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quarta-feira, 2 de maio de 2012

CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES ELEMENTOS TÍPICOS ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 12-03-2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1444/10.5GBGMR.G1
Relator: LUÍSA ARANTES
Descritores: CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
ELEMENTOS TÍPICOS
ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12-03-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE

Sumário: Sendo elemento típico do crime de consumo de estupefacientes que a detenção, para consumo próprio, daquelas substâncias seja superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias e não constando da acusação tal elemento, nem da mesma se extraindo, a conduta imputada ao arguido não integra o crime pelo qual foi deduzida acusação, pelo que esta é manifestamente infundada.


Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO
Nos autos n.º1444/10.5GBGMR, finda a fase de inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido Tiago F..., nos seguintes termos [transcrição]:
“No dia 09.02.2010, pelas 19:45, na Rua M, Selho, nesta comarca, o arguido, de forma voluntária, detinha e conservava consigo com o peso bruto de =8= gramas que continha Haxixe e = 1= grama de cannabis, facto que foi constado por uma patrulha de Guarda Nacional Republicana local constituída pelos agentes André C... e Fábio X..., abaixo identificados.
Na verdade, no dia, hora e local já referidos, aqueles agentes abordaram o Tiago F... por suspeitarem ser este possuidor de qualquer produto estupefaciente, uma vez que estava referenciado como tal.
Sabia o arguido das características e natureza estupefaciente do produto que possuía ou detinha e que destinava a seu exclusivo consumo pessoal.
Agiu deliberadamente, com intenção de consumir o produto cuja natureza e características não ignorava, bem sabendo que a sua conservação não autorizada lhe estava pessoalmente vedada.
Agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
*
Constituiu-se assim na autoria material de um crime de consumo de substancias estupefacientes p. e p. no art° 40° n° 1 do D.L. n° 15/93 de 22.Janeiro.”
Distribuídos os autos ao 2ºJuizo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por despacho judicial de 6/9/2011, a acusação foi rejeitada por ser considerada manifestamente infundada, ao abrigo do disposto no art. 311.º, n.ºs 2, al. a) e 3, al. d) do C.P.Penal.
Inconformado com a decisão, o Ministério Público recorreu da decisão, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1 - A Mma. Juiz do 2.° Juizo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães proferiu despacho rejeitando a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido Tiago F..., pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, p. e. p. pelo artigo 40.º, n.º 1, do Decreto lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, por considerar que os factos nela descritos não consubstanciavam a prática de qualquer crime, pelo que a acusação era manifestamente infundada, nos termos do disposto no artigo 311.°, n.º 2 al. a), e n.º 3 aI. d), do Código de Processo Penal;
2 - Todavia, entende o Ministério Público que os factos constantes da acusação, são suficientes para que tal crime seja verificado e que, a dar-se como provados, levarão inevitavelmente à condenação do arguido;
3- De facto, da análise dos factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público resultam preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime de consumo de substancias estupefacientes;
4 -Tendo a rejeição da acusação fundamento no facto de, não existir exame do LPC da Policia Judiciária, em que conste o principio activo em causa da substância apreendida, constatando-se que tal rejeição não tem fundamento, conforme resulta do disposto no artigo 311.° do Código de Processo Penal, que limita a possibilidade de rejeição da acusação às situações nele previstas;
