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quinta-feira, 3 de maio de 2012

PROCESSO ESPECIAL DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS, SEGURADORA, CONTRATO DE SEGURO - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 13/03/2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2471/11.0TBGMR.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 13-03-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário: 1 – Os dados recolhidos pela seguradora, nas instalações do segurado, para análise laboratorial, cujas conclusões foram decisivas para o relatório final do processo interno de averiguações, não se revelam confidenciais, pelo que devem ser facultados para exame, quando requeridos pelo segurado, para apuramento do seu direito.


Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

F…Lda demandou a Companhia de Seguros… pedindo a entrega de fotocópias de um relatório e duns exames laboratoriais relativos à recolha e análise de vestígios recolhidos no seu estabelecimento onde ocorreu um incêndio e que serviram de fundamento para uma decisão de rejeitar uma indemnização oriunda dum contrato de seguro multirriscos celebrado entre ambas, porque concluiu que se estava em presença dum acto de vandalismo.
A autora solicitou as cópias do relatório e dos exames que fundamentaram a decisão e a ré recusou alegando que se tratava de documentação confidencial.
A ré defende-se por impugnação e alega factos no sentido de que a autora foi informada durante o processo de investigação de forma sumária do que se passou e que esteve na origem da decisão da ré.

O tribunal entendeu que se estava apenas em presença duma questão de direito, fixou a matéria de facto que considerou essencial ao abrigo do processo especial previsto no artigo 1476 a 1478 do CPC. e julgou a acção improcedente porque se estava perante documentação confidencial particular da ré que continha juízos de opinião que justificam a recusa.

A autora inconformada com o decidido interpôs recurso de apelação formulando conclusões.
Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.

Cumpre decidir.
Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões, a saber:
1 – Impugnação na vertente do facto
1.1– Dar como não provados os factos consignados na decisão recorrida a partir da alínea i) porque não houve confissão, nem os documentos juntos aos autos vinculam a autora.
2 – Impugnação na vertente do direito
2.1 – Se a ré realizou os exames laboratoriais e se foram decisivos para a recusa da indemnização a que a autora se julga com direito.
2.2 – Se é de revogar a decisão recorrida por falta de justificação fundamentada da recusa.

Vamos conhecer das questões enunciadas.
1.1 – O processo em causa é de jurisdição voluntária regulado nos termos do artigo 1476 a 1478, conjugados com as disposições gerais consagradas nos artigos 1409 a 1411 todos do CPC.
De acordo com estes normativos são apenas admitidos dois articulados, a petição inicial e a contestação, onde as partes devem indicar logo os meios de prova.
Porém, quando no último articulado for deduzida matéria de excepção ou forem juntos documentos, a estes processos são aplicáveis as regras do disposto no artigo 463 do CPC, onde se prevêem as regras reguladoras para os processos especiais. E, segundo este normativo, são de aplicar as regras específicas dos processos especiais, seguidas das disposições gerais e comuns e, subsidiariamente, as regras do processo ordinário.
Assim, no caso em apreço, incumbia à autora, ao abrigo do disposto no artigo 502 (réplica) do mesmo diploma deduzir oposição à matéria excepcional e aos documentos juntos aos autos, sob pena de serem admitidos por acordo os factos e válidos os documentos vinculando a autora nos termos do direito aplicável.
No caso em apreço a autora não deduziu oposição nem à matéria excepcional que julgamos existente a partir do artigo 6.º da contestação, em que a ré alega um conjunto de factos que visam impedir o exercício do direito da autora e nem aos documentos juntos. O que quer dizer que ao abrigo do disposto no artigo 490 n.º 2 do CPC esses factos articulados na contestação estão admitidos por acordo, pelo que o tribunal os podia considerar provados, como o fez.
No que concerne aos documentos, também serão considerados válidos e vinculativos nos termos do artigo 373 e seguintes do C.Civil. Como estamos perante documentos que não foram assinados pela autora, apenas podem ser valorados livremente pelo tribunal nos termos do artigo 366 do C.Civil.
Assim julgamos que o tribunal, face à ausência de oposição à contestação, fixou a matéria de facto de acordo com as regras acima explanadas, devendo manter-se.

