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quinta-feira, 3 de maio de 2012

ABUSO DA PERSONALIDADE COLETIVA CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto-16/04/2012


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
229/08.3TTBGC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: ABUSO DA PERSONALIDADE COLETIVA
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO

Nº do Documento: RP20120416229/08.3TTBGC.P1
Data do Acordão: 16-04-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: I - Constitui abuso da personalidade coletiva, na categoria de atentado a direitos de terceiro, o “aproveitamento” da autonomia jurídica de cada uma das Rés/sociedades para celebrar com o autor uma sucessão de contratos de trabalho a termo certo (no início com a 1ª Ré e depois com a 2ª Ré), evitando, deste modo, a conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo.
II - O levantamento da personalidade coletiva das Rés determina que o contrato de trabalho do Autor seja considerado um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início na data do primeiro contrato celebrado com a 1ª Ré.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo n.º 229/08.3TTBGC.P1
Relator: M. Fernanda Soares - 990
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa – 1538
Dr. Fernandes Isidoro - 1271

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… instaurou no Tribunal do Trabalho de Bragança contra C…, Lda. e D…, Lda., acção emergente de contrato de trabalho pedindo a condenação das Rés a reconhecer a nulidade do termo aposto nos sucessivos contratos de trabalho celebrados entre o Autor e aquelas empregadoras e, em consequência, ser declarado ilícito o despedimento do Autor e condenadas as Rés no pagamento das quantias que indica na petição, a título de diferenças salariais, refeições por estar deslocado, trabalho suplementar, subsídio de agente único, férias não gozadas, descontos injustificados no vencimento e indemnização e remunerações intercalares a que aludem os artigos 439º e 437º, ambos do CT/2003.
Alega o Autor que celebrou com a 1ªRé um contrato de trabalho a termo certo, com início em 01.02.2002, para exercer as funções de motorista de pesados de passageiros. No dia 14.01.2004 foi comunicado ao Autor que o contrato terminava a 31.01.2004. Contudo, o Autor continuou a trabalhar até 31.01.2005, altura em que passou a exercer funções para a 2ªRé, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo, e que perdurou até 01.02.2008, data em que foi despedido. Acontece que ambas as Rés são geridas pela mesma pessoa [B…], a determinar que a celebração de contrato a termo com a 1ªRé, e depois com a 2ªRé, visou única e exclusivamente impedir a progressão do Autor na carreira, o pagamento de diuturnidades e a obtenção de vínculo, e como tal são ilegais. Por isso, deve o termo aposto em ambos os contratos ser considerado nulo, constituindo a declaração dirigida ao Autor pela 2ªRé um despedimento ilícito.
As Rés contestaram alegando que tendo o contrato de trabalho celebrado com a 1ªRé terminado em 31.01.2005, prescreveram os direitos emergentes desse contrato. Relativamente à 2ªRé, alegam que o Autor começou a trabalhar para ela em Fevereiro de 2005, e nessa data o B… era apenas sócio desta sociedade, sendo ambas as empresas distintas, com gestão independente e autónoma, embora actuando no mercado com uma mesma imagem corporativa. Impugnam ainda os créditos reclamados pelo Autor na petição e concluem, assim, pela improcedência da acção.
Elaborado o despacho saneador, procedeu-se a julgamento, consignou-se a matéria de facto dada como provada e não provada e foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a condenar a 2ªRé a pagar ao Autor a) € 1.298,27, a título de subsídio especial de agente único; b) € 661,36, a título de diferença na retribuição do trabalho prestado em dia de descanso semanal e descanso compensatório não gozado; c) € 710,15, a título de férias não gozadas vencidas em 01.01.2008; d) € 580,79, a título de retribuição do mês de Janeiro de 2008. Dos demais pedidos foi a 2ªRé absolvida. De todos os pedidos foi a Ré C…, S.A. absolvida.
O Autor veio recorrer da sentença na parte em que não considerou existir fraude à lei na celebração sucessiva de contratos de trabalho com duas entidades diferentes, mas geridas pela mesma pessoa, pedindo a procedência total da acção e concluindo do seguinte modo:
1. A celebração de vários contratos de trabalho a termo, durante seis anos ininterruptos, com o mesmo trabalhador, para que este desempenhe, sob ordens e instruções da mesma pessoa, o mesmo serviço, no caso as funções de motorista de pesados de passageiros, na grande maior parte do tempo, com o mesmo autocarro, o mesmo percurso e horário, ainda que para empresas diferentes, consubstancia a manutenção de uma situação de emprego precário por um longo período, ferida de nulidade.
2. Por isso, é legítimo concluir que o trabalhador ocupou ininterruptamente, ao longo daquele período temporal, o mesmo posto de trabalho, apesar de vinculado alternadamente ora a uma ora a outra empresa.
3. No caso concreto, a sucessão de contratos firmados entre o Autor e, alternadamente, cada uma das Rés – pertencentes ao mesmo grupo empresarial – para exercer, afinal, as mesmas funções e satisfazer as mesmas necessidades, no mesmo posto de trabalho, indicia com clareza a intenção das Rés de contornar a lei, procurando impedir as consequências que o sistema legal retira da ultrapassagem de certos limites temporais na prestação de trabalho temporário ou mediante contrato a termo, assim como ao número de renovações possíveis neste tipo de contrato, ou seja, obviar à passagem do Autor a trabalhador por tempo indeterminado.
