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sexta-feira, 4 de maio de 2012

SEGURO AUTOMÓVEL SOBRESSEGURO - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 24/04/2012


Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
32/10.0T2AVR.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
SEGURO AUTOMÓVEL
SEGURO FACULTATIVO
SOBRESSEGURO
INVALIDADE
NULIDADE DO CONTRATO
OBJECTO DO CONTRATO DE SEGURO
VALOR REAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
LIMITE DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA

Data do Acordão: 24-04-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA

Sumário :

I - Verifica-se uma situação de sobresseguro sempre que, ab initio ou no decurso do contrato, o objecto do seguro tenha um valor inferior ao declarado, ou seja, um valor inferior àquele pelo qual se encontra seguro.
II - A questão do sobresseguro e a consagração do principio do indemnizatório, que vinha sendo objecto de expressa regulação no art. 435.º do CCom, é actualmente regulada pelo DL n.º 72/2008, de 16-04, o qual no seu art. 132.º diz que “se o capital seguro exceder o valor do interesse seguro é aplicável o disposto no artigo 128.º, podendo as partes pedir a redução do contrato” sendo precisamente este art. 128.º que mantém, na legislação nacional relativa ao contrato de seguro, a consagração do princípio do indemnizatório, referindo que “a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro”.
III - Em caso de sobresseguro (originário ou posterior), o contrato deve, por força do principio do indemnizatório, na forma em que este se encontra consagrado na legislação sobre seguros, ser considerado ferido de invalidade na parte excedente, ou seja, na parte em que o valor exceda o do objecto segurado – arts. 128.º e 132.º, n.º 1, do DL n.º 72/2008.
IV - A justificação para esta realidade normativa não pode deixar de ter presente o principio segundo o qual o dever de indemnizar visa colocar o lesado na posição que teria se não fosse o dano, significando isto que o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido – principio geral contido no art. 562.º CC –, não podendo nunca constituir um meio de proporcionar um injustificado enriquecimento do lesado, ter um carácter especulativo ou. muito menos. constituir um modo fraudulento de enriquecimento patrimonial.
V - As razões da regulamentação da questão do sobresseguro (ou seguro excedente) devam ser, como são, consideradas verdadeiras razões de ordem pública, destinadas à salvaguarda do princípio do indemnizatório, daí resultando que se deva considerar ferida de nulidade absoluta toda a parte do valor contratualmente coberto que exceda o valor do objecto segurado.
VI - A limitação da obrigação de indemnizar ao montante real do objecto seguro decorre, directa e exclusivamente, do disposto no art. 128.º do DL n.º 72/2008.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. AA intentou a presente acção declarativa com forma ordinária, pedindo a condenação da Ré BB a pagar-lhe a quantia de € 50.775,00, com juros desde a citação.
Alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de seguro de danos próprios, relativamente a um veículo automóvel pelo valor seguro de € 45.000,00, com franquia de € 1.000,00 e que tendo tal veículo sofrido acidente de viação (despiste), quando era conduzido pelo pai da Autora, foi o mesmo considerado como perda total.
Inicialmente a R propôs entregar-lhe a quantia de € 36.350,00 vindo depois e reduzir esse valor para € 15.250,00 por entender que o veículo tinha o valor de € 23.900,00 (sendo € 5.650, os salvados, e € 1.000,00, a franquia), facto que a Autora não aceita, por ter pago prémio, considerando o valor atribuído de € 45.000,00, valor que reclama, acrescendo indemnização pela privação de veículo, no montante de € 5.775,00.

