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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - ADMINISTRADOR CONTRATO DE TRABALHO INCOMPATIBILIDADE - 14/09/2011


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1781/09.1TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: ADMINISTRADOR
CONTRATO DE TRABALHO
INCOMPATIBILIDADE

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 14-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO

Sumário: 1. O n.º1 do art. 398 do CSC estabelece um regime de incompatibilidades entre as funções de administrador e as temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, autónomo ou subordinado, ou ao abrigo de contrato de prestação de serviços. Esta proibição é imperativa, implicando a nulidade do contrato de trabalho celebrado com os efeitos decorrentes do art.º15 da LCT e art.º116 do CT/2003
2. No caso, provou-se porém a manutenção do contrato de trabalho existente entre autor e ré, apesar da nomeação daquele como administrador, pois continuou a exercer as mesmas funções, decorrentes do contrato de trabalho celebrado em 1984, auferindo um remuneração mensal em termos idênticos aos demais trabalhadores, com os respectivos descontos fiscais, tendo adquirido o direito à reforma por via dessa relação de trabalho.
3. Assim sendo, o mesmo produziu efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, dado não ter sido requerida a sua declaração de nulidade, ou seja, até à data da cessação do contrato que ocorreu por reforma do autor por velhice em 2006.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A, (…), instaurou a presente acção contra:
B, S.A., (…), pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 11.050,00 € (onze mil e cinquenta euros), relativa a créditos reclamados e vencidos decorrentes de um subsídio complementar de pensão de reforma, bem como no pagamento dos respectivos subsídios vincendos.

Para o efeito invocou um contrato de trabalho celebrado com a ré em Abril de 1984 que previa, na cláusula 5ª, o reclamado complemento de reforma.

Na contestação a ré defende-se por impugnação e invocou excepção de prescrição que foi julgada improcedente no despacho saneador.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:” Nestes termos, julgo acção procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 11.050,00 € (onze mil e cinquenta euros) a título de complemento de pensão de reforma vencido à data da propositura da acção, assim como das quantias que se tiverem vencido na pendência dos autos e das que se vierem a vencer, todas a esse título.”

A ré, inconformada, interpôs recurso de apelação, tendo restringido o recurso nos seguintes termos :
(…)

Nas contra-alegações o autor pugnou pela decisão constante da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir

I. Como resulta do recurso interposto, a única questão suscitada é a de saber qual retribuição relevante para efeitos de base de cálculo do complemento de reforma reclamado; se é a que o autor vinha auferindo mensalmente enquanto administrador, como se decidiu na sentença recorrida, ou se é a do vencimento mensal correspondente à remuneração de um 2º escriturário, conforme cláusulas 2º e 5º do contrato de trabalho celebrado entre as partes.