4. Revela-se esta conduta como evidente fraude à lei, configurando verdadeiro abuso da personalidade colectiva, com atentado dos direitos do trabalhador – designadamente o direito constitucional à segurança no emprego – o que justifica o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade, com a consequente condenação solidária das duas recorridas.
5. Constando da matéria de facto dada como provada factos constitutivos deste vínculo laboral duradouro, nada mais lhe incumbia provar, constituindo tarefas de qualificação jurídica que ao Tribunal pertencem – artigo 664º do CPC – as de saber se os contratos a termo consubstanciam contratos de trabalho a termo certo, ou não, e, neste último caso retirando da nulidade dos sucessivos termos, como consequência, que se considere o trabalho prestado com base num contrato individual de trabalho sem termo.
6. Assim, não consubstancia um despedimento lícito o emitido pelo gerente de todas as recorridas, a comunicação feita ao Autor pela Ré com quem celebrou o último «contrato de trabalho a termo», quando nem sequer esta tenha feito prova da verificação do condicionalismo que justificaria, ao longo de seis anos ininterruptos, a existência de contrato de trabalho a termo.
7. Ainda para mais quando este condicionalismo nada teve a ver com o inserido no primeiro contrato e no segundo foi omitida a razão justificativa do alegado acréscimo excepcional, mas a verdade é que nunca teve ou poderia ter a ver, com as efectivas funções atribuídas ao Autor, que era motorista de serviços expresso e não de transporte escolar (até em períodos de férias).
8. Em consequência, deverá ser declarada a nulidade do termo inserido nos contratos juntos aos autos e declarada fraudulenta a conduta das Rés, condenando-se, ambas, solidariamente, nos créditos laborais reclamados pelo Autor.
9. Ao assim não decidir, a Mmª. Juiz a quo violou o preceituado nos artigos 3º, nº1, da Lei nº38/96 de 31.08, nº1 do artigo 41º, al. e) do nº1 do artigo 42º, nº2 do artigo 44º, 47º, todos da LCCT, 129º, 130º, 131º, nº1, al. e) e nº3, 132º, 139º e 140º, todos do CT/2003, bem como os artigos 280º, 286º e 294º do Código Civil.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido a) do não conhecimento da questão da nulidade do termo aposto nos contratos de trabalho celebrados com as Rés, por não conterem o motivo justificativo da sua celebração, e sua conversão em contrato de trabalho, por constituir questão nova; b) da improcedência do recurso no que toca à questão da invalidade dos contratos a termo celebrados, por fraude à lei.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumprir decidir.
* * *
II
Matéria de facto dada como provada e a ter em conta na decisão do recurso.
1. O Autor celebrou, de forma escrita, um contrato de trabalho a termo com a Ré C…, Lda., com inicio em 01.02.2002, pelo qual se obrigou a prestar os serviços da sua profissão, como motorista de pesados de passageiros, a tempo inteiro, contrato esse cuja cópia se mostra junta aos autos a folhas 143 e 144.
2. O Autor manteve-se ao serviço da 1ªRé até 31.01.2005.
3. Por carta datada de 14.01.2005 foi comunicada ao Autor pelo gerente da Ré C…, Lda., que o contrato de trabalho celebrado com essa empresa terminaria em 31.01.2004 e, a partir dessa data cessariam todas as relações laborais e contratuais, conforme documento que se mostra junto aos autos a folhas 9.
4. Em 01.02.2005 o Autor celebrou com a Ré D…, Lda., por escrito, novo contrato de trabalho a termo, pelo qual se obrigou a prestar os serviços da sua profissão, como motorista de pesados de passageiros, a tempo inteiro, contrato esse cuja cópia se mostra junto aos autos a folhas 145 e 146.
5. Tal contrato vigorou até ao dia 01.02.2008, altura em que o gerente da Ré D…, Lda., comunicou ao Autor, por carta datada de 07.01.2008, a cessação do seu contrato de trabalho a partir de 01.02.2008, conforme documento cuja cópia se mostra junta aos autos a folhas 10.
6. O Autor auferiu as quantias discriminadas nos recibos de vencimento juntos aos autos a folhas 19 a 60, sendo que a título de vencimento auferiu as seguintes quantias: em Fevereiro de 2002 - € 513,76; de Março de 2002, a Março de 2003 - € 529,17; de Abril de 2003 a Março de 2004 - € 539,75; de Abril de 2004 a Março de 2005 - € 552,70; de Abril de 2005 a Fevereiro de 2006 - € 563,75; de Março de 2006 a Março de 2007 - € 572,21; de Abril de 2007 a Janeiro de 2008 - € 580,79.
7. Sempre que o Autor se encontrasse deslocado, tinham as empresas Rés de o reembolsar das despesas efectuadas com as refeições e dormidas que aquele tivesse realizado fora do local de trabalho para onde havia sido contratado.
8. A C…, Lda. tinha como sócios B… e E…, sendo cada um deles titular de uma quota de € 124.700,00, competindo a gerência a ambos os sócios.
9. Em 22.12.2006 tal sociedade foi transformada em sociedade anónima, passando a ter como firma C…, S.A., e sendo o conselho de administração composto por B…, na qualidade de presidente, F… e E….