5 - Assim, considerando que factos descritos na acusação como consubstanciadores da prática de um tipo de ilícito, ainda que se entenda que falta um meio de prova para alicerçar tal acusação, a Mma. Juiz deveria ter recebido a acusação e, se assim o entendesse, aquando da realização do julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 340.°, n.º 1 do Código de Processo Penal, solicitava o exame em falta;
6- A Mma. Juiz, ao rejeitar a acusação sem que se verificasse o fundamento de rejeição, violou o disposto no artigo 311.° do Código de Processo Penal.
O arguido respondeu ao recurso, sustentando a sua improcedência [fls.20 a 123].
Admitido o recurso e fixado o seu efeito, foram os autos remetidos a esta Relação, onde o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que se pronunciou pelo provimento do recurso [fls.132 a 134].
Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, o arguido respondeu em que manteve a posição assumida anteriormente de que o recurso deve ser julgado improcedente [fls.137 a 140].
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTÇÃO
Decisão recorrida
É do seguinte teor o despacho recorrido:
“I – O Tribunal é competente.
O Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
*
II – Registe e autue como processo comum com intervenção do tribunal singular.
*
III – Rejeito a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido Tiago F..., com os sinais nos autos, pelas razões que se passam a expor:
Nos presentes autos de processo comum singular, vem imputada ao arguido a prática de um crime de consumo de substâncias estupefacientes, p. e p. pelo art. 40º, n.° 1, do DL. n.° 15/93 de 22.01.
Na referida acusação consta, no que para a decisão ora em apreço importa, que o arguido, na data e local ali mencionados, de forma voluntária, detinha e conservava consigo com o peso bruto de 8 gramas que continha Haxixe e 1 grama de cannabis, facto que foi constatado por uma patrulha (...) sabia o arguido das características e natureza estupefaciente do produto que possuía ou detinha e que destinava a seu exclusivo consumo pessoal (...).
Como resulta do disposto no artigo 311°., n.° 1, do CPP, “recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”; e se “o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha nomeadamente no sentido - a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada” (n.º 2), entendendo-se como tal a acusação cujos factos descritos não constituam crime (n.° 3, al. d)).
Vejamos.
Compulsados os autos constata-se que não foi efectuado exame laboratorial ao produto apreendido ao arguido.
Com efeito, o único exame que foi realizado a tal produto foi o teste rápido cujo respectivo auto consta de fls. 12, sendo que neste auto consta que o referido teste não dispensa o exame laboratorial.
Assim, em bom rigor, não existe nos autos exame do LPC que identifique o produto em causa nos autos e, também, não existe nos autos a identificação e a quantificação do teor estupefaciente da substância em causa.
Face ao teor do teste rápido de fls. 12, não tendo sido identificado o produto em causa pelo LPC, nem tendo sido quantificada a percentagem do principio activo, nem tão pouco identificados os componentes do produto aludido, é evidente que não podemos socorrer, sequer, dos valores indicativos constantes do mapa anexo à Portaria n.º 94/96, uma vez que os referidos no dito mapa indicam a quantificação do principio activo da substância em questão, enquanto o referido exame, obviamente, a esse respeito nada diz e é inexistente o exame do LPC.
Destarte, dos factos alegados, ocorridos em 9.2.2010, não se pode concluir que o arguido detinha para consumo, estupefacientes em quantidade superior a 10 doses diárias.
Face ao exposto, não recebo a acusação deduzida contra o arguido Tiago F..., ao abrigo do disposto no art. 311º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d), do CPP, por manifestamente infundada, por os factos não constituírem crime.
Sem custas.”