A Ré contestou, afirmando que a indemnização emergente de contrato visa a indemnização pelos danos efectivamente sofridos e não proporcionar-lhe qualquer enriquecimento.
Mais alegou que a Autora, aquando da celebração do negócio, indicou como valor do veículo € 45.000,00, valor que a Ré, de boa fé, aceitou, tendo apurado depois, em consequência da participação efectuada que o valor do mesmo era de € 23.900,00, valor que, excluída a franquia e salvados (€ 7.650,00), se propôs pagar-lhe, promovendo o estorno à Autora do valor dos prémios de seguro cobrados em excesso.
A Autora replicou, invocando o DL 214/97 para considerar que a Ré deve pagar o valor contratado, acrescentando que, aquando da celebração do contrato com a Ré, lhe prestou todas as informações que lhe foram solicitadas.
Foi proferida sentença que julgou a acção “parcialmente procedente e, absolvendo a Ré do demais peticionado, condena-se a mesma a pagar à A. a quantia de € 15.250, 00”.
A Autora interpôs recurso de apelação na sequência do qual foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no qual, na procedência da apelação, se decidiu fixar o montante a pagar pela R à A em € 36350,00.

II. Desta decisão interpôs a R BB o presente recurso de revista no qual alega, em síntese, que:
a) Não obstante a factualidade provada demonstrar que o veículo seguro não valia mais de € 23900 o tribunal veio a fixar uma indemnização que teve em conta o valor de € 45000, declarado pela A;
b) Lembrando que ninguém pode ser indemnizado por valor superior ao dano sofrido conclui que a decisão recorrida acaba por consubstanciar uma situação de enriquecimento ilícito.

III. Factos provados.

1 - A Autora celebrou com a aqui Ré um contrato de seguro de Responsabilidade Civil e Danos Próprios Ramo Automóvel titulado pela apólice 000000000000, em 18 de Abril de 2008, para a viatura de matrícula 00-00-00, com diversas coberturas, incluído a cobertura de choque colisão ou capotamento, mediante o pagamento dum prémio de seguro semestral de € 405,71, prémio este, que a Autora sempre liquidou à Ré, logo que lhe foi solicitado (al. A).

2 - Do referido contrato de seguro faz parte a cobertura Choque, Colisão ou Capotamento para a dita viatura 00-00-00, de marca Mercedes, modelo 000000000, sendo o valor seguro de € 45.000,00, com uma franquia no valor de € 1.000,00. (doc. de fls. 12) – al. B).
3 - A Autora participou o sinistro à aqui Ré que, a após a vistoria aos danos da viatura, entendeu face à gravidade e extensão dos danos, que a opção económica e técnica era a perda total da viatura 00-00-00 (al. C).
4 - Os salvados da viatura foram avaliados pela Ré em € 7.650,00. (doc. de fls. 11) – al. D).
5 - A Ré, em 2 de Fevereiro de 2009, de acordo com o contrato, propôs-se pagar à Autora a quantia de € 36.350,00 (€45.000,00 – €7.650,00 – €1.000,00) – enviando uma carta à Autora, com o seguinte texto: “Na sequência da vistoria da viatura em referência…conclui-se que os danos sofridos no veículo tomam a sua reparação desaconselhável, pelo que a indemnização deverá ser estabelecida em dinheiro.
Atendendo a que a apólice tem cobertura facultativa de Choque, colisão ou capotamento, o montante calculado é de 45.000,00 €, de acordo com o estabelecido nas Condições Gerais da Apólice, art.º 2, n.º 2, alínea b), ao qual há a deduzir a franquia contratual de 1.000,00 € e valor do salvado.

Ao veículo acidentado foi atribuído o valor de 7.650,00 €, pelo que o montante de indemnização será de 36.350,00 €.
Realçamos que, na qualidade de proprietário, pode dar ao veículo o destino que entender conveniente e caso pretenda proceder à sua comercialização, pelo valor acima referido, poderá fazê-lo, através da entidade abaixo referida, que se compromete a adquiri-lo por aquela quantia.
O valor estabelecido é válido por 70 dias, tendo em conta que neste prazo é entregue toda a documentação necessária à respectiva tramitação da viatura acidentada, remetendo para os nossos serviços fotocópias do Livrete e Título de Registo de Propriedade” (al. E).
6 – De imediato a Autora iniciou as diligências no sentido de preparar a documentação para entregar à Ré, a fim de ser ressarcida dos seus prejuízos (Facto aditado, nos termos permitidos pelo art.º 712º, do C. P. Civil, por se encontrar provado por acordo expresso das partes nos articulados – art.º 14º da p.i. e 1º da contestação).
7 - Em 11 de Março 2009, a Ré, por carta enviada à sua segurada, propõe pagar à Autora/segurada o montante de € 15.250,00 (valor do veículo € 23.900,00 – valor salvado € 7.650,00 – franquia € 1.000,00) – doc. de fls. 10 (al. F).

