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terça-feira, 10 de julho de 2012

DIREITO DE VISITA DOS AVÓS - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 03-03-1998



Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98A058
Nº Convencional: JSTJ00032915
Relator: SILVA PAIXÃO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
DIREITO DE VISITA

Nº do Documento: SJ199803030000581
Data do Acordão: 03-03-1998
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N475 ANO1998 PAG705
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4217/97
Data: 02-10-1997
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM. DIR CONST - DIR FUND.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: L 84/95 DE 1995/08/31.
CCIV66 ART1885 ART1886 ART1887 ART1887-A ART1905 ART1918.
CONST89 ART36 N5 N6.
CPC67 ART2 N2 ART26 N1 N2.

Sumário : Os avós têm legitimidade para intervirem no processo de regulação do exercício do poder paternal, e, invocando o artigo 1887-A do CCIV66, obterem a regulamentação do seu direito de visita ou direito de convívio.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. A e mulher, B, invocando o disposto no artigo 1887-A do Código Civil, vieram pedir, no processo de regulação do exercício do poder paternal relativo à menor C, sua neta (Processo n. 5109 da 3. Secção do 2. Juízo do Tribunal de Família de Lisboa), que não fossem impedidos de a ver, nem fosse impedida a ida da menor a sua casa, sem prejuízo dos direitos que assistem aos seus progenitores, alegando, em síntese:
Com um mês de idade, a menor, juntamente com os seus pais, ficou a viver na casa dos Requerentes, tendo sido a avó quem a criou até aos dois anos e meio.
Depois desta idade, a menor foi viver com os pais noutra casa, mas continuou a passar os fins de semana e as férias em casa dos requerentes e a permanecer aqui sempre que adoecia.
Mesmo após a separação dos pais, ocorrida quando a C tinha 3 anos, este "modus vivendi" manteve-se até a menor perfazer 11 anos.
A partir desta idade, com o casamento da mãe, a quem foi confiada a custódia da C, os Requerentes ficaram impossibilitados de a ver, estando-lhes vedado, inclusivamente, o simples contacto telefónico com a neta.
2. Ouvido o Curador, a pretensão foi indeferida, com fundamento na "manifesta ilegitimidade" dos Requerentes, decisão que a Relação de Lisboa confirmou, por Acórdão de 2 de Outubro de 1997.
3. Ainda irresignados, os Recorrentes recorreram para este Supremo, pugnando pela revogação desse Aresto e defendendo serem partes legítimas.
4. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu douto parecer, pronunciando-se pela legitimidade dos Requerentes.
Foram colhidos os vistos.
5. Saber se os Requerentes de providência tutelar em apreço são partes legítimas, eis a questão - única - que importa resolver.
Questão que, adiantemo-lo desde já, merece resposta afirmativa.
Vejamos.
6. Antes das alterações introduzidas no Código Civil pela Lei n. 84/95, de 31 de Agosto, só era possível conceber um direito de relacionamento entre os avós e o menor - à margem da vontade dos seus pais -, quando este se encontrasse numa das situações contempladas no artigo 1918 - perigo para a sua segurança, saúde, formação moral ou educação.
Fora dessas hipóteses, a nossa jurisprudência sempre negou aos avós o "direito de visita", sob o pretexto de que tal "direito", além de não estar consagrado no nosso ordenamento jurídico, integrava o poder paternal, que, por imperativo do então n. 3 do artigo 1905 (eliminado por aquela Lei), pertencia exclusivamente ao progenitor que não tinha guarda do menor.
7. Tal situação, porém, foi radicalmente modificada com a Lei n. 84/95, ao aditar o artigo 1887-A, deste teor:
"Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes".
Este normativo acabou por introduzir, no fim de contas, de modo expresso, um limite ao exercício do poder paternal (cfr. artigo 36 ns. 5 e 6 da Constituição da República e artigos 1885 a 1887 do Código Civil), proibindo os pais de impedir, sem justificação plausível, o normal relacionamento dos filhos com os avós - hipótese que aqui importa ter em conta.
Reconhecendo que as relações com os avós são da maior importância para os netos, ao menos em princípio, quer pela afectividade que recebem, quer pelo desenvolvimento do espírito familiar que proporcionam, o legislador consagrou "um direito de o menor se relacionar" com os avós, que poderá ser designado por "direito de visita".
Com este "direito de visita", genericamente entendido como o estabelecimento de relações pessoais entre quem está unido por estreitos laços familiares, pretendeu-se tutelar a ligação de amor, de afecto, de carinho e de solidariedade existente entre os membros mais chegados da família.
Na verdade, é preciso não esquecer que, em regra, o relacionamento do menor com os avós contribui decisivamente "para a sua formação moral" e da sua personalidade ainda em embrião e "constitui um meio de conhecimento das suas raízes e da história da família, de exprimir afecto e de partilhar emoções, ideias e sentimentos de amizade".
Por outro lado, "os avós têm em relação aos netos um papel complementar ao dos pais, embora de natureza diferente. Enquanto que os pais assumem uma função predominantemente de autoridade e de disciplina em relação aos filhos, o papel dos avós é quase exclusivamente afectivo e lúdico, satisfazendo a necessidade emocional da criança de se sentir amada, valorizada e apreciada".
Além disso, nos dias de hoje, nas famílias em que ambos os progenitores exercem uma actividade profissional fora do lar, surgem cada vez mais situações em que os avós "desempenham um papel de substituto dos pais" durante a ausência destes, assumindo, concomitantemente, uma função educativa de primacial importância social (cfr. Maria Carla Sottomayor, "Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de