10. A sociedade D…, Lda. tem como sócios G…, titular de uma quota no valor de € 124.700,00 e B…, titular de duas quotas no valor de € 62.350,00, cada uma, cabendo a gerência a G….
11. As Rés nunca pagaram ao Autor quaisquer quantias a título de «diuturnidades».
12. Enquanto esteve ao serviço das Rés o Autor sempre recebeu ordens e instruções de B…, tendo sido este quem contratou o Autor, subscrevendo os dois contratos de trabalho referidos supra nos números 1 e 4 e quem lhe comunicou a cessação de tais contratos de trabalho, subscrevendo as comunicações escritas referidas supra nos números 3 e 5.
13. As empresas Rés são geridas por B… e E…, ocupando-se o primeiro, predominantemente, da distribuição de serviço pelos motoristas e o segundo das questões relativas à mecânica dos veículos utilizados na actividade das mesmas.
14. Durante o tempo em que esteve ao serviço das Rés, o Autor conduziu principalmente o pesado de passageiros com a matrícula ..-..-ND, com o qual fazia a rota Porto – Bragança/Bragança – Porto e, no último ano, conduziu também um outro veículo no percurso Lisboa – Bragança/Bragança – Lisboa, os quais, à semelhança de outros veículos pertencentes às Rés e utilizados na actividade desenvolvida por ambas, ostentava publicidade, o logótipo e a imagem de «H…».
15. Durante o tempo em que esteve ao serviço das Rés, o Autor realizou, principalmente, a rota Porto – Bragança/Bragança – Porto, tendo efectuado, também, no último ano, a rota Lisboa – Bragança/Bragança – Lisboa.
16. Tais rotas eram realizadas em conjunto pelas duas empresas de transporte de passageiros, as Rés, e outras, em execução de um acordo de exploração conjunta autorizado pela Direcção Geral de Transportes Terrestres, actual Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres.
17. Em regra, o Autor prestava trabalho seis dias por semana e não gozava qualquer dia de descanso compensatório após ter trabalhado em dia de folga ou feriado.
18. O Autor efectuava, pelo menos, sete horas diárias de condução, a que acrescia, pelo menos, mais uma hora por dia, além do período de condução, para preparar a viagem, abrir os discos, verificar o estado do autocarro, aquecer o motor, efectuar a carga de bagagem e encomendas e, no final da viagem, para fechar os discos, efectuar a descarga, verificar as contas dos bilhetes vendidos e, se necessário, efectuar a limpeza do veículo.
19. Para além de conduzir o veículo, o Autor tirava bilhetes, o que aconteceu até ao ano de 2005, efectuava a carga e descarga de mercadoria e bagagem dos passageiros, controlava a entrada dos passageiros e procedia à limpeza do veículo no termo das viagens, entre outras.
20. Nos trajectos Bragança – Porto/Porto – Bragança; Bragança – Lisboa/Lisboa – Bragança, o Autor efectuava, pelo menos, 7 horas diárias de condução.
21. O Autor não esteve de baixa em Janeiro de 2008.
22. A carta referida supra no número 3 foi enviada ao Autor em 14.01.2005 e recebida por este em 19.01.2005, sendo mero lapso de escrita a referência nela feita a 2004.
23. As Rés actuam no mercado com uma mesma imagem corporativa.
24. Os serviços de transporte rodoviário de passageiros nos trajectos Bragança – Porto/Porto – Bragança; Bragança – Lisboa/Lisboa – Bragança são realizados em conjunto pelas Rés e outras empresas mediante acordo de exploração conjunta celebrado entre elas.
25. O Autor utilizou diversas viaturas, tal como os demais trabalhadores das empresas.
26. O Autor descontava os valores das refeições nas verbas obtidas com a venda de bilhetes e caso não fossem suficientes, a Ré pagava-lhe a diferença, por cheque, não sendo tal valor incluído no recibo de vencimento.
27. As quantias inscritas sob as rubricas denominadas “Aj. Custo” ou “Ajudas de Custo” incluídas nos recibos de vencimento do Autor destinavam-se a pagar a prestação de trabalho em dia de folga.
28. As quantias inscritas sob a rubrica “S.E.” incluída nos recibos de vencimento do Autor destinava-se a compensar a limpeza dos veículos e outras tarefas que desempenhava e não estavam relacionadas com a função de motorista, nomeadamente as referidas supra no número 18.
29. No ano de 2007 o Autor esteve 39 dias de baixa médica, 26 dos quais em Maio e 5 dias de período de nojo, por falecimento de seu pai, a partir de 24.06.2007.
* * *
III
Questão em apreciação.
Se a conduta das Rés – a celebração sucessiva de dois contratos de trabalho a termo certo – constitui fraude à lei e abuso da personalidade colectiva.
Em sede de alegações de recurso o Autor/recorrente veio «questionar» a validade formal dos dois contratos a termo, defendendo que a nulidade daí decorrente é de conhecimento oficioso.
Não é assim. Com efeito, tendo a relação laboral terminado, compete ao recorrente invocar os vícios de que padecem os contratos que celebrou com as Rés.
Ora, só nas alegações de recurso o Autor levanta tal questão, a significar que ela é uma questão nova (não foi colocada à apreciação do Tribunal a quo e também na sentença dela não se conheceu). E não se destinando os recursos a conhecer de questões novas mas apenas daquelas que foram objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido [a não ser as de conhecimento oficioso, o que não é o caso] da mesma não se conhece. Posto isto avancemos.
