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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO ARTICULADO MOTIVADOR PROCESSO DISCIPLINAR JUNÇÃO PRAZO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 16.09.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
450/12.0TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
ARTICULADO MOTIVADOR
PROCESSO DISCIPLINAR
JUNÇÃO
PRAZO

Nº do Documento: RP20130916450/12.0TTGDM.P1
Data do Acordão: 16-09-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: O prazo de 15 dias para a junção do articulado motivador e do processo disciplinar é um prazo peremtório, pelo que, se incumprido, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador [art. 98.º-J, n.º 3, do CPT].
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 450/12.0TTGDMP1 REG. Nº 300
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. Paula Maria Roberto
Recorrente: B…
Recorrida: C…, Lda.
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I – RELATÓRIO
1.
B… intentou, ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra C…, LDA, opondo-se ao seu despedimento ocorrido em 11.09.2012.
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2.
Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
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3.
A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT, alegando que o despedimento do Autor é lícito, uma vez que foi despedido com justa causa nos termos do disposto no artigo 128º e 351º, nº1 e 2, alíneas d) e e) do Código do Trabalho, pois o comportamento do autor torna impossível com efeitos imediatos a subsistência da relação de trabalho, posto que o trabalhador não cumpriu as ordens do emprego, tendo ainda furtado da loja onde prestava serviço dois pares de sapatos.
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4.
O Autor por requerimento de 02-11-2012 (folhas 65 a 73) alegou que os documentos juntos pela Ré – folha 39 a 62 – em 31.10.2012 – em que se inclui o procedimento disciplinar - foram apresentados fora de prazo a que alude o nº 4 do artigo 10º da Portaria nº 1147 2008, de 6 de Fevereiro, pelo que deve ser dado cumprimento ao disposto no artigo 98º-J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, declarando, ainda, que opta pela indemnização em substituição da reintegração, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contando-se desde 23/10/2012, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado.
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5.
Respondeu a Ré alegando que ao ter junto os documentos exigidos pelo artigo 98º-J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, não tem aplicação a respectiva sanção.
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6.
O Autor respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, invocando.
a) A caducidade do direito de a Ré aplica ao Autor qualquer sanção, uma vez que quando toma conhecimento do despedimento em 11.09.2012 já havia decorrido o prazo de 30 dias pós a resposta á nota de culpa;
b) Na presente acção a Ré invoca factos que não se encontram insertos na nota de culpa ou na decisão de despedimento, pelo que, a atendendo ao disposto nos artigos 98º-J, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e 387º, n.º 3 e 357º, n.º 4 do Código do Trabalho, tais factos não devem ser considerados para efeitos de sustentação da justa causa do despedimento do Autor;
c) Negou a prática dos actos que lhe foram imputados no procedimento disciplinar.
Concluiu pela ilicitude do seu despedimento, tendo, ainda, deduzido reconvenção, através da qual peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe:
i. Uma indemnização, pela qual opta em detrimento da sua reintegração, de valor nunca inferior a € 6.300,00;
ii. As prestações pecuniárias que o Autor auferiria até ao trânsito em julgado da decisão;
iii. A quantia de € 2.394,70 a título de subsídio de férias vencidas relativas a 2011, férias não gozadas relativas a 2011 (sete dias), subsídio de natal 2012 (proporcionais), férias e subsídios de férias de 2012 (proporcionais).
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7.
Foi realizada uma audiência preliminar onde o Tribunal a quo sobre a questão suscitada pelo trabalhador e aludida no ponto 4. proferiu o seguinte despacho:
“Temos por correcta a posição do trabalhador, no sentido de que o artigo 98º-J do C.P.T. sob a epígrafe “Articulado do empregador” determina que se o empregador não juntar o procedimento disciplinar, o Juiz declara a ilicitude do despedimento.
Obviamente que o artigo em causa, estabelecendo a paridade entre o procedimento disciplinar e o articulado fundamentador, se refere à apresentação dos mesmos no prazo para que o empregadora foi notificado nos termos do artº 98º I, nº 4 do C.P.T., ou seja, no prazo de 15 dias (ainda que tal apresentação se possa processar nos termos da remessa dos actos a tribunal.
Acontece porém, no presente caso, que obedecendo a apresentação do articulado inicial às cominações estabelecidas no referido artº 98º-I, impõe-se que a parte seja notificada nos termos do referido nº4, alínea a), devendo o empregador ser advertido das cominações estabelecidas no nº3 do artº 98º- J.
Compulsados os autos, nomeadamente a notificação feita à empregadora constante de fls. 12, esta não foi notificada da cominação para a falta da apresentação do articulado e do procedimento disciplinar.
Assim sendo foi cumprida uma nulidade processual que equivale à falta de citação.
Importaria, como consequência dai decorrente que fosse anulado todo o processo a partir da referida notificação. No entanto a referida nulidade encontra-se actualmente suprida com a apresentação do processo disciplinar a fls. 39 e seguinte.
Pelo exposto, considero a apresentação do procedimento disciplinar tempestiva em virtude da nulidade estabelecida para a notificação que lhe foi feita a fls. 12.”
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8.
Após o Autor fez o seguinte requerimento:
“No requerimento relativamente ao qual foi tomada a douta decisão ora proferida alega-se que a junção do procedimento disciplinar e demais documentos foram apresentados fora do prazo referido na portaria que regulamenta a entrega electrónica de peças processuais, bem como para além do prazo estabelecido, excepcionalmente, no artigo 145º, nº 5 do C.P.C., termos em que se pedia o seu desentranhamento.
Na decisão ora proferida não se abarca esta temática, ocorrendo omissão de pronúncia, o que só por si consubstancia nulidade.
Nestes termos, requer-se que seja aclarado o referido despacho no sentido de se tais alegações são irrelevantes para o sentido da decisão proferida, e bem assim requer-se se declare o mesmo despacho nulo por omissão de pronúncia.”
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9.
Sobre o requerido o Tribunal a quo, por despacho referência 666245, tomou a seguinte posição:
“A fls. 105, o Trabalhador requereu a aclaração e arguiu a nulidade da decisão de fls. 104 (que considerou tempestiva a junção do procedimento disciplinar).
Decidindo:
Porque as razões são coincidentes, consideraremos apenas a arguição de nulidades (até porque o despacho não é contraditório oi ininteligível).
Pretende o arguente que, tendo sido alegado, no seu requerimento de fls. 65 e relativamente à intempestividade da junção do processo disciplinar pela Empregadora, que a junção desse procedimento excedeu o prazo de 5 dias previsto no nº 4 do art. 10º da Portaria nº 114/08, de 6.2 e no nº 5 do art. 145º do CPC, alegação cujo conhecimento foi omitido no despacho em crise.
Não tem razão, salvo o devido respeito.
Com efeito, ficou decidido no despacho em causa que, por falta de notificação da cominação, o prazo de 15 dias previsto no art. 98º-I do CPT ainda nem sequer se tinha iniciado à data da apresentação voluntária do processo disciplinar.
Assim sendo, a questão suscitada ficou completamente prejudicada, pois jamais poderia considerar-se praticado após o termo do prazo um acto praticado antes do início desse mesmo prazo. Se o acto foi praticado cedo, não pode ter sido tardio.
Ora, a omissão de decisão só acarreta nulidade quando a omissão seja absoluta e a decisão relevante. Já não assim quando a questão tenha ficado prejudicada pelo solução dada a outras questões.
Termos pois, em que vai desatendida pretensão.
Porque a falta de fundamento do incidente é manifesta, dada a evidencia dos factos, vai o arguente Trabalhador condenado na taxa de Justiça sancionatória de 1 (uma) UC.
Notifique.”
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10.
O Autor veio por requerimento de folhas 113 a 116 arguir a nulidade do despacho referido no ponto anterior.
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11.
Por despacho referência 669707 não foi admitida a aludida nulidade, com o fundamento de que, sendo admissível recurso, deveria ser sido o mesmo interposto.
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12.
Foi realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova pessoal.
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13.
Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Termos em que julgo procedente a acção e, consequentemente declaro ser lícito o despedimento de que o Autor trabalhador foi alvo por parte da Ré em 27 de Outubro de 2010.
Consequentemente, julgo parcialmente procedente ao pedido reconvencional, condenando a Empregadora “C…, Lda.”, a pagar ao trabalhar B… o montante de € 1.544,18, a título de férias e subsídios de férias e de Natal.
Não vislumbramos razões para concluir pela litigância de má-fé de qualquer dos litigantes.
Custas da reconvenção pelo trabalhador e empregadora na proporção do decaimento.
Valor da reconvenção (que prejudica o da acção): € 10 794,70.
Registe e notifique.”
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14
Inconformado com esta decisão e com a aludida no ponto 7, delas recorre o Autor, tendo, ainda, arguido a nulidade da sentença.
14.1. Da Nulidade da Sentença
Alega que:
(i) A sentença padece de vício de falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão (Alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil);
(ii) De vício de oposição entre fundamentos e decisão (Alínea c) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil);
(iii) E de vício de omissão de pronuncia sobre questões que devia apreciar (Alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil).