Apreciação
De harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 412.º do C.P.Penal e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, só podendo o tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.
Face às conclusões apresentadas, a questão a apreciar neste recurso traduz-se em saber se a acusação podia ter sido rejeitada por manifestamente infundada, ao abrigo do disposto no art. 311.º n.º 2 al. a) e n.º 3, al. d) do C.P.Penal.
Estabelece o art.311.º n.º 2 do C.P.Penal que “Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
-a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;
-b) de não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 284º e do n.º 4 do artigo 285º, respectivamente”.
E o nº 3 do mesmo artigo dispõe que “Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
a) quando não contenha a identificação do arguido;
b) quando não contenha a narração dos factos;
c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam;
d) se os factos não constituírem crime”
O arguido foi acusado pela prática de um crime de consumo de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º40.º n.º1 do DL n.º15/93, de 22/01.
Nos termos do art. 40.º do DL n.º15/93:
"1. Quem consumir ou, para seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.
2. Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.
3 - (... )".
Em 1 de Julho de 2001 entrou em vigor a Lei n.º30/2000, de 29/11, que veio definir o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes, preceituando no art.2º, sob a epígrafe "Consumo":
"1. O consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação.
2. Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias".
E o art. 28.º da mesma Lei dispõe que “São revogados o artigo 40.º, excepto quanto ao cultivo e o artigo 41.º do Decreto Lei 15/93, bem como as demais disposições que se mostrem incompatíveis com o presente regime”.
Operada pela citada Lei n.º30/2000 a descriminalização da aquisição ou detenção de produtos estupefacientes, para consumo próprio, de quantidade não superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, já a aquisição ou detenção daqueles produtos, para o mesmo fim mas em quantidade superior àquela, levou a que surgissem várias posições, quer na doutrina quer na jurisprudência, quanto à questão da qualificação jurídica da respectiva conduta:
-uma tese que, fazendo uma interpretação restritiva do art.28.º da Lei n.º30/2000, entendeu manter-se em vigor o art.40.º do DL n.º15/93 para os casos de aquisição e detenção de estupefacientes para consumo próprio em quantidade superior a 10 doses diárias.
-outra orientação entendeu que todos os casos de consumo integravam contra-ordenação ao abrigo da Lei n.º30/2000, independentemente das quantidades de droga em causa;
-uma terceira orientação defendeu que, sendo imperativo o período fixado no art.2.º n.º2 da Lei n.º30/2000, a detenção de estupefacientes em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante um período superior a 10 dias integrava um crime de tráfico (arts.21.º ou 25.º da Lei n.º15/93, conforme os casos);
-uma quarta tese, sustentou que a situação não era punível, sob pena de violação do princípio “nullum crimen sine lege”, não integrando nem o crime de tráfico nem a contra-ordenação do art.º2 n.º2.
Face a esta panóplia de posições, o Supremo Tribunal de Justiça veio a fixar a seguinte jurisprudência: “Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei 30/2000, o artigo 40.º/2 do Decreto Lei 15/93, manteve-se em vigor não só «quanto ao cultivo» como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias e preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”, - Acórdão n.º8/2008, publicado no D.R. de 5.8.2008, Série I-A.
Perante este acórdão de fixação de jurisprudência e revertendo ao caso dos autos, para o arguido incorrer no crime de consumo de estupefacientes é necessário o preenchimento dos seguintes elementos objectivos:
-a aquisição ou detenção de substância compreendida na Tabela I a IV, anexa ao DL n.º15/93, de 22-1;
-destinar tal substância ao seu consumo pessoal;
-a quantidade detida ou adquirida exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
Nos termos da acusação “o arguido, de forma voluntária, detinha e conservava consigo com o peso bruto de =8 gramas= que continha Haxixe e =1 grama= de cannabis (...).
Sabia o arguido das características e natureza estupefaciente do produto que possuía ou detinha e que destinava a seu exclusivo consumo pessoal.”
Não há qualquer referência na acusação ao peso líquido das substâncias apreendidas (aliás nem sequer foi feito exame pelo LPC, existindo tão-só um teste rápido que apenas identifica a presença de substância estupefaciente nos produtos apreendidos), quando é certo que os consumidores finais compram os produtos estupefacientes já depois de terem sido objecto de corte, tão-pouco menciona se se tratava de folhas e sumidades floridas ou frutificadas, resina ou óleo no que se reporta à cannabis, factos que são essenciais para determinar o limite quantitativo máximo para o consumo médio individual diário, quer se defenda que este conceito deve ser preenchido caso a caso, perante o tipo de estupefaciente em causa, o grau de adição do consumidor, o modo de consumo ou que deve ter-se por base o mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03 (no qual se atende ao princípio activo) – cfr. Ac.R.Guimarães de 30/1/2012, in www.dgsi.pt, relatado pela Desembargadora Maria Augusta.
Não se alega na acusação deduzida que o arguido detinha haxixe e cannabis para consumo próprio em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias nem sequer, atenta a quantidade bruta de haxixe e cannabis que o arguido detinha (8 gramas e 1 grama), é possível retirar tal conclusão.
A questão não reside, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, na não realização de exame laboratorial pelo LPC (que em bom rigor devia ter sido efectuado conforme decorre do art.62.º do DL n.º15/93, de 22-1), mas antes na falta de alegação de factos que consubstanciam um dos elementos objectivos do crime imputado ao arguido.
Sendo elemento típico do crime de consumo de estupefacientes que a detenção, para consumo próprio, daquelas substâncias seja superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias e não constando da acusação tal elemento, nem da mesma se extraindo, a conduta imputada ao arguido não integra o crime pelo qual foi deduzida acusação, pelo que esta é manifestamente infundada.
Refira-se ainda que, caso constassem da acusação todos os elementos típicos do crime de consumo de estupefacientes, sempre a qualificação jurídica teria de ser feita pelo n.º2 do art.40.º do DL n.º 15/93, de 22-1, pois a quantidade detida inferior ao consumo médio individual para 10 dias não integra crime mas antes contra-ordenação.
Por todo o exposto, mantém-se a decisão recorrida.

III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, mantendo consequentemente a decisão recorrida.
Sem custas.
(texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários).

Guimarães, 12/3/2012

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/6a2fdec25914be44802579c7003f6020?OpenDocument

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