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sexta-feira, 17 de junho de 2011

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, PROPRIEDADE HORIZONTAL,ABUSO DE DIREITO - Ac. do Tribunal da Relação do Porto - 02/06/2011

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
427/08.0TBCHV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
PROPRIEDADE HORIZONTAL
ABUSO DE DIREITO

Nº do Documento: RP20110602427/08.0TBCHV.P1
Data do Acordão: 02-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - Deve desconsiderar-se a personalidade jurídica colectiva e entender-se que os sócios têm legitimidade substantiva para serem demandados quando se apresentarem perante terceiros a agir a título pessoal, não dando conhecimento da constituição da sociedade comercial a que pertencem.
II - O art.º 1419.º, n.º 1 do Código Civil não impede o funcionamento do abuso de direito contra os condóminos que, tácita ou expressamente, aceitaram a instalação de um restaurante numa fracção destinada a “loja”, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, apesar da não alteração deste título.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Apelação n.º 427/08.0TBCHV.P1 (11.04.2011) – 3.ª
Teles de Menezes e Melo – n.º 1232
Des. Mário Fernandes
Des. Leonel Serôdio

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B… e C…, D… e mulher E…, F… e mulher G…, H… e mulher I…, J… e mulher K…, L… e mulher M…, N… e mulher O…, P…, Q… e mulher S…, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra T… e mulher U…, pedindo que os RR. sejam condenados a cessar, de imediato, o uso ilícito que vêm dando à fracção “A”, do Bloco ., do Edifício …, abstendo-se de exercer nesse local a actividade de restauração ou de a cederem, por qualquer título, para o mesmo fim, e a pagarem uma indemnização aos AA., no montante de € 10.000,00, por danos morais por estes sofridos em consequência do ruído provocado pelos réus na sua fracção.
Alegaram ser proprietários e moradores em fracções autónomas do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, em causa, sendo os RR. proprietários da fracção “A”, do Bloco ., correspondente à loja nº ., do mesmo prédio urbano, onde instalaram um restaurante/pizzaria; a fracção dos RR. destina-se a “loja”, de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, o que equivale a dizer ao comércio, pelo que os mesmos a aplicaram a fim diverso do convencionado em tal título; tal facto causa graves incómodos aos AA., nomeadamente, os ruídos provocados; na fracção onde habitam os AA. B… e C… ouvem-se as vozes das pessoas no restaurante, as cadeiras e as mesas a arrastar, o ruído da maquinaria, o barulho do amassar das pizzas; esses barulhos fazem-nos acordar, dificultando o seu descanso; tais ruídos ultrapassam a normalidade, incomodando todos os que residem no prédio, principalmente os AA. B… e C….

Os RR. contestaram, dizendo que embora sejam os donos da fracção, a mesma foi dada de arrendamento no 1.º semestre de 2005 à sociedade comercial V…, Lda, que é quem explora o restaurante pisaria nela instalado, negando terem destinado a fracção a fim não permitido pelo título constitutivo da propriedade horizontal, invocando que os condóminos do edifício nunca colocaram em causa a abertura do restaurante, apenas tendo feito algumas exigências que foram por eles satisfeitas nos termos pretendidos, pelo que, ao quererem, agora, o encerramento do mesmo, actuam em abuso do direito; impugnam que se verifique o ruído invocado pelos AA..
E deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos AA. numa indemnização a seu favor, no montante de € 7.500,00.
Suscitaram, ainda, o incidente de intervenção provocada do Município …, por ter licenciado a abertura do restaurante, nele aludindo à incompetência material do tribunal comum e à competência do tribunal administrativo.

Os AA. pediram que fosse indeferido o incidente de intervenção acessória provocada deduzido pelos RR.; e replicaram, pronunciando-se pela improcedência das excepções de abuso do direito e de incompetência material do Tribunal, e pela inadmissibilidade da reconvenção.

Os RR. treplicaram.

Foi julgada improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal, indeferido o incidente de intervenção provocada e considerada inadmissível a reconvenção.

Houve recurso deste despacho, que subiu em separado e veio a ser confirmado por acórdão desta Relação (cfr. apenso).

Teve lugar a audiência preliminar, elaborou-se o despacho saneador, e seleccionou-se a matéria de facto.

Realizou-se o julgamento, e veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