Quanto ao primeiro dos vícios alega que “na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer” – cfr. artigo 659º, nº3 do Código de Processo Civil. Sucede que, na sentença recorrida não consta, sendo absolutamente omissa, esta análise crítica das provas, o que consubstancia uma omissão na fundamentação de facto, o que conduz à nulidade da Sentença.
No que concerne ao vício de oposição entre fundamentos e decisão é patente a sua existência relativamente à matéria atinente à caducidade do direito de despedimento. Com efeito, a este respeito é dado como provado que “Por carta datada de 3 e registada com A/R a 6 de Agosto de 2012, endereçada para a morada supra referida em 3°, a Empregadora remete ao Trabalhador a sua decisão de despedimento, com fundamento nos factos constantes da nota de culpa” (Artigo 6º dos Factos Provados), sendo que a morada em questão é “Rua …, .., ….-… Porto”.
Ora a morada da habitação do ora Apelante é Rua …, .., .º, ….-… Porto conforme consta da sua resposta à nota de culpa e a que faz referência o artigo 5º dos factos Provados. Em consonância é dado como provado que “Esta carta veio devolvida ao remetente” (Artigo7º dos Factos Provados).
Assim, é culpa da entidade patronal que o ora Apelante não tivesse recepcionado aquela carta com a decisão de despedimento, como alegou que não recepcionou (Vide artigos 14º e 15º da sua Contestação), uma vez que a mesma foi remetida para um endereço errado. Aliás, isto é patente no depoimento da Testemunha D… (Entre as 16:15:57 e as 17:03:50), que foi o instrutor do procedimento disciplinar, e que assume o erro quanto ao endereço (Vide desde 17:47 até 19:06 do seu depoimento), confirmando a informação constante da carta devolvida de desconhecimento de endereço (Vide desde 19:06 até 23:01 do seu depoimento) e afirmando não pensar que o carteiro tenha mentido ao apor tal informação na carta devolvida (Vide desde 24:03 até 27:50 do seu depoimento).
Ora, apesar disto, e apesar de na Douta sentença estar patente a afirmação de que” Daqui poderemos concluir que a data da decisão é aquela em que o empregador a colocou à disposição do trabalhador, ainda que este a não tenha conhecido por culpa não imputável ao empregador”, o certo é que daqui não é retirada a consequência lógica de se entender que a recepção da carta pelo trabalhador não ocorreu, e por culpa da entidade patronal, mas, ao invés, e referindo-se a” razões desconhecidas” para a não recepção da referida carta, dá por atempadamente tomada a decisão de despedimento, não considerando caducado o direito ao despedimento.
Mas, o certo é que, não tendo a carta sido enviada para o domicílio do ora Apelante, não ficou tal declaração ao seu dispor, estando todos estes factos devidamente alegados nos Autos, e provados, como já se fez referência, pelo que para além da patente contradição entre fundamentação e decisão, subsiste, na Douta sentença posta em crise, omissão de pronúncia sobre questão que devia apreciar, qual é, precisamente, a da falta de recepção da referida carta pelo ora Apelante, que da mesma não tomou conhecimento por culpa da entidade patronal.
14.2. Das Conclusões do(s) Recurso(s):
A)- Vem o presente Recurso da douta decisão de fls.... pela qual, se julgou procedente a acção e, consequentemente, lícito o despedimento de que o Autor trabalhador foi alvo por parte da Ré, e julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a Empregadora “C…, Lda.” a pagar ao Trabalhador D… a quantia de €1.544,18, a título de férias e subsídios de férias e de Natal, bem como da Douta decisão proferida em 5.12.2012 na acta de fls. 103, que considerou tempestiva a apresentação do procedimento disciplinar nos Autos;
B)- A procedência do recurso relativamente à tempestividade de apresentação do procedimento disciplinar dispensa a análise critica do restante recurso, tendo como única, natural e obrigatória consequência, nos termos do disposto no nº3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho, a declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da ora Apelada nos seus precisos termos;
C)- No articulado da Ré, é indicada a junção de oito documentos, com indicação de que tal “…prova documental seguirá por correio em virtude não ser possível o seu envio por correio electrónico”;
D)- Quando assim sucede, estipula o nº 4 do artigo 10º da Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, que regulamenta a tramitação electrónica dos processos judiciais, que a apresentação dos documentos deve ser efectuada no prazo de cinco dias após a entrega da peça processual;
E)- Acontece que a peça processual da Ré, com a qual tais documentos deveriam ter sido entregues, deu entrada em 19/10/2012;
F)- Os documentos em causa apenas deram entrada no Tribunal no dia 31/10/2012, ou seja para além daquele prazo de cinco dias, assim como para além do prazo previsto no nº5 do artigo 145º do Código de Processo Civil;
G)- Não podiam tais documentos ser aceites, por entrega extemporânea devendo ter sido desentranhados e devolvidos à Ré, com as legais consequências;
H)- As legais consequências, neste caso, em que desses documentos constam o procedimento disciplinar e os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, é o cumprimento do disposto no nº3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho;
I)- Tendo o Autor optado por uma indemnização em substituição da reintegração, para além do previsto na alínea C) desse normativo legal, devia a Ré ser condenada a pagar ao Autor, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contando-se esta desde 23/10/2003, conforme indicação da própria Ré no artigo 1º do seu articulado e no artigo 1º dos factos provados indicados na Douta Sentença, e tendo por base o vencimento base de € 700,00 (Setecentos euros) e pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento, ou seja, desde 11/09/2012, conforme indicação da própria Ré no artigo 12º do seu articulado, e data em que efectivamente foi recepcionada a carta a comunicar a intenção de despedimento, e até trânsito em julgado;
J)- Na Douta decisão ora posta em causa o argumento crucial para se considerar tempestiva a apresentação do processo disciplinar pela Empregadora residiu na pretensa nulidade, que o tribunal conheceu oficiosamente e a que equiparou à falta de citação, derivada do facto da Empregadora não ter sido notificada da cominação para a falta da apresentação do articulado e do procedimento disciplinar;
K)- A pretensa nulidade em causa não podia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, independentemente de poder ser, ou não, equiparada à falta de citação;
L)- Sendo equiparada, só podia ser conhecida oficiosamente caso não tivesse sido já sanada (artigo 202º do Código de Processo Civil aplicável por força do disposto no artigo 1º, nº2, alínea a) do Código do Processo de Trabalho), ou então invocada pela Empregadora (artigo 203º, nº1 do C.P.C.) em qualquer estado do processo, enquanto não devesse considerar-se sanada (artigo 204º, nº2 do C.P.C.);
M)- Não sendo equiparada, só podia ser invocada pela Empregadora e, estando a parte presente, por si ou por mandatário, no momento em que foi cometida, podendo ser arguida enquanto o acto não terminar, ou, se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo (artigo 205º, nº1 do C.P.C.);
N)- É notório que a Empregadora não arguiu qualquer nulidade, pelo que por esta via a mesma, mesmo que efectivamente tivesse ocorrido, se encontra sanada;
O)- Importa analisar se a pretensa nulidade se encontrava, ou não sanada, no momento em que o tribunal oficiosamente dela tomou conhecimento para se aferir da bondade da decisão tomada;
P)- A própria decisão proferida, e ora posta em causa, refere que a pretensa nulidade se encontrava sanada no momento em que tomou conhecimento da mesma ao afirmar: “No entanto a referida nulidade encontra-se actualmente suprida com a apresentação do processo disciplinar a fls. 39 e seguinte.”;
Q)- A nulidade em causa, sendo equiparada à falta de citação, fica sanada, nos termos previstos no artigo 196º do C.P.C. se a Empregadora, ou o Ministério Público, sendo no caso vertente esta hipótese irrelevante, intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação;
R)- É notório que a Empregadora não arguiu qualquer nulidade, pelo que, tendo também já intervindo no processo, a pretensa nulidade já se encontrava sanada no momento em que o tribunal dela tomou conhecimento, não pela entrega do processo disciplinar, mas logo pela entrega da sua Contestação sem arguir qualquer nulidade, mormente a que está em causa e foi arguida e conhecida oficiosamente pelo tribunal, que assim conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento;
S)- Esta situação consubstancia nulidade da decisão nos termos previstos na segunda parte da alínea d) do nº1 do artigo 668º do C.P.C., uma vez que, pelo exposto, se conhece de questão de que não se podia tomar conhecimento;
T)- A declaração de nulidade da decisão com estes fundamentos só pode conduzir a decisão de sentido oposto à proferida, dando plena razão à pretensão do Trabalhador, condenando, como requerido, a Empregadora, nos termos legais previstos do disposto no nº3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho;
U)- A decisão em causa padece igualmente do vício da nulidade por falta de fundamento de direito que justifique a decisão, nos termos do previsto na alínea b) do nº1 do artigo 668º do C.P.C. na medida em que omite a indicação do normativo legal que impunha a notificação à empregadora das cominações a que estaria sujeita caso não procedesse à entrega do processo disciplinar, sendo certo que foi a omissão desta pretensa obrigação que levou ao sentido da decisão proferida;
V)- É errada a decisão de se ter dado como provado o facto constante do artigo 9º dos factos provados constante da Sentença: “Em dia indeterminado da semana de 16 a 20 de Julho de 2012, o Trabalhador retirou dois pares de sapatos da loja onde prestava serviço, com intenção de os fazer seus, como fez, sem pagar o respectivo preço”;
W)- Mais concretamente, entende-se que o erro radica na afirmação da intenção de fazer seus os pares de sapatos, sem pagar o respectivo preço;
X)- Da prova produzida em audiência de julgamento nada resulta no sentido de se poder aferir tal intenção, bem pelo contrário;
Y)- Tal facto foi dado como provado com fundamento, entre outros, no depoimento de parte de G…, sócio e gerente da entidade patronal o que consubstancia violação frontal da finalidade do depoimento de parte e que é a confissão, devendo versar, por isso mesmo, sobre factos que possam prejudicar o interesse da parte no processo, o que não é, notoriamente o caso, pelo que não deveria ter sido tida em conta para a consideração de se dar como provado o referido facto;
Z)- O mesmo facto foi dado igualmente como provado com fundamento no depoimento da testemunha E… (Entre as 17:08:57 e as 17:26:00), quando, no entanto, este afirmou não saber do que o ora Apelante estava acusado, não tendo presenciado nada (Vide desde 10:12 até 10:50 do seu depoimento);
Aa)- Finalmente, teve ainda como fundamento o depoimento da testemunha F… (Entre as 14:47:00 e as 15:10:45) que, contudo, confirmou a colocação das etiquetas, pelo ora Apelante, na caixa registadora (Vide desde 04:10 até 06:41 do seu depoimento) e afirmou que entre os dias 6 ou 7 e o dia 23,no mês de Julho, antes de ir de férias, as mesmas se mantinham na caixa registadora;
Ab)- A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida (artigo 712º do C.P.C.);
Ac)- Com base nos depoimentos supra indicados e devidamente especificados não existe qualquer fundamento para se considerar provado o facto constante do artigo 9º dos factos Provados indicados na Sentença;
Ad)- E atendendo a que, também, não pode ser tido em consideração o depoimento de parte produzido a este respeito, pelas razões supra apontadas, então não subsistem fundamentos para que tal facto não seja considerado senão como não provado;
Ae)- Considerando-se o facto expresso no artigo 9º dos Factos Provados indicados na Sentença como não provado, então não é provada a licitude do despedimento;
Af)- E, por consequência, deve ser considerado o despedimento ilícito, sendo declarada a sua ilicitude, devendo a Douta sentença ser revogada e alterada em conformidade, declarando a ilicitude do despedimento com as legais consequências
Ag)- Relativamente à decisão abrangendo o pedido reconvencional, a mesma padece de erro de cálculo, devido, nomeadamente, ao erro quanto à data do despedimento;
Ah)- Ao considerar-se, erradamente, a data de 9 de Agosto de 2012 como a data do despedimento, e sendo esta relevante, nomeadamente para cálculo dos montantes relativos aos proporcionais de férias e dos subsídios de férias e de Natal do ano da cessação do contrato, a sua contabilização só pode resultar em erro por haver erro nuns dos factores;
Ai)- Foi considerada a data de 9 de Agosto de 2012 como a do despedimento na medida em que foi entendido que a carta com a decisão de despedimento enviada pela entidade patronal em 6 de Agosto de 2012, sob registo dos correios, foi enviada para o domicilio do ora Apelante, ficando à sua disposição, aplicando-se, analogicamente, a presunção art. 254º, nº 3, por remissão do nº 1 do art. 255º do CPC;
Aj)- A este respeito diga-se que é dado como provado que “Por carta datada de 3 e registada com A/R a 6 de Agosto de 2012, endereçada para a morada supra referida em 3°, a Empregadora remete ao Trabalhador a sua decisão de despedimento, com fundamento nos factos constantes da nota de culpa” (Artigo 6º dos Factos Provados), sendo que a morada em questão é “Rua …, .., ….-… Porto”;
Ak)- Ora a morada da habitação do ora Apelante é Rua …, .., .º, ….-… Porto conforme consta da sua resposta à nota de culpa e a que faz referência o artigo 5º dos factos Provados;
Al)- Em consonância é dado como provado que “Esta carta veio devolvida ao remetente” (Artigo7º dos Factos Provados);
Am)- Assim, é culpa da entidade patronal que o ora Apelante não tivesse recepcionado aquela carta com a decisão de despedimento, como alegou que não recepcionou (Vide artigos 14º e 15º da sua Contestação), uma vez que a mesma foi remetida para um endereço errado;
Ao)- isto é patente no depoimento da Testemunha D… (Entre as 16:15:57 e as 17:03:50), que foi o instrutor do procedimento disciplinar, e que assume o erro quanto ao endereço (Vide desde 17:47 até 19:06 do seu depoimento), confirmando a informação constante da carta devolvida de desconhecimento de endereço (Vide desde 19:06 até 23:01 do seu depoimento) e afirmando não pensar que o carteiro tenha mentido ao apor tal informação na carta devolvida (Vide desde 24:03 até 27:50 do seu depoimento);
Ap)- apesar disto, e apesar de na Douta sentença estar patente a afirmação de que” Daqui poderemos concluir que a data da decisão é aquela em que o empregador a colocou à disposição do trabalhador, ainda que este a não tenha conhecido por culpa não imputável ao empregador” (sublinhado nosso), o certo é que daqui não é retirada a consequência lógica de se entender que a recepção da carta pelo trabalhador não ocorreu, e por culpa da entidade patronal, mas, ao invés, e referindo-se a” razões desconhecidas” para a não recepção da referida carta, dá por atempadamente tomada a decisão de despedimento;
Aq)- o certo é que, não tendo a carta sido enviada para o domicílio do ora Apelante, não ficou tal declaração ao seu dispor, estando todos estes factos devidamente alegados nos Autos, e provados, como já se fez referência;
Ar)- Nos termos do nº 1 do art. 224º do CC, a declaração torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário;
As)- Não tendo a carta chegado ao poder do destinatário, tendo comprovadamente sido devolvida ao remetente, não pode a mesma ter-se tornado eficaz;
At)- Pelo que a eficácia da comunicação da decisão de despedimento só se operou com a segunda carta recepcionada em 11/09/2012;
Au)- Motivo pelo qual estava já esgotado o prazo legal de trinta dias para a aplicação de qualquer sanção disciplinar, mormente o despedimento, devido à caducidade;
Av)- A qual deve ser devidamente declarada, devendo a Douta sentença ser revogada e alterada em conformidade
◊◊◊
15.
A Ré não contra-alegou.
◊◊◊
16.
Por despacho referência 693657 o Tribunal a quo no que concerne às arguidas nulidades da sentença referiu que:
“Quanto à 1ª questão, dir-se-á que os fundamentos de facto se encontram especificados com a numeração de 1ª a 11ª, sob o título de “Factos Provados”, nas 2ª e 3ª folha da sentença, pelo que não vislumbramos como é que o arguente pode afirmar que a sentença padece de tal falta.
Quanto à 2ª questão, vem a mesma fundamentada na oposição entre o facto de a carta da Empregadora a comunicar o despedimento ter sido devolvida ao remetente por insuficiência de endereço e a decisão que considerou que o despedimento tempestivamente decidido pela Empregadora.
Salvo o devido respeito, não vemos que, em termos conceptuais, um facto exclua necessariamente o outro.
Finalmente, a 3ª questão respeita à omissão de pronúncia sobre “a falta da recepção da referida carta” pelo Autor, “que da mesma não tomou conhecimento por culpa da Empregadora”.
Ora, tal questão não é omissa na sentença, quer ao nível da matéria de facto (o mesmo refere encontrar-se provado que tal carta foi devolvida pelos correios ao remetente, pelo que é evidente que a não recepcionou), quer ao nível da matéria de direito, que considerou a não recepção da primeira carta pelo Autor um facto irrelevante, pois que a lei “não exige que a comunicação ao trabalhador ocorra dentro dos 30 dias…).
Por conseguinte, não vemos como pode o Recorrente afirmar ter havido omissão de tal questão.
Termos, pois, em que se indefere a arguição da referida nulidade da sentença.
Notifique.”
◊◊◊
17.
O Ex.º Sr.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido de:
- Não conhecer do recurso interposto sobre a parte do despacho saneador, sob censura, e proferido em 05.12.2012, dada a sua intempestividade e extemporaneidade;
- Declarar a não ocorrência das arguidas nulidades da sentença;
- Julgar não provida a apelação.
◊◊◊
18.
Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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◊◊◊
II – QUESTÕES A DECIDIR

Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2). Assim, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (artigo 660.º, n.º 2, do CPC), com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, este normativo, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, independentemente da sua respeitabilidade, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como resulta do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil[2].
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pela apelante, os fundamentos opostos à sentença recorrida as questões a decidir são as seguintes:
1º- DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO INTERPOSTO DO DESPACHO SANEADOR PROFERIDO EM 05.12.2012.
2º - NULIDADE DA SENTENÇA, NOS TERMOS DO ARTIGO 668º, Nº 1, ALÍNEAS B), C) E D) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
3º- DO RECURSO INTERPOSTO DO SANEADOR (CASO SEJA TEMPESTIVO):
A - A APRESENTAÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR FOI INTEMPESTIVA, NÃO TENDO SIDO APRESENTADO NO PRAZO DE 5 DIAS, COMO DETERMINA A PORTARIA Nº 114/2008 DE 6 DE FEVEREIRO.
C – DA ILICITUDE DO DESPEDIMENTO FACE A ESSA NÃO APRESENTAÇÃO ATEMPADA DO PROCESSO DISCIPLINAR
4º- DO RECURSO INTERPOSTO DA SENTENÇA (CASO NÃO FIQUE PREJUDICADO O SEU CONHECIMENTO):
A - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO – O FACTO CONTIDO NO PONTO 9 DEVE SER CONSIDERADO COMO NÃO PROVADO
B- A DATA EM QUE O TRABALHADOR TEVE CONHECIMENTO DO DESPEDIMENTO.
C - A SANÇÃO DISCIPLINAR APLICADA AO TRABALHADOR JÁ HAVIA CADUCADO QUANDO TEVE CONHECIMENTO DELA.
D – O MONTANTE DOS CRÉDITOS LABORAIS DERIVADOS DOS PROPORCIONAIS DE FÉRIAS, SUBSÍDIO DE FÉRIAS E DE NATAL DO ANO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
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III – FUNDAMENTOS
1.
SÃO OS SEGUINTES OS FACTOS QUE A SENTENÇA RECORRIDA DEU COMO PROVADOS:
1° — A Empregadora, por si e antecessora, admitiu o Trabalhador ao seu serviço em 23/Outubro/2003, sob sua autoridade e direcção, desempenhando as funções de caixeiro.
2° — A Empregadora possui diversas lojas de venda ao público de calçado, actividade comercial a que se dedica.
3° — No dia 23/7/2012, a Empregadora instaurou ao Trabalhador um procedimento disciplinar com intenção de despedimento, o que lhe comunicou por carta registada com A/R de 24 desse mês, enviada para a Rua …, .., ….-… Porto, e que o Trabalhador recebeu no dia 26 seguinte.
4°— Em 24 desse mês, a Empregadora entregou em mão ao Trabalhador a “nota de culpa”, da qual e além do mais constava de relevante: - “A gerência da firma, através do seu sócio gerente G…, tomou conhecimento na semana de 16 a 20 de Julho de 2012, do desaparecimento de dois pares de sapatos da loja onde o arguido B…, prestava serviço, interrogado sobre este desaparecimento, veio o arguido confessar que os tinha roubado, não sabendo concretizar em que dia”.
5° — O Trabalhador respondeu à ”nota de culpa” por carta registada de 30 de Julho de 2012, com o remetente de Rua …, .., .º, ….-… Porto, recebida no dia 31 seguinte.
6°— Por carta datada de 3 e registada com A/R a 6 de Agosto de 2012, endereçada para a morada supra referida em 3°, a Empregadora remete ao Trabalhador a sua decisão de despedimento, com fundamento nos factos constantes da nota de culpa.
7° — Esta carta veio devolvida ao remetente.
8° - Em 3/9/2012, a Empregadora reenvia nova carta registada com A/R, recebida pelo Trabalhador a 11 desse mês, designando-a de 2° aviso e nela fazendo constar, além da decisão de despedimento, informação de que esta carta se deve ao facto de a anterior ter sido recusada.
9° — Em dia indeterminado da semana de 16 a 20 de Julho de 2012, o Trabalhador retirou dois pares de sapatos da loja onde prestava serviço, com intenção de os fazer seus, como fez, sem pagar o respectivo preço.
10° - O Trabalhador não tem antecedentes disciplinares ao serviço da Empregadora Deve ainda considerar-se provado, nos termos do art. 659º, nº 2, do CPC, dado que foi alegado no requerimento de fls. 65 p.p. e não foi impugnado, bem como consta dos doc. de fls 68 apresentado pelo trabalhador e do doc fde fls. 60, apresentado pela empregadora, o seguinte facto:
11º - Ao serviço da Empregadora o Trabalhador auferia ultimamente a retribuição mensal de € 700,00, acrescida de subsídio de alimentação de € 3,80 por dia útil.

