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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO VIOLAÇÃO GROSSEIRA E REITERADA DE DEVERES REVOGAÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 10.09.2013


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
123/08.8GESTR-A.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
VIOLAÇÃO GROSSEIRA E REITERADA DE DEVERES
REVOGAÇÃO

Data do Acordão: 10-09-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO

Sumário:
I - Goradas as expectativas de alcançar as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão por culpa grosseira do arguido e atenta a perigosidade por ele revelada para bens pessoais de primeira grandeza, bem andou o senhor juiz a quo em revogar a suspensão da pena.


Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. – Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo com o número em epígrafe que corre termos no 1º juízo criminal do T.J. de Santarém, o arguido e ora recorrente, A, foi condenado por acórdão datado de 26 de Maio de 2010, transitado em julgado, pela autoria, em concurso efetivo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 145º nº1 a) e 2, por referência aos artigos 143º nº1 e 132º nº 1 al. a), todos do C. Penal e de quatro crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 145º nº1 a) e 2 por referência aos artigos 143º nº1 e 132º nº 1 al. h), todos do C. Penal e, ainda, aos artigos 86º nº1 al. c) e 2, 2º nº1 als o) e r), 3º nº 6 al. a), todos da Lei 5/2006 de 23.01, nas penas 1 ano e 4 meses de prisão por cada um deles.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período, sob condição de se submeter a tratamento em instituição adequada ao seu problema de dependência do álcool.

2. – Pelo despacho judicial que constitui fls 74 a 79 dos presentes autos de recurso em separado, proferido em 11.12.2012, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, determinando-se o seu cumprimento.

3. – É deste despacho que vem interposto pelo arguido o presente recurso, de cuja motivação extrai as seguintes

«CONCLUSÕES

1. O arguido não se conforma com a douta decisão, pois não se afigura que tenha violado de forma grosseira os deveres impostos, quando muito aceita-se ter havido incumprimento do dever de comparência às convocatórias do IRS.

2. Apesar de numa fase inicial o arguido se ter mostrado colaborante com a equipa do DGRS, o certo e que por último faltou várias vezes às entrevistas e até mesmo às convocatórias do Tribunal para prestar declarações.

3. Efetivamente, apenas compareceu após terem sido emitidos mandatos de condução ao Tribunal.

4. Nesse dia 12/007/2012, compareceu visivelmente transtornado, nada colaborante, indiciando estar alcoolizado, sendo que se recusou a falar com o defensor oficioso, e, só a muito custo “vociferou” para o Meritíssimo Juiz, prestando as declarações reproduzidas na respectiva ata.

5. O certo é que, meses depois a conduta do mesmo alterou-se, pois passou a poder contar com a ajuda do irmão J, facto que comunicado ao Tribunal, conforme resulta de fls. 349 dos autos.

6. Nesse requerimento o arguido deu conta ao Tribunal que sic: “Tal como referido na douta promoção o arguido manifestou intenção de cumprir a pena de prisão a que foi condenado.
Porém apenas o fez pois não tinha condições económicas para se deslocar a santarém de modo a frequentar as entrevistas promovidas pela DGRS, e também porque sentia-se desamparado pois não tinha o apoio dos filhos nem da restante família.
Sucede que, esta circunstância alterou-se e passou a contar com o apoio de seu irmão J (...) o qual está disponível para o auxiliar no tratamento contra o problema de alcoolismo.
Mais o arguido, entende que o atual grau de dependência do álcool apenas poderá ser tratado mediante o efetivo internamento em instituição adequada, sendo que as entrevistas ou tratamento em ambulatório já não se mostram adequadas.
Assim, o arguido vem requer a V.ª Ex.ª que lhe seja concedida uma nova oportunidade, mantendo-se a suspensão da execução da pena a que foi condenado, sujeitando-se a internamento em instituição adequado ao tratamento do problema de dependência do álcool.