II.
Recorreram os AA., concluindo:
1. Os Autores, na qualidade de proprietários e habitantes de fracções autónomas de um prédio, constituído em propriedade horizontal, denominado Edifício …, vieram intentar a presente acção, pedindo a condenação dos Réus a absterem-se de exercer a actividade de restauração que exercem numa determinada fracção autónoma do mesmo prédio ou de cederem tal fracção, por qualquer título, para o mesmo fim, e ainda, a pagarem-lhes um indemnização por danos morais, invocando:
a) – a utilização da fracção para fim desconforme ao que consta do título constitutivo da propriedade horizontal;
b) - a violação de direitos de personalidade, v.g. do direito ao repouso, por força dos barulhos e vibrações provenientes do funcionamento do estabelecimento.
2. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, da qual ora se recorre, julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos.
3. Ora, os recorrentes, com todo o devido respeito, não se podem conformar com tal douta sentença.
4. A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” não fez uma correcta apreciação da prova documental junta aos autos nem da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, nem interpretou e aplicou a Lei aos factos. Daí que o presente recurso verse sobre matéria de facto e matéria de direito.
5. Diz-se, em bem, nessa douta decisão, que a questão a decidir nos presentes autos tendo, em conta a forma como foi abordada pelos aqui recorrentes deve ser abordada sob duas perspectivas diferentes: - o uso ilícito que os Réus vêm dando à fracção e a violação do direito ao repouso e descanso dos recorrentes.
6. A apreciação dessas duas questões e, consequentemente, a decisão final proferida, mostram-se totalmente incorrectas e injustas, uma vez que existem nos autos, quer ao nível da prova testemunhal (objecto de gravação), quer ao nível da prova documental, elementos mais do que suficientes para ter sido proferida decisão totalmente diferente da ora recorrida.
7. No que concerne à impugnação da matéria de facto, na douta sentença foram dados como provados os seguintes factos, com os quais os aqui recorrentes não podem concordar:
- Que na sequência da preocupação manifestada por alguns condóminos com o ruído que o funcionamento do restaurante pudesse vir a causar, a Câmara Municipal … convocou-os para uma reunião, em 13 de Fevereiro de 2006, pelas 15h00, na qual compareceu também o Réu, realizada no ….
- Que os Réus, na sua qualidade de únicos sócios da sociedade comercial “V…, Lda.”instalaram na dita fracção um restaurante/Pizzaria de nominado “W…”.
- Que a sociedade “V…, Lda” explora o Restaurante/Pizzaria instalado na fracção dos Réus.
- Que na construção do Edifício foi instalada uma chaminé ou conduta de extracção de fumos, desde a loja dos Réus até ao telhado do edifício de sete pisos em que a mesma se integra.
- Que os condóminos nunca colocaram em causa a abertura do restaurante, levantando unicamente reticências relativamente a três aspectos: colocação do reclame luminoso, colocação do aparelho de ar condicionado e o ruído que o funcionamento do ar condicionado pudesse vir a provocar.
- Que as exigências feitas pelos condóminos foram integralmente satisfeitas pelos Réus, tendo sido cumpridas as condições impostas.
- Que foi realizada a inspecção/medição acústica à estrutura da loja e aos aparelhos e máquinas que lá forma instalados.
- Tendo os resultados revelado que o funcionamento do W… respeitava as exigências legais e regulamentares aplicáveis e que não afectava o sossego, bem estar e descanso dos condóminos do edifício.
- Os recorrentes consideram, ainda, que o facto de se ter dado como provado que nas imediações do Edifício se encontravam em construção edifícios de habitação colectiva e comércio, obras essas que produzem ruído de alguma monta é, também, completamente irrelevante para a presente acção, na medida em que tais obras, produzem o que se chama de ruído temporário, pois são actividades que apesar de provocarem, de facto, algum ruído, tem carácter não permanente.
- Que os Condóminos respeitaram e acataram os resultados da inspecção acústica por si encomendada, nenhuma exigência suplementar tendo sido efectuada posteriormente.
8. Ora, a Testemunha X… (cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento realizada no dia 7 de Maio de 2010, das 16:03:31 às 16:44:59, e que se encontra gravado no sistema áudio de gravação digital) foi, sem dúvida, a pessoa que revelou, em sede de audiência de julgamento, ter mais conhecimentos acerca dos factos em causa nos presentes autos, na medida em que é administrador do Edifício do qual fazem parte as fracções autónomas dos Réus e dos Autores, e, em consequência, acompanhou o desenrolar de todo o processo, desde a aquisição das fracções por parte dos Autores e dos Réus até à data em que os Autores intentaram a presente acção. Aliás, como o próprio adiantou (minuto 06:14) desloca-se com bastante frequência ao edifício. Prestou um depoimento coerente, seguro e isento, sendo a testemunha, que a nosso ver, mais colaborou para a descoberta da verdade, depoimento, esse, que, diga-se, foi totalmente desvalorizado pelo Tribunal a quo.
9. Em resumo, esta testemunha disse que não conhece nem nunca ouviu falar da empresa V…, Lda. (minuto 02:49), que o W… pertence aos Réus (minuto 02.10), que são estes que o exploram e que o mesmo só passou a funcionar já todos os condóminos habitavam as respectivas fracções (minuto 04:25). Caracterizou (minuto 05:00) a zona em que se encontra o edifício …, como sendo uma zona residencial, em que só existem dois edifícios em propriedade horizontal. No que diz respeito às queixas apresentadas pelos condóminos em relação aos cheiros e ruídos provenientes da laboração do restaurante disse (minuto 06:41) que as mesmas só começaram quando o restaurante abriu ao público mas que e relação à abertura do referido estabelecimento comercial começaram muito antes, quando os Autores se aperceberam que os Réus colocaram uma conduta extracção de fumos pelo exterior do edifício. (ao minuto 06:51 ao 07:08). Disse (10:03) que quando os Réus iniciaram as obras dentro da fracção, os condóminos do edifício lhe colocaram, de imediato, o problema de na loja não poder ser instalado um restaurante e que, inclusive, falou pessoalmente com o Réu T…, alertando-o para a situação e aconselhando-o a “desfazer” o negócio com a firma construtora. Relatou, pormenorizadamente, as assembleias de condóminos e as deliberações que estiveram em conexão com a presente acção, nomeadamente no que respeita à oposição manifestada pelos condóminos em relação à instalação do restaurante na fracção e as deliberações que forma tomadas relativamente a tal assunto. Confirmou (ao minuto 07:23) que a fracção pertencente aos Réus não estava dotada, de raiz, de sistemas de exaustão/extracção para que na mesma pudesse funcionar um restaurante, e que devido a tal facto, os Réus, na tentativa de solucionarem o problema, instalaram uma conduta de extracção que passava pela loja contígua, que pertencia à firma construtora do edifício e que ainda não estava vendida, e que tinha saída pela parede exterior do edifício. Confirmou, (13.37) ainda, esta testemunha que após os Réus terem procedido à colocação da mencionada conduta se dirigiu à Câmara Municipal … para resolver a questão relacionada com tal conduta e que perguntou, também, se na fracção poderia ser instalado um restaurante, tendo-lhe, sido transmitido pela Engenheira Y…, que, de facto, os Réus poderiam lá instalar um estabelecimento de restauração. Relatou ainda (ao minuto 12:18) que posteriormente a Câmara Municipal … marcou uma reunião para tentar conciliar as partes. Ou seja, para tentar resolver o problema da conduta e o problema da oposição dos condóminos à instalação do restaurante. Ao minuto 17:32, disse que houve uma primeira reunião na Câmara Municipal … que, na sequência da Jurista Dr.ª Z…, ser do entendimento que na fracção em causa não poderia ser instalado um restaurante, foi interrompida com o fundamento de que a Câmara teria que obter um parecer jurídico acerca da questão. O certo é que, segundo a testemunha, nunca tomou conhecimento de parecer jurídico nenhum (minuto 19:00) e se realizou, uma segunda reunião, dia 28 de Abril de 2005, na qual a Câmara, então, delineou determinada estratégia, para contornar a situação, da qual resultou a acta junta aos autos. Confirmou que na mencionada reunião apenas estiveram presentes, ele, o Dr. AB…, a Dra. Z…, Jurista, a Eng.ª Y…, a Arq.ª AC…, quatro condóminos, o Réu T…. Afirmou que desconhece se os Réus cumpriram ou não com as imposições então feitas pela Câmara Municipal, mas que o certo é que as queixas continuaram, dizendo, ainda que nunca teve conhecimento do resultado dos testes acústicos que alegadamente foram efectuados. Garantiu (ao minuto 10: 03 e ao 33. 50) ao tribunal que os condóminos do Edifício … sempre se opuseram a que os Réus instalassem na fracção o restaurante. Adiantou (27: 40) também, que à data do licenciamento do restaurante dos Réus a Câmara Municipal utilizava, nos casos e que alguém queria instalar uma determinada actividade numa fracção autónoma que implicava alterar o destino da mesma, um procedimento que consistia em não exigir a autorização de todos os condóminos para a alteração do destino da fracção, mas que, actualmente, tal já não acontece, pois tal requisito já é exigido.
10. A testemunha Y…, Engenheira Civil da Câmara Municipal …, (cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento realizada no dia 11 de Junho de 2010, das 14:25:15 às 14:42:14, e que se encontra gravado no sistema áudio de gravação digital) no essencial disse que normalmente a Câmara Municipal considera que quando na propriedade industrial consta que determinada fracção está destinada ao comércio ou serviços aí pode ser levada a cabo a actividade de restauração (ao minuto 02:55) e que posteriormente é que têm que se fazer as adaptações nas fracções para aí ser exercida determinada actividade. (ao minuto 04:03). Disse, (ao minuto 04:15) também, que nunca se deslocou ou visitou a fracção dos Réus, mas (ao minuto 13:21) que saiba a mesma não estava dotada de raiz, desde a construção do edifício, de alguma chaminé que permitisse a exaustão/evacuação de fumos, vapores e cheiros, e que tal chaminé só foi feita posteriormente. Disse, claramente, (14:02) que a fracção tinha, na realidade, uma extracção, mas não o suficiente para a extracção de fumos e vapores provenientes da restauração. Segundo esta testemunha apesar dos condóminos terem feito determinadas exigências relacionadas com o ar condicionado e com o reclame luminoso sempre colocaram entraves à abertura do restaurante, e que era exactamente por sempre se terem oposto que estava em tribunal! (ao minuto 04:38 e ao 05:55). Ainda no que respeita ao facto às três exigências que forma feitas pelos condóminos, em relação ao ar condicionado, ao reclame luminoso, e ao ruído, afirma (07:10) que não sabe se as mesmas forma respeitadas e cumpridas pelos Réus. Esclareceu (minuto 08:25) que a reunião que teve lugar na Câmara Municipal …, na qual esteve presente, e cuja acta se encontra junto aos autos, teve lugar, exactamente, por causa do uso que deveria ser dado ou não à fracção. Em relação aos testes acústicos diz que à partida o Réu os devem ter feito (minuto 09:15) até porque “os testes acústicos são entregues na Câmara aquando da licença de utilização” – (minuto 09:26.) Esta testemunha recorre com frequência a expressões tais como que é o que “acha” referindo, várias vezes, às perguntas que lhe foram colocadas, que acha mas que não pode garantir. Na verdade, em concreto nada sabe, apenas sabe que a Câmara Municipal … concedeu licença aos Réus para na fracção em causa exercer a actividade de restauração, sendo, aliás, evidente, que constantemente se esquivou a responder de forma clara quando lhe são pedidas explicações acerca do respectivo licenciamento, respondendo que nem sequer foi à fracção dos Réus. (ao minuto 10:56). Mas acabou por afirmar, que neste caso em concreto, a fracção não estava dotada de raiz de um sistema de exaustão/ evacuação de fumos, cheiros e vapores e que foi necessário à posteriori faze-la.
11. A testemunha dos Réus AB… (cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento realizada no dia 11 de Junho de 2010, das 14:43:14 às 14:57:33, e que se encontra gravado no sistema áudio de gravação digital) é jurista da Câmara Municipal …, e afirmou (01:20) perante o Tribunal que não pode responder se a Câmara Municipal … emitiu o Alvará de licença ou Autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas n.º ../06 ao Réu T…, após a aprovação do projecto acústico, porque o respectivo processo não passa pelo seu departamento, mas que no entanto, admite como provável que se entrou o projecto de instalação na Câmara que o Município tenha passado esse alvará desde que o estabelecimento reunisse os requisitos técnicos para poder funcionar. Disse ainda (ao minuto 01:45) que para que se possa instalar um restaurante é necessário um projecto de instalação e que o espaço tenha uma utilização para esse fim, mas que essa utilização é verificada nos termos do regime jurídico da urbanização e edificação. Disse, também, (ao minuto 02:22) que do ponto de vista jurídico, não é necessário que haja uma certificação acústica, pois o município tem o poder discricionário, em função do tipo de estabelecimento de exigir essa prévia certificação”, e que (02:40) se trata de uma análise casuística, pois os próprios serviços técnicos, em função do tipo de actividade, podem ou não exigir essa certificação. Ao minuto 03:54 disse que “eu acho que, penso que nesse caso, o município se passou o alvará de utilização para permitir a instalação de restaurante é porque reconheceu que a utilização loja era idónea para esse fim.”. Que a intervenção directa que teve no processo referente ao restaurante dos Réus foi a sua presença na reunião que ouve na Câmara Municipal, reunião na qual a Câmara Municipal … assumiu um papel de mediação do conflito. E que nessa reunião ficou acordado que o Réu T… teria que cumprir um conjunto de exigências relacionadas com a exaustão de fumos e tinha também que acautelar o estudo acústico, para permitir o funcionamento do estabelecimento, sob pena de os condóminos se oporem a essa instalação. Afirmou (minuto 07:05), que não sabe se tais exigências foram cumpridas porque não teve mais nenhuma participação directa no processo e que tal competia ao sector de fiscalização. Disse, ainda, que a ideia que tem é que “ nessa reunião uma das questões que estava em cima da mesa era o facto do promotor já ter feito algum investimento, embora não tivesse o restaurante a funcionar, portanto esse investimento poderia se perder se entretanto a situação não fosse regularizada. E também, nessa medida, a câmara tentou fazer essa mediação. “Ao minuto 09:10 do seu depoimento esta testemunha acabou por admitir que essa reunião teve lugar porque os condóminos do Edifício … se opunham à abertura do restaurante pois não havia consenso relativamente a essa matéria e portanto acabaram por tentamos fazer essa mediação. Adiantou, (11:55) que não conhece a fracção dos Réus, e que, portanto não sabe se a mesma estava dotada, de raiz, de algum sistema de exaustão/evacuação de fumos, vapores e cheiros, mas que admite que “como as fracções ab initio não estão preparadas para um comércio específico, normalmente, exigem trabalhos de adaptação. Esses trabalhos normalmente desenvolvem-se no interior das fracções, e, desenvolvendo-se nos interior das fracções, hoje, também não estão sujeitos a (palavra imperceptível). São aquilo a que se chama obras no interior das edificações, que não pressupõem verificação das fachadas, de aspectos estruturantes, portanto, o Município nem tem que se meter nisso.”. Esclareceu, (minuto 13:42) ainda que no caso do explorador da actividade de restauração não ser o titular da licença de utilização terá que apresentar, junto da câmara municipal, uma declaração prévia, com a identificação de uma alteração que é “ o explorador não é o proprietário é o arrendatário.”