8 - A Ré, em 14 de Fevereiro de 2009, apesar de saber que a viatura estava completamente destruída, ainda se prontificava para cobrar um prémio de seguro, sempre baseada no capital de 45.000,00 euros, com aplicação da tabela de desvalorização em vigor no contrato, pelo que enviou à Autora o aviso de pagamento de prémio para o semestre de 28/03/2009 a 27/09/2009, agora com um prémio de € 423,40. (Doc de fls. 9) – al. G).
9 - O montante contratado de capital seguro para a cobertura de Choque, Colisão ou Capotamento da viatura 00-00-00 é de € 45.000,00, tendo sido sobre este valor que a Autora pagou o prémio e também foi sobre este valor que a Ré recebeu esse mesmo prémio – (al. H).
10 - A Autora procedeu à venda do veículo seguro em 30 de Março de 2009, data em que o transmitiu a sociedade Godony Industria Material Contra Incêndio Lda., (doc. de fls. 29) – al. I).
11 - O veículo da Autora apresentava danos que determinaram a sua perda total – (resposta ao 5º da BI).
12 - Por força dos danos apresentados no veículo, a Autora viu-se impossibilitada de o utilizar – (resposta ao 6º da BI).
13 - E sem dinheiro para a substituição da mesma no imediato – (resposta ao 7º da BI).
14 - A Autora esteve impossibilitada de utilizar aquele veículo nas suas deslocações profissionais e particulares – (resposta ao 8º da BI).
15 - O pai da Autora adquiriu, depois, um veículo automóvel cujo uso cedeu àquela – (resposta ao 9º da BI).
16 – Na sequência da participação referida em C), os serviços da Ré verificaram que o veículo da Autora não tinha o valor de € 45.000,00 – (resposta ao 11º da BI).
17 - Os serviços da Ré consideraram que o veículo da Autora, por ser do ano de 2002, tinha o valor de € 23.900,00 (resposta ao 12º da BI).
18 - Os “salvados” do veículo foram avaliados pela Ré em € 7.650,00 (resposta ao 13º da BI).
19 - Sem que a Autora nada tenha esclarecido à Ré dessa divergência entre o valor do objecto seguro ao tempo da apresentação dessa proposta e o montante do capital que viria a contratar (resposta ao 14º da BI).
20 - Sendo certo que a Autora – que acabara de proceder à importação do veículo para Portugal e à sua legalização neste país – não desconhecia que existia essa diferença (resposta ao 15º da BI).
21 - A Autora indicou como valor do veículo € 45.000,00, tendo o mediador de seguros aceite esse valor (resposta ao 15º da BI).


IV. Do mérito:
A questão que se colocou na acção e se mantém neste recurso traduz-se na quantificação/extensão da responsabilidade da R (seguradora) perante a A (segurada) decorrente da alegada verificação de um dano coberto por contrato de seguro do ramo automóvel que abrange os danos próprios do veículo segurado, contrato esse em que o capital seguro é superior ao valor da viatura segurada.
Por via desse contrato de seguro e de acordo com a factualidade provada, a R obrigou-se perante a A a indemnizar os danos que para esta adviessem em resultado de choque, colisão ou capotamento, até ao limite do capital seguro, no caso € 45.000,00, valor este declarado pela A como sendo o valor do veículo na altura da celebração do contrato e aceite pelo mediador de seguros (ponto 21 dos factos provados).
Acontece, porém, que na sequência da participação do sinistro, e após uma primeira declaração expressa de aceitação da obrigação de indemnizar pelo montante relativo ao capital seguro, veio a seguradora a verificar que o real valor do veículo não era o valor declarado de € 45000 mas sim um valor estimado em € 23900, circunstancia que era do conhecimento da A (pontos 16, 17, 19 e 20 dos factos provados).