7.Ora, o arguido reconheceu que a dependência do Álcool afeta de tal forma a sua vida que não poderá ser tratada em ambulatório, manifestando e requerendo ao tribunal que determine a sua sujeição a internamento.

8. Somos pois forçados a discordar da douta decisão, pois apesar de forma irrefletida ter demonstrado intenção de cumprir a pena de prisão, fê-lo perturbado pelo Alcoolismo.

9. Mais o arguido explicou que não compareceu às marcações pois não tinha condições económicas pra suportar os custos dos transportes da localidade de A. para Santarém.

10. Ademais resulta do relatório social que o mesmo não tem ocupação profissional nem aufere qualquer rendimento.

11. Deveria a conduta do arguido ser “julgada” nos termos do disposto no artigo 55º do CPP, nomeadamente, com a imposição de novos deveres ou regras de conduta, designadamente o internamento requerido pelo mesmo.

12. Não tendo sequer sido ponderado o eventual internamento, tratamento acompanhado e fiscalizado pelo Instituto de Reinserção Social ou outra qualquer hipótese que se adapta, realmente, às necessidades de prevenção especial do caso concreto.

13. A mudança de comportamento comunicada ao Tribunal de que está disposto a submeter-se a tratamento médico de desintoxicação ao álcool em regime de internamento, não pode deixar de configurar uma vontade de cumprir um plano de tratamento.

14. Posto isto, recorde-se que o dever consignado no douto Acórdão de fls.. consistiu em “…. Com a condição de o arguido se submeter a tratamento em instituição adequado ao seu prolema de dependência do álcool.”

15. Mais foi decidido que “solicite ao IRS competente que providencie pela colocação do arguido em instituição adequada para o tratamento do seu problema de alcoolismo, seja em regime de internamento, seja em regime de ambulatório, consoante seja mais adequado ao caso, o que deverá ser avaliado pela própria instituição, devendo remeter a este tribunal relatório trimestral”.

16. O que significa que ficou na mão do IRS a escolha do caminho a seguir para dar cumprimento ao dever imposto ao arguido e ainda que não lhe foi estipulado nenhum prazo mínimo de duração da submissão a tratamento.

17. Ora, analisando todos os elementos supra citados, impõe-se concluir que não se está seguramente perante uma violação indesculpável do dever imposto na sentença.

18. Na verdade, o arguido, pessoa de fracos recursos económicos, como o demonstra os factos constantes do Acórdão, e sem qualquer apoio de retaguarda, como por exemplo a intervenção e o acompanhamento do IRS, que jamais existiu.

19. Porque diga-se, os técnicos do IRS, conforme resulta da decisão limitaram-se a enviar convocatórias para o arguido comparecer.

20. Numa situação, em como resulta provado no ponto 14 no Acórdão “O arguido vive sozinho numa casa com poucas condições de habitabilidade, sem eletricidade, encontra-se inativo profissionalmente, ajudando quando é solicitado por pessoas residentes na mesma localidade em diversas tarefas em troca da cedência de alimentos essenciais, usufruindo também regularmente da cedência de alimentos por pessoas da comunidade de residência.”

21. O facto é que o IRS, neste caso, tinha o especial dever cuidado atenta a situação precaridade económica do arguido, não se lhe bastando dizer no relatório que foi tentado o contacto com o arguido sem sucesso, numa única deslocação à habitação do mesmo, e de ter sido deixada convocatória à qual o mesmo não compareceu.

22. Ora, não era este o comportamento e acompanhamento que se impunha ao IRS na situação concreta do arguido.

23. Ainda assim, o arguido reconhece que carece de internamento para tratar o seu problema de Alcoolismo.

24. Sendo que o, o IRS nunca foi capaz de determinar essa necessidade apesar de referir que o arguido mantém o consumo excessivo de álcool.

25. Daí que se nos afigure desprovida de fundamento a censura constante da decisão recorrido, pois a informação elaborada pelo IRS não determina qual o tratamento a que o arguido deverá ser sujeito, nem desencadeou os meios aos seu dispor para efetuar tal determinação.