12. Ora, dos depoimentos prestados pelas testemunhas acima referidas resulta evidente que:
a) foi realizada, dia 13/02/2006, uma reunião na Câmara Municipal …, em que estiveram presentes para além destas três testemunhas, a Dr.ª Z…, Técnica Superior Jurista do supra referido município, AC…, Arquitecta, o Réu, T… e quatro condóminos do Edifício …, facto que resulta também, da acta junta a folhas 379.
b) - a mencionada reunião teve lugar, porque os condóminos do edifício … se opunham a que o Réu instalasse na sua fracção um restaurante e não porque estivessem preocupados com o ruído que o funcionamento do restaurante pudesse vir a causar. Tal facto foi confirmado pelo administrador do Condomínio que diz que se dirigiu à Câmara Municipal …, quando o Réu colocou a conduta de extracção pelo exterior do edifício. Aliás esta testemunha relatou pormenorizadamente que quando os Réus iniciaram as obras na fracção os condóminos do Edifício … deliberaram, numa reunião de condóminos que o administrador do Condomínio diligenciasse no sentido de averiguar junto da câmara municipal, se o Réu poderia, ou não, lá instalar um restaurante. Aliás, na convocatória para a assembleia geral ordinária de condóminos do Edifício …, datada de 2 de Fevereiro de 2005, (doc. que foi junto na audiência de julgamento realizada dia 07/05/2010, sob doc. n.º 2 - fls. 484 dos autos) consta na ordens de trabalhos deliberar acerca das obras realizadas nas fracções comerciais do edifício, sendo que na acta de 25/02/2005, junta a fls 488, consta expressamente no ponto seis da ordem de trabalhos “obras realizadas na fracções comerciais” e que “quanto às fracções comerciais os condóminos alegaram que as fracções estão a sofrer alterações para transformação em restaurante, mas que as ditas fracções não se destinam a esse fim. Foi solicitado à administração para diligenciar junto da Câmara Municipal a fim de serem esclarecidas as dúvidas acerca de tal assunto”. Ora, foi na sequência dessa deliberação que a testemunha X… se deslocou à Câmara Municipal, tendo-lhe sido informado que na mencionada fracção poderia funcionar um restaurante. Foi então realizada uma primeira reunião que foi suspensa, enquanto a Câmara Municipal não obtivesse um parecer jurídico acerca da questão. O certo é que, realizou-se uma segunda reunião, na qual, a Câmara tentou resolver a situação, até porque, como disse a testemunha AB…, o Réu T…, apesar de ainda não ter o restaurante a funcionar, já tinha lá feito muito investimento. Ou seja, foi a Câmara Municipal que conhecedora dos contornos que a questão poderia vir a tomar, arranjou uma solução para a questão. Sendo que, é de salientar, que na mencionada reunião não estiveram presentes todos os condóminos do edifício, nem muito menos todos os aqui autores!
c) - não foram os Réus, na sua qualidade de únicos sócios da sociedade comercial “V…, Lda.” que instalaram na dita fracção um restaurante/Pizzaria denominado “W… , nem que a sociedade “V…, Lda.” explora o Restaurante/Pizzaria instalado na fracção dos Réus. Na verdade, o Alvará ou Autorização de Utilização para restauração ou bebidas n.º ../06, foi emitido em nome do Réu (fls. 117) constando de tal documento que o mesmo é o titular da licença mas também quem explora (entidade exploradora) o estabelecimento. Tal como a testemunha AB… referiu, quando o titular da licença não é o mesmo que a entidade que o explora, é necessário que este venha junto da Câmara Municipal, apresentar um declaração prévia, na qual declara que o titular do estabelecimento não é o que explora. Mais, conforme se pode constatar pelo documento junto aos autos sob fls. 513, composto por uma fotocópia, emitida pela Câmara Municipal …, do projecto de alterações das infra-estruturas de exaustão de fumos e gases da cozinha do restaurante instalado na fracção autónoma dos Réus, projecto esse que deu entrada na Câmara Municipal … aquando do projecto de licenciamento do mencionado restaurante, no mesmo pode-se ler que “a presente memória descritiva e peças conexas constituem o projecto de alterações das infra-estruturas de exaustão de fumos e gases da cozinha do restaurante a instalar na loja . do edifício …, sito em …/…, concelho de Chaves, a levar a efeito pelo Sr. T…”. (sublinhado nosso). Na assembleia geral de condóminos do …, realizada dia 28/04/2005, cuja acta se encontra junta a fls. 112 sa 115, pode-se ler que “o Sr. T… pretende autorização da assembleia de condóminos para colocar um reclame luminosos para a sua loja onde pretende abrir um restaurante”. (sublinhado nosso). Do documento junto aos autos sob fls. 502, que é um documento do sector de fiscalização do Município do Concelho …, resulta que, na sequência de uma queixa apresentada pela aqui autora C… contra o Réu T…, os fiscais do mencionado município se deslocaram ao local (loja comercial) e verificaram que o “ Sr. T… está a levar a efeito a construção/ instalação de um restaurante/pizzaria na loja comercial em causa sem que para o efeito tivesse a respectiva licença ou autorização administrativa”.(sublinhado nosso) Isto é, nem a Câmara Municipal …, nem o administrador do condomínio do edifício do qual faz parte a fracção autónoma dos Réus, nem os Autores, nunca ouviram falar da sociedade “V…, Lda.”. Nunca os Autores vieram alertar a Câmara Municipal …, o administrador do condomínio ou os condóminos que, em consequência das diversas queixas apresentadas, tais actos não eram da sua responsabilidade mas antes da supra referida sociedade! Na realidade, afigura-se-nos que os Réus “ fabricaram” o contrato de arrendamento que se encontra junto aos autos sob fls. 380 propositadamente para a presente acção. Na verdade, de tal contrato não consta que o mesmo foi participado junto da competente repartição de Finanças, o que poderia facilitar a tarefa de aferir acerca da sua verdadeira data de celebração. É sem dúvida, também, duvidoso o facto de o Réu ter comprado a fracção dia 10 de Março de 2005, (cfr. doc. junto a fls. 494) e a sociedade ter sido constituída dia 12/ 04/2005, (cfr. doc. junto a fls 499) mas o contrato de arrendamento ter sido celebrado dia 01/03/2005! Se na realidade é a sociedade que explora o restaurante não se percebe o porque dos Réus não terem junto aos autos uma factura referente a refeições aí confeccionadas e vendidas pela sociedade da qual são sócios. Com o devido respeito, não resultou provado, quer do depoimento das testemunhas quer dos documentos junto aos autos, que são os Réus, enquanto sócios da sociedade comercial, que exploram o restaurante em causa. E as facturas juntas aos autos nada provam.
d) - Que na construção do Edifício não foi instalada uma chaminé ou conduta de extracção de fumos, desde a loja dos Réus até ao telhado do edifício de sete pisos em que a mesma se integra, facto que é, aliás evidente, pois se na realidade a fracção autónoma dos Réus estivesse dotada de tal sistema de extracção/exaustão de fumos, vapores e cheiros não necessitariam de, à posteriori, proceder a obras, colocando, uma conduta de extracção de fumos pelo exterior do edifício! Tal facto resultou provado quer do depoimento do administrador do condomínio do edifício, que explicou ao tribunal minuciosamente as obras que os Réus realizaram após terem adquirido a fracção, bem como do depoimento da Engenheira civil, Y…, que confessou que, na realidade nunca se deslocou à fracção em causa mas que considera que a mesma não estava dotada, de raiz, de tal sistema, mas apenas de um pequeno orifício que não é suficiente para a extracção de fumos provenientes da restauração.
e) Por sua vez a testemunha AB… acabou por dizer que normalmente as fracções têm que sofrer obras de alteração para poderem funcionar como restaurante. Aliás, os Autores juntaram os seguintes documentos que atestam isso mesmo: uma fotocópia emitida pela Câmara Municipal …, de um documento do sector de fiscalização Municipal do qual consta que, após uma queixa apresentada pela aqui Autora C…, contra o Réu T…, datada de 14/04/2005, o mencionado sector de fiscalização se deslocou ao edifício … e verificaram que o Réu estava a levar a efeito a construção/ instalação de um restaurante/pizzaria na loja comercial sem que para o efeito tivesse a respectiva licença administrativa, constando, ainda de tal documento que o Réu “efectuou uma abertura por debaixo da varanda da Sra. C…, que segundo o próprio será para entradas de ar. Procedeu, ainda a uma colocação de uma conduta de extracção de fumos, a qual se encontra no interior da loja, atravessa a loja contígua e tem saída para o exterior da mesma, como demonstra a figura em anexo” (documento de fls. 502 dos presentes autos); documento composto por cinco fotografias, (fls. 510 a 512) da fracção dos Réus, das quais resulta que estes efectuaram uma abertura por debaixo da varanda pertencente à fracção da Autora C… e do autor B… e que colocaram uma conduta de extracção de fumos e cheiros que atravessa a loja contígua e tem saída para o exterior; documento de fls. 513, composto por uma fotocópia, emitida pela Câmara Municipal … do projecto de alterações das infra-estruturas de exaustão de fumos e gases da cozinha do restaurante instalado na fracção autónoma dos Réus, projecto esse que deu entrada na Câmara Municipal … aquando do projecto de licenciamento do mencionado restaurante. No supra referido documento pode ler-se que “ a presente memória descritiva e peças conexas constituem o projecto de alterações das infra-estruturas de exaustão de fumos e gases da cozinha do restaurante a instalar na loja . do edifício …, sito em …/…, concelho de Chaves, a levar a efeito pelo Sr. T…. Esta alteração surge em sequência da impossibilidade de ligar a conduta de exaustão a instalar no restaurante à conduta de exaustão (prumada vertical) existente no edifício, dado esta última, devido ao seu reduzido diâmetro, não suportar a conduta a instalar. Assim, há necessidade de conduzir horizontalmente a conduta de exaustão junto ao tecto do edifício até à separação dos blocos e aqui, dentro de uma corte, conduzi-la verticalmente até ao exterior, acima da cobertura.”; documento de fls. 520, composto por uma fotocópia extraída pela Câmara Municipal …, de um documento que consta do processo de licenciamento do Restaurante dos Réus, intitulado declaração, que foi emitido pela firma construtora do Edifício, AD…, Lda., através do qual esta firma, na qualidade de proprietária da fracção autónoma contigua à fracção dos Réus (loja n.º .), autoriza que pela mencionada fracção passe um tubo de exaustão proveniente da loja dos Réus. Ou seja, facilmente se conclui que a dita fracção tinha, apenas, como é normal em todas as fracções que se destinam a comércio, um pequeno respiro, por forma a existir ventilação no interior da fracção, respiro esse que, atendendo às suas dimensões, não permite a evacuação/extracção de fumos, cheiros e vapores que normalmente se fazem sentir na confecção industrial de alimentos. Tais documentos conjugados com os depoimentos das testemunhas acima referidas são suficientes para que se possa concluir que, na realidade a fracção dos Réus não estava dotada, desde a construção do edifício …, de uma chaminé ou conduta de extracção de fumos, que ia desde a fracção até ao telhado do edifício.
f) - Que os condóminos apesar de terem colocado reticências relativamente à colocação do reclame luminoso, colocação do aparelho de ar condicionado e o ruído que o funcionamento do ar condicionado pudesse vir a provocar, sempre colocaram em causa e em consequência, sempre se opuseram, à abertura do restaurante, pois a testemunha X… relatou de forma isenta e credível a forma como os Autores e demais condóminos do Edifico … se opuseram à abertura do dito restaurante. Aliás tal posição está expressamente declarada nas diversas actas das assembleias de condóminos que se encontram junto aos autos. A própria Eng.ª Y… quando confrontada com tal questão disse que era exactamente pelos condóminos se oporem a abertura do restaurante que estava presente em Tribunal e o Dr. AB…, disse que a mesma teve lugar porque havia oposição por parte dos condóminos a que o restaurante fosse instalado na fracção. Ou seja, na verdade os Autores até podem ter autorizado a colocação de um reclame luminoso, de um ar condicionado e de um depurador de ar, mas nunca autorizaram que na fracção dos Réus fosse instalado um restaurante.
g) - Que as exigências feitas pelos condóminos não foram cumpridas pelos Réus, pois estes não cumpriram as condições impostas, pois, tanto a testemunha Eng.ª Y… como o Dr. AB… e a testemunha X… afirmaram que desconhecem se os Réus cumpriram com tais imposições.
h) - Que, na realidade não foi realizada uma inspecção/medição acústica à loja dos Réus e que nunca ninguém, muito menos os aqui Autores, tiveram conhecimento de quaisquer resultados revelados e que o funcionamento do W… respeitava as exigências legais e regulamentares aplicáveis e que não afectava o sossego, bem estar e descanso dos condóminos do edifício. Pois, para além de nenhuma testemunha ter presenciado a realização de qualquer teste acústico, pois todas elas disseram que possivelmente o mesmo poderia ter sido realizado, também nenhuma delas veio dizer que tinha tomado conhecimento do seu resultado. Não há elementos nos autos que nos permitam concluir que os testes foram realizados e muito menos que o tenham sido com as máquinas e aparelhos que se encontravam no interior da fracção dos Réus em funcionamento. No entanto, se tal teste tivesse, de facto, sido realizado, de certo que os Réus teriam em seu poder os respectivos resultados e evidentemente que o teriam junto aos autos! Mesmo que tais exames acústicos tivessem sido realizados e os resultados dos mesmos tivessem sido conhecidos pelos Autores e tivessem revelado que o funcionamento do W… respeitava as exigências legais e regulamentares aplicáveis, ou seja, que estavam dentro dos valores médios legalmente admitidos sempre se dirá que esses tais “valores médios admitidos” é uma consideração de natureza jurídica pública que, neste caso em concreto, não revela.