A fraude à lei e o abuso da personalidade colectiva.
Diz-se na sentença recorrida o seguinte: (…) “o Autor não questiona a validade formal dos contratos celebrados, nem a sua concreta justificação. Alega, antes, que as Rés visaram impedir a progressão do Autor na sua carreira profissional, a aquisição de vínculo, o não pagamento de diuturnidades e obter a eventual prescrição de créditos, o que é o mesmo que dizer que a estipulação do termo nos contratos de trabalho celebrados, sucessivamente, com cada uma das Rés, visou iludir as disposições que regulam o contrato sem termo” (…), para, mais à frente, concluir, em face da factualidade dada como provada, que “as duas Rés mantêm entre si, e com outras empresas, uma relação económica de interdependência, colocando ao serviço da exploração conjunta de determinada actividade (transportes terrestres de passageiros) os seus recursos patrimoniais e humanos. Mas de tal comunhão de interesses e relação de interdependência não pode extrair-se, sem mais, um intencionalidade fraudulenta na celebração sucessiva pelas duas Rés com o mesmo trabalhador de contratos a termo, com o único fim de iludir as disposições que regulam a contratação sem termo. Acresce que a lei apenas proíbe expressamente a celebração sucessiva de contratos de trabalho a termo para o mesmo posto de trabalho entre o mesmo trabalhador e mesmo empregador, como resulta do art.132º, nº1 do Código do Trabalho. Improcede, assim, a tese da invalidade da estipulação do termo nos contratos de trabalho firmados entre o Autor e as Rés com fundamento na fraude às disposições que regulam a contratação sem termo” (…).
O apelante defende que a sucessão de contratos firmados entre ele e, alternadamente, com cada uma das recorridas – pertencentes ao mesmo grupo empresarial – para exercer as mesmas funções e satisfazer as mesmas necessidades, no mesmo posto de trabalho, indicia a intenção das Rés de contornar a lei. Mais refere que essa conduta é reveladora de fraude à lei e configura um verdadeiro abuso da personalidade colectiva. Analisemos então.
O Professor M. Domingos de Andrade, define negócios em fraude à lei “aqueles que procuram contornar ou circunvir uma proibição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu – aqueles que por essa forma pretendem burlar a lei” (…) “estes, se vão contra a lei, é de modo disfarçado e oblíquo” (…) “os negócios in fraudem legis como que só ofendem o seu espírito” – Teoria Geral da Relação Jurídica, volume 2, 1987, página 337. Refere ainda aquele ilustre professor que se deve seguir a concepção objectiva de fraude à lei, ou seja, “não releva a intenção das partes. Só interessa a situação ou o resultado prático que o negócio tende a criar. É necessário e suficiente para haver fraude à lei que tal situação ou resultado esteja em contraste com a finalidade legal” – obra citada, página 338.
O Professor Mota Pinto escreveu sobre tal questão o seguinte: “devem ser considerados contrários à lei, não só os negócios que frontalmente a ofendem (negócios «contra legem»), mas também, quando se constate, por interpretação, que a lei quis impedir, de todo em todo, um certo resultado, os negócios que procuram contornar uma proibição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei expressamente previu e proibiu (negócios em fraude à lei)” (…), concluindo que “há fraude à lei, quando se frustre claramente a intenção legislativa, se a proibição não for aplicada” – Teoria Geral do Direito Civil, 3ªedição, 1989, página 551.
No mesmo sentido é a posição do Professor Vaz Serra [Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 110, página 28].
Vejamos agora o caso dos autos.
Cumpre aqui relembrar que o Autor não invocou no momento próprio – na petição inicial – a nulidade do termo aposto nos contratos de trabalho com fundamento no não cumprimento dos requisitos formais. Assim, tal matéria não será levada em conta.
Ao contrato de trabalho a termo certo com início em 01.02.2002 aplica-se o DL nº64-A/89 de 27.02 [LCCT], com as alterações previstas na Lei nº18/2001 de 03.07.
Segundo o disposto no artigo 41º, nº3 do citado DL “A estipulação do termo será igualmente nula, com as consequências previstas no número anterior, sempre que tiver por fim iludir as disposições que regulam os contratos sem termo”.
Ao contrato de trabalho a termo certo com início em 01.02.2005 aplica-se o Código do Trabalho de 2003 (CT/2003). O artigo 130º, nº2 do referido Código determina que “ Considera-se sem termo o contrato de trabalho no qual a estipulação da cláusula acessória tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo” (…) [sublinhado da nossa autoria].
Do acabado de transcrever podemos afirmar que ambos os preceitos legais se referem aos casos de fraude à lei [o CT/2009 segue a mesma orientação ao estipular no artigo 147º, nº1, al. a) que “Considera-se sem termo o contrato de trabalho em que a estipulação do termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo”].
O Autor veio invocar que a celebração dos contratos a termo com cada uma das Rés visou impedir a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Por outras palavras: as Rés teriam sido usadas pelo sócio e gerente da 1ªRé e sócio da 2ªRé [o B…, com quem o Autor sempre contratou e de quem recebia ordens], para possibilitar a celebração de contratos a termo sucessivos e, deste modo, evitando que o vínculo contratual não fosse duradouro.
Ora, a actuação em fraude à lei passa, no caso concreto, pela análise da existência do abuso da personalidade colectiva e que vamos de seguida tratar.