Estamos perante a verificação de uma situação típica de sobresseguro[1], situação que se verifica sempre que “ab initio”ou no decurso do contrato o objecto do seguro tenha um valor inferior ao valor declarado ou seja um valor inferior àquele pelo qual se encontra seguro e é nesta perspectiva, e não em qualquer outra, que a questão suscitada no recurso tem e deve ser analisada.
Relativamente a esta figura do “sobresseguro” ou “seguro excedente” recordamos que a natureza e função exclusivamente indemnizatória[2] dos seguros de risco (ou seguros contra danos) – assente no principio de que o segurado deve ser ressarcido dos prejuízos efectivamente sofridos até ao limite da cobertura da apólice – conduziu a que a generalidade das ordens jurídicas europeias viesse, já nas codificações de direito comercial do século XIX[3], a inserir na legislação sobre seguros a figura do sobresseguro, consagrando, em simultâneo e com base nos mesmos princípios e fundamentos, um principio legal (principio do indemnizatório) segundo o qual o seguro só é válido dentro do valor segurável entendido este como o valor real do objecto seguro[4].
Na legislação nacional a questão do sobresseguro e a consagração do principio do indemnizatório, que vinha sendo objecto de expressa regulação no artigo 435º do Código Comercial[5], é actualmente regulada pelo Decreto-lei nº 72/2008, de 16 de Abril[6], o qual no seu artigo 132º (sobresseguro) diz que “se o capital seguro exceder o valor do interesse seguro é aplicável o disposto no artigo 128º, podendo as partes pedir a redução do contrato” sendo precisamente este artigo 128º que mantém na legislação nacional relativa ao contrato de seguro a consagração do princípio do indemnizatório referindo que “a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro”.
Perante o especifico tratamento da questão na legislação nacional em vigor não têm, na situação concreta, sentido relevante para a decisão os argumentos que estão na base da divergência entre as decisões contrárias das instancias e que tem a ver com as diferentes consequências por elas extraídas das duas sucessivas reacções da R seguradora à participação de sinistro efectuada pela A.
Vejamos o que se passou.
Da matéria de facto resulta que na sequência da participação do acidente sofrido, a R propôs à A, em 2 de Fevereiro de 2009, por carta enviada à sua segurada, pagar-lhe a quantia de € 36.350,00 (€45.000,00 (valor do veículo) – €7.650,00 (valor dos salvados) – €1.000,00 (franquia) – (ponto 5 dos factos provados).
Posteriormente, e depois de ter averiguado e constatado que o valor real do veículo não era o declarado no contrato de seguro, em 11 de Março 2009 a Ré enviou, em 11 de Março do mesmo ano uma segunda carta à sua segurada, propondo-lhe pagar apenas o montante de € 15.250,00 (€ 23.900,00 (valor do veículo) – € 7.650,00 (valor dos salvados) – € 1.000,00 (valor da franquia) – (ponto 7 dos factos provados).