Damos como assente a matéria de facto consignada na decisão recorrida, que passamos a transcrever:
a) A autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de reparação e manutenção de veículos automóveis;
b) no âmbito dessa actividade e tendo em vista acautelar o seu património, mobiliário e imobiliário, a Autora celebrou com a Ré um contrato de seguro do ramo ”Multi-riscos PME`S”, (pequenas e médias empresas), titulado pela apólice n.º 9422/2106/94;
c) por efeito do contrato de seguro, a Ré obrigou-se a cobrir determinados riscos nas instalações da Autora sita na …, parque industrial … Vizela, mediante o pagamento do correspondente prémio por parte da Autora;
d) de entre os riscos e coberturas garantidas no presente contrato de seguro, conforme resulta expressamente das condições particulares da apólice junta em anexo, englobam-se os casos de incêndio, queda de raio e explosão até ao limite do capital seguro, ou seja, 80.000,00 EUR;
e) no dia 25 de Agosto de 2010 ocorreu nas referidas instalações da Autora um incêndio;
f) na sequência, a Autora prontamente participou à Ré o referido sinistro, para que esta, agindo em conformidade com o contrato de seguro, pudesse inspeccionar o local, bem como colher todos os elementos necessários à averiguação das causas do sinistro e ao valor dos danos;
g) em 03/11/2010, a ré enviou à Autora a carta nos termos da qual informou a Autora que:
“Após a análise atenta de todos os elementos recolhidos por peritagem somos a informar que decidimos recusar a ocorrência referenciada em assunto, por não se enquadramento nas garantias da vossa apólice n.º 1002106/464; aquela nossa posição suporta-se no facto de não ter sido subscrita a cobertura facultativa de Actos de Vandalismo, única cobertura onde a ocorrência em causa se poderia enquadrar, tendo em atenção as conclusões das análises laboratoriais às amostras recolhidas no local onde se iniciou o fogo.”;
h) a Autora, interpelou a Ré no sentido de esta a informar quais eram as concretas razões com base nas quais declinava a sua obrigação de indemnizar.
i) após a participação do sinistro pela A. à aqui Ré, foi por esta incumbida à empresa A…Services, a obrigação de proceder à averiguação do sinistro acabado de participar.
j) Por sua vez, tal empresa, após a 1ª visita que realizaram ao local sinistrado, dia 27 de Agosto de 2010, sentiu necessidade de requisitar os serviços da empresa I…, S.L., a fim de ser apurado, por técnicos especialmente vocacionados e treinados, para o apuramento das causas/origem de incêndios.
k) Foram várias as vezes que os peritos quer de uma, quer da outra empresa, visitaram o local sinistrado, instalações/sede da A., falando, inclusivamente, directamente com o Sr. J… ou com o seu filho, J…, sócio gerente da empresa segurada, aqui A..
l) Paralelamente, após a entrada de tal participação junto daquele organismo, foi (como é em qualquer outro caso de participação/queixa junto do ISP), a Ré obrigada a responder àquele organismo, com elementos e factos devidamente fundamentados que segue sempre cópia para o reclamante nos termos legais,
m) resposta essa fornecida pela aqui Ré ao ISP onde se apresentam todas as causas do sinistro aqui em discussão. que levaram à não assumpção da responsabilidade: “… A equipa de peritagem nomeada para o efeito concluiu, após análise de todos os elementos recolhidos no local que, o sinistro teve origem num incêndio tendo também averiguado que muito provavelmente o mesmo ocorreu devido a um acto humano intencionado, com aplicação de fonte de calor externa no interior de habitáculo de automóvel existente no local em que o segurado desenvolve a sua actividade, existindo forte possibilidade de ter sido utilizado um acelerante de combustão. (…) não se tendo verificado nem comprovado qualquer incidente eléctrico no veículo, nem nas proximidades que pudesse ter originado o sinistro. Assim sendo, e uma vez concluído que o incêndio teve origem num acto humano intencionado, não se poderá enquadrar na definição de incêndio que consta na cobertura contratada, a qual o define como “combustão acidental, com desenvolvimento de chamas, estranha a uma fonte normal de fogo”.
n) a exclusão geral constante no art. 5º, segundo a qual não estão garantidos os» prejuízos que derivem directa ou indirectamente de: (…) e) Actos de vandalismo ou de sabotagem, mesmo que deles resulte dano eventualmente abrangido pela cobertura de qualquer dos riscos garantidos pela Apólice”(…)”;
o) o Relatório de Averiguação foi realizado por uma empresa terceira à aqui Ré, A… Services;
p) a ré pagou á A… Services;
q) o relatório referido em o) foi um elemento base e fundamental à instrução do processo interno gerido pela Ré, do qual resultou a decisão comunicada e devidamente fundamentada à A. em declinar o sinistro.