Segundo o Professor Menezes Cordeiro, os casos em que se coloca o levantamento da personalidade colectiva podem resumir-se em três grupos: a confusão de esferas jurídicas, a subcapitalização e o atentado a terceiros e o abuso da personalidade [O Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e Comercial, Almedina, 2000, página 116].
Refere ainda aquele ilustre professor que “O abuso do instituto da personalidade colectiva é uma situação de abuso do direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da actuação do visado, através duma pessoa colectiva. No fundo, o comportamento que suscita a penetração vai caracterizar-se por atentar contra a confiança legítima (venire contra factum proprium, supressio ou surrectio) ou por defrontar a regra da primazia da materialidade subjacente (tu quoque ou exercício em desequilíbrio)” – obra citada, página 123.
O Supremo Tribunal de Justiça tem igualmente se pronunciado sobre a «desconsideração da personalidade jurídica» considerando que “Por trás da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva está, sempre, a necessidade de corrigir comportamentos ilícitos, fraudulentos, de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, seja actuando em abuso de direito, em fraude à lei ou, de forma mais geral, com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros” – acórdão de 26.06.2007, processo 07A1274 em www.dgsi.pt.
Também no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.04.2008, pode ler-se o seguinte: (…) “O abuso do instituto da personalidade colectiva tanto ocorrerá nos casos em que o agente actue com intenção específica de ludibriar o credor social, como ainda nos casos em que actue, independentemente da sua intencionalidade, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, como regra de conduta, pelos bons costumes, em particular pela ética dos negócios, ou pelo fim social e económico do direito ou instituto habilitante” – C.J., ano 2008, tomo 2, página 130 e seguintes.
Voltemos ao caso dos autos.
Está provado que o B… foi sócio/gerente da C…, Lda. [sociedade com quem o Autor celebrou contrato a termo certo com início em 01.02.2002], presidente do conselho de administração da sociedade C…, S.A., e sócio maioritário da sociedade D…, Lda. [sociedade com quem o Autor celebrou contrato a termo certo com início em 01.02.2005] – pontos 1,4,8,9,10 da matéria de facto. Mais se provou que enquanto ao serviço das Rés o Autor sempre recebeu ordens do B…, que foi a pessoa que o contratou, subscrevendo os dois contratos de trabalho a termo e que lhe comunicou a cessação dos mesmos – pontos 12 e 13 da matéria de facto. Para além disso, decorre também da matéria de facto dada como provada que o Autor trabalhou 3 anos a coberto do contrato de trabalho a termo celebrado em 01.02.2002 e mais 3 anos a coberto do contrato de trabalho a termo celebrado em 01.02.2005, sem qualquer interrupção – pontos 1,2,3,4,5 da matéria de facto – conduzindo veículos de passageiros no trajecto Porto/Bragança, Bragança/Porto, à excepção do último ano, no qual efectuou também o trajecto Lisboa/Bragança, Bragança/Lisboa – pontos 15 e 16 da matéria de facto – sendo certo que as Rés dedicam-se à actividade de camionagem e transporte de passageiros[teor da certidão junta a folhas 12 e 17 dos autos]. Finalmente, cumpre ainda referir que o contrato de trabalho a termo com início em 01.02.2002, foi celebrado pelo prazo de 12 meses e foi objecto de duas renovações, por igual período, a significar que se o referido contrato não tivesse sido denunciado pela 1ªRé, para o termo do prazo, o mesmo se teria convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado, na medida em que já tinha atingido, em 31.01.2005, os limites previstos no artigo 44º, nº2 da LCCT. O mesmo se diga relativamente ao contrato a termo certo com início em 01.02.2005 (artigo 139º, nº1 do CT/2003).
Ora, de tudo o que se deixou dito podemos afirmar existirem indícios reveladores da intenção de fraude à lei, traduzida no «aproveitamento» da autonomia jurídica de cada uma das Rés/sociedades para celebrar com o Autor uma sucessão de contratos de trabalho a termo certo [primeiramente com a 1ªRé e logo a seguir com a 2ªRé], evitando, deste modo, a conversão do contrato de trabalho a termo certo celebrado em 01.02.2002 em contrato de trabalho sem termo, com o consequente afastamento dos direitos dai decorrentes para o Autor [antiguidade, diuturnidades, e o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa].
Em suma: a factualidade provada permite concluir pela existência de um «abuso da personalidade colectiva», na categoria de atentado a direitos de terceiros [forma indicada pelo Professor Menezes Cordeiro e que atrás fizemos alusão], a justificar o levantamento da personalidade colectiva.
No caso em análise o levantamento da personalidade colectiva das Rés determina que o contrato de trabalho do Autor seja considerado um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início em 01.02.2002, celebrado com a 1ªRé e que continuou com a 2ªRé. É o que Maria do Rosário Palma Ramalho chama de “contitularidade na posição jurídica de empregador, que se reconduz materialmente a um caso de pluralidade de empregadores, na modalidade da pluralidade sucessiva” – Grupo Empresariais e Societários, Incidências Laborais, página 410. Ou seja, a relação laboral estabelecida entre o Autor e a 1ªRé perdurou para além do contrato de trabalho a termo inicialmente celebrado e continuou, desta vez, com a 2ªRé, tudo se passando como se desde o início o contrato de trabalho celebrado fosse um contrato de trabalho por tempo indeterminado [sem esquecermos a realidade, qual seja, a de que o Autor foi das duas vezes contratado pela mesma pessoa, recebeu ordens dessa mesma pessoa o qual sempre dirigiu, juntamente com outro, ambas as Rés, e conduziu, quase sempre, o mesmo veículo e efectuou, quase sempre, as mesmas rotas de viagem].