Perante esta factualidade assente a decisão proferida em 1ª Instancia entendeu que a segunda proposta apresentada pela Ré à Autora, não configura uma retratação ou revogação da anterior, mas sim a invocação de factos novos determinantes da invalidação da proposta anterior (resultante de factos dos quais tomou conhecimento em momento posterior à primeira declaração).
Diz aquela sentença que “ao emitir a primeira proposta de atribuição de valor indemnizatório com base em informação errada que lhe foi fornecida pela A, sabendo esta da sua desconformidade com a realidade, labora em erro e, invalidando tal proposta com a invocação do motivo por que o faz, está a lançar mão do expediente de anulação, por força do disposto no art.º 247º (erro) ou mesmo por força do disposto nos artºs 253º e 254º Código Civil (dolo), o que também veio invocar nestes autos quando alegou os factos que servem de fundamento a tal vício de vontade (art.º 287º Código Civil)”.
Sendo assim, conforme invocado pela Ré e demonstrado (cf. supra factos descritos em 15, 16, 18 a 20), verifica-se vício de vontade, senão dolo, pelo menos o erro do art.º 247º Código Civil, relevante porque essencial à apresentação da primeira proposta (o valor do veículo que a Ré tomou como correspondente ao valor real) e porque a A não poderia ignorar a essencialidade desse facto falso na formação da vontade da Ré”.
Com base nestes argumentos a sentença condenou a R seguradora a indemnizar a A com base no valor real do veículo e não com base no valor declarado no contrato de seguro.
Por sua vez o Tribunal da Relação no douto acórdão recorrido entendeu que a Ré se limita a alegar a desconformidade do valor do carro seguro e do seu valor real e o seu desconhecimento de tal facto no momento em que faz a proposta que está na origem do contrato, sem, no entanto, extrair qualquer efeito jurídico dessa alegação.
Na tese do acórdão recorrido a R “não manifesta, por forma alguma, a sua vontade de ver invalidado o contrato celebrado, pelo que não pode o tribunal conhecer da eventual anulabilidade do mesmo, sob pena de exceder os seus poderes cognitivos, violando as limitações impostas pelo art.º 660º, n.º 2, do C. Civil”.
Com estes fundamentos revoga a decisão ora recorrida a sentença de 1ª Instancia, condenando a R a pagar uma indemnização cujo montante foi fixado com base no valor declarado no contrato.
Não se leva em conta (na decisão ora recorrida) que, apesar do contrato de seguro estar sujeito, como qualquer outro contrato, às causas de nulidade e anulabilidade previstas no Código Civil, e ali exaustivamente analisadas, existem, por força da própria natureza desse contrato comercial, causas especificas determinantes da sua nulidade total ou parcial.
È precisamente entre elas que se encontra aquela que nos indica expressamente que em caso de sobresseguro (originário ou posterior) o contrato deve por força do principio do indemnizatório, na forma em que este se encontra consagrado na legislação sobre seguros, ser considerado ferido de invalidade na parte excedente[7], ou seja na parte em que o valor exceda o do objecto segurado[8] – artigos 128º e 132 nº 1 do Decreto lei nº 72/2008, de 16 de Abril[9].
Se procurarmos uma justificação para esta realidade normativa não podemos deixar de ter presente o principio (estruturante da nossa ordem jurídica) segundo o qual o dever de indemnizar visa colocar o lesado na posição que teria se não fosse o dano, significando isto que o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido – principio geral contido no artigo 562º CC – não podendo nunca constituir um meio de proporcionar um injustificado enriquecimento do lesado, ter um carácter especulativo, ou muito menos constituir um modo fraudulento de enriquecimento patrimonial[10], sendo oportuno, apesar de constituir principio de valoração omnipresente, lembrar a este propósito que o direito nunca pode ser desagregado de sentido ético nem tão pouco da boa fé que constitui, aliás um principio estruturante da nossa ordem jurídica.
São precisamente os argumentos acima invocados que conduzem a que as razões da regulamentação dada na nossa ordem jurídica à questão do sobresseguro (ou seguro excedente) devam ser, como são, consideradas verdadeiras razões de ordem pública[11] destinadas à salvaguarda do princípio do indemnizatório[12] daí resultando que se deva considerar ferida de nulidade absoluta toda a parte do valor contratualmente coberto que exceda o valor do objecto segurado[13].
No caso concreto, a limitação da obrigação de indemnizar ao montante real do objecto seguro decorre directa e exclusivamente do disposto no artigo 128º do Decreto-lei nº 72/2008[14], de 16 de Abril, sendo de todo irrelevante qualquer consequência que se pudesse querer tirar da primeira posição que foi assumida pela seguradora, cujos termos se encontram no ponto 5 dos factos provados.


V. – Decisão – nos termos expostos acorda-se em conceder a revista e, revogando-se a decisão recorrida, condena-se a R BB nos precisos termos em que havia sido condenada na sentença de 1ª Instancia[15].