II. Fundamentos de facto

Foram considerados provados os seguintes factos:
1 - O A. foi contratado, no ano de 1974, pela "B, SA", para prestar serviços de advocacia, os quais sempre lhe foram pagos, através de avença mensal.
2 - Em 16 de Abril de 1984, o Conselho de Administração da Ré, representada pelos seus Administradores, os mui saudosos e distintos, Eng°. C e Eng°. D, deliberaram celebrar com o A. um contrato de trabalho subordinado (doc. n°1 junto com a P.I. a fls. 13).
3 - Não obstante o contrato ser para o exercício de funções de "chefe de contencioso", o A. sempre assegurou todos os serviços jurídicos necessários à actividade industrial e comercial da Empresa, que tinha, ao tempo, cerca de duzentos trabalhadores.
4 - O A. passou a cumprir com as suas obrigações de trabalhador subordinado e auferia uma retribuição fixa mensal, subsídio de Natal e de Férias, além de subsídio de alimentação e de transportes.
5 - Por força do Estado ter alienado a sua posição accionista na Empresa, a qual era de 25% do capital social, o A. adquiriu, pessoalmente, uma posição não inferior a 9% do capital social, pois o Estado sempre esteve interessado em que os accionistas nacionais adquirissem a sua parte;
6 - No referido contrato de trabalho, foi acordado entre as partes um complemento de subsídio de reforma, nos termos da cláusula 5a, cujo teor é o seguinte: "A 1ª outorgante conferirá um complemento de subsídio de reforma que corresponda à diferença entre a remuneração bruta e a pensão de reforma que vier a ser atribuída pela Segurança Social ao 2°outorgante".
7 – O A. foi nomeado membro do Conselho de Administração da ré em 25 de Janeiro de 1991, onde se manteve até ao passado dia 20 de Maio de 2008.
8 - Ficou, desde logo, acordado com os restantes membros do Conselho de Administração, que o A. asseguraria a gestão jurídica da sociedade e que, por tal efeito, continuaria a ser remunerado como se fosse trabalhador.
9 - Desde o primeiro dia do exercício do cargo de administrador da Ré, o A. recebeu mensalmente uma remuneração, bem como os subsídios de férias e Natal, sendo efectuados os respectivos descontos para a segurança social e IRS como a qualquer outro trabalhador da sociedade Ré.
10 - Depois de Junho de 2006, quando o A. atingiu a idade de 65 anos para poder requerer a chamada reforma por velhice, fê-lo, não só relativamente à "Caixa de Previdência da Ordem", como ao "Centro Nacional de Pensões", as quais foram deferidas em Novembro do mesmo ano.
11 - O A., após ter deixado de exercer funções, como membro do Conselho de Administração da Ré, remeteu a esta uma carta, datada de 20 de Maio de 2008, na qual informava que o contrato de trabalho do A. "esteve suspenso... e caducou, por efeito de ter requerido... a reforma" (doc. n°6 junto com a P.I. a fls. 31/32,).
12 - O A. reclamou, ao abrigo da cláusula quinta do referido contrato de trabalho, a diferença entre a reforma atribuída pela segurança social (€ 619,06) e a importância que auferia mensalmente (€ 1.496,39);
13 - A Ré nunca respondeu, por escrito, àquela carta.
14 - Em virtude dos descontos para a segurança social que, entretanto, a Ré continuou a efectuar, a pensão do A., foi actualizada e o beneficiário logo a comunicou ao Sr. E, administrador delegado da Ré, a fim de tomar conhecimento das importâncias que entendia que lhe deviam ser creditadas (doc. 7 junto a fls. 34)
15 - Tal "email" também não obteve qualquer resposta, por escrito, como solicitou o A. ao único membro português do conselho.
16 - A pensão mensal foi actualizada de € 649,06 para € 678,99, que é o valor mensal ilíquido.
17 - Para melhor esclarecer o Conselho de Administração, o A. indicou o valor que recebia mensalmente, que era de €1.496,39, bem como a pensão corrigida, que era de € 678,99.
18 - Nos últimos anos, membros da Comissão de Vencimentos contactaram o A. a fim de deliberarem sobre a alteração do seu vencimento, o que o A. recusou, em virtude da situação financeira e económica da sociedade;
19 - Era o A. que todos os anos negociava, por conta da Ré, as alterações ao Acordo de Empresa.
20 - Ao A. sempre foi conferido o pelouro específico do contencioso, das questões jurídicas e até das relações com o pessoal, que sempre dirigiu e orientou, nomeadamente os três despedimentos colectivos, efectuados nos exercícios de 2001 a 2006, data em que foi encerrada a actividade fosforeira e tabaqueira da ré.
21 - A "Comissão de Vencimentos" confirmou e atribuiu ao A. as remunerações que vinha auferindo e fê-lo com as regalias de trabalhador, tendo ainda conferido, por ano, mais dois meses de vencimentos, sujeitos a todos os descontos como qualquer trabalhador, para a segurança social e IRS;
22 - O Conselho de Administração da R. nunca pôs em causa, durante os mandatos de 1991 a 2007, o vencimento fixo do autor, que sempre foi atribuído pela própria "Comissão de Vencimentos", cuja maioria dos membros nunca deixou, nos últimos anos, de convidar o A a solicitar a alteração dos seus vencimentos.
23 - Como no exercício de 2007 não foram transferidos quaisquer vencimentos, o A., no final do ano de 2007, reclamou-os e os mesmos foram-lhe pagos por instruções dos restantes membros do Conselho.
24 - Estas remunerações fixas, bem como as variáveis, foram-lhe sempre voluntariamente pagas e aprovadas pelas contas de todos os exercícios, bem como votadas favoravelmente pela totalidade dos accionistas presentes na assembleia-geral e ainda pelos membros do Conselho de Administração