Aliás, e recorrendo às regras da experiência, podemos afirmar que se o Autor sempre recebeu ordens de uma única pessoa, não parece que ele, Autor, fosse capaz de distinguir, na prática, quanto é que essas ordens eram dadas na veste da 1ªRé ou quando eram dadas na veste da 2ªRé.
Por tais fundamentos, por força do «levantamento da personalidade colectiva», haverá que atribuir às aqui Rés a qualidade de empregadoras [pluralidade de empregadores], sendo, deste modo, ambas as sociedades solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho iniciado em 01.02.2002 (artigo 92º, nº3 do CT/2003).
Não podemos deixar de aqui transcrever as muito oportunas considerações feitas por Maria do Rosário Palma Ramalho quanto ao que acabámos de referir, a saber: (…) “a atribuição da qualidade de empregador às duas entidades envolvidas nas operações de cessação do contrato e de readmissão do trabalhador, pelo método exposto, consubstancia um novo caso de pluralidade de empregadores, não previsto na lei e que não obedece aos requisitos da constituição de um vínculo laboral plural, estabelecidos no art. 92º do CT. A solução proposta consubstancia, de facto, uma situação de contitularidade na posição jurídica de empregador, que se reconduz materialmente a um caso de pluralidade de empregadores, na modalidade da pluralidade sucessiva e a par das situações previstas no art.92º do CT. Contudo, pensamos que o facto de este caso de pluralidade não estar previsto na lei nem obedecer aos requisitos de admissibilidade legalmente previstos para aquela figura não tem aqui um escopo negocial e voluntário, mas um escopo judicial e correctivo – o que, só por si, retira sentido às exigências dos requisitos de forma e do requisito substancial do acordo das partes (art.92º, nº1 alíneas a) a c) do CT). Uma vez admitida a constituição de uma situação de contitularidade da posição de empregador, crê-se que dela são de retirar as devidas consequências, nomeadamente para efeitos da sujeição desta situação ao regime especial de responsabilidade solidária pelos créditos laborais, consagrado no art.92º, nº3 do CT, e que parece poder aqui aplicar-se por analogia” (…) – obra citada, páginas 409/410.
Da prescrição dos créditos do Autor.
Na sentença recorrida consideraram-se prescritos os direitos reclamados pelo Autor referentes ao contrato de trabalho a termo celebrado em 01.02.2002.
Tendo em conta a solução a que se chegou [a existência de um contrato de trabalho sem termo que perdurou até 01.02.2008], temos que concluir não se verificar o prazo de caducidade a que alude o artigo 435º, nº2 do CT/2003, no que respeita aos créditos decorrentes da ilicitude do despedimento – a acção deu entrada em juízo em 21.07.2008 – e também não se verifica o prazo de prescrição a que alude o artigo 381º, nº1 do mesmo Código, relativamente aos créditos reclamados pelo Autor e não relacionados com o despedimento [as Rés forma citadas em 08.09.2008 e 09.09.2008].
O despedimento do Autor.
Ao considerarmos a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, a comunicação que foi dirigida ao Autor pela 2ªRé (ponto 5 da matéria de facto) constitui um despedimento ilícito por não precedido do respectivo procedimento disciplinar (artigo 429º, al. a) do CT/2003).
Os créditos do Autor.
Em primeiro lugar cumpre aqui referir que o apelante não veio pôr em causa no presente recurso a parte da sentença que condenou a 2ªRé nas quantias aí indicadas mas apenas que essa condenação terá de ser solidária. Por isso, vai-se analisar apenas o pedido no que concerne ao período que vai de 01.02.2002 até 31.01.2005 e que não foi atendido na sentença recorrida, mantendo-se tudo o que aí foi decidido e no que respeita ao período que vai desde 01.02.2005 até 01.02.2008.
As diferenças salariais.
Decorre do teor das clªs.1ª de ambos os contratos de trabalho, que o Autor celebrou com as Rés, que as partes acordaram expressamente que à relação laboral estabelecida se aplica o CCT publicado no BTE nº20 de 29.08.1987, 1ªsérie.
Na sentença recorrida considerou-se que ao caso seria aplicável o CCT outorgado entre a ANTROP e a SITRA com as alterações publicadas nos BTE nºs. 20/89, 19/90, 20/92, 20/99 e 27/01.
Tal questão não foi impugnada no recurso, a determinar que os cálculos a efectuar terão em conta o referido na sentença neste particular.
Em 2001 ocorreu a última actualização salarial sendo a remuneração base fixada em 103.000$00 [€ 513,76], com efeitos reportados a Março de 2001.
Tendo em conta a factualidade provada, verificamos que entre Fevereiro de 2002 e 31.01.2005 o Autor recebeu retribuição/base superior à fixada na referida convenção colectiva – ponto 6 da matéria de facto – a determinar, assim, a improcedência do pedido de pagamento de diferenças salariais no que respeita ao período em causa.
As diuturnidades.
