complementar);
12) Em datas e horas não concretamente apuradas, o Autor, com conhecimento e sem oposição dos seus superiores hierárquicos e por vezes a pedido destes trabalhou no restaurante da Ré para além do horário de trabalho descrito em 11), não só para assegurar o encerramento do estabelecimento, como também para a execução de tarefas relacionadas com planeamento de pessoal e de encomendas e substituição de funcionários da Ré ausentes;
13) O Autor em datas e horas não concretamente apuradas, mas não coincidentes com o horário de trabalho descrito em 11), procedeu à realização do inventário semanal da Ré;
14) A Ré não procedeu ao pagamento ao Autor de qualquer quantia monetária
a título de trabalho suplementar por este prestado;
15) Provado apenas que a Ré não concedeu ao Autor dias de descanso a título
de descanso compensatório por trabalho suplementar prestado;
16) A Ré não possui registo de trabalho suplementar prestado;
17) Em 01 de Outubro de 2007 Autor e Ré firmaram o acordo reproduzido a fls. 61 dos presentes autos, intitulado de “ACORDO DE ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO”, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
18) O Autor enviou, em 16 de Outubro de 2007, o email reproduzido a fls. 62
dos presentes autos, dirigido a D (…….pt), onde refere : “Ano 2004
Tenho 221 horas extras para além das contratadas;
Tenho 4 dias de folgas não folgadas;
em relação ás férias, foram gozadas no ano seguinte
Ano 2005
Tenho 440.5 horas extras para além das contratadas;
Tenho 1 dia de folgas não folgadas
em relação ás férias, foram gozadas no ano seguinte
Ano 2006
Tenho 758 horas extras para além das contratadas;
Tenho 22 dia de folgas não folgadas
em relação ás férias, foram gozadas no ano seguinte
Ano 2007
Tenho 405.5 horas extras para além das contratadas;
Tenho 19,5 dia de folgas não folgadas
em relação ás férias de 2007 faltam gozar 15 dias, já que apenas gozei 10 dias em Julho dos 25 dias de 2007
Também devo lembrar que desde Maio de 2005 tenho feito caixa e suponho que por lei devo ter direito a abono de falhas que, suponho o sr. De lembra me tirou quando vim para no YYY.
Pretendo com isto saber como é que vai ser feita a reposição destes créditos”;
19) Antes de 16.10.2007 já o Autor havia informado o supra aludido D que andava a trabalhar para além do horário descrito em
7), pedindo-lhe ajuda;
20) O Autor no exercício das suas funções de Chefe de Operações movimenta dinheiro desde Agosto de 2004;
21) A “C Café Lda” procedeu à afixação do documento constante de fls. 59 dos presentes autos, datado de 19 de Julho de 2007, intitulado “CIRCULAR AVISO AOS TRABALHADORES”, onde refere “Em virtude da transmissão de todos os estabelecimentos propriedade da C CAFÉ, SA, para a titularidade da sociedade anónima B – HOTELARIA E RESTAURAÇÃO SA, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 318º, 319º e 320º do Código do Trabalho,
INFORMA-SE O SEGUINTE:
1 A transmissão dos referidos estabelecimentos é motivada por Fusão, por incorporação, da C Café, SA. Na B – Hotelaria e Restauração SA, passando a exploração dos mesmos a desenvolver-se a cargo desta última sociedade;
2 Em consequência desta transmissão e a partir da data do registo definitivo da Fusão, todos os Contratos de Trabalho celebrados com a Sociedade C Café, SA transmitem-se automaticamente para a Sociedade B – Hotelaria e Restauração, SA, sem prejuízo de quaisquer direitos para os respectivos Trabalhadores, nomeadamente sem perda de categoria, retribuição ou antiguidade;
3 Em consequência da referida transmissão, os Trabalhadores da Sociedade C Café, SA passarão a exercer a sua actividade a cargo da Sociedade B – Hotelaria e Restauração, SA, nos exactos termos e condições originárias da celebração e/ou nas subsequentes condições de execução dos respectivos Contratos de Trabalho, tal como vigentes à data do registo definitivo da fusão;