2.
2.1.
QUESTÃO PRÉVIA: DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO INTERPOSTO DO DESPACHO SANEADOR PROFERIDO EM 05.12.2012.

Comecemos por analisar a questão prévia que foi suscitada pelo Ex. Sr.º Procurador-geral Adjunto no seu parecer, ao defender que não se deve conhecer do recurso interposto sobre a parte do despacho saneador, sob censura, e proferido em 05.12.2012, dada a sua intempestividade e extemporaneidade.
Para o efeito mencionou que nos termos do artigo 691º, nº 2, alínea h), do CPC, “ex vi” do artigo 79º, nº 2, alínea i), do CPT, cabe recurso do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa. Trazendo à colação os ensinamentos de Abrantes Geraldes refere que “pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre “o mérito da causa” quando (…) aprecia, no sentido da procedência ou da improcedência, qualquer excepção peremptória, como a caducidade e a prescrição, a compensação, a nulidade ou anulabilidade”. Ora, acrescenta, devendo tal recurso ser interposto no prazo de 10 dias, com subida em separado e com efeito devolutivo (artigo 83-A, nº 2 e 83º, nº 1, ambos do CPT), logo conclui, que o recurso em apreço é intempestivo, pois a sua interposição só teve lugar com o recurso da decisão final.
Vejamos:
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 79º-A do Código de Processo do Trabalho, cabe recurso de apelação da decisão do tribunal da 1ª instância que ponha termo ao processo.
O nº 2 deste normativo elenca as outras situações em que também cabe recurso de apelação.
Já o nº 3 dispõe que as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Para o que aqui interessa devemos no elenco referido no nº 2 atender à alínea i) que nos remete para os casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil.
Ora, de acordo com a alínea h) do nº 2 do artigo 691º do Código de Processo Civil, cabe recurso do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa.
Nestes casos, o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias (artigo 80º, nº 2 do CPT), subindo em separado (artigo 83º-A, nº 2 do CPT) e com efeito devolutivo (artigo 83º, nº 1 do CPT).
Nos restantes casos, como já referimos, as decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (artigo 79º-A, nº 3 do CPT).
O Exº Procurador-geral Adjunto invoca, para sustentar a sua tese, a alínea h) do nº 2 do artigo 691º do Código de Processo Civil, e, sem prejuízo de errada interpretação nossa, defendendo que a questão apreciada no saneador veste a capa de uma excepção peremptória.
A pergunta que nos cabe fazer é a seguinte: Quando é que o despacho saneador, sem pôr termo ao processo, decide do mérito da causa?
Segundo António Santos Abrantes Geraldes[3] “pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre “o mérito da causa” quando (…) aprecia, no sentido da procedência ou da improcedência, qualquer excepção peremptória, como a caducidade e a prescrição, a compensação, a nulidade ou anulabilidade” ou, “ quando nele se julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados”[4].
De acordo com o nº 3 do artigo 493º do Código de Processo Civil, as excepções peremptórias são aquelas que “importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.”
Ora, acontece que no despacho saneador, salvo o devido respeito, não foi conhecida qualquer excepção peremptória. Se é verdade que o Tribunal a quo conheceu de uma nulidade, a mesma reveste a natureza de nulidade processual. Basta atentar no teor do despacho em causa: “Compulsados os autos, nomeadamente a notificação feita à empregadora constante de fls. 12, esta não foi notificada da cominação para a falta da apresentação do articulado e do procedimento disciplinam.
Assim sendo foi cumprida uma nulidade processual que equivale à falta de citação.”
Além do mais, não se conheceu do pedido, não se tendo julgado procedente ou improcedente o mesmo.
É assim claro que no despacho saneador não se conheceu do mérito da causa. Se não se conheceu do mérito da causa, não se pode invocar a alínea h) do nº 2 do artigo 691º do CPC e defender que o recurso do despacho saneador, deveria ter sido interposto do prazo de 10 dias, após a respectiva notificação, e não com o recurso que veio a ser interposto da decisão final.
Pelo contrário, não fazendo a decisão em causa parte do acervo das situações previstas no nº 2 do artigo 79º-A do CPT e das alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil, a mesma cabe no caldeirão do nº 3 do artigo 79º-A do CPT e, como tal, apenas poderia ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Ora, foi precisamente o que o recorrente fez.
Assim, assentando a fundamentação da decisão recorrida no cometimento de um vício processual que integra uma nulidade processual, está em causa uma decisão de mera forma de que apenas cabe recurso a final, por não se enquadrar em qualquer das hipóteses típicas de recorribilidade imediata.
É, assim, tempestivo o recurso sobre a questão.

2.2.
O Recorrente argui a nulidade da sentença recorrida, alegando que:
(i) A sentença padece de vício de falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão (Alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil);
(ii) De vício de oposição entre fundamentos e decisão (Alínea c) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil);
(iii) E de vício de omissão de pronuncia sobre questões que devia apreciar (Alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil).

De acordo com o expresso no artigo 668º, nº 1 do CPC:
“É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do nº 4 do artigo 659º”.

Deste normativo concluímos que as nulidades da sentença decorrem de actos ou omissões do juiz praticados nessa decisão.
As nulidades da sentença enquadram-se nos “vícios de limites”, na medida em que face ao regime do artigo 668º CPC a sentença não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia[5].
Daqui resulta que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário, pois apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença[6].