Segundo o disposto na clª.37ª nº1 do CCT “Para além da remuneração, os trabalhadores sem acesso obrigatório terão direito a uma diuturnidade de 1.600$00 de três em três anos, até ao limite de seis, que fará parte integrante da retribuição” (…) – BTE nº20 de 29.05.1989 [este montante foi actualizado para o valor de 2.700$00 através da alteração publicada no BTE nº27 de 22.07.2001].
Assim, e em face da matéria provada – ponto 11 – o Autor tem direito a receber uma diuturnidade, a qual se venceu em 01.02.2005, e no montante de € 13,47. Tal diuturnidade é devida desde 01.02.2005 até 01.02.2008, ou seja, durante 42 meses [as diuturnidades devem ser pagas igualmente nos subsídios de férias e de natal dos anos de 2005, 2006 e 2007] e no valor total de € 565,74 (€ 13,47x42).
O reembolso de refeições fora do local de trabalho.
Segundo a clª45ª do CCT, seu nº1, “A empresa reembolsará os trabalhadores deslocados das despesas efectuadas com as refeições que este, por motivo de serviço, hajam tomado fora do local de trabalho para onde tenham sido contratados, pelos valores seguintes: almoço – 650$00; jantar – 650$00”. E prescreve o nº4 da mesma cláusula, que “ o trabalhador terá direito a 160$00 para pagamento do pequeno-almoço sempre que esteja deslocado em serviço e na sequência de pernoita por conta da entidade patronal”. [estes valores foram actualizados para o montante de 1.220$00 – almoço e jantar – e 265$00 – pequeno-almoço – através da alteração publicada no BTE nº27 de 22.07.2001].
O Autor reclamou o reembolso das despesas efectuadas com refeições tomadas fora do local de trabalho. No entanto, não se provou em que dias o Autor, por força da sua deslocação para fora do local de trabalho, tomou essas refeições (pequeno-almoço, almoço e jantar), a determinar, assim, a improcedência deste pedido no que concerne ao período que vai de 01.02.2002 a 31.01.2005 [está provado que os valores das refeições eram descontadas pelo Autor nas verbas obtidas com as vendas de bilhetes, pelo que estava o Autor obrigado a indicar os «concretos» dias em que não foi reembolsado não obstante estar autorizado a proceder ao referido desconto].
O subsídio de agente único.
Esta Secção Social tem entendido, uniformemente, que “o subsídio especial pelo exercício de funções em regime de agente único só é devido em relação ao tempo efectivo de serviço prestado naquela qualidade. Deve, por isso, ser calculado em função do número efectivo de horas prestado naquele regime. A situação não se altera, mesmo que o motorista preste a sua actividade a tempo inteiro naquele regime, uma vez que há que levar em conta as faltas ao serviço, as férias, as baixas por doença, etc. O trabalhador terá, por isso, de alegar e provar o número exacto de horas em que trabalhou no regime de agente único, por se tratar de facto constitutivo do seu direito ao subsídio” (…) – acórdão de 08-07.2002 proferido no processo 427/2002 da 4ªsecção.
Também é essa a posição do STJ – acórdão de 24.02.2002 publicado na CJ, ano 2002, acórdãos do STJ., tomo 2, página 253 e de 10.03.2005 proferido no processo 1512/04 [citado, este último, no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.12.2006, em CJ, ano 2006, tomo 5, página 275 e seguintes].
Ora, e sufragando a posição assumida nos referidos acórdãos, o pedido do Autor terá de improceder no que respeita ao período que vai de 01.02.2002 a 31.01.2005, na medida em que não se provou o número exacto de horas que ele trabalhou no regime de agente único, independentemente de o fazer a tempo inteiro.
O trabalho suplementar.
O Autor alegou que o seu «horário de trabalho» era de 40 horas semanais mas sempre trabalhou 48 horas, já que trabalhava de domingo a sexta-feira, folgando ao sábado, cumprindo 8 horas de trabalho por dia e durante seis dias na semana, acabando por prestar trabalho em dia de descanso – artigos 23, 24, 28 da petição – e peticionando, a título de trabalho extraordinário prestado a quantia de € 26.067,59.
O pedido do Autor neste particular e no que respeita ao período que vai de 01.02.2002 a 31.01.2005 tem de improceder. Expliquemos.
A noção de trabalho suplementar tem a ver com o horário de trabalho e não com o período normal de trabalho: só constitui trabalho suplementar o que é prestado fora do horário de trabalho (artigo 2º do DL nº421/83 de 02.12 e artigo 197º do CT/2003).
Ora, o Autor não alegou qual o seu horário de trabalho, mas antes qual era o período normal de trabalho semanal o que é coisa bem diferente. Ou seja, desconhece-se se todo o período normal de trabalho do Autor se incluía no seu horário de trabalho.
Improcede, pois, o pedido de pagamento de trabalho suplementar.
Os créditos por não gozo de férias.
O Autor alegou que em 2002 não gozou qualquer dia de férias, que em 2003 gozou 20 dias de férias, e em 2004 gozou 9 dias. Reclama o pagamento das férias em falta.
Decorre da matéria de facto dada como provada que o Autor não logrou provar os factos supra indicados, sendo certo que esse ónus lhe cabia – artigo 342º, nº1 do C. Civil.
Improcede, assim, o pedido.
A indemnização por despedimento ilícito.