4 Nos termos do disposto no art.º 319º nº3 do Código do Trabalho, a Sociedade B – Hotelaria e Restauração SA, informa ainda os trabalhadores da C Café SA de que deverão reclamar a esta última Sociedade, sendo o caso, os seus créditos salariais, devendo fazê-los no prazo de três meses a contar da data de afixação do presente aviso, sob pena de os mesmos créditos se não transmitirem à B – Hotelaria e Restauração, SA”;
22) A Ré dispõe de um sistema informático que permite o processamento de horários, onde são inseridos previamente os horários planeados de cada um dos trabalhadores;
23) O sistema informático regista não só a presença de cada um dos trabalhadores, como se este entrou para além da hora de início ou saiu antes da hora de terminus aí prevista;
24) O Autor enviou à Ré, que a recebeu, a carta, datada de 30 de Julho de
2009, reproduzida a fls. 151 dos presentes autos, onde refere:
“(…) 1. Como é do conhecimento de V. Exas. Intentei contra essa Empresa no Tribunal do Trabalho de Lisboa uma acção de processo comum emergente de contrato individual de trabalho, a qual ali corre trâmites no 2º Juízo, 1ª Secção, sob o n.º 0000/09.3TTLSB.
2. Naquela acção, e pelas razões de facto e de direito ali alegadas, que aqui dou por integralmente reproduzidas, pedi a condenação dessa Empresa a pagar-me a importância de €42.476,49 a título de trabalho suplementar, trabalho realizado em dias feriados e em dias de descanso obrigatório, descanso compensatório remunerado e respectivo acréscimo pela sua substituição por trabalho efectivo, trabalho nocturno, subsídio mensal para falhas, subsídio de alimentação e complemento de função.
3. Por carta registada daquele Tribunal, expedida a 9 de Julho de 2009, fui entretanto notificado da contestação apresentada por V. Exas. Por cujos termos ficou agora definitivamente claro para mim que essa Empresa nega a existência daqueles créditos de natureza retributiva, recusando o seu pagamento.
4. Assim sendo, venho notificar V. Exas. Nos termos do art.º 395º do Código do Trabalho, de que, com efeitos a 31 do corrente mês de Julho, resolvo o contrato de trabalho que me liga a essa Empresa com invocação de justa causa, que me assiste nos termos do art.º 394º, nºs 1 e 2, alíneas a), b) e), do mesmo diploma, em razão dos factos supra referidos em 2. subsistindo por regularizar aqueles créditos retributivos.
5. Sem prejuízo dos pedidos formulados naquela acção, aproveito para interpelar V. Exax, para o pagamento no prazo de oito dias da indemnização a que alude o art.º 396º, também do Código do Trabalho, a qual, dado o grau de ilicitude do comportamento dessa Empresa, aliás continuado, deve corresponder a 45 dias da retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, e respectiva fracção proporcional.”
25) A Ré enviou ao Autor, que a recebeu, a carta, datada de 3 de Agosto de 2009, reproduzida a fls. 152 dos presentes autos, onde refere: “Acusamos a recepção da Vossa carta, cumprindo-nos informar o seguinte: A B recusa veementemente a existência de justa causa de resolução do contrato invocado por V. Exa., para cessação do contrato de trabalho. Tal como V. Exa afirma está ainda em curso acção judicial na qual se discute a existência ou não de crédito retributivo a favor de V. Exa, não tendo sido ainda proferida qualquer sentença sobre a matéria controvertida naqueles autos. Assim, consideramos a cessação do contrato ora comunicada, como denúncia sem aviso prévio, ficando V. Exa. obrigado ao pagamento a esta Empresa de indemnização de valor igual à retribuição base correspondente ao pré –aviso em falta”.