2.2.1.
Da falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão (Alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil)

Conforme imperativo constitucional e legal todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas [n.º 1 do artigo 205.º da CRP e do artigo 158.º do CPC].
Porém, a jurisprudência é pacífica no sentido de afirmar que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito (e apenas não motivação deficiente, medíocre ou até errada) [a título de exemplo: Acórdão da Relação do porto de 15/3/2001, CJ, Ano XXVI, Tomo II, pág. 175; e Acórdão do STJ de 3/5/2005, processo 05A1086; de 15/09/2010, processo 241/05.4TTSNT.L1.S1, de 21/09/2010, processo 4831/05.7TVLSB.L1.S1, todos em www.dgsi.pt.]. No mesmo sentido caminha a doutrina (assim, entre outros: Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 9ª edição, Almedina, pág. 55/56; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em processo Civil, 2ª edição Aumentada e reformulada, pág. 36; J.O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª edição, pág. 71, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, CPC, Anotado, Volume 2º, 2001, pág. 669, Alberto dos Reis, CPC, Anotado, Volume 5º, pág. 140, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pág. 687/688).
No caso em apreço, estão devidamente especificados os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão recorrida. Não existe, assim, falta absoluta de fundamentação.
O Recorrente, na sua arguição, não tem razão, fazendo alguma confusão na interpretação do aludido normativo.
Na verdade, resulta do artigo 659º, nº 3 do CPC que «]n]a fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame critico das provas de que lhe cumpre conhecer.»
Assim, na fixação dos factos da causa, o juiz tomará em consideração, de acordo com o que determina o nº 3 do artigo 659º do CPC[7]:
- os factos admitidos por acordo (cfr. arts. 490º e 505º);
- os factos provados por documento (cfr. arts. 523º e 524º);
- os factos provados por confissão reduzida a escrito (cfr. arts. 356º e 358º do CC);
- os factos que o tribunal colectivo deu como provados (cfr. art. 653º nºs 2 e 3);
A estes acrescem:
- os factos que resultem de presunção legal ou judicial (cfr. arts. 349 a 351º do CC);
- os factos notórios (cfr. art. 514º nº 1);
- os factos de conhecimento oficioso (cfr. art. 660º nº 2);
- e procede ao exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.

Quando o juiz vai proferir a sentença tem já diante de si um conjunto de factos provados: os que, na fase do saneador, foram incluídos nos Factos Assentes e os que constam, como tal, da decisão sobre a matéria de facto.
Estes factos não são, obviamente, objecto de qualquer apreciação, limitando-se o juiz a consigná-los na sentença como provados.
E “o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer” referido na norma tem a ver, não com aqueles factos que já foram dados como assentes na fase do saneador, nem com os que constam na decisão sobre a matéria de facto, os quais não são nesta fase objecto de qualquer apreciação ou fundamentação, limitando-se o Juiz a exará-los na sentença como provados, mas sim a eventuais factos que são fruto da análise do processo, nomeadamente dos articulados, dos documentos juntos, que na fase daqueles, quer posteriormente[8] –[9].
Este exame crítico nada tem a ver com a análise crítica prevista no nº 2 do artigo 653º do CPC.
Na decisão sobre a matéria de facto, a que alude o nº 2 do artigo 653º do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo o juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 655º nº 1).
Na fase da sentença, o exame crítico tem apenas por objecto os factos provados de acordo com o acima referido.
Inexiste, pois, a arguida nulidade da sentença.

2.2.2.
DA OPOSIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO (ALÍNEA C) DO Nº1 DO ARTIGO 668º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL)

A nulidade da sentença derivada da oposição entre fundamentos e decisão emerge dum vício lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão noutro, oposto ou diverso.
Tal vício ocorrerá quando se verifica uma real contradição entre os fundamentos e a decisão, isto é, quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou diferente; ou, por outras palavras, quando existe uma quebra no raciocínio lógico, não retirando o juiz, das premissas de que parte, a conclusão lógica que se imporia no silogismo judiciário[10].
Diversa dessa situação, por não respeitar a um vício lógico na construção da sentença, mas a uma contradição aparente, é a que deriva de simples erro material, quer na fundamentação, quer na decisão[11].

O Recorrente alega que é patente a sua existência relativamente à matéria atinente à caducidade do direito de despedimento. Com efeito, refere, a este respeito é dado como provado que “Por carta datada de 3 e registada com A/R a 6 de Agosto de 2012, endereçada para a morada supra referida em 3°, a Empregadora remete ao Trabalhador a sua decisão de despedimento, com fundamento nos factos constantes da nota de culpa” (Artigo 6º dos Factos Provados), sendo que a morada em questão é “Rua …, .., ….-… Porto”.
Ora a morada da habitação do ora Apelante é Rua …, .., .º, ….-… Porto conforme consta da sua resposta à nota de culpa e a que faz referência o artigo 5º dos factos Provados. Em consonância é dado como provado que “Esta carta veio devolvida ao remetente” (Artigo7º dos Factos Provados).
Assim, é culpa da entidade patronal que o ora Apelante não tivesse recepcionado aquela carta com a decisão de despedimento, como alegou que não recepcionou (Vide artigos 14º e 15º da sua Contestação), uma vez que a mesma foi remetida para um endereço errado. Aliás, isto é patente no depoimento da Testemunha D… (Entre as 16:15:57 e as 17:03:50), que foi o instrutor do procedimento disciplinar, e que assume o erro quanto ao endereço (Vide desde 17:47 até 19:06 do seu depoimento), confirmando a informação constante da carta devolvida de desconhecimento de endereço (Vide desde 19:06 até 23:01 do seu depoimento) e afirmando não pensar que o carteiro tenha mentido ao apor tal informação na carta devolvida (Vide desde 24:03 até 27:50 do seu depoimento).
Ora, apesar disto, e apesar de na sentença estar patente a afirmação de que” Daqui poderemos concluir que a data da decisão é aquela em que o empregador a colocou à disposição do trabalhador, ainda que este a não tenha conhecido por culpa não imputável ao empregador”, o certo é que daqui não é retirada a consequência lógica de se entender que a recepção da carta pelo trabalhador não ocorreu, e por culpa da entidade patronal, mas, ao invés, e referindo-se a” razões desconhecidas” para a não recepção da referida carta, dá por atempadamente tomada a decisão de despedimento, não considerando caducado o direito ao despedimento.

Salvo o devido respeito, não vislumbramos a existência da aludida nulidade. A questão suscitada a existir tem a ver com um erro de julgamento na apreciação jurídica dos factos e nas conclusões que daí retira.
Não é patente a existência de um vício lógico no raciocínio do julgador, uma vez que as premissas de facto e de direito que estiveram na base da decisão não apontam necessariamente para uma decisão oposta à tomada.
Inexiste, pois, a aludida nulidade.

2.2.3. DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÕES QUE DEVIA APRECIAR (ALÍNEA D) DO Nº1 DO ARTIGO 668º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

A nulidade prevista na alínea d), nº 1, do artigo 668º do C.P.C., está directamente relacionada com o comando que se contém no n.º 2, do artigo 660.º, servindo de cominação ao seu desrespeito: o Juiz deve resolver na sentença todas as questões[12] (não resolvidas antes) que as partes tenham suscitado, com excepção daquelas que estejam prejudicadas (tornadas inúteis) pela solução já adoptada quanto a outras.
Se é verdade que o Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, já assim não acontece nas situações em que a lei lhe permite ou impõe o conhecimento oficioso de outras (cfr. artigo 660º, nº 2, 2ª parte do CPC). A omissão deste conhecimento, nos casos de conhecimento oficioso das questões, leva à nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPC.

Alega o Autor que existe nulidade por omissão de pronúncia “sobre a falta de recepção da referida carta pelo ora Apelante, que da mesma não tomou conhecimento por culpa da entidade patronal”.
Mais uma vez não assiste razão ao recorrente, uma vez que a sentença recorrida não é omissa quanto a esta questão. Na verdade, como se refere no despacho referência 693657, “quer ao nível da matéria de facto (o mesmo refere encontrar-se provado que tal carta foi devolvida pelos correios ao remetente, pelo que é evidente que a não recepcionou), quer ao nível da matéria de direito, que considerou a não recepção da primeira carta pelo Autor um facto irrelevante, pois que a lei “não exige que a comunicação ao trabalhador ocorra dentro dos 30 dias…).”

2.3. DO RECURSO INTERPOSTO DO SANEADOR
2.3.1. A APRESENTAÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR FOI INTEMPESTIVA, NÃO TENDO SIDO APRESENTADO NO PRAZO DE 5 DIAS, COMO DETERMINA A PORTARIA Nº 114/2008 DE 6 DE FEVEREIRO.

Decidida a tempestiva do recurso do despacho saneador cumpre apreciara as questões suscitadas no mesmo.
A primeira das questões diz respeito à (in)tempestividade da apresentação do procedimento disciplinar por parte da Ré.
Entende o Recorrente que a apresentação pela Ré em 31/10/2012 do procedimento disciplinar é extemporânea. Isto porque, defende, no articulado da Ré, é indicada a junção de oito documentos, com indicação de que tal “…prova documental seguirá por correio em virtude não ser possível o seu envio por correio electrónico”. Nestes casos, estipula o nº 4 do artigo 10º da Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, que regulamenta a tramitação electrónica dos processos judiciais, que a apresentação dos documentos deve ser efectuada no prazo de cinco dias após a entrega da peça processual.
Acontece, no entanto, que a peça processual da Ré, com a qual tais documentos deveriam ter sido entregues, deu entrada em 19/10/2012 e os documentos em causa apenas deram entrada no Tribunal no dia 31/10/2012, ou seja para além daquele prazo de cinco dias, assim como para além do prazo previsto no nº5 do artigo 145º do Código de Processo Civil.