Já atrás concluímos que o despedimento declarado pela 2ªRé ao Autor é ilícito.
Cumpre fixar, agora, o montante da indemnização.
O Autor requereu a fixação da indemnização em 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção.
Nos termos do artigo 439º, nº1 do CT/2003 “Em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização, cabendo ao Tribunal fixar o montante entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 429º”. O artigo 429º prescreve que “Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e em legislação especial, qualquer tipo de despedimento é ilícito: a) se não tiver sido precedido do respectivo procedimento; b) se se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; c) se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento”.
Da conjugação das citadas disposições legais decorre que na fixação da indemnização a que alude o artigo 439º, nº1 do CT/2003 deve o Tribunal atender, para além de outros elementos, ao grau de ilicitude do despedimento, ou seja, deve o Tribunal a quo atender às causas que conduziram ao despedimento ilícito e indicadas em termos gerais no artigo 429º e em termos especiais no artigo 430º, ambos do CT.
No caso dos autos, a ilicitude do despedimento decorre única e exclusivamente do facto de se considerar a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado em vez de dois contratos de trabalho a termo certo. Igualmente há que considerar o salário base do Autor, à data do despedimento, no montante de € 580,79 mensais [a retribuição mínima mensal garantida era em 2008 de € 426,00 (DL nº397/2007 de 31.12)].
Tudo ponderando, não se justifica a aproximação da indemnização do limite máximo, pois este deve ser aplicado em situações mais gravosas do que a descrita nos autos. Por isso, entendemos que a indemnização deve ser fixada em 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção.
Assim, e tendo em conta que na data do presente acórdão o Autor tem dez anos de antiguidade [contados desde 01.02.2002] a indemnização monta já ao valor de € 5.942,60 (€ 580,79 + € 13,47 = € 594,26x10), e sempre sem prejuízo do disposto na parte final do nº2 do artigo 439º do CT/2003.
Das retribuições a que alude o artigo 437º, nº1 do C. do Trabalho.
O Autor tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde 21.06.2008 (artigo 437º, nº4 do CT/2003) e até ao trânsito em julgado do presente acórdão, e sem prejuízo do disposto no nº3 da citada disposição legal.
Para além da retribuição base auferida pelo Autor, no montante mensal de € 580,79, haverá que considerar que a primeira diuturnidade venceu-se em 01.02.2005, a segunda diuturnidade venceu-se em 01.02.2008 e a terceira diuturnidade em 01.02.2011. Assim, na data do presente acórdão, o vencimento mensal do Autor monta ao valor de € 621,20 [€ 580,79 + (13,47x3diuturnidades = € 40,41)].
A título de retribuições intercalares é devido ao Autor as seguintes quantias:
- Salário correspondente a 10 dias do mês de Junho de 2008: € 202,58 [€ 580,79 + (€ 13,47x2diuturnidades=€26,94) = € 607,73:30 dias = € 20,257 x 10 dias].
- Salários dos meses de Julho a Dezembro de 2008: € 3.646,38 [€ 580,79 + € 26,94 x 6 meses].
- Subsídios de férias e de natal de 2008: € 1.215,46 [€ 607,73 x 2].
- Salários dos meses de Janeiro a Dezembro de 2009: € 7.292,76 [€ 607,73 x 12meses].
- Subsídios de férias e de natal de 2009: € 1.215,46.
- Salários dos meses de Janeiro a Dezembro de 2010: € 7.292,76.
- Subsídios de férias e de natal de 2010: € 1.215,46.
- Salário do mês de Janeiro de 2011: € 607,73.
- Salários dos meses de Fevereiro a Dezembro de 2011: € 6.833,20 [€ 580,79 + (€ 13,47x3diuturnidades = € 40,41) = € 621,20 x 11 meses].
- Subsídios de férias e de natal de 2011: € 1.242,40. [€ 621,20 x 2].
- Salários dos meses de Janeiro a Março de 2012: € 1.863,60 [€ 621,20 x 3 meses].
- 16 dias do salário de Abril de 2012: € 331,31 [€ 621,20:30 x 16 dias].
Total de retribuições até à data do presente acórdão: € 32.959,10.
* * *
Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente, e em consequência se revoga a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré D…, Lda. dos demais pedidos e absolveu a Ré C…, S.A., da totalidade dos pedidos e se substitui pelo presente acórdão, e em consequência se declara ilícito o despedimento decretado pela Ré D…, Lda. ao Autor e se condenam as Rés a reconhecer a nulidade do termo aposto nos contratos celebrados com o Autor, por fraude à lei, e a pagarem, solidariamente, ao Autor
1. A quantia de € 565,74, referente a diuturnidades vencidas desde 01.02.2005 até 01.02.2008;
2. A indemnização a que alude o artigo 439º, nº.1 e nº.2 do CT/2003, e que nesta data monta ao valor de € 5.942,60;
3. As retribuições que o Autor deixou de auferir, desde 21.06.2008 e até ao trânsito em julgado do presente acórdão, e que nesta data montam ao valor total de € 32.959,10, e sem prejuízo do disposto no nº3 do artigo 437º do CT/2003;
4. As quantias indicadas na sentença, no montante total de € 3.250,57.
* * *
Custas da apelação a cargo do Autor e das Rés na proporção de 1/3 e 2/3 respectivamente.
* * *
Porto, 16.04.2012
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro

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