i) - Que os Condóminos nunca tiveram conhecimento do resultado da alegada inspecção acústica. Na verdade, segundo a testemunha X…, as queixas dos condóminos mantiveram-se e em consequência, intentaram a presente acção. De todos os elementos dos autos, quer testemunhais, quer documentais não resulta que os Autores tenham respeitado e acatado o resultado dos testes (se na verdade nunca tiveram conhecimento dos mesmos) nem muito menos que não tenham feito exigências suplementares. É evidente que como os Autores não tiveram conhecimento do resultado de uma eventual medição acústica que os Réus tenham realizado à fracção e tendo em conta que estes não cumpriram com o que lhe tinha sido imposto na reunião tida na Câmara Municipal …, tendo em conta o clima de conflito que então se tinha instalado, não tenham feito exigências suplementares e tenham intentado a presente acção.
13. Assim, tendo em conta os factos acima referidos, a douta decisão proferida tem que ser alterada nos termos supra referidos, devendo, em consequência, os Réus ser condenados a cessar, de imediato, o uso ilícito que vêm dando á fracção A, do bloco A, do edifício …, abstendo-se de exercer nesse local a actividade de restauração ou de cederem a mencionada fracção, por qualquer título, para o mesmo fim, bem como devem os Réus ser condenados ao pagamento de uma indemnização no valor de € 10.000 (dez mil euros), a título de indemnização por danos morais em consequência do ruído provocado pelos Réus na sua fracção.
14. Para além da matéria de facto então impugnada, consideram, ainda como se disse, os recorrentes que o Tribunal a quo, não fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos em concretos.
15. Consideram os Autores, ao contrário daquilo que foi decidido pelo Tribunal de primeira instância, que à fracção dos Réus, foi dada, por estes, uso diverso do fim a que a mesma é destinada.
16. Se a fracção dos Réus é uma loja (de acordo com o título constitutivo de propriedade horizontal), destinada a comércio (tal como consta da respectiva descrição da conservatória do Registo Predial) estes não podem utilizar a mesma para a actividade de restauração.
17. Os Recorrentes são da opinião que é no título constitutivo da propriedade horizontal que se deve procurar a licitude ou ilicitude do uso dado a determinada fracção, porque, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 1422.º do C.C., “é especialmente vedado ao condóminos dar à sua fracção uso diverso do fim a que se destina”.
18. A expressão “Loja” tem vários significados, contudo o mais comum é o de estabelecimento comercial onde se expõem e vendem mercadorias. No sentido jurídico – comercial (que é o que aqui tem relevância) o sentido mais comum é o de local onde se exerce o comércio –(cfr. ac. do S.T.J, de 27.05.1986, in BMJ-357-435).
19. Restaurante é um estabelecimento onde se preparam e servem comidas (Enciclopédia Verbo, editada pelo Jornal Público, pág. 7316). A noção de comércio tem a ver directamente com permuta, troca de bens económicos, actos de comprar e vender (na mesma enciclopédia, página 2175).
20. A confecção de alimentos, a actividade de os servir para serem comidos no local ou fora dele, já representa algo mais que a simples actividade de vender um produto por um preço superior ao da sua aquisição, ou seja, já acrescenta algo à mera troca de bens e serviços.
21. Na actividade de restauração há uma transformação pelo que, já não se pode dizer que se esta dentro da actividade comercial propriamente dita, mas na área da actividade industrial.
22. Ora, se o negócio de restauração é uma actividade industrial, uma actividade de transformação de mercadorias, cai no conceito de indústria. (a este propósito ver Ac. STJ de 22 de Novembro de 1995. CJSTJ, T3, pág.123)
23. Os direitos dos condóminos estão sujeitos, no seu exercício, a limitações, imperativas, decorrentes da lei, do título constitutivo ou que resultem do acordo de todos os condóminos. É no âmbito destas limitações que se insere a norma da alínea d), do n.º 2 do artigo 1422.ºdo C.C., que proíbe dar à fracção uso diverso do fim a que está destinada.
24. Dispõe o artigo 1419.º do C.C. que o título constitutivo da propriedade horizontal só pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.
25. É, também, verdade que os restaurantes não estarem abrangidos pelo licenciamento industrial mas tal facto não nos pode levar à conclusão de que se trata de uma actividade comercial, como erradamente concluiu a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo.
26. A presente acção funda-se na violação de normas que regem a violação da propriedade horizontal e os direitos de personalidade.
27. Assim, “o licenciamento concedido por uma autoridade administrativa para o exercício de uma determinada actividade numa fracção autónoma não afasta a proibição imposta aos condóminos no artigo 1422.º, n.º 2, alínea C) do C.C., de dar à fracção um uso diverso daquele a que é destinada - proibição essa que rege nas relações internas entre condóminos, como expressamente postula o n.º 1 do preceito”. (a este respeito Ac. da Relação do Porto de 10.09.2009, proferido no âmbito dos presentes autos).
28. O poder conferido às Câmaras Municipais, no âmbito de apreciação de pedidos de licenciamento ou autorização de operações urbanísticas esgota-se na verificação da legitimidade dos requerentes e posteriormente, na confirmação do cumprimento das normas que legal e regulamentarmente se aplicam aos projectos. Isto é, o controle exercido pelas Câmaras Municipais é unicamente de índole urbanístico – administrativo, traduzindo-se, assim, na apreciação da adequabilidade do projecto ao fim pretendido.
29. Os poderes de licenciamento ou autorização das Câmaras Municipais limita-se à verificação da conformidade de quaisquer obras com as regras de direito público, o que, não significa que o proprietário da fracção ou dono da obra fique exonerado de respeitar todos os demais preceitos gerais e especiais a que a alteração haja de subordinar-se.
30. Salvo melhor opinião, não nos parece que se insira no âmbito das atribuições públicas das Câmaras Municipais a tarefa de verificar se uma determinada utilização a dar a uma fracção autónoma se insere no fim previsto no título constitutivo, na medida em que tal questão diz respeito às relações particulares estabelecidas entre os condóminos.
31. As Câmaras Municipais visam assegurar o respeito pelas normas de direito público, a defesa dos interesses públicos, não lhe competindo resolver conflitos de natureza meramente privada entre particulares.
32.No caso dos presentes autos não se está no âmbito do direito público, de natureza administrativa, mas sim no domínio do direito privado, de direito civil, entre condóminos e das suas relações derivadas do uso de fracções autónomas, para o qual a Câmara Municipal não tem qualquer competência.
33. Tal como a Câmara municipal não tem competência para apreciar e decidir qual é o destino que consta do título constitutivo de propriedade horizontal que foi aprovado –( Ac. STJ de 15.05.2008, in site da dgsi.)
34. O licenciamento administrativo ou qualquer outro acto administrativo não se substitui ao título constitutivo de propriedade horizontal, único oponível entre condóminos.
35. Contudo, na douta sentença, valorizou-se o facto de a actividade de restauração exercida na fracção dos Réus estar licenciada pela Câmara Municipal, e em consequência de tal licenciamento, considerou-se que os Réus podiam instalar na fracção o restaurante!
36. Segundo a nossa modesta opinião, para que a fracção dos Réus possa ser destinada a restauração necessário seria, em primeiro lugar, que todos os condóminos estivessem de acordo, e que, de seguida, tal concórdia se traduzisse na outorga da escritura pública, sendo, aliás, irrelevantes as eventuais negociações anteriores.
37. Não se provou que tivesse havido vontade de todos os condóminos do Edifício … em alterar o destino da fracção dos Réus, nem muito menos que tivesse tido lugar a realização da escritura pública, como exige de forma bem expressa o artigo 1419.º do C.C.
38. Mesmo que se considere que o destino da fracção deve ser aferido também atendendo-se às características internas do espaço que o integra como até, das características do prédio de que faça parte (cfr. Pires de Lima – Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, pág. 426, segunda edição), localizando-se a fracção em causa num edifício habitacional é totalmente imprudente aceitar que os Réus possam instalar na mencionada “loja”uma indústria, sendo que no presente caso, a indústria de restauração, implicou determinadas exigências de natureza técnica relacionadas com a exaustão de emissões de fumos e ventilação.
39. Aliás ficou suficientemente provado, que a fracção dos Réus não estava dotada de chaminé que permitisse a evacuação de fumos, vapores e cheiros próprios da actividade de confecção de comidas, tanto é que estes tiveram que proceder à instalação de uma conduta de extracção de fumos na parede do bloco ., lado nascente do Edifício … e o respectivo motor na cobertura do prédio e posteriormente, e posteriormente, instalaram uma outra conduta de exaustão que passou pela loja n.º ., do dito edifício, loja essa que pertencia à firma construtora, para o efeito.
40. Não é utilização normal de uma loja, que não tenha chaminé, a instalação nela, de um restaurante!
41. Se um determinado condómino dá à sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se ele infringe a proibição contida no art. 1422º, nº 2, alínea c), do C. Civil, o único remédio para essa situação é, no nosso modesto entender, a reconstituição natural, (a afectação da fracção em causa ao fim a que ela estava destinada), solução esta que, obriga tanto o condómino como o terceiro que esteja a utilizar essa fracção, desde que o título de constituição da propriedade horizontal esteja registado, em obediência ao determinado no art. 2º, nº 1, do Cód. de Reg. Predial, como é o caso dos presentes autos.
42. No que concerne ao abuso de direito, que, segundo a douta sentença, existiu por parte dos Autores, mais uma vez se vem dizer, que os mesmos nunca aceitaram a abertura do restaurante. Na verdade, quando alguns dos condóminos do Edifício … se manifestarem junto da Câmara Municipal …, dos Réus e do administrador do Condomínio do Edifício, no sentido de impedirem que os Réus instalassem o restaurante na fracção A, do edifício …, nada mais fizeram que valer um direito próprio, isto é, velaram pelo cumprimento de normas imperativas que só permitem alterar o título de constituição de propriedade horizontal no caso de existir acordo de todos os condóminos e posteriormente, ser celebrada escritura pública.
43. Na verdade, aquando da reunião realizada na Câmara Municipal … apenas estiveram presentes alguns dos aqui Autores (quatro) e os condóminos, individualmente, não podem decidir acerca de alterações que contendam com as partes comuns do prédio, como foram as obras realizadas pelos Réus.
44. Os Autores não agiram caprichosamente, com má fé ou abuso de direito, apenas visavam defender direitos que a ordem jurídica lhes reconhece.
45. Os Autores têm direito, também, a oporem-se, à actividade de restauração exercida pelos Réus na fracção na medida em que a utilização da fracção importa um prejuízo substancial para a fracção dos Autores, pois, deu-se como provado que desde que o restaurante abriu que os Autores C… e B… ficaram sujeitos aos Ruídos provocados pela laboração do mesmo, que se ouvem na sua fracção e que estes ouvem, dentro da sua fracção; que ficaram sujeitos aos ruídos causados pelos clientes do restaurante; o barulho quando os Réus estão a amassar a massa das pizzas e que com a abertura do restaurante verifica-se uma movimentação acrescida de pessoas junto do prédio onde habitam os Autores, ou seja, esta factualidade implica que se concluía que a o ruído que emana da fracção dos Réus atenta contra os direitos de personalidade dos Autores, onde se insere o direito ao repouso, o direito à saúde e à qualidade de vida.
46. Ou seja, forma violados direitos de personalidade dos Autores, cuja tutela resulta, em termos gerias, do art. 70.º do C.C. e do art. 66.º da C.R.P.
47. O repouso e o sossego são indispensáveis à saúde, sendo um dos valores a salvaguardar nas relações de vizinhança.
48. “O direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, em caso de colisão, prevalece sobre o direito ao exercício de uma actividade comercial”.(Ac. do STJ, de 09.01.96, in CJSTJ, Tomo I, pág. 37.
49. Mesmo que se entenda existir conflito de direitos, dirimível à luz do art. 335º do Código Civil, a prevalência pende para os direitos de personalidade relativos ao repouso descanso e tranquilidade, em detrimento dos direitos de natureza económica, como os ligados a actividades de exploração económica – cfr. Acs. STJ de 1977.04.28, 1995.10.24, 1996.01.09, Ac. RP de 1982.05.25, Acs. RL de 1983.11.03 e 1994.11.24, in, respectivamente, BMJ 266/165, CJSTJ III/74, I/37, CJ III/213, V/103 e V/112.
50. “Coexistindo, de um lado, um direito à integridade física, à saúde, ao repouso, ao sono e, de outro lado, um direito de propriedade ou um direito à iniciativa privada, é o primeiro que goza da plenitude do regime dos direitos, liberdades e garantias, porque é de espécie e de valor superior aos segundos, os quais são direitos fundamentais que apenas beneficiam do regime material dos direitos, liberdades e garantias.” - Acs. do STJ, de 24.10.85, in BMJ 450- 403.
51. Ainda neste sentido, o Ac. da Relação do Porto, de 8.5.97, in CJ, 1997, III, 183 – “Todos os cidadãos têm direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, podendo pedir, em caso de ameaça directa ou de lesão desse direito, a cessação das causas da violação e a respectiva indemnização. A colisão de direitos pressupõe a existência e validade dos direitos concorrentes tendo um deles de ceder em face do outro”.
52. Mais, considera-se, como já se disse, que é totalmente irrelevante que a actividade de restauração dos Réus esteja licenciada administrativamente e que, os Réus aleguem que efectuaram exames acústicos que revelaram que os ruídos produzidos pela laboração do restaurante estão dentro de valores considerados normais, se, não obstante, os Réus continuam a produzir na dita fracção ruído que afecta a saúde e a tranquilidade dos moradores do Edifício ….
53. Como se provou que os Autores são afectados pelos Ruídos provenientes do restaurante dos Réus estes terão que, em consequência, indemnizar os Autores.
54. A douta sentença recorrida, ao decidir no sentido em que o fez, violou, entre outros, o disposto na aliena c) do n.º 2, artigo 1422.º, o artigo 1346.º, ambos do Código civil, bem como o art. 70.º do C.C. e o art. 66.º da C.R.P.
Nestes termos, e sempre com o devido respeito por opinião contrária, requer-se a V.Ex.ªs se dignem revogar a Douta Sentença do tribunal a quo, substituindo-a por acórdão que condene os Réus a cessarem, de imediato, o uso ilícito que vêm dando á fracção A, do Bloco ., do Edifício …, abstendo-se de exercerem, nesse local, a actividade de restauração ou de a cederem, por qualquer título , para o memos fim e de pagarem aos Autores a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) por danos morais por estes sofridos em consequência do ruído provocado pelos Réus na sua fracção, como é de inteira JUSTIÇA.