Assistir-lhe-á razão?
A resposta não pode deixar de ser afirmativa.
No caso temos que:
Realizada a audiência de partes em 04/10/2012, foi a Ré/empregadora aí notificada para apresentar, no prazo de 15 dias, articulado para motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.
De acordo com o disposto no artigo 98º-J, nº 3 do CPT “ Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador”.
O articulado em causa é, como resulta dos nºs 1 e 2 do citado normativo e da alínea a) do nº 4 do artigo 98º-I do mesmo diploma legal, o articulado motivador do despedimento.
E, como se refere no despacho recorrido, o artigo 98º-J, nº 3 do CPT, “estabelecendo a paridade entre o procedimento disciplinar e o articulado fundamentador, se refere à apresentação dos mesmos no prazo para que o empregadora foi notificado nos termos do artº 98º I, nº 4 do C.P.T., ou seja, no prazo de 15 dias (ainda que tal apresentação se possa processar nos termos da remessa dos actos a tribunal.”
Interpretando, assim, devidamente tais normas, constata-se que a Ré/empregadora além de dever juntar aos autos o articulado inicial ou motivador do despedimento, deve proceder também, no mesmo prazo, à junção do procedimento disciplinar, sob pena de ser declarada a ilicitude do despedimento. E esta gravosa consequência tanto deriva da falta de junção do articulado motivador como da falta de junção do procedimento disciplinar[13].
E tal prazo de 15 dias para a junção do articulado motivador e do procedimento disciplinar, como de refere no Acórdão desta Relação de 12/11/2012[14], “é um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto, atento o disposto no Art.º 145.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, salvo justo impedimento ou a prática do acto mediante o pagamento de multa, como resulta dos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo”.
Assim, caso não seja observado o prazo de 15 dias, que é um prazo peremptório, relativamente à junção do procedimento disciplinar, tem lugar o efeito cominatório pleno previsto no artigo 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b) do CPT.
In casu, a Ré dentro do prazo legal, mais concretamente em 19/10/2012, apresentou o articulado de motivação do despedimento, mas não juntou o procedimento disciplinar.
No entanto, a mesma Ré quanto à prova documental referiu que“ seguirá por correio em virtude não ser possível o seu envio por correio electrónico”.

O artigo 10º da Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, sob a epígrafe “ Dimensão da peça processual”, dispõe que:
1 - A peça processual, ou o conjunto da peça processual e dos documentos, não pode exceder a dimensão de 3 Mb.
2 - Nos casos em que o limite previsto no número anterior seja excedido em virtude da dimensão da peça processual, a sua apresentação, bem como dos documentos que a acompanhem, deve ser efectuada através dos restantes meios previstos no Código de Processo Civil.
3 - Nos casos em que o limite previsto no n.º 1 seja excedido em virtude da dimensão total dos documentos, a peça processual pode ser entregue através do sistema informático CITIUS, devendo os documentos ser apresentados através dos restantes meios previstos no Código de Processo Civil.
4 - Na situação prevista no número anterior, a apresentação dos documentos deve ser efectuada no prazo de cinco dias após a entrega da peça processual, juntamente com o respectivo comprovativo de entrega disponibilizado pelo CITIUS.
5 - Nas situações previstas nos nºs 2 e 3, não devem ser apresentados os duplicados ou cópias da peça processual ou dos documentos.”

Poderia, pois, a Ré lançar mão desta possibilidade e apresentar os documentos, nomeadamente o procedimento disciplinar, cinco dias após a apresentação do articulado.
Como o articulado foi apresentado em 19/10/2012 poderia apresentar os documentos até ao dia 24/10/2012, assim se socorrendo do prazo suplementar de 5 dias que a aludida Portaria lhe concede.
Poderia, ainda, lançar mão do disposto no artigo 145º, nºs 4 e 5 do CPC e praticar o acto num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, ou seja, até ao dia 29/10/2012 e invocar, o que não fez, o justo impedimento.
Assim, quando em 31/10/2012, a Ré juntou aos autos a mencionada prova documental, nomeadamente, o procedimento disciplinar, já o fez fora de prazo.
A consequência dessa intempestividade é, assim, a declaração da ilicitude do despedimento de que o aqui recorrente foi alvo.

Porém, o Tribunal a quo considerou a apresentação do procedimento disciplinar tempestiva, levando em consideração que:
a) Obedecendo a apresentação do articulado inicial às cominações estabelecidas no referido artº 98º-I, impõe-se que a parte seja notificada nos termos do referido nº4, alínea a), devendo o empregador ser advertido das cominações estabelecidas no nº3 do artº 98º- J.:
b) Compulsados os autos, nomeadamente a notificação feita à empregadora constante de fls. 12, esta não foi notificada da cominação para a falta da apresentação do articulado e do procedimento disciplinar.
c) Assim sendo foi cumprida uma nulidade processual que equivale à falta de citação.
d) Importaria, como consequência daí decorrente que fosse anulado todo o processo a partir da referida notificação. No entanto a referida nulidade encontra-se actualmente suprida com a apresentação do processo disciplinar a fls. 39 e seguinte.

Contra este entendimento insurge-se o recorrente para quem:
i) A pretensa nulidade em causa não podia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, independentemente de poder ser, ou não, equiparada à falta de citação;
ii) Sendo equiparada, só podia ser conhecida oficiosamente caso não tivesse sido já sanada (artigo 202º do Código de Processo Civil aplicável por força do disposto no artigo 1º, nº2, alínea a) do Código do Processo de Trabalho), ou então invocada pela Empregadora (artigo 203º, nº1 do C.P.C.) em qualquer estado do processo, enquanto não devesse considerar-se sanada (artigo 204º, nº2 do C.P.C.);
iii) Não sendo equiparada, só podia ser invocada pela Empregadora e, estando a parte presente, por si ou por mandatário, no momento em que foi cometida, podendo ser arguida enquanto o acto não terminar, ou, se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo (artigo 205º, nº1 do C.P.C.);
iv) É notório que a Empregadora não arguiu qualquer nulidade, pelo que por esta via a mesma, mesmo que efectivamente tivesse ocorrido, se encontra sanada;
v) A nulidade em causa, sendo equiparada à falta de citação, fica sanada, nos termos previstos no artigo 196º do C.P.C. se a Empregadora, ou o Ministério Público, sendo no caso vertente esta hipótese irrelevante, intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação;
vi) É notório que a Empregadora não arguiu qualquer nulidade, pelo que, tendo também já intervindo no processo, a pretensa nulidade já se encontrava sanada no momento em que o tribunal dela tomou conhecimento, não pela entrega do processo disciplinar, mas logo pela entrega da sua Contestação sem arguir qualquer nulidade, mormente a que está em causa e foi arguida e conhecida oficiosamente pelo tribunal, que assim conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento.

Vejamos:
Como já acima tivemos oportunidade de referir, realizada a audiência de partes em 04/10/2012, foi a Ré/empregadora aí notificada para apresentar, no prazo de 15 dias, articulado para motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.
Do teor da notificação feita à Ré não consta que esta tenha sido advertida das consequências previstas no artigo 98º-J nº 3 do CPT, em caso da não apresentação do articulado motivador, ou da não junção do procedimento disciplinar ou dos documentos comprovativos das formalidades exigidas. Inexiste assim advertência das cominações estabelecidas no aludido normativo.
Mas teria de existir essa advertência cominatória?
É verdade que os artigos 98º-I, nº 4, alínea a) e 98º-J, nº 3, ambos do CPT, não prevêem, nem determinam essa advertência cominatória.
Contudo, deveremos considerar que às citações e notificações do processo laboral aplicam-se as regras estabelecidas no Código de Processo Civil, sem prejuízo das especificidades reguladas em alguns normativos do Código de Processo do Trabalho (cfr. artigo 23º deste último diploma legal). Aliás essa remissão para as normas do Código de Processo Civil já decorria do nº 2, alínea a) do artigo 1º do Código de Processo do Trabalho.
No caso, dada as especificidades da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento previstas nos artigos 98º-B a 98º-P do CPT, o acto em causa é qualificado como uma notificação. No entanto, dada a similitude dever-se-á considerar aplicável as regras estabelecidas para a citação, pois, dadas as consequências e tramites, seria desigual e incompreensível não aplicar às duas situações as mesmas exigências e consequências legais.
Além do mais, visando esta equiparação da notificação à citação garantir o direito de defesa, não pode deixar de se entender, sob pena de inconstitucionalidade, que se aplicam as normas desta àquela[15].
Ora, o artigo 235º do CPC, sob a epígrafe “Elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando”, dispõe no seu nº 2 que “[n]o acto de citação, indicar-se-á ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia”.

Assim, apesar de a Lei Processual Laboral não aludir à necessidade de advertência das consequências da revelia, ou melhor, da não apresentação do articulado motivador e do procedimento disciplinar por banda da Ré empregadora, o nº 2 do artigo 235º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo laboral, estatui uma regra geral que impõe que essa mesma cominação seja levada a cabo aquando da notificação.