Divórcio", 1997, páginas 15, 16, 21 e 47, e J.C. Moitinho de Almeida, "Reforma do Código Civil", 1981, páginas 165 e 166).
8. Convém acentuar, entretanto, que o artigo 1887-A não consagra, unicamente, um direito do menor ao convívio com os avós. Reconhece, também, um direito destes ao convívio com o neto.
Assim, embora atribuindo especial relevância jurídica à importância que a ligação com os avós tem para o menor, não deixa de tutelar, de igual modo, o interesse dos próprios avós na convivência com o neto.
De salientar, ainda, que "o direito de visita" concedido aos avós neste normativo não só não se confunde com o "direito de guarda" e correspondente exercício do poder paternal, como nem sequer lhes confere os mesmos "poderes" que cabem ao progenitor sem a guarda do menor.
O "direito de guarda" e o "direito de visita" são, portanto, dois direitos distintos, com objecto, finalidade e natureza jurídica diferentes, sendo mais amplo o círculo dos potenciais beneficiários deste último.
O "direito de visita" é um "direito particular", um "direito subjectivo" resultante de uma "realidade humana e biológica" - como é o parentesco -, que a lei não pode ignorar, e alicerçado na afeição e amor reciprocamente sentidos, em geral, entre pessoas do mesmo sangue e muito próximas entre si.
Trata-se, repete-se, de um direito autónomo relativamente ao "direito de guarda", não sendo, por conseguinte, nem uma "faceta" nem uma "consequência" do poder paternal (cfr. Maria Clara Sottomayor, op. cit., páginas 15, 18 e 19).
9. O "direito de visita" previsto no artigo 1887-A assume particular relevo nos casos de ruptura ou de desagregação da vida familiar - quer se trate de divórcio ou de separação dos pais, quer de morte de um deles -, na medida em que estes "abalos" geram, as mais das vezes, um afastamento forçado entre o menor e os avós.
É que, não raro, o progenitor sobrevivo ou o que fica a deter o poder paternal impede o normal relacionamento do menor com os pais do outro progenitor - tal como foi denunciado nos autos.
Frisa-se, no entanto, que "o direito de visita" dos avós não se encontra circunscrito aos casos de ruptura entre os progenitores.
Mesmo quando o menor vive com ambos os pais, estes não podem impedir, injustificadamente, o convívio entre ele e os avós.
E, se o fizerem, os avós poderão, então, recorrer a juízo, para obterem o reatamento da ligação com o neto.
10. Subjacente ao normativo em apreço, está a presunção de que o convívio com os avós é não só positivo, salutar e enriquecedor para o menor, como necessário para o equilibrado e são desenvolvimento da sua personalidade.
Ora, presumindo a lei que a ligação, entre os avós e o menor é benéfica para este, incumbirá aos pais - ou ao progenitor sobrevivo ou que ficou a deter o poder paternal - a prova de que, no caso concreto, esse relacionamento ser-lhe-á prejudicial.
De todo o modo, no confronto do interesse do menor com o interesse dos avós, prevalecerá sempre o do primeiro.
O que significa que o interesse do menor condiciona "o direito de visita" dos avós, podendo conduzir à sua limitação ou mesmo supressão, quando seja susceptível de lhe acarretar prejuízos ou de o afectar negativamente.
Em caso de conflito entre os pais e os avós do menor, o interesse deste último será, assim, o critério decisivo para que seja concedido ou denegado o "direito de visita".
11. Determinando o artigo 1887-A que os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os ascendentes e entendido este dispositivo como consagrando, também, a tutela do interesse dos próprios ascendentes na convivência com o neto - como escrevemos em 8 -, seria de todo em todo incongruente que, verificando-se a proibição do convívio com os avós, se lhes negasse legitimidade para recorrerem a tribunal solicitando as providências tendentes à obtenção do reatamento dessa relação.
Ao direito da visita reconhecido aos avós nesse preceito, terá de corresponder, nos termos do n. 2 do artigo 2 do Código de Processo Civil, "a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo" e "a prevenir ou reparar a violação dele".
E, dispondo o artigo 26 do mesmo Diploma, nos seus ns. 1 e 2, que "o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar" - interesse que se exprime "pela utilidade derivada da procedência da acção" -, é óbvio que os Requerentes, tendo invocado a violação daquele seu direito, são, na situação ajuizada, directamente interessados na "demanda", cuja procedência inegavelmente lhes aproveita.
Havendo, portanto, proibição de relacionamento entre a menor C e os Requerentes - seus avós paternos, que, como consta de 1, com ela conviveram estreitamente até aos 11 anos de idade -, a tutela dos interesses em jogo pressupõe e reclama que estes últimos possam vir a juízo pedir a decretação das providências adequadas ao restabelecimento da sua convivência com a neta, nas condições de tempo e de lugar a fixar pelo tribunal.
O que significa que, no caso, os Requerentes têm legitimidade para intervirem no "processo de regulação do exercício do poder paternal" e, invocando o artigo 1887-A, obterem a regulamentação do seu direito de visita (cfr., expressamente neste sentido, Maria Clara Sottomayor, op. cit., páginas 20, 22 e 25).
12. Logo, face ao exposto, o Acórdão impugnado (e com ele, claro está, a decisão da 1. instância) não pode subsistir.
Em consequência, dando-se provimento ao agravo, julgamos os Requerentes partes legítimas.
Sem custas, tanto nas instâncias como neste Supremo.
Lisboa, 3 de Março de 1998.
Silva Paixão,
Fernando Fabião,
César Marques.
Decisões impugnadas:
I - 2. Juízo - 5. Secção do Tribunal Familiar de
Lisboa - Processo n. 5109-B/96;
II - Tribunal da Relação de Lisboa - 6. Secção - Processo n. 4217/97.




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