Os RR. contra-alegaram, pedindo a confirmação da sentença.

III.
As questões suscitadas no recurso são o erro na decisão da matéria de facto, o sentido que deve ser dado à palavra “loja”, por forma a nela não se incluir um estabelecimento de restaurante, a violação do título de constituição da propriedade horizontal com a instauração do restaurante, a inexistência de abuso do direito.

IV.
Factos considerados provados na sentença:
1- Os Autores são proprietários e habitam as fracções autónomas, designadas pelas letras "C", "D", "F", "I", "J", "Y", "X", "AA", "AF", respectivamente, do prédio urbano, submetido ao regime de propriedade horizontal, sito na …, …, Lote .., designado por "Edifício …", descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº 223/20070914, da freguesia da …/…, do concelho de Chaves (A).
2- Os Réus são proprietários da fracção "A", do Bloco ., correspondente à loja nº ., descrita na Conservatória do Registo Predial de Chaves, sob o nº 223/20070914 - A, da freguesia de …/… (B).
3- O Edifício … é composto por 34 (trinta e quatro) fracções autónomas, com as letras de "A" a "AH" (C).
4- As fracções "A", "B", "O", "P", "Q", "R" e "S", destinam-se a "lojas", as "M", "N", "AG" e "AH" a garagem e as restantes a habitação, tal como consta do título constitutivo de propriedade horizontal (D).
5- Esta Fracção "A", destina-se a "loja", conforme o título constitutivo da propriedade horizontal (E).
6- Na respectiva descrição da Conservatória do Registo Predial de Chaves consta que a mesma é constituída por rés-do-chão, Bloco . - loja ., comércio (F).
7- A sociedade comercial “V…, Lda.”, encontra-se matriculada sob o nº ………, na Conservatória do Registo Comercial de Chaves, tendo por objecto exploração de restaurante (G).
8- Consta do auto de vistoria nº ../2006 que: "Aos vinte e quatro dias do mês de Outubro de dois mil e seis, os peritos Arq. AC… (Técnica da Divisão de Salvaguarda do Património Arquitectónico e Arqueológico), Eng. AE… (Chefe da Divisão de Gestão Territorial), Eng. AF… (Técnica da Divisão de Gestão Territorial) da Câmara Municipal …, Sr. AG… (Comandante dos Bombeiros Voluntários de Salvação Pública), Sr. AH… (Técnico de Saúde Ambiental Especialista) da Delegação de Saúde de …, procederam à vistoria da loja nº ., situada na Rua …, Edifício …, localidade de Chaves, freguesia de …, deste Município, vistoria que foi requerida por T…, para efeitos da concessão da autorização de utilização referida em epígrafe, em virtude de ali pretender exercer a actividade correspondente a um estabelecimento de restauração simples. Efectuada a vistoria, verificaram os peritos, em relação a parte do edifício para qual foi requerida a autorização de utilização que foi respeitado o projecto de construção respectivo e demais condicionantes do licenciamento, que está dotado com o equipamento necessário e adequado à actividade a exercer no mesmo, que observa as normas relativas às condições sanitárias, que observa as normas relativas à segurança contra o risco de incêndios” (H).
9- O Município …, em 13 de Novembro de 2006, emitiu o Alvará de Licença ou Autorização de Utilização para serviços de restauração ou de bebidas nº ../06, ao réu T…, para 13/11/2006, para a loja nº . sita na Rua …, Ed. …, Chaves (Fracção identificada na alínea B) dos Factos Assentes) (I).
10- Na acta resultante da reunião da Assembleia de Condóminos do Edifício …, ocorrida em 28 de Abril de 2005, às 21h00, ficou a constar que: "Submetido o pedido do Sr. T… a votação foi aprovado autorizar a colocação do reclame nas seguintes condições: a) Ser colocado na parte inferior da viga e entre pilares não devendo sobressair para o exterior da fachada; b) Não emitir luminosidade para a fracção superior; c) Ser dotado de lâmpada anti-insectos; d) Se um dia o mesmo for retirado deve o Sr. T… repor o local na sua forma original tapando eventuais furos e pintando o que for necessário. (...) Fora da ordem de trabalhos foi abordada a colocação de aparelhos de ar condicionado pelo Sr. T… sem autorização da assembleia tendo utilizado a fachada do prédio, a localização dos referidos aparelhos não é a ideal pois é susceptível de transmitir as vibrações e ruído para a fracção superior, assim deverá o Sr. T… proceder à colocação dos ditos aparelhos no pavimento exterior à sua fracção devendo os mesmos ser protegidos por uma armação metálica por forma a diminuir o impacto estético." (J).
11- Da referida acta consta, ainda, que os condóminos das fracções I, C, J, e F votaram contra as mencionadas deliberações e os condóminos das fracções AB, H, Y e W abstiveram-se (L).
12- Na sequência da preocupação manifestada por alguns condóminos com o ruído que o funcionamento do restaurante pudesse vir a provocar, a Câmara Municipal … convocou-os para uma reunião, em 13 de Fevereiro de 2006, pelas 15h00, na qual compareceu também o Réu, realizada no … (M).
13- O restaurante em causa é do tipo familiar, aí trabalhando, unicamente, os Réus, dedicando-se o Réu marido a confeccionar as refeições e a Ré mulher a servir os clientes (N).
14- E tem a lotação de 32 lugares (O).
15- Os réus, na sua qualidade de únicos sócios da sociedade comercial “V…, Lda.”, instalaram na fracção identificada na alínea B) dos factos assentes, um restaurante/pizzaria denominado “W…” (1.º).
16- Onde fabricam produtos alimentares para aí, também, os comercializarem (2.º).
17- Desde que a referida sociedade instalou o dito restaurante/pizzaria, os autores C… e B… ficaram sujeitos aos ruídos provocados pela laboração do mesmo, que se ouvem na sua fracção (3.º).
18- E aos ruídos causados pelos clientes do Restaurante (4.º).
19- Na fracção "C", correspondente ao primeiro andar esquerdo, onde habitam os Autores C… e B…, ouvem-se as vozes das pessoas dentro do restaurante, as cadeiras e as mesas a arrastar e o ruído da maquinaria, designadamente a máquina de café (6.º).
20- Os Autores C… e B… ouvem dentro da sua fracção, o barulho quando os Réus estão a amassar a massa das pizzas (7.º).
21- Com a abertura do restaurante verifica-se uma movimentação acrescida de pessoas junto ao prédio onde habitam os Autores (10.º).
22- A autora C…, que exerce a profissão de enfermeira na Unidade de …, e que frequentemente tem que trabalhar de noite, necessita de repousar, convenientemente, o que não consegue fazer, pois fica bastante perturbada com o ruído causado pelo restaurante, o que lhe ocasiona, sem dúvida, sofrimento e tensão de espírito (13.º).
23- O Autor B… teve que recorrer, por diversas vezes, aos serviços de urgência da Unidade de …, pois como passa diversos dias sem descansar e dormir convenientemente, sofre de cefaleias e síndrome ansioso – depressivo (14.º).
24- Toma soníferos e anti-depressivos (15.º).
25- O seu estado de saúde vem-se agravando dia para dia e o ruído provocado pelo restaurante dos Réus já o obrigou, por diversas vezes, a sair de sua casa para poder repousar noutro local (16.º).
26- Os Autores C… e B… sentem-se incomodados pelos ruídos produzidos pelo restaurante, a autora C… pelo facto de trabalhar de noite e ter que dormir de dia e o autor B… devido ao seu síndrome ansioso-depressivo (17.º, 18.º e 19.º).
27- A sociedade identificada na alínea G) dos factos assentes explora o Restaurante/Pizzaria instalado na fracção identificada na alínea B) (20.º).
28- O Município … emitiu o alvará referido na alínea I) dos factos assentes, após aprovação dos projectos de arquitectura e especialidades, designadamente do projecto acústico e de isolamento sonoro (21.º).
29- Após realizadas as vistorias e testes, designadamente acústicos (22.º).
30- E após verificação da compatibilidade entre o uso "loja", definido na propriedade horizontal, com o exercício da actividade de restauração (23.º).
31- Na construção do edifício, foi instalada uma chaminé ou conduta de extracção de fumos, desde a loja aludida na alínea B) dos factos assentes até ao telhado do edifício de 7 pisos em que a mesma se integra (24.º).
32- Os condóminos do edifício nunca colocaram em causa a abertura do restaurante pizzaria (25.º).
33- Levantado reticências unicamente relativamente a três aspectos: colocação do reclame luminoso, colocação do aparelho exterior de ar condicionado e o ruído que o funcionamento do estabelecimento pudesse vir a provocar (26.º).
34- As exigências efectuadas pelos condóminos, foram integralmente satisfeitas pelos Réus, tendo sido cumpridas as condições impostas (27.º).
35- Na sequência da reunião aludida na alínea M) dos factos assentes, ficou acordado entre os condóminos que estiveram presentes, que o réu T… compromete-se a modificar a solução técnica com a exaustão de fumos, passando-se a permitir a colocação de um "depurador de ar", o qual deverá ser instalado no interior da loja nº ., sita no rés-do-chão do edifício (28.º).
36- Que a abertura do estabelecimento de restauração apenas se poderá verificar após ser feita inspecção acústica, por empresa idónea, escolhida pelos condóminos do prédio em causa, e devidamente acreditada para o efeito (29.º).
37- Que os encargos com a inspecção acústica deverão ser suportados pelo Senhor T…, proprietário da fracção onde se pretende desenvolver a actividade de restauração, devendo a mesma ser realizada na presença de todos os condóminos directamente afectados (30.º).
38- As exigências efectuadas pelos condóminos, foram integralmente satisfeitas pelos Réus, tendo sido cumpridas as condições impostas (31.º).
39- Foi realizada a inspecção/medição acústica à estrutura da loja a aos aparelhos e máquinas que lá foram instalados (32.º).
40- Tendo os resultados revelado que o funcionamento do W… respeitava as exigências legais e regulamentares aplicáveis e que não afectava o sossego, bem-estar e descanso dos condóminos do edifício (33.º).
41- Os condóminos respeitaram e acataram os resultados da inspecção/medição por si encomendada, nenhuma exigência suplementar tendo sido efectuada posteriormente (34.º).
42- O dito estabelecimento iniciou o seu funcionamento no ano de 2006 (35.º).
43- Embora lhe tenha sido atribuído um horário de funcionamento mais alargado, funciona das 11h00 às 15h00 e das 18h30 às 22h00 (36.º).
44- Na maior parte dos dias, o mesmo funciona a menos de 50% da sua capacidade (37.º).
45- Sendo um local pacato e sossegado (38.º).
46- Nas imediações encontram-se em construção edifícios de habitação colectiva e comércio, obras essas que produzem ruído de alguma monta (39.º).