Impugnação da matéria de facto
O autor/recorrente começa por impugnar a matéria de facto designadamente a matéria constante dos factos dados como provados nos pontos 4) 5) 6) 7) 11) 13 22) e 23), tendo para o efeito transcrito partes dos depoimentos de diversas testemunhas. Na impugnação deduzida, o autor pretende a ampliação dos referidos factos com o que considera serem relevantes esclarecimentos.
(…)

Deste modo, o facto n.º22 passa a ter a seguinte redacção:
- A ré dispõe de um sistema informático que permite o processamento de horários, onde são inseridos previamente os horários planeados de cada um dos trabalhadores correspondentes às jornadas diárias e semanais contratadas, o qual, embora aceitando o registo do momento de entrada e de saída dentro da jornada contratual planeada, rejeita qualquer tempo de trabalho por antecipação ou prolongamento fora das referidas jornadas, que as exceda.
Procedem assim, parcialmente, as alterações à matéria de facto deduzidas pelo autor recorrente.

III. Fundamentos de direito

Recurso interposto pelo autor
Trabalho suplementar
Na sentença recorrida foi entendido que: (…) Acontece, porém, que o Autor, muito embora os haja enunciado, não fez prova dos concretos dias em que prestou o trabalho suplementar, sendo que, de acordo com as regras de alegação e prova, cabe ao trabalhador que pretende a condenação da entidade empregadora no pagamento de retribuições relativas a trabalho suplementar demonstrar quando tal trabalho foi prestado.
E, não se defenda a aplicação ao caso em apreço do preceituado no n.º 7 do art.º 204º do Código do Trabalho, porquanto para tal sempre caberia ao Autor demonstrar os dias em concreto em que desempenhou a sua actividade fora do horário de trabalho, o que este não fez.
(…) antes se verificando que a parte sobre quem impendia o respectivo ónus não conseguiu fazer prova quanto a um dos elementos enformadores do seu direito, impõe-se absolver a Ré do pedido de condenação no pagamento de uma quantia pecuniária a título de trabalho suplementar.”
O autor/recorrente insurge-se com este entendimento, alegando que, mesmo face à factualidade assente, a ré ao omitir o registo do trabalho suplementar e ao rejeitar o dito programa informático da recorrida que suporta o controlo das presenças, pontualidade e assiduidade dos seus trabalhadores, qualquer tempo de trabalho por antecipação ou prolongamento das respectivas jornadas laborais contratuais que as exceda, a recorrida tornou culposamente impossível ao recorrente a prova dos dias concretos em que prestou trabalho suplementar, incluindo a prestação de trabalho em dias de descanso semanal, feriados obrigatórios, bem como de trabalho nocturno.
E sustenta que esta atitude tem como consequência a inversão do ónus da prova, nos termos do n.º 2 do art.º 344.º, do Código Civil, do que decorre o reconhecimento da factualidade alegada nos artºs. 43.º a 49.º da Petição Inicial, ínsita nos mapas de fls. 67 a 72, que inclui a discriminação feita ano a ano, mês a mês, dia a dia, do trabalho suplementar, trabalho nocturno, trabalho em dias de descanso semanal e trabalho em dias feriados obrigatórios, bem como folgas e dias de descanso compensatórios não gozados, factualidade que, assim, deve ser considerado, devendo proceder a liquidação feita dos valores devidos ao recorrente por aplicação dos acréscimos legais e convencionais a partir do valor da remuneração horária normal calculado no art.º 41.º da P.I.
Na verdade, da matéria dada como provada conclui-se que, embora o autor tenha demonstrado que tinha inicialmente um horário de trabalho no período entre as 09H00 e as 17H30, com meia hora de interrupção para almoço, durante cinco dias da semana (facto n.º7) e que a partir de 01.10.2007, passou a prestar as 8 horas diárias e 40 horas semanais acordadas em regime de isenção de horário de trabalho (factos nºs 11 e 17), não logrou fazer prova, dos dias e horas em que alegou ter prestado trabalho suplementar, tendo tão só ficado demonstrado que em datas e horas não concretamente apuradas, o autor, com conhecimento e sem oposição dos seus superiores hierárquicos e por vezes a pedido destes trabalhou no restaurante da Ré para além das 08 horas diárias acordadas, não só para assegurar o encerramento do estabelecimento, como também para a execução de tarefas relacionadas com planeamento de pessoal e de encomendas e substituição de funcionários da Ré ausentes, bem como que em datas e horas não concretamente apuradas, mas não coincidentes com tal horário de trabalho procedeu à realização do inventário semanal da Ré (factos nºs 12 e 13). Tendo ainda resultado provado que a ré não possui registo do trabalho suplementar (facto n.º16).