2.1 – O tribunal, na decisão impugnada, refere expressamente que a ré não realizou os exames laboratoriais que a autora alude na petição inicial e faz parte do seu pedido. A autora insurge-se contra este fundamento da decisão, argumentando que a ré explicita este facto na decisão que lhe comunicou a recusar a indemnização.
E isto consta do alegado no artigo 13.º da petição inicial que a ré admitiu como verdadeiro no artigo 3.º da contestação. Na verdade, nesse artigo 13.º consta que a decisão de recusa em indemnizar se fundou em todos os elementos constantes do processo de averiguações, incluindo as “conclusões das análises laboratoriais às amostras recolhidas no local onde se iniciou o fogo”. Em face disto temos de concluir que o objecto do pedido engloba também a cópia de todo o processo de análises laboratoriais às amostras recolhidas no local onde se iniciou o fogo. Pois os fundamentos em que a decisão recorrida se sustentou para as afastar estão errados como o explicitamos.
2.2 – O tribunal recorrido julgou improcedente a acção porque entendeu que se estava perante um relatório conclusivo referente a um processo interno de averiguações dum acidente ocorrido no âmbito dum contrato de seguro, em que explanou ou pode ter explanado juízos que não devem ser expostos sob pena de se violar a confidencialidade dos mesmos. O que quer dizer que julgou justificada a recusa da ré em apresentar o documento para tirar cópia (artigo 574 nº.1 do C.Civil). Além disso, frisou que se a autora pretendia esclarecimentos sobre as causas que levaram à recusa já tomou conhecimento delas ao longo do processo.
O pedido da autora é mais abrangente, englobando o relatório e as análises laboratoriais aos elementos recolhidos no local do incêndio e que a ré realizou e cujo resultado foi decisivo para a fundamentação do relatório em que decide não atribuir a respectiva indemnização, por julgar que se não verifica um incêndio enquadrável nos riscos assumidos na apólice de seguro.
A autora pretende ter acesso, essencialmente, aos resultados das análises laboratoriais na medida em que são o fundamento das conclusões do relatório. São elas que explicam de forma técnica e com grau de cientificidade elevado as causas da ocorrência do incêndio. Com o seu conhecimento a autora consegue saber se as conclusões a que a ré chegou a convencem ou não. E é esta dúvida que a autora pretende ver desfeita, com a possibilidade de poder confrontar estes elementos com técnicos avalizados para o efeito. E daí sossegar o seu espírito, avançando com uma acção se considerar que a interpretação dos dados não é a mais correcta ou manter-se inactiva se julgar o oposto.
Os resultados das análises, pela sua natureza, apenas apresentam dados e conclusões de natureza técnico-científica que estão na base da fundamentação do relatório conclusivo, que fazem parte do processo de averiguações, desenvolvido no contexto do contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré. Este instrumento de trabalho utilizado pela ré tem como finalidade apurar os elementos que julgue necessários para se habilitar a atribuir e determinar o montante indemnizatório ou a fundamentar uma recusa, como foi o caso. Apesar de ser um processo interno, não deixa de produzir efeitos externos, isto é, que se reflectem nos segurados, ao abrigo do contrato de seguro. O que quer dizer que esse processo não pode ser visto apenas como um processo de interesse exclusivamente da ré seguradora, mas também dos segurados, enquanto envolvidos nas conclusões do seu resultado.
Se o segurado, por força do contrato, está vinculado a colaborar na realização desse processo de investigação, no âmbito do princípio da boa fé e colaboração, a seguradora tem o dever de facultar o processo ao segurado, para a sua análise, em tudo o que envolva os seus direitos e não conflitue com direitos ou interesses de terceiros, que possam estar envolvidos, em nome do princípio da transparência e lealdade, expressão da boa fé na execução do contrato.
No caso em apreço, os elementos recolhidos para análise dizem apenas respeito a elementos existentes nas instalações da autora. O processo utilizado é de natureza técnico científico, pelo que o relatório conclusivo não é mais do que o resultado de todos estes dados, que dizem respeito à autora, cujos juízos de valor inferidos pela ré são a expressão interpretativa, não envolvendo elementos de terceiro nem outros de interesse da ré, que não possam ser conhecidos pela autora. O que quer dizer que estamos perante uma realidade que não merece a protecção da confidencialidade, como o defendeu o tribunal recorrido. Pois estes dados não conflituam com os interesses específicos da ré ou de terceiros, mas antes são o produto duma actividade que a ré, por princípio, utiliza para formar a sua decisão. Daí que o segurado seja interessado também nesse processo e tenha o direito de aceder às informações inerentes ao processo de averiguações, em que ele próprio participa.
Por outro lado, as informações prestadas neste processo não atingem o cerne da questão, que se traduz em conhecer os resultados das análises laboratoriais e o relatório final do processo de averiguações. E serão estes dados que podem elucidar definitivamente a autora e não meras informações sem a sua fundamentação como é o que consta do processo.
Assim julgamos que se não está perante dados confidenciais, pelo que o interesse jurídico da autora é mais relevante que o da ré, devendo prevalecer, não se mostrando devidamente justificada a recusa (artigo 574 n.º 1 do C.Civil)

Mas como o pedido abrange a cópia do relatório de peritagem e das conclusões laboratoriais às amostras recolhidas e a lei permite apenas o exame (artigo 574 n.º 1 e 575 do C.Civil), julgamos que este deve cingir-se à consulta destes elementos, podendo a autora tirar os apontamentos que julgue necessários para satisfação do seu interesse.

Concluindo: 1 – Os dados recolhidos pela seguradora, nas instalações do segurado, para análise laboratorial, cujas conclusões foram decisivas para o relatório final do processo interno de averiguações, não se revelam confidenciais, pelo que devem ser facultados para exame, quando requeridos pelo segurado, para apuramento do seu direito.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e condenam a ré a facultar à autora exame do relatório de peritagem e das conclusões laboratoriais às amostras recolhidas, cujo dia e hora deverão ser fixados pelo tribunal recorrido.
Custas a cargo da ré.
Guimarães, 13/03/2012

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