V.
Os Apelantes impugnam a decisão da matéria de facto relativamente a alguns deles, dizendo não concordarem com a mesma. Apesar de o não referirem expressamente, como se trata de respostas positivas, presume-se que pretendem que passem a negativas, com excepção da dada ao quesito 1.º, para o qual querem a meramente positiva e não a explicativa que lhe foi dada.

Começam por transcrever este facto, que na sentença tem o n.º 12:
Na sequência da preocupação manifestada por alguns condóminos com o ruído que o funcionamento do restaurante pudesse vir a causar, a Câmara Municipal … convocou-os para uma reunião, em 13 de Fevereiro de 2006, pelas 15h00, na qual compareceu também o Réu, realizada no ….
Pois bem, não estamos perante uma resposta a um quesito, mas perante a alínea M) da matéria de facto assente, sendo certo que quando da selecção desta matéria foi dada aos Mandatários das partes a possibilidade de sobre a mesma se pronunciarem, tendo sido por eles dito que não tinham qualquer reclamação a fazer (cfr. fls. 362).
Atendendo ao que os recorrentes dizem a fls. 587 da sua alegação, quer-nos parecer que temem que este facto se repercuta desfavoravelmente na posição que assumem de sempre terem estado contra a instalação do restaurante. No entanto, a preocupação pelo ruído que levou à reunião na câmara não exclui que estivessem também contra a instalação do restaurante, podendo mesmo ser um dos motivos dessa oposição. Quer dizer que o ruído que desse estabelecimento pudesse advir podia ser apenas um dos fundamentos da oposição.