III. Fundamentos de direito

Tal como acima se referiu, a única questão suscitada pela ré/recorrente é a de saber qual a retribuição relevante para efeitos de base de cálculo do complemento de reforma devido ao autor.
A sentença recorrida entendeu que a retribuição relevante para os referidos efeitos era a que o autor vinha auferindo mensalmente enquanto administrador – cujas funções tinham um laço ou ligação estreita com a actividade exercida enquanto trabalhador que prestava serviços de natureza jurídica, nos termos que resultaram provados.
Contrariamente, a recorrente entende que a retribuição relevante para efeitos de base de cálculo do complemento do subsídio de reforma deve ser a retribuição auferida pelo Recorrido enquanto trabalhador, ou seja, a remuneração correspondente à de um 2ª escriturário, (baseada no teor da cláusulas 2ª e 5ª do contrato de trabalho) uma vez que outra não resulta dos autos, nem foi alegada e muito menos demonstrada, mas nunca aquela que recebeu enquanto foi administrador da Recorrente. Na tese da apelante, o contrato de trabalho que existiu com o autor esteve suspenso, ao abrigo do art.º398 do CSC, entre 25 de Janeiro de 1991 até Junho de 2006, datada em que cessou por reforma por velhice do autor.
Na verdade, o art. 398.º do CSC, nos seus nºs 1 e 2, que dispõe que: “1 – Durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador.
2 – Quando for designado administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número anterior, exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número, os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham durado mais do que esse ano.”
Sobre as razões da incompatibilidade entre o exercício do cargo de administrador e de trabalhador subordinado, no acórdão do STJ de 22.10.1997, publicado na Revista Acórdãos Doutrinais, n.º435, pág.417, foi entendido que: “Este dispositivo estabelece um regime de incompatibilidades entre as funções de administrador e as temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, autónomo ou subordinado, ou ao abrigo de contrato de prestação de serviços. Esta incompatibilidade radica-se no facto de que ao conselho de administração de uma sociedade anónima competir gerir as suas actividades, nas quais de incluem, entre outras, a abertura ou encerramento de estabelecimentos ou de partes importantes destes, extensões ou reduções importantes de actividade da sociedade, modificações importantes na organização da empresa e projectos de fusão, de cisão ou de transformação da sociedade – als g) h) i) e m) do art.º 406 do CSC. Ora, estes poderes conferidos à administração da sociedade podem ter repercussões nos seus trabalhadores e respectivos estabelecimentos, podendo criar-se o risco dos interesses da sociedade não serem completamente atingidos no caso de eles serem conflituantes com os dos trabalhadores, vindo os administradores, caso se mantivesse o vínculo laboral, a preterir aqueles interesses societários. Por estas razões, bem se compreende aquela incompatibilidade prevista na lei.”
Assim sendo, quando o autor foi nomeado membro do Conselho de Administração da ré, em 25 de Janeiro de 1991, o contrato de trabalho que detinha com a ré, desde Abril de 1984, devia ter sido suspenso, enquanto durassem as funções como administrador.
É certo que a legislação laboral a partir 1991, com o DL 404/91 de 16.10, criou a figura da comissão de serviço a fim de regular situações em que os trabalhadores ascendiam, por exemplo, a cargos da administração decorrente de uma natural e especial relação de confiança que se pudesse criar entre trabalhadores e administração, reflectindo assim um espírito de maior flexibilidade funcional que foi reforçado no regime previsto no art.º244 e sgts do CT 2003, e actualmente com o estatuído no art.161 segts do CT/2009; o aludido DL nº404/91 começou, mesmo, por estabelecer uma preferência, no exercício de cargos da administração, em regime de comissão de serviço aos trabalhadores já vinculados à entidade empregadora. Porém, este regime não foi o configurado pelas partes no caso em apreço.