26. Isto porque, apesar de não o conseguir contactar, o IRS está ciente das condições socio económicas do arguido e da realidade subjacente à vivência do mesmo, o que para um técnico medianamente avisado, determinaria a necessidade de internamento do arguido para a realização da avaliação clinica e respetivos exames médicos.

27. Não poderia o IRS esperar que um arguido sem meios de subsistência se deslocasse às consultas e exames, desprovido que está de meios económicos.

28. Só que o dever imposto ao arguido não foi a submissão a tratamento a determinar pelo IRS, o qual nunca chegou a ser determinado pela inoperância do mesmo IRS.

29. Pelo que, a escolha agora do arguido pelo regime de internamento para o tratamento do alcoolismo, deverá prevalecer à determinação nunca concretizada pelo IRS, sendo que, o internamento é o máximo previsto no Acórdão para a suspensão da pena.

30. Logo, deveria o Tribunal a quo, nos termos do previsto no artigo 55 do CP, ter ponderado a sujeição do arguido ao internamento, por si requerido, e nunca determinado pelo IRS.

31. Por determinar ficou ainda, se a doença do arguido (alcoolismo) lhe permite tomar consciência do conteúdo das convocatórias que lhe foram remetidas, e, bem, assim, da consequência da não comparência.

32. Por determinar dos relatórios do IRS está também o grau de dependência do arguido e a capacidade do mesmo se autodeterminar, dado que o mesmo nunca foi sujeito a avaliação médica, apesar de ter realizado as analise clinicas.

33. Em suma, não se está sequer perante uma situação em que o arguido tivesse violado o dever imposto, e muito menos que o tivesse infringido de forma grosseira, pois o dever nunca chegou a ser concretizado pelo IRS.

34. A violação indesculpável existiria, a nosso ver, se o arguido não tivesse diligenciado, podendo fazê-lo, pela obtenção do tratamento ou, obtendo-o, não se tivesse submetido ao mesmo, o que não aconteceu.

35. Ora o IRS nunca determinou o tratamento, pelo que a violação grosseira, ocorreria coso o mesmo abandonasse o tratamento, incumprindo a obrigação que lhe foi determinada.

36. Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida a qual deve ser substituída por outra que pressuponha que não houve violação do dever imposto e que determine a sujeição do arguido a medida de internamento para tratamento do alcoolismo.

37.Foram violados os artigos 50º, 54, 55 e 56 do CP.

Termos em que se requer a V.ªs Ex.ªs se dignem revogar a douta decisão recorrida, com as legais consequências.»

4. – Na sua resposta, o MP em 1ª Instância pronunciou-se pela total improcedência do recurso.
5. – Nesta Relação, a senhora magistrada do MP emitiu parecer no mesmo sentido.

6. – Transcrição do despacho recorrido.
« O arguido A. foi condenado, por acórdão datado de 26 de Maio de 2010 e transitado em julgado, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período, sob condição de se submeter a tratamento em instituição adequado ao seu problema de dependência do álcool.

Refere a Digna Magistrada do Ministério Público que numa primeira fase o arguido A colaborou com os serviços de reinserção social tendo em vista a respectiva ressocialização, objectivo particular da pena substitutiva que lhe foi aplicada.

Contudo, desde Janeiro de 2011 que o arguido A. inverteu a sua postura, não comparecendo às entrevistas agendadas, nem se deixando contactar e, pior que isso, reincidindo nos consumos excessivos de álcool.

Em Maio de 2011, o tribunal fez ao arguido A. uma solene advertência e concedeu-lhe nova oportunidade de aderir às orientações da DGRS.

O arguido, todavia, não aderiu a essa oportunidade, faltando às entrevistas e não se sujeitando a qualquer tratamento em instituição adequada à sua dependência do álcool.

O arguido foi ouvido, tendo declarado que deliberadamente não observou a condição dessa suspensão para ter de cumprir a pena substituída.