O trabalho suplementar corresponde ao trabalho prestado fora do horário de trabalho, abrangendo todas as situações de desvio ao período normal de actividade do trabalhador, como seja o trabalho para além do horário normal em dia útil e o trabalho em dias de descanso semanal e feriados.
O seu pagamento pressupõe, em princípio, a prova dos factos, constitutivos do direito, competindo, assim, ao trabalhador a prova da sua prestação efectiva, bem como a sua determinação pela entidade empregadora, sendo certo que a jurisprudência tem vindo a entender, para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar é necessário que demonstre que esse trabalho existiu, bastando porém a prova de que foi efectuado com o conhecimento e sem oposição da entidade empregadora.
O autor veio sustentar que tendo ficado provado que prestou efectivamente trabalho suplementar, ou seja, para além do seu período normal de trabalho, com o conhecimento da ré que sabia da sua prestação e que quis que o mesmo fosse prestado, não pode ficar sem o seu pagamento em virtude da ré não possuir registo obrigatório do trabalho suplementar, documento que seria idóneo para o autor poder provar a sua prestação nos dias e horas em concreto em que esse trabalho foi efectuado, sustentando que se faça operar a inversão do ónus de prova, ao abrigo do art.º 344 n.º2 do CCivil
Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se não tendo a entidade empregadora cumprido a norma sobre o registo obrigatório do trabalho suplementar, art.º204 do CT/2003, pode beneficiar dessa prática ilegal – que seja a de não ter registado o trabalho suplementar – para depois não proceder ao seu pagamento.
O regime de registo do trabalho suplementar previsto no art.º 204 do CT /2003 consagra um regime de controlo apertado e formal da prestação do trabalho suplementar em ordem a permitir, por um lado, a fiscalização pelos organismos da Administração, Inspecção-geral do Trabalho e, por outro, a garantir aos trabalhadores, mediante o acesso ao registo obrigatório e à informação dele constante, o exercício dos direitos emergentes da sua prestação. Estipulando o n.º7 do mesmo artigo 204º que essa falta de registo confere ao trabalhador, por cada dia em que tenha desempenhado a sua actividade fora do horário de trabalho, o direito à retribuição correspondente ao valor de duas horas de trabalho suplementar.
Todavia, a inexistência desse registo era um facto que o autor não podia ter ignorado porque ele pressupõe a sua assinatura, como decorre do n.º2 do mesmo art.º204, impondo-se assim que o autor tivesse actuado no sentido de promover junto da entidade empregadora a regularização dessa situação, pois era a ele que lhe incumbiria fazer a prova de ter prestado o trabalho suplementar, por força do n.º1 do art.º 342 do C. Civil.
Por outro lado, a inversão do ónus de prova exige que a prova de determinada factualidade, por acção ou omissão da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer e em que esse comportamento da parte contrária, lhe seja imputável a título culposo. Ora, desde logo, o autor não está impossibilitado de fazer a prova do trabalho suplementar prestado com o recurso a outros meios de prova, designadamente a testemunhal, como, aliás, se propôs fazê-lo em audiência de julgamento, até porque não está em causa o trabalho prestado há mais de cinco anos, cuja prova teria de ser necessariamente por documento idóneo, nos termos do n.º2 do art.º381 do CT. Assim, no caso, a falta de registo do trabalho suplementar prestado pelo trabalhador não determina a inversão do ónus da prova quanto ao número de horas prestado, devendo o trabalhador cumprir a prova desse facto, vide acórdãos do STJ proferidos em 19.11.2008 e 20.05.2009, publicados em www.dgsi.
No entanto, perfilhamos o entendimento expresso no acórdão do STJ proferido em 18.02.2011, também publicado no mesmo site, de que resultando provado que o trabalhador prestou trabalho suplementar, mas fracassando a prova dos dias e do número exacto de horas em que trabalhou para além do período normal de trabalho, deve o respectivo apuramento e o apuramento dos valores devidos a esse título ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo do disposto no n.º2 do art.º661 do CPC, podendo o autor, nesse âmbito, beneficiar da presunção a que alude o n.º7 do art.º204 do CT/2003, relativamente ao pagamento mínimo por cada dia de trabalho suplementar prestado.