Custas (neste recurso de revista e na apelação) pela A aqui recorrida.

Lisboa, 24 de Abril de 2012


Mário Mendes (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

___________________
[1] Sobre este assunto vide na doutrina (entre outros) José Vasques “O Contrato de Seguro” Moitinho de Almeida “O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado”, Guerra da Mota “O Contrato de Seguro Terrestre” e Arnaldo Pinheiro Torres “Ensaio sobre o Contrato de Seguro” e na jurisprudência os Acórdãos deste STJ de 25/2/1949 – BMJ nº 11 pagina 247 -, de 2/11/1962 – BMJ 121 pagina 340 – de 2/11/1976 – BMJ 261, pagina 126 e de 9/12/1992 - BMJ 422 pagina 394.
[2] Como de forma exemplar se escreve no acórdão deste STJ de 2/11/1962 (v. nota 1) “no contrato de seguro, que é um contrato de risco, garantia e conservação do património do segurado e não de aquisição de lucro a indemnização parece como reparação ou ressarcimento do dano sofrido”.
[3] Caso do nosso Código Comercial.
[4] A diferença que se verifica no tratamento desta matéria entre as legislações europeias reside no facto de caso de a verificação do sobresseguro resultar de declaração fraudulenta algumas dessas legislações preverem a nulidade total do contrato – caso de Itália, França e Alemanha – ou preverem que o segurador fica desobrigado – caso da lei Suíça – enquanto que noutros casos – Bélgica e Portugal não distinguirem entre sobresseguro doloso e não doloso consagrando-se apenas um principio de limitação da responsabilidade ao valor do objecto ao tempo do sinistro até à concorrência da quantia segura.
[5] Que se mantém em vigor apesar do estatuído, para situações diferentes das aqui em análise, no Decreto-lei nº 214/97, de 16 de Agosto (vulgo Lei Sócrates).
[6] Revogou expressamente o artigo 435º CCom – artigo 6º nº 2 alínea a).
[7] Referia o acórdão deste STJ, de 25 de Fevereiro de 1949 – (BMJ 11/218) que “para obstar a que o seguro tenha por parte do segurado fim lucrativo, dispõe o artigo 435º do Código Comercial que excedendo o seguro o valor do objecto segurado, só é valido até à concorrência desse valor”.
[8] Sobre esta matéria vide Adriano Garção Soares – “Contrato de Seguro”, “I Congresso Nacional de Direito de Seguros – Memórias”, edição Almedina.
[9] De acordo com estas disposições legais o principio do indemnizatório determina num primeiro momento que o valor do capital seguro não deve ser superior ao valor do interesse seguro (proibição do sobresseguro) e, num segundo momento, que o valor da indemnização não seja superior ao valor do interesse lesado (valor dos danos).
[10] Já em 2/11/1962 o acórdão deste STJ publicado no BMJ nº 121, pagina 312/313, decidia que o contrato de seguro contra riscos não pode ter fins lucrativos nunca podendo a indemnização ser superior aos prejuízos sofridos, salientando que o contrario seria contra a própria natureza do contrato.
[11] Idênticas às que estão subjacentes ao disposto no artigo 1146º nº 3 do Código Civil.
[12] Considerando a estruturação sistemática da Lei do Contrato de Seguro o principio do indemnizatório apenas é válido nos seguros de danos – Título II.
[13] A consagração do principio da proibição do enriquecimento do segurado à custa do segurador (entre nós principio do indemnizatório) encontra-se primitivamente no paragrafo 1983 do Preussiches Algemeins Landrecht, de 1794, onde consta que “pelos seguros o segurado deve apenas proteger-se contra danos, e não procurar enriquecer”.
[14] Aplicável ao caso uma vez que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009 – artigo 2º nº 2. Ainda que assim não fosse sempre a decisão deveria ir neste mesmo sentido por força do que dispunha, no mesmo sentido o artigo 435º do Código Comercial.
[15] Ainda que com diferentes fundamentos.


http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0d1678bf96bc3b63802579ed003a421a?OpenDocument

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