No entanto, da matéria de facto resulta que o autor na altura da sua nomeação como administrador detinha com a ré um contrato de trabalho com funções de "chefe de contencioso", mediante o qual sempre assegurou todos os serviços jurídicos necessários à actividade industrial e comercial da empresa, que tinha, ao tempo, cerca de duzentos trabalhadores. Resultou também provado que, embora o autor/recorrido tenha sido nomeado como administrador, continuou a exercer as mesmas funções que até aí, tendo ficado acordado com os restantes membros do Conselho de Administração, que o A. asseguraria a gestão jurídica da sociedade e que, por tal efeito, continuaria a ser remunerado como se fosse trabalhador, tendo ainda resultado provado que ao A. sempre foi conferido o pelouro específico do contencioso, das questões jurídicas e até das relações com o pessoal, que sempre dirigiu e orientou, nomeadamente os três despedimentos colectivos, efectuados nos exercícios de 2001 a 2006, data em que foi encerrada a actividade fosforeira e tabaqueira da ré. Finalmente resultou provado que, desde o primeiro dia do exercício do cargo de administrador da Ré, o A. recebeu mensalmente uma remuneração, bem como os subsídios de férias e Natal, tendo efectuados os respectivos descontos para a segurança social e IRS como a qualquer outro trabalhador da sociedade Ré (factos nºs 8,9,19 a 22).
Estes factos permitem-nos pois concluir pela manutenção do contrato de trabalho existente entre autor e ré, apesar da sua nomeação como administrador, pois continuou a exercer as mesmas funções, decorrentes do contrato de trabalho celebrado em 1984, auferindo um remuneração mensal em termos idênticos aos demais trabalhadores, com os respectivos descontos fiscais, tendo adquirido o direito à reforma por via dessa relação de trabalho.
Todavia, a proibição estatuída no n.º1 artº398 do CSC é imperativa, o que implica a nulidade da manutenção do referido contrato de trabalho, com os efeitos decorrentes do art.º15 da LCT e art.º 116 do CT/2003.
Como se ponderou, no Acórdão do STJ de 30.09.04, publicado na revista Acórdãos Doutrinais n.º522, pág. 1074:“ para além de ser igualmente muito difícil detectar em termos fácticos uma situação de subordinação jurídica, a eventual coexistência desta com a aludida qualidade social implica a nulidade do contrato de trabalho por violação da proibição constante do art.º398 do CSC - art.º280 do C.Civil - com os efeitos previstos no art. 15º do RJCIT – e actualmente no art.º116, do Cód. Trab. - ou seja, apenas produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução”.
Tal significa que, ainda que se possa concluir pela nulidade do referido contrato, face à proibição contida no artigo o art.º398 do CSC, o certo é que o mesmo produziu efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, dado não ter sido requerida a declaração de nulidade, como decorre do art.º15 da LCCT e art. 116 n.º1 do CT/2003, ou seja, até à data da sua cessação que ocorreu por reforma do autor por velhice em 2006.
Deste modo, afigura-se-nos que a cl.5ª do contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré manteve-se vigente até à data da cessação do contrato que ocorreu com a reforma do autor por velhice, em Novembro de 2006, (doc. fls. 30), pelo que o complemento de reforma aí previsto deverá ser calculado entre a remuneração bruta fixa que autor recebia da ré nessa data, por força do referido contrato de trabalho, e a reforma atribuída pela segurança social, mas cujos valores não resultaram apurados, dado apenas se terem apurado os referidos valores à data da carta datada de 20 de Maio de 2008, conforme facto n.º 12.
Conclui-se assim que a retribuição relevante para efeitos de base de cálculo do complemento de reforma é a que o autor auferia mensalmente da ré à data da reforma que ocorreu Novembro de 2006, pelo que o recurso deverá proceder nesta parte.

IV. Decisão
Face o exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto e altera-se a sentença recorrida no sentido de considerar que a retribuição relevante para efeitos de base de cálculo do complemento de reforma é a retribuição fixa bruta que o autor auferia mensalmente da ré, por força do contrato de trabalho que se manteve com a ré até à data da reforma que ocorreu Novembro de 2006, cujo valor deverá ser liquidado em execução de sentença, mantendo-se no mais a decisão recorrida.
Custas na proporção de 2/3 pela recorrente 1/3 pelo recorrido.

Lisboa, 14 de Setembro de 2011

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena de Carvalho

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