Quanto à não condenação, na sentença recorrida, das quantias peticionadas título de subsídios de alimentação e de complemento de função, subscrevemos na íntegra a fundamentação constante da sentença recorrida, sendo certo que o recorrente nas suas alegações de recurso não apresenta nova fundamentação, pois apenas se baseou na alteração à matéria de facto que relativamente a esta matéria foi indeferida.

Recursos de apelação interpostos pela ré
Tal como resulta das conclusões do recurso acima transcritas as questões suscitadas nos mesmos prendem-se com o direito do autor à resolução do contrato por sua iniciativa por falta de pagamento pontual da retribuição no período compreendido entre Agosto de 2004 e Setembro de 2007, sendo certo que resulta dos autos que o autor reclamou esse pagamento à ré em Outubro de 2007, mas manteve-se ao serviço da ré até Julho de 2009, invocando nessa data a impossibilidade da manutenção da relação laboral, cf. carta envida à ré, referida no ponto nº 24 da matéria de facto.
Vejamos então
Na data da resolução do contrato por parte do autor já vigorava o novo código do trabalho, que no seu art.º394, instituiu como justa causa de resolução do contrato “a falta de pagamento pontual da retribuição”, e no seu art.º395, institui o procedimento para essa resolução.
Face a este último dispositivo, constitui condição da licitude da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador que a sua comunicação seja feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, e nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos.
Tem sido entendido que a não observação do prazo a que se refere o n.º1 do art.º395 do CT, constitui a inobservância de uma condição de licitude da resolução do contrato, tudo se passando como se o trabalhador tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa não verificada, (ver Pedro Romano Martinez CT, anotado, em anotação ao art.º395)
Ora, os créditos reclamados pelo autor reportam-se ao período compreendido entre Agosto de 2004 e Outubro de 2007, tendo o autor reclamado à ré o seu pagamento em Outubro de 2007. Assim, desde esta data, o autor tem conhecimento dos factos que lhe permitiriam avaliar que não lhe era possível a manutenção da relação laboral. E porque não foi feita prova nesse sentido não se pode concluir que só depois da receber a contestação apresentada pela ré nestes autos é que o autor tenha considerado que seria impossível manter a relação contratual com a ré.
Assim sendo, concordamos com o entendimento sustentado pela ré/recorrente no sentido de que sendo os factos imputados ré factos de produção instantânea, que ocorreram entre Agosto de 2004 e Outubro de 2007 sem que a ré procedesse ao seu pagamento, o prazo de 30 dias para o exercício do direito de resolução do contrato de trabalho, ao abrigo do artigo 395 do CT, decorreu muito tempo antes do autor ter procedido à resolução do contrato de trabalho.
Face ao exposto, decorrido o prazo a que se refere o n.º1 do art.º395 do CT, mantém-se a cessação do contrato, mas inutilizam-se as vantagens da qualificação de justa causa para a resolução do contrato, pelo que o autor não tem direito à indemnização que lhe foi arbitrada, ao abrigo do art.º396 do CT, na sentença recorrida.
Procedem assim os fundamentos dos recursos da ré.


IV. Decisão
Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e condena-se a ré a pagar ao autor o trabalho suplementar prestado cujas quantias se vierem apurar, ao abrigo do art.º661 n.º2 do CPC, no incidente de liquidação.
Julgam-se procedentes os recursos interpostos pela ré e em consequência absolve-se a ré do pagamento da quantia de €10.880,89 (dez mil, oitocentos e oitenta Euros e oitenta e nove cêntimos), a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho, e respectivos de juros de mora.
Mantém-se no mais a sentença recorrida.

Custas pela ½ pelo autor e ré

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011.

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena de Carvalho

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