Pelo exposto, doutamente se promove a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, dado que continua a não estar inserido social, profissional e familiarmente e porque aparenta ter perdido a sua capacidade de autocrítica. [cfr fls 343].

No caso concreto sempre se recordará que o tribunal decidiu como provado que “o arguido sofre de problemas de alcoolismo, mas nunca se sujeitou a qualquer tratamento, estando disposto a fazê-lo agora (26 de Maio de 2010, data do douto acórdão condenatório) ”. [cfr fls 233]

Em 20 de Dezembro de 2010 foi elaborado relatório de execução de acompanhamento em suspensão de execução da pena, pela DGRS – Equipa da Lezíria do Tejo – Serviços de Santarém, no qual se expressa que “em termos de saúde e no que respeita à sua alcoologia, o arguido iniciou as consultas na Equipa de Tratamento de Santarém, no dia 19 de Outubro de 2010, comparecendo à consulta previamente agendada por este serviço. Já efectuou alguns exames e análises prescritas pela médica responsável que ainda não concluiu (…) com vista a aferir do tipo de tratamento a prosseguir à sua problemática do álcool, nomeadamente se em regime de internamento ou em regime de ambulatório. Em termos comunitários, os indicadores disponíveis apontam para a inexistência de desajustamento social” – [cfr fls 289].

Em 14 de Março de 2011 foi elaborado novo relatório, este de anomalias na execução do acompanhamento em suspensão de execução da pena, do qual consta que “o arguido não compareceu a entrevista agendada para o dia 24 de Janeiro de 2011 e foi efectuada deslocação ao local de residência do mesmo no dia 31 de Janeiro de 2011 e não foi possível o contacto por estar ausente. Foi deixada convocatória para nova entrevista nos serviços da DGRS em Santarém, para o dia 3 de Fevereiro de 2011, voltando o arguido a faltar e não apresentou qualquer justificação. Em termos sociais a informação recolhida continua a apontar para hábitos de consumo abusivo de bebidas alcoólicas por parte do arguido, factor desorganizador do seu modo de vida em geral (…) - [cfr fls 295].

Face ao teor deste relatório, foi o arguido convocado para prestar declarações em 4 de Maio de 2011, tendo declarado que “não cumpriu a realização dos exames e análises que lhe foram pedidas não apresentando qualquer justificação ou explicação para tal comportamento. (…) manifestou expresso desejo de retomar o acompanhamento e o tratamento com vista ao tratamento da sua dependência alcoólica”. [cfr fls 305].

Foi o arguido notificado pessoalmente para, no prazo de cinco dias comparecer na DGRS, com vista a retomar o tratamento e lhe ser fixado prazo para apresentar os exames e análises necessários.

Em 1 de Julho de 2011, o serviço de Santarém da DGRS informou este tribunal que “o arguido A. não compareceu, até à presente data nos serviços, como ordenado por este tribunal” – [cfr fls 312].

Em 14 de Janeiro de 2012, foi o arguido notificado pessoalmente de despacho judicial que ordenava a sua comparência, no prazo de cinco dias, na DGRS – Equipa de Santarém, para retomar o tratamento que lhe foi imposto como regra de conduta.

Em 23 de Março de 2012, a Equipa da Lezíria do Tejo – Serviços de Santarém da DGRS informaram o tribunal que “o arguido A. não compareceu naquele serviço após o dia 14 de Janeiro até à presente data” [cfr fls 322].

O arguido A. foi novamente convocado para prestar declarações, mas em 11 de Junho de 2012 faltou, não tendo justificado a sua falta, pelo que foram emitidos os competentes mandados de detenção, a fim de garantir a sua presença em juízo, a fim de apresentar justificação ou até mesmo explicação para o não cumprimento da regra de conduta imposta.

O arguido A. foi ouvido em declarações em 12 de Julho de 2012, tendo declarado que “não compareceu ao acompanhamento a que estava obrigado para tratamento da sua dependência do álcool porque não lhe apeteceu, declarando que desejava cumprir a pena a que foi condenado” [cfr fls 337].

Finalmente foi o arguido notificado do teor da douta promoção da Digna Magistrada do Ministério Público de fls 343, tendo o mesmo alegado que não tinha meios económicos para se deslocar a Santarém para as entrevistas e porque se sentia desamparado pois não tinha apoio dos filhos nem da restante família. Salienta que passou a contar com o apoio de seu irmão Júlio, o qual está disponível para o auxiliar no tratamento contra o problema de alcoolismo. Refere, por último que apenas poderá ser tratado mediante o efectivo internamento em instituição adequada, sendo que as entrevistas ou tratamento em ambulatório já não se mostram adequados” [cfr fls 349].

Cumpre decidir.

Estabelece o artigo 56.º n.º 1, alínea a), do Código Penal, no segmento que ao caso importa, que «a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos».

Como sublinham Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette (no «Código Penal – Anotado e Comentado», Quid Juris - 2008, pág. 189), «grosseira quer dizer grave, rude, ordinária, vil, baixa, reles».

E adiantam que «a repetição do infringente, persistindo em não cumprir ou em não corresponder vale, só por si, uma forma de grosseria e daí a equivalência analógica que a lei estabelece».

Já Paulo Pinto de Albuquerque (no «Comentário do Código Penal», Universidade Católica Editora – 2008, pág.s 201 e 202) salienta que «a infracção grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social não tem de ser dolosa, sendo bastante a infracção que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (em sentido próximo, acórdão do TRL, de 19.2.1997, in CJ XXII,1,166).

E adianta que «a infracção repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social é aquela que resulta de uma atitude de descuido ou leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória».

Mais sublinha que «o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado».

Revertendo à jurisprudência mais significativa para o caso, decidiu o acórdão, da Relação de Lisboa, de 19 de Fevereiro de 1997 (Colectânea de Jurisprudência, XXII – 1 – 166), que «a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na al. a) do n.º 1 do art. 56.º do CP, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e não mereça ser tolerada nem desculpada. Só a inconciabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação».

Decidiu, ainda, o acórdão, desta Relação de Évora, de 16 de Novembro de 2004, que «o arguido que deixou esgotar o prazo da condição, apesar de saber que a mesma era condicionante da suspensão da execução da pena, e nenhum esclarecimento, no referido prazo, levou ao conhecimento do tribunal e nada requereu, torna legítima a conclusão que durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixou de cumprir a obrigação condicionante da suspensão da execução da pena».

No caso concreto verificamos que o arguido A. nunca, de forma voluntária e esclarecida, informou o tribunal ou a DGRS das razões pelas quais não se submeteu ao cumprimento da regra de conduta de tratamento à sua dependência do álcool.

Sempre que foi chamado a prestar declarações, nunca alegou qualquer facto ou circunstância justificativa ou explicativa do não cumprimento da regra de conduta.

Dadas ao arguido todas as garantias de audição para justificação do não cumprimento da regra de conduta, o mesmo afirmou a verdadeira justificação do seu comportamento omissivo – “ não cumpri porque não me apeteceu !!!!”.

Estamos claramente perante uma situação de infracção grosseira e também repetida dos deveres impostos ao arguido, impondo-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, tanto mais que as finalidades que presidiram à suspensão se tornaram inalcançáveis.

Pelo exposto e ao abrigo do disposto no art.º 56.º n.ºs 1 al. a) e 2 do Código Penal, decido revogar a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido A. e, em consequência, ordenar o cumprimento da pena de prisão fixada no douto acórdão a fls 249 dos autos.
Notifique.

Após trânsito, passe e entregue os competentes mandados de detenção e condução do arguido A. a estabelecimento prisional para cumprimento de pena.»

II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso.

A questão suscitada na motivação de recurso é a de saber se deve ser revogado o despacho recorrido por erro de julgamento, pois entende o arguido que o tribunal a quo violou o disposto no art. 56º do C. Penal ao revogar a suspensão da pena.