Passemos, então, às respostas aos quesitos que merecem a desaprovação dos Apelantes.
São as seguintes:
15- Os réus, na sua qualidade de únicos sócios da sociedade comercial “V…, Lda.”, instalaram na fracção identificada na alínea B) dos factos assentes, um restaurante/pizzaria denominado “W…” (1.º).
27- A sociedade identificada na alínea G) dos factos assentes explora o Restaurante/Pizzaria instalado na fracção identificada na alínea B) (20.º).
31- Na construção do edifício, foi instalada uma chaminé ou conduta de extracção de fumos, desde a loja aludida na alínea B) dos factos assentes até ao telhado do edifício de 7 pisos em que a mesma se integra (24.º).
32- Os condóminos do edifício nunca colocaram em causa a abertura do restaurante pizzaria (25.º).
33- Levantado reticências unicamente relativamente a três aspectos: colocação do reclame luminoso, colocação do aparelho exterior de ar condicionado e o ruído que o funcionamento do estabelecimento pudesse vir a provocar (26.º).
38- As exigências efectuadas pelos condóminos, foram integralmente satisfeitas pelos Réus, tendo sido cumpridas as condições impostas (31.º).
39- Foi realizada a inspecção/medição acústica à estrutura da loja a aos aparelhos e máquinas que lá foram instalados (32.º).
40- Tendo os resultados revelado que o funcionamento do W… respeitava as exigências legais e regulamentares aplicáveis e que não afectava o sossego, bem-estar e descanso dos condóminos do edifício (33.º).
41- Os condóminos respeitaram e acataram os resultados da inspecção/medição por si encomendada, nenhuma exigência suplementar tendo sido efectuada posteriormente (34.º).
Finalmente, apesar de não impugnarem a resposta ao quesito 39.º, reputam-na irrelevante:
46- Nas imediações encontram-se em construção edifícios de habitação colectiva e comércio, obras essas que produzem ruído de alguma monta (39.º).

Referenciam os depoimentos e documentos que devem levar à alteração das respostas e resumem a sua posição nestes termos:
Desde sempre os autores manifestaram quer junto dos Réus, quer junto do Administrador do Condomínio do Edifício …, quer junto da Câmara Municipal … que se opunham a que os Réus instalassem na sua fracção o restaurante.
A fracção dos Réus não estava dotada, desde a construção do edifício, de uma chaminé ou de qualquer outro sistema de evacuação/ exaustão/ventilação de fumos, cheiros, calor e gases próprios da confecção de alimentos e que, por tal motivo, os Réus tiveram que proceder a determinadas obras para adaptarem a mencionada fracção à actividade de restauração.
Tendo em conta que a Câmara Municipal … tinha emitido, em nome do Réu, alvará ou autorização de licença para serviços de restauração, que o Réu já tinha tido alguns investimentos na dita fracção, e que sempre transmitiu aos condóminos do Edifício … que o Réus poderiam instalar na dita fracção um restaurante, arranjou como solução, por forma a solucionar o litígio (por forma a calar os condóminos), a realização de uma reunião.
Toda a estratégia definida na reunião realizada na Câmara Municipal … foi, a que, à data, os órgão da Câmara reputaram como sendo a mais correcta, atendendo a que o Município … sempre garantiu aos autores que os Réus poderiam instalar na fracção um estabelecimento de restauração.
A estratégia definida em tal reunião nunca foi respeitada nem cumprida pelos Réus.
Quem instalou na dita fracção o restaurante/pizzaria denominado W… foram os Réus T… e mulher, sendo estes que o exploram.

Os quesitos 1.º e 20.º podem tratar-se conjuntamente, por versarem um tema interligado: a instalação e exploração do restaurante.
Os Apelantes entendem que aquilo que se provou é que a instalação e a exploração do restaurante são actos dos RR. e não da sociedade.
No entanto, a prova testemunhal não suporta este entendimento. Com efeito, AI…, mãe da A. C…, referiu não saber se quem explora o estabelecimento são os RR. ou uma sociedade; e X…, administrador do edifício, limitou-se a dizer que quem lhe paga o condomínio é o R. T… e que sempre que falou com ele, este fê-lo a título pessoal e disse-lhe, quando estava a fazer as obras, que comprou a loja para restauração e que tinha projecto aprovado pela câmara; AJ…, engenheiro técnico civil, que trabalha para a empresa que construiu o edifício e vendeu a fracção aos RR., referiu que quem explora o restaurante é uma sociedade, acrescentando que as obras de adaptação a restaurante foram facturadas em nome da sociedade; e AK…, técnico de contas, que faz a contabilidade dos RR., referiu que o restaurante é da empresa V…, Lda., tendo sido celebrado um contrato de arrendamento entre esta e os RR., e sendo a facturação feita em nome da sociedade.
Assim, a prova testemunhal não aponta para a incorrecção das respostas aos mencionados quesitos.
E que dizer da prova documental?
Como se vê do registo, a sociedade por quotas V…, Lda foi inscrita em 19.04.2005, tendo por objecto a exploração de restaurante, e sendo sócios e gerentes ambos os RR. (fls. 110). Não se compreenderia que os RR. constituíssem uma sociedade cujo objecto era a exploração de restaurante e o estabelecimento de que aqui se trata fosse explorado por eles a título individual. Como também não se compreenderia que estando a sociedade já constituída naquela data, no dia 28 do mesmo mês o R. tivesse pedido na assembleia de condóminos autorização para a colocação do reclame luminoso “para a sua loja onde pretende abrir um restaurante” (fls. 112 a 115), e que tal instalação fosse a título individual e não pela sociedade. Também nos não parece definitivo, para a pretensão dos Apelantes, que do documento de fls. 117 conste que o titular da licença de utilização do restaurante é o R.. Afinal, ele é um dos sócios gerentes. O mesmo se diga dos documentos de fls. 513 e 514. Repare-se que qualquer destes documentos se reporta a datas posteriores à constituição da sociedade e ao seu registo. Também não reputamos vinculante a favor da posição dos Apelantes o doc. de fls. 502-503, no qual os fiscais da câmara referem que o R. está a levar a efeito a instalação do restaurante, pelas mesmas razões. O facto de não ser publicamente conhecida a existência da sociedade, para o que deve contribuir a existência de apenas dois sócios, os próprios RR., que são a face visível da mesma perante o público, não invalida que ela tenha sido constituída e registada com o objecto social mencionado e que seja ela que procede à facturação, como disse o contabilista. O contrato de arrendamento de fls. 380-381 até pode ser um pró-forma, porque sendo os RR. os donos da fracção, até podiam deixar a sociedade de que são os únicos sócios e gerentes utilizá-la para restaurante sem contrato de arrendamento ou com base num contrato de comodato. Nessa medida, o contrato de arrendamento fica esbatido pela constituição da sociedade, que foi formalmente levada ao registo, cujo objecto é a exploração de restaurante e que, como disse o contabilista, o explora.
Não vemos, pois, fundamento para alterar as respostas aos quesitos 1.º e 20.º.

O quesito 24.º encerra matéria alegada pelos RR. no art. 15.º da contestação, sendo continuação da sua afirmação de que as características da fracção e do prédio permitiam a instalação do restaurante. E assim, dizem que Na construção do edifício, foi instalada uma chaminé ou conduta de extracção de fumos, desde a loja aludida na alínea B) dos factos assentes até ao telhado do edifício de 7 pisos em que a mesma se integra.
Todavia, este facto não resultou provado.
A testemunha X…, administrador do edifício, referiu que no início tentaram (os RR.) pôr uma conduta de extracção de fumos no exterior do edifício e os condóminos não deixaram. Aquelas lojas têm apenas uma saída, presumindo que não pode servir para exaustão de fumo, por não ter diâmetro para isso. Por isso é que tentaram pôr uma conduta exterior. A dada altura precisaram de abrir uma passagem. Estavam a usar a fracção do lado, que pertencia à firma vendedora e não estava vendida, para fazer passar a conduta. Os condóminos alertaram-no para isso, porque furaram a parede mestra do edifício para passar a conduta.
Também Y…, engenheira da câmara, afirmou que a fracção não estava dotada de chaminé para expelir vapores, fumos e cheiros. A que tinha não era suficiente para o fim específico, daí a necessidade de adaptação.
AB…, jurista da câmara, referiu que participou de uma reunião com o condomínio e os promotores do investimento, ficando decidido que o promotor tinha de cumprir um certo número de exigências, referentes a exaustão de fumos e ruído.
AJ… afirmou que o sistema de exaustão de fumos e cheiros era o comum aos apartamentos, pelo que para instalar o restaurante tiveram de adaptar.
Face a estes depoimentos, responde-se ao quesito 24.º:
Não provado.

As respostas aos quesitos 25.º e 26.º foram estas:
Os condóminos do edifício nunca colocaram em causa a abertura do restaurante pizzaria (25.º).
Levantando reticências unicamente relativamente a três aspectos: colocação do reclame luminoso, colocação do aparelho exterior de ar condicionado e o ruído que o funcionamento do estabelecimento pudesse vir a provocar (26.º).
Estas respostas devem ser alteradas, passando a uma resposta conjunta. Com efeito, aquilo que resultou dos depoimentos das testemunhas foi que alguns dos condóminos se opunham à instalação do restaurante. Por isso, o administrador do condomínio foi à câmara e foi-lhe dito que era posição do município que as fracções comerciais podiam ser adaptadas a restaurante. Ante essa informação, os ditos condóminos conformaram-se e passaram a fazer algumas exigências ao promotor.
Assim, AL… referiu que quando a irmã soube da instalação do restaurante procurou evitar a situação. Depois exigiram exaustores, etc.
X… disse que houve oposição de vários condóminos ao restaurante, razão por que a câmara agendou a reunião. Uma série de condóminos foi à reunião e ele também. O Arq. AM… entendia que podia funcionar o restaurante. Como ele rebatesse, decidiram estudar o assunto e marcaram outra reunião, à qual foram. Nesta o Dr. AB… tentou congraçar as partes, em termos de os condóminos não se importarem com o funcionamento do restaurante desde que observadas certas regras. O R. T… mandou tirar a conduta exterior de exaustão. Houve uma firma que foi seleccionada para fazer os exames acústicos, mas não sabe os resultados. O R. T… fez-lhe um pedido para colocar um reclame luminoso, mas não pediu para o ar condicionado. A assembleia de condóminos deliberou e impôs soluções relativas ao reclame. Também autorizaram a colocar o ar condicionado no solo. Depois da reunião da câmara foi-se no sentido de se acautelarem questões pontuais, não de oposição à existência do restaurante.
AB… disse que participou de uma reunião com o condomínio e os promotores no investimento. Ficou decidido que o promotor tinha de cumprir um certo número de exigências: exaustão de fumos e ruído. Caso contrário teria a oposição do condomínio. Chegou-se a acordo e a acta foi assinada. Não havia consenso relativamente ao funcionamento do restaurante, por parte dos condóminos.
Face a esta prova, a resposta conjunta aos dois quesitos passará a ser:
Provado que alguns dos condóminos do edifício se opunham à abertura do restaurante/pisaria, mas como a câmara entendia que tal actividade era possível na fracção dos RR., conformaram-se com esse entendimento e passaram a fazer exigências a estes, relativamente à colocação do reclame luminoso e do aparelho exterior de ar condicionado e ao ruído que o funcionamento do estabelecimento pudesse vir a provocar.