Decidido que a Ré não foi advertida das cominações estabelecidas no nº 3 do artigo 98º-J do CPT e que essa advertência era obrigatória, quais as consequências daí advenientes?
A decisão recorrida entendeu que tal omissão constitui uma nulidade processual, cuja importaria que fosse anulado todo o processado a partir da notificação, caso não estivesse a mesma já sanada com a apresentação do processo disciplinar por parte da ré.
Também nós podemos afirmar que notificação em causa, feita sem as formalidades prescritas, nomeadamente, com a advertência do efeito cominatório, é nula, nos termos do artigo 198º, nº 1 do CPC.

Mas não basta ter-se verificado a nulidade, é necessário ainda que a mesma seja arguida.
Conforme resulta do nº 2 do artigo 198º do CPC a nulidade da citação/notificação deve ser arguida no prazo que tiver sido indicado para a contestação. Ora, o prazo indicado para a “contestação”, no caso articulado motivador, decorreu sem que a Ré tivesse arguido qualquer nulidade.
Assim sendo, ter-se-á por sanada a aludida nulidade. Sanação essa reforçada ainda pelo facto de a Ré na resposta ao requerimento do Autor que veio invocar a apresentação intempestiva do procedimento disciplinar nada referiu quanto à mesma.
Será tal nulidade de conhecimento oficioso?
O Tribunal a quo perfilhou esse entendimento, pois conheceu da mesma, apesar de não ter sido arguida pela interessada.
O artigo 202º do CPC, sob a epígrafe “Nulidades de que o tribunal conhece oficiosamente”, dispõe:
“Das nulidades mencionadas nos artigos 193.º e 194.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 198.º e nos artigos 199.º e 200.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas. Das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.”
Também o artigo 206º do mesmo diploma legal, estatui que:
“1 - O juiz conhece das nulidades previstas nos artigos 194.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 198.º e no artigo 200.º logo que delas se aperceba, podendo suscitá-las em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.
2 - As nulidades a que se referem os artigos 193.º e 199.º são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado. Se não houver despacho saneador, pode conhecer delas até à sentença final.
3 - As outras nulidades devem ser apreciadas logo que sejam reclamadas.”

Ora, não sendo a nulidade em causa uma das previstas na segunda parte do nº 2 do artigo 198º do CPC, o juiz não podia dela conhecer oficiosamente.
O estando nós perante uma situação de revelia absoluta da Ré, o Tribunal também não poderá lançar mão do disposto no artigo 483º do CPC, cujo refere que “se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, verificará o tribunal se a citação foi feita com as formalidades legais e mandá-la-á repetir quando encontre irregularidades.”.
Conheceu, assim, o Tribunal duma questão que não podia conhecer oficiosamente, pelo que ter-se-á de revogar a decisão em causa, considerando, ao contrário do decidido, intempestiva a apresentação do procedimento disciplinar.

DA ILICITUDE DO DESPEDIMENTO FACE A ESSA NÃO APRESENTAÇÃO ATEMPADA DO PROCESSO DISCIPLINAR

A consequência da não apresentação atempada do procedimento disciplinar por parte da ré/empregadora é, para o que aqui interessa, conforme deriva do nº 3, alíneas a) e b), do artigo 98º-J do CPT, a declaração da ilicitude do despedimento, e a sua condenação:
a) a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos nºs 2 [o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial] e 3 [a indemnização não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades] do artigo 391.º do Código do Trabalho;
b) no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado.

No caso presente devemos ter em atenção que o autor optou pela indemnização em detrimento da sua reintegração – cfr. folhas 66.
O autor foi admitido ao serviço da ré em 23 de Outubro de 2003.
O autor auferia como remuneração base na altura do despedimento a quantia mensal de € 700,00, acrescida de subsídio de alimentação de € 3,80 por dia útil.
Por outro lado, como é bom de ver, a decisão ainda não transitou em julgado.

Apesar da procedência do recurso do saneador implicar a prejudicialidade do conhecimento do recurso da sentença final iremos abrir aqui um pequeno parêntesis e para fazermos uma incursão neste de modo a apurarmos qual a data do despedimento do autor.
O Recorrente entende que o seu despedimento apenas produziu efeitos em 11/09/2012 e não, como foi decidido na sentença recorrida, em 09/08/2012. Isto porque entende que só com a segunda carta que a Ré lhe enviou a comunicar a decisão do despedimento é que teve conhecimento da mesma, já que a primeira das cartas foi devolvida, uma vez que o endereço estava errado.

A sentença recorrida sobre esta questão menciona o seguinte:
“[…] a carta com vista a tal comunicação foi registada no Correio no dia 6 de Agosto de 2012, para a morada habitual do Trabalhador. No entanto, por razões desconhecidas, a carta veio devolvida, apesar de remetida para a mesma morada para a qual havia sido enviada a carta registada do dia 23de Julho a comunicar a intenção do despedimento e que fora recebida no dia seguinte.
No cumprimento das obrigações, devem as partes proceder de boa fé, em conformidade com os comandos do art. 762º do CC. E não há dúvida de que a Empregadora agiu de boa fé no seu propósito de dar a conhecer rapidamente ao trabalhador a decisão que acabara de tomar.
Assim sendo, haverá de concluir-se que a decisão de despedimento foi tomada no dia 6 de Agosto de 2012, dentro do prazo legal de 30 dias, não tendo pois ocorrido caducidade do direito da Empregadora a despedir.
Já para efeitos de se saber a data em que o despedimento produziu efeitos, isto é, a data da cessação do contrato de trabalho, a solução há-de ser diferente, envolvendo a data em que o trabalhador tomou conhecimento da decisão.
Embora para o caso dos autos irrelevante (já que não foi peticionada a retribuição de Agosto e de Setembro) a talho de foice sempre se dirá que questão agora coloca-se entre a data em que o trabalhador levantou a carta registada ou a data em que esta foi posta à sua disposição.
Nos termos do nº 1 do art. 224º do CC, a declaração torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário (mesmo que não a tenha conhecido.
Assim, tendo a carta sido enviada ao domicílio do Autor, fica a declaração ao seu dispor.
Como se ignora o dia exacto em que a carta chegou a casa do Autor, deve aplicar-se, por analogia, o disposto no art. 254º, nº 3, por remissão do nº 1 do art. 255º do CPC: “a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja”, ainda que a carta seja devolvida (nº 4 do artigo).
Assim, considera-se que o Autor trabalhador foi despedido no dia 9 de Agosto de 2012, até porque o Autor não tentou sequer alegar factos tendentes à ilisão da presunção, nos termos do nº 6 do artigo.”

Para a resolução desta questão devemos atender aos seguintes factos dados como provados:
No dia 23/7/2012, a Empregadora instaurou ao Trabalhador um procedimento disciplinar com intenção de despedimento, o que lhe comunicou por carta registada com A/R de 24 desse mês, enviada para a Rua …, .., ….-… Porto, e que o Trabalhador recebeu no dia 26 seguinte.
O Trabalhador respondeu à ”nota de culpa” por carta registada de 30 de Julho de 2012, com o remetente de Rua …, .., .º, ….-… Porto, recebida no dia 31 seguinte.
Por carta datada de 3 e registada com A/R a 6 de Agosto de 2012, endereçada para a morada supra referida em 3°, a Empregadora remete ao Trabalhador a sua decisão de despedimento, com fundamento nos factos constantes da nota de culpa.
Esta carta veio devolvida ao remetente.
Em 3/9/2012, a Empregadora reenvia nova carta registada com A/R, recebida pelo Trabalhador a 11 desse mês, designando-a de 2° aviso e nela fazendo constar, além da decisão de despedimento, informação de que esta carta se deve ao facto de a anterior ter sido recusada.

Como é sabido, o despedimento de um trabalhador pressupõe uma declaração de vontade do empregador, que represente a comunicação de que o contrato deixa de vigorar para o futuro. A referida comunicação é uma declaração negocial que tem um destinatário, é uma declaração que a teoria jurídica chama de unilateral e receptícia.
Sobre a eficácia da declaração negocial dispõe o artigo 224º do Cód. Civil que, esta quando tem um destinatário, torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida (nº 1); é também eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida (nº 2); a declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz (nº 3).
A carta dirigida ao autor integra, como se disse, uma declaração receptícia, cuja eficácia fica dependente da recepção por ele. É necessário que chegue ao seu poder ou ao seu conhecimento para se tornar eficaz. Mas, para protecção dos interesses do declarante, dentro dos princípios da boa-fé, a declaração também se considera eficaz se só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
Como notam os Pires de Lima e Antunes Varela[17], adoptaram-se, simultaneamente, os critérios da recepção e do conhecimento. Não se exige, por um lado, a prova do conhecimento por parte do destinatário, bastando que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris et de jure.
Assim, o destinatário ficará vinculado logo que conheça o conteúdo da declaração, ainda que o texto ou documento em que esta lhe foi dirigida, no caso uma carta, não lhe tenha sido entregue. E ficará igualmente vinculado, nos termos da teoria da recepção, logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não tome conhecimento dela.
O que importa, portanto, é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. Mas, se porventura o não conhecer, isso em nada afecta a perfeição ou eficácia da declaração.
Esta solução destina-se principalmente a evitar fraudes e evasivas por parte do declaratário e a evitar que ele venha alegar falsamente, sem que o declarante tenha possibilidade de refutar a alegação, que não tomou conhecimento da declaração, apesar de esta haver sido posta ao seu alcance.
É por isso que se considera eficaz a declaração se o destinatário se recusou a recebê-la, se não abre a sua caixa do correio para retirar a correspondência que lhe é enviada ou se não a foi levantar aos correios não obstante ter sido deixado aviso para isso na sua caixa do correio, ou se ausentou para parte incerta.
Na verdade, o legislador colocou no mesmo plano de eficácia o conhecimento pelo destinatário e a chegada ao seu poder, e assim fez equivaler a conhecimento da declaração a simples recepção da carta em que a mesma é escrita, independentemente, portanto, da abertura do sobrescrito e da leitura do seu texto.
Assim, e para os efeitos previstos no art. 224º, Cód. Civil (de eficácia da declaração negocial) a entrada da carta na caixa do correio da casa ou do andar onde o destinatário vive faz, em princípio, as vezes da consciente leitura do texto da declaração negocial emitida por aquele meio[18].
No caso, se é certo que a Ré comunicou ao Autor por carta registada com A/R de 24/7/2012 a instauração do procedimento disciplinar ao Autor, tendo enviado a mesma para a Rua …, .., ….-… Porto e que o Trabalhador recebeu tal carta no dia 26 seguinte, a verdade é que a resposta à nota de culpa, que lhe foi entregue pessoalmente, foi remetida por carta registada de 30 de Julho de 2012, com o remetente de Rua …, .., .º, ….-… Porto, recebida no dia 31 seguinte.
Posteriormente, por carta datada de 3 e registada com A/R a 6 de Agosto de 2012, endereçada para o procedimento disciplinar ao Autor, tendo enviado a mesma para, a Ré remete ao Trabalhador a sua decisão de despedimento, com fundamento nos factos constantes da nota de culpa.
Esta carta veio devolvida ao remetente, desconhecendo-se as razões.
Em 3/9/2012, a Ré reenvia nova carta registada com A/R, desta vez para Rua …, .., .º, ….-… Porto, recebida pelo Trabalhador a 11 desse mês, designando-a de 2° aviso e nela fazendo constar, além da decisão de despedimento, informação de que esta carta se deve ao facto de a anterior ter sido recusada.
Acontece, que não está comprovado nos autos que a primeira carta em que a Ré comunica o despedimento ao Autor tenha sido devolvida com o fundamento de a mesma ter sido recusada.
O que a Ré assume ao remeter a segunda carta ao Autor que é a anterior tinha sido remetida com a mora incorrecta, ou melhor insuficiente, pois na segunda já a endereçou para a morada indicada pelo Autor. Ora, era à ré que competia a prova da efectiva notificação do Autor e que a morada para a qual endereçou a sua missiva era aquela que constava do contrato de trabalho ou que o trabalhador lhe tinha posteriormente transmitido. Na da disso aconteceu.
É certo que numa primeira fase a Ré remeteu uma carta registada para a morada em causa e que a mesma foi recepcionada pelo Autor. No entanto, sendo a morada insuficiente, não está demonstrado que, apesar disso, a segunda das cartas foi entregue ao Autor ou na sua morada e que este, apesar disso, a tenha recusado. Se isso tivesse sido demonstrado, poderíamos dizer que a não recepção da carta era da responsabilidade do Autor, de culpa sua. Mas não foi isso que se demonstrou, ou melhor, isso não ficou demonstrado.
Sendo assim, não podemos afirmar que se a primeira carta não foi conhecida do autor, nem chegou ao seu conhecimento, foi por sua culpa, pelo que não se pode lançar mão do disposto do nº 2 do artigo 224º do Código Civil.
Dos factos elencados podemos afirmar que a apenas em 11 de Setembro de 2012 o trabalhador teve eficaz e válido conhecimento da decisão do seu despedimento. Data essa, diga-se, que a própria Ré dá como a data em que o contrato de trabalho cessou – cfr. artigo 12º do articulado motivador.

Assiste, pois, razão ao recorrente neste ponto.
E ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, a questão da data do despedimento não é irrelevante para o caso. Se é certo que o Autor não peticionou a retribuição de Agosto e de Setembro, peticionou os proporcionais referentes a férias, subsídio de férias e de natal do ano da cessação do contrato. Por outro lado, face à ilicitude do despedimento, o trabalhador tem direito ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado da respectiva decisão que o declarou.

Assim sendo, há que alterar a sentença na parte referente à condenação da Ré nos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal no ano da cessação do contrato, considerando que esta (cessação) ocorreu em 11 de Setembro de 2012 e não, como foi considerado na sentença recorrida, em 6 de Agosto do aludido ano.
Tem assim direito a receber, no que concerne a estes créditos, a quantia de € 1.461,36 e não € 1.030,85, conforme foi sentenciado na decisão recorrida.
No entanto, como a sentença recorrida condenou a Ré na quantia global (englobado também sete dias de férias não gozadas em 2011 e o subsídio de férias de 2011) de €1.544,18, para evitar equívocos, adita-se a esta quantia o diferencial extraído da diferença entre €1.461,36 e € 1.030,85. Condenar-se-á, assim, a Ré a pagar ao Autor a quantia global de €1974.69.
◊◊◊
3. O conhecimento do recurso da sentença, face ao agora decidido ficou prejudicado.
◊◊◊
4. As custas da acção e do recurso ficam a cargo da Recorrida (artigo 446º do CPC).
◊◊◊
◊◊◊
◊◊◊
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgarem procedente o recurso e, em consequência;
A)- Ao abrigo do disposto no artigo 98º-J, nº 3, do CPT, declaram a ilicitude do despedimento do trabalhador B… e, consequentemente:
I - Condenam a Ré/Entidade empregadora C…, LDA. a pagar ao aludido trabalhador:
a)- Uma indemnização em substituição da reintegração correspondente a trinta dias de retribuição (700,00€) por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde a admissão ao seu serviço (23 de Outubro de 2003) até ao trânsito em julgado desta decisão.
b)- As retribuições que o aludido trabalhador deixou de auferir desde o dia 11 de Setembro de 2012 (artigo 390º, nº 2, alínea b) do CT) até ao trânsito em julgado desta decisão; assim revogando, nesta parte, a sentença recorrida;
B) – Condenam a aludida Ré a pagar ao Autor a quantia de global de €1974.69 (mil novecentos e setenta e quatro euros e sessenta e nova cêntimos) a titilo de créditos laborais (férias, subsídio de férias, e proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal); assim revogando, nesta parte, parcialmente a sentença recorrida.
C) – Condenam a Ré C…, LDA. no pagamento das custas da acção e do recurso.
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
◊◊◊
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 16 de Setembro de 2013
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Mendes Ferreira Roberto
_________________
[1] Iremos chamar “Ré” à entidade patronal e “ Autor” ao trabalhador. Isto porque o legislador nos normativos em que regulou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não chama “autor” ao trabalhador, nem “ Ré” à entidade patronal. Na verdade, podemos constatar pela análise dos vários normativos que o legislador dispensou a utilização dos termos “autor” e “ré”, utilizando as expressões “trabalhador “e “empregador” (artigos 98ºF, 98º-G, 98ºH, 98º-I, 98º-J, 98º-L, 98º-N do CPT). A única referência que constatamos em que o legislador apelida o trabalhador de “ autor” é no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro, que aprovou as alterações ao actual CPT, ao referir que “A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).”
[2] Cfr. ANTUNES VARELA, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pp. 677-688; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, consultável no respectivo sítio, bem como Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2001 e 10/04/2008, respectivamente n.º 01A2507 e 08B877, in www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2005, Processo n.º 0535648, in www.dgsi.pt.
[3] Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, Almedina, 2010, p. 42.
[4] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2ª edição Revista e Actualizada, 2008, p. 185.
[5] Cfr. CASTRO MENDES “Direito Processual Civil”, p. 308.
[6] Cfr. ANTUNES VARELA “Manual de Processo Civil, p. 686.
[7] Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp.352-353.
[8] Sobre a questão podemos ver LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 643.
[9] Nesse sentido Acórdão do STJ de 10/05/2005, processo nº 05A963, www.dgsi.pt.
[10] Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, Anotado, V, pág. 140
[11] (cfr. FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, págs. 53/54.)
[12] Essenciais para a dirimência da lide e não de mera argumentação aduzida pelas partes em defesa das teses por si expendidas, não devendo, todavia, confundir-se com qualquer erro de julgamento dirigido ao mérito ou fundo da causa
[13] Cfr. neste sentido e cingindo-se à hipótese de falta de junção procedimento disciplinar, ABÍLIO NETO, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 5.ª edição Actualizada e Ampliada – Janeiro de 2011, Ediforum, pág. 287, nota 4.
[14] Processo nº 1758/11.7TTPRT.P1, in www.dgsi.pt.
[15] Cfr. JOSÉ DE LEBRE FREITAS, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, p. 452.
[16] Sublinhado da nossa autoria.
[17] Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 214.
[18] Acórdão desta Relação de 14/02/2007, Processo 9976/2006-4, in www.dgsi.pt.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/dbbc43c7bd32317880257bec004ab052?OpenDocument

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