2. Decidindo.
O despacho judicial ora recorrido revogou a suspensão da pena de 4 anos de prisão aplicada ao arguido ao abrigo do disposto no art.º 56.º n.ºs 1 al. a) e 2 do Código Pena por considerar, em síntese, estar-se perante uma situação de infracção grosseira e também repetida dos deveres impostos ao arguido, em que se tornaram inalcançáveis as finalidades que presidiram à suspensão.

Por sua vez, o arguido e recorrente alega, em síntese, que:

- não violou grosseiramente os deveres que lhe foram impostos, aceitando, quando muito, ter havido incumprimento do dever de comparência às convocatória do IRS, que ficou a dever-se a falta de condições económicas para se deslocar ;

- em face do incumprimento verificado, o tribunal a quo devia ter imposto novos deveres ou regras de conduta, nos termos do art. 55º do C. Penal, designadamente a sujeição do arguido a internamento para tratamento do alcoolismo, decisão esta que, no seu entender, deve ser agora tomada em substituição por este tribunal de recurso.

Na sua resposta em 1ª instância o MP entende, em síntese, que a atuação do arguido não merece ser tolerada nem desculpada, tanto mais que é dolosa – diria mesmo desafiadora -, pelo que a suspensão da execução da pena de prisão não podia deixar de ser revogada.

Vejamos.
2.1. -Nos termos do art. 56° do C. Penal, a suspensão da execução da pena de prisão será revogada sempre que, no seu decurso, o condenado

a) infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou

b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

No caso sub judice está em causa violação grosseira e/ou repetida das regras de conduta impostas ao arguido no acórdão condenatório, o que implica o incumprimento das condições impostas de forma particularmente censurável ou reiterada no tempo, não se esgotando num único ato isolado, revelando uma atitude que por ser prolongada no tempo manifesta indiferença ou contrariedade do arguido face ao cumprimento das condições impostas e às finalidades que, em concreto, visam prosseguir.

Para além do incumprimento qualificado previsto no art. 56º do C. Penal (face ao mero incumprimento culposo a que se refere o art. 55º), a revogação da pena de prisão suspensa depende ainda de aquele incumprimento revelar que “…as finalidades que estavam na base da suspensão já não poderão, por meio dela, ser alcançadas”, condição esta que constitui um verdadeiro critério material da revogação da suspensão da pena (cfr Pinto de Albuquerque, Comentário do C.Penal 2008 p. 202), pois conforme esclarecimento do Prof. F. Dias na comissão de Revisão do C. Penal de 1995, a parte final da al. b) do nº1 [do art. 54º do projecto de revisão, que corresponde quase integralmente ao actual art. 56º do C. Penal] “…estabelece uma condição comum às duas alíneas do nº1. As alíneas não são cumuláveis, mas a condição vale para ambas.”

2.2. O acórdão condenatório, de 26.05.2010, impôs ao arguido a condição de se submeter a tratamento em instituição adequada ao seu problema de dependência do álcool, solicitando-se ao IRS na parte final do acórdão que providenciasse pela colocação do arguido em instituição adequada para tratamento do seu problema de alcoolismo, seja em regime de internamento, seja em regime ambulatório, consoante seja mais adequado ao caso, o que deveria ser avaliado pela própria instituição”.

De acordo com os relatórios da DGRS que integram estes autos de recurso em separado, devidamente considerados no despacho recorrido, o arguido iniciou as consultas na Equipa de Tratamento de Santarém, no dia 19 de Outubro de 2010 e realizou alguns dos exames e análises necessários para aferir do tipo de tratamento à problemática do álcool a prosseguir, nomeadamente se em regime de internamento ou em regime de ambulatório, mas ficou-se por aí a indispensável colaboração do arguido com os serviços médicos e sociais, como claramente fundamentado no despacho recorrido, sem que as razões que aduz na sua motivação de recurso justifiquem o incumprimento repetido dos deveres acessórios indispensáveis à sua sujeição a tratamento, condição de suspensão da execução da pena de prisão.

Quer a circunstância de se encontrar alegadamente alcoolizado na diligência judicial de 12.07.2012, quer a invocada falta de meios económicos para se deslocar de A. a Santarém às entrevistas com o IRS não explicam de forma alguma as suas ausências.

Quanto à primeira situação, não vemos mesmo como pretenderá o arguido que a circunstância de se apresentar alcoolizado em diligência presidida pelo juiz do processo deponha a seu favor.

Quanto ao segundo argumento, importa ter em conta que a distância aproximada entre A. e Santarém é de cerca de 20 km, que o arguido, conforme diz, não tinha ocupação profissional nem atividade que lhe impusesse compromissos ou limitações de horários, o que lhe permitia diligenciar para cumprir aquela sua obrigação por meio adequado, pois, em princípio, são meios elegíveis para alguém na situação e no contexto do arguido procurar deslocar-se (em circunstâncias normais), nomeadamente de bicicleta ou mesmo de boleia. A verdade, porém, é que conforme se dá conta nos relatórios sociais, o arguido não justificou desse modo (ou qualquer outro) as suas ausências, limitando-se a não comparecer às entrevistas mesmo quando aqueles serviços se deslocaram à sua residência, pelo que é, para além do mais, manifestamente impertinente a alegação de que teria sido o IRS a não cumprir diligentemente as obrigações decorrentes do acórdão condenatório.

Não merece, pois, qualquer censura o despacho recorrido na parte em que julgou verificar-se incumprimento culposo, grosseiro e repetido dos deveres acessórios que impendiam sobre o arguido, tanto mais censurável quanto apenas se lhe exigia que se prestasse à indispensável colaboração com os serviços do Estado para que estes pudessem promover a sua recuperação no plano comportamental (reinserção social), mas também da sua própria saúde.

Por último, tem o criterioso e fundamentado despacho recorrido igualmente razão quando conclui que o incumprimento grosseiro e repetido dos deveres impostos ao arguido como condição da suspensão da pena de prisão, revela que “…as finalidades que estavam na base da suspensão já não poderão, por meio dela, ser alcançadas” o que constitui um verdadeiro critério material da revogação da suspensão da pena, como vimos.

Na verdade, o arguido foi condenado na pena de 4 anos de prisão por ter atingido dolosamente a tiro (sem qualquer explicação) o seu próprio filho e outros quatro menores que se encontravam com aquele no pátio da escola primária, numa altura em que sofria de problemas de alcoolismo sem alguma vez se ter sujeitado a tratamento. Daí que, atenta a gravidade da sua conduta e a perigosidade revelada, só o cumprimento escrupuloso e empenhado do tratamento adequado para tentar ultrapassar os referidos problemas de alcoolismo, pudessem dar razão ao prognóstico do tribunal de condenação de que a pena imposta, para além de satisfazer as elevadas necessidades de prevenção geral, permitia lograr a reintegração do agente ainda em liberdade.

Goradas aquelas expectativas por culpa grosseira do arguido e atenta a perigosidade revelada para bens pessoais de primeira grandeza, bem andou o senhor juiz a quo em revogar a suspensão da pena, para que, em reclusão, possa ainda atingir-se a reinserção social do arguido, nomeadamente desfrutando dos meios de tratamento ou apoio que possam ser-lhe disponibilizados intramuros e subsequentemente.

Improcede, assim, totalmente o presente recurso.

III. - Dispositivo

Nesta conformidade e tendo especialmente em conta o preceituado nos arts. 56º e 40º, do C. Penal, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, A., mantendo integralmente o despacho judicial recorrido que revogou a suspensão da execução da pena de quatro anos de prisão que lhe foi aplicada.

Custas pelo arguido, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida – cfr arts. 513º nº1 do CPP, na atual versão e o art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) aprovado pelo citado Dec-lei 34/2008, conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Évora, 10 de setembro de 2013

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

António João Latas
Carlos Jorge Berguete

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/59493348d0d6edf980257be200394ef5?OpenDocument

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