Quanto à resposta ao quesito 31.º, os Apelantes entendem que as exigências dos condóminos não foram cumpridas pelos RR., por algumas testemunhas terem dito que não sabiam se foram ou não.
X… disse, quanto à exaustão, que não sabia se foi instalado o depurador exigido, quanto à inspecção acústica, que foi feita, não sabendo o resultado, quanto ao reclame, que o R. cumpriu, e quanto ao ar condicionado, que foi posto no chão.
Y… disse que os testes acústicos são entregues na câmara para obtenção da licença de utilização (pelo que devemos concluir que os resultados obedeciam aos requisitos legais).
AJ… disse que se fez uma extracção por meio de depurador e que foram cumpridas as exigências. Quando se fizeram os 1.ºs testes acústicos esteve no apartamento por cima do restaurante. No 2.º teste não esteve presente. Ouviu dizer que os testes deram bom resultado.
AK… disse que os inquilinos sugeriram dois nomes de duas empresas para novo teste acústico. O 1.º foi feito por incumbência da sociedade construtora. Passou nos dois testes.
Face a esta prova deve manter-se o espírito da resposta, embora com eliminação das redundâncias.
Passará a ser:
Provado que as exigências efectuadas pelos condóminos, foram satisfeitas pelos Réus.

As respostas aos quesitos 32.º e 33.º devem alterar-se apenas para corrigir alguns excessos de redacção face à prova produzida. Com efeito, ninguém assegurou ter visto o resultado dos testes, embora soubessem que tinham sido satisfatórios, o que é confirmado pelo facto de a câmara ter emitido a licença de utilização do espaço como restaurante, “após aprovação dos projectos de arquitectura e especialidades, designadamente do projecto acústico e de isolamento sonoro” e “após realizadas as vistorias e testes, designadamente acústicos” (cfr. respostas aos quesitos 21.º e 22.º, que não foram impugnadas). Como disse a testemunha AB…, a questão acústica é uma das exigências da câmara. Foi esta testemunha, na qualidade de jurista da câmara, que conseguiu conciliar condóminos que estavam contra a instalação do restaurante e os respectivos promotores na reunião promovida pelo município, na qual ambas as partes assumiram obrigações, retratadas na acta respectiva, que foi assinada.
Naturalmente, o facto de os testes terem revelado níveis de ruído aceitáveis, não significa que isso não incomode os condóminos, nomeadamente os que vivem imediatamente por cima do estabelecimento (cfr. respostas aos quesitos 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 13.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º).
Por isso, responder-se-á conjuntamente aos quesitos 32.º e 33.º, nestes termos:
Provado que foi realizada a inspecção/medição acústica aos ruídos do restaurante, tendo os resultados revelado que o funcionamento do mesmo respeitava as exigências legais e regulamentares.

A resposta ao quesito 34.º deve manter-se. É que não se aceita a posição dos Apelantes quando dizem que não souberam do resultado dos testes acústicos, pois foi ante o resultado do 1.º que eles indicaram outras empresas para realizar o 2.º. E se o fizeram, também não pode aceitar-se que não tivessem averiguado o resultado deste. A testemunha X… disse que o teste foi feito, embora referisse desconhecer o resultado. AJ… falou na realização de dois testes, tendo estado presente ao 1.º. Y…, engenheira da câmara, referiu que os testes são entregues na câmara para efeitos de licenciamento da actividade (cfr. respostas aos quesitos 21.º e 22.º). AK… disse que os condóminos sugeriram os nomes de duas empresas para o novo teste, tendo o estabelecimento passado nos dois.

Fixemos a matéria de facto provada com as alterações:
1- Os Autores são proprietários e habitam as fracções autónomas, designadas pelas letras "C", "D", "F", "I", "J", "Y", "X", "AA", "AF", respectivamente, do prédio urbano, submetido ao regime de propriedade horizontal, sito na …, …, Lote .., designado por "Edifício …", descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, sob o nº 223/20070914, da freguesia da …/…, do concelho de Chaves (A).
2- Os Réus são proprietários da fracção "A", do Bloco ., correspondente à loja nº ., descrita na Conservatória do Registo Predial de Chaves, sob o nº 223/20070914 - A, da freguesia de …/… (B).
3- O Edifício … é composto por 34 (trinta e quatro) fracções autónomas, com as letras de "A" a "AH" (C).
4- As fracções "A", "B", "O", "P", "Q", "R" e "S", destinam-se a "lojas", as "M", "N", "AG" e "AH" a garagem e as restantes a habitação, tal como consta do título constitutivo de propriedade horizontal (D).
5- Esta Fracção "A", destina-se a "loja", conforme o título constitutivo da propriedade horizontal (E).
6- Na respectiva descrição da Conservatória do Registo Predial de Chaves consta que a mesma é constituída por rés-do-chão, Bloco . - loja ., comércio (F).
7- A sociedade comercial “V… Lda.”, encontra-se matriculada sob o nº ………, na Conservatória do Registo Comercial de Chaves, tendo por objecto exploração de restaurante (G).
8- Consta do auto de vistoria nº 40/2006 que: "Aos vinte e quatro dias do mês de Outubro de dois mil e seis, os peritos Arq. AC… (Técnica da Divisão de Salvaguarda do Património Arquitectónico e Arqueológico), Eng. AE… (Chefe da Divisão de Gestão Territorial), Eng. AF… (Técnica da Divisão de Gestão Territorial) da Câmara Municipal de Chaves, Sr. AG… (Comandante dos Bombeiros Voluntários de Salvação Pública), Sr. AH… (Técnico de Saúde Ambiental Especialista) da Delegação de Saúde de …, procederam à vistoria da loja nº ., situada na Rua …, Edifício …, localidade de Chaves, freguesia de …, deste Município, vistoria que foi requerida por T…, para efeitos da concessão da autorização de utilização referida em epígrafe, em virtude de ali pretender exercer a actividade correspondente a um estabelecimento de restauração simples. Efectuada a vistoria, verificaram os peritos, em relação a parte do edifício para qual foi requerida a autorização de utilização que foi respeitado o projecto de construção respectivo e demais condicionantes do licenciamento, que está dotado com o equipamento necessário e adequado à actividade a exercer no mesmo, que observa as normas relativas às condições sanitárias, que observa as normas relativas à segurança contra o risco de incêndios” (H).
9- O Município de …, em 13 de Novembro de 2006, emitiu o Alvará de Licença ou Autorização de Utilização para serviços de restauração ou de bebidas nº ../06, ao réu T…, para 13/11/2006, para a loja nº . sita na Rua …, Ed. …, Chaves (Fracção identificada na alínea B) dos Factos Assentes) (I).
10- Na acta resultante da reunião da Assembleia de Condóminos do Edifício …, ocorrida em 28 de Abril de 2005, às 21h00, ficou a constar que: "Submetido o pedido do Sr. T… a votação foi aprovado autorizar a colocação do reclame nas seguintes condições: a) Ser colocado na parte inferior da viga e entre pilares não devendo sobressair para o exterior da fachada; b) Não emitir luminosidade para a fracção superior; c) Ser dotado de lâmpada anti-insectos; d) Se um dia o mesmo for retirado deve o Sr. T… repor o local na sua forma original tapando eventuais furos e pintando o que for necessário. (...) Fora da ordem de trabalhos foi abordada a colocação de aparelhos de ar condicionado pelo Sr. T… sem autorização da assembleia tendo utilizado a fachada do prédio, a localização dos referidos aparelhos não é a ideal pois é susceptível de transmitir as vibrações e ruído para a fracção superior, assim deverá o Sr. T… proceder à colocação dos ditos aparelhos no pavimento exterior à sua fracção devendo os mesmos ser protegidos por uma armação metálica por forma a diminuir o impacto estético." (J).
11- Da referida acta consta, ainda, que os condóminos das fracções I, C, J, e F votaram contra as mencionadas deliberações e os condóminos das fracções AB, H, Y e W abstiveram-se (L).
12- Na sequência da preocupação manifestada por alguns condóminos com o ruído que o funcionamento do restaurante pudesse vir a provocar, a Câmara Municipal … convocou-os para uma reunião, em 13 de Fevereiro de 2006, pelas 15h00, na qual compareceu também o Réu, realizada no … (M).
13- O restaurante em causa é do tipo familiar, aí trabalhando, unicamente, os Réus, dedicando-se o Réu marido a confeccionar as refeições e a Ré mulher a servir os clientes (N).
14- E tem a lotação de 32 lugares (O).
15- Os réus, na sua qualidade de únicos sócios da sociedade comercial “V…, Lda.”, instalaram na fracção identificada na alínea B) dos factos assentes, um restaurante/pizzaria denominado “W…” (1.º).
16- Onde fabricam produtos alimentares para aí, também, os comercializarem (2.º).
17- Desde que a referida sociedade instalou o dito restaurante/pizzaria, os autores C… e B… ficaram sujeitos aos ruídos provocados pela laboração do mesmo, que se ouvem na sua fracção (3.º).
18- E aos ruídos causados pelos clientes do Restaurante (4.º).
19- Na fracção "C", correspondente ao primeiro andar esquerdo, onde habitam os Autores C… e B…, ouvem-se as vozes das pessoas dentro do restaurante, as cadeiras e as mesas a arrastar e o ruído da maquinaria, designadamente a máquina de café (6.º).
20- Os Autores C… e B… ouvem dentro da sua fracção, o barulho quando os Réus estão a amassar a massa das pizzas (7.º).
21- Com a abertura do restaurante verifica-se uma movimentação acrescida de pessoas junto ao prédio onde habitam os Autores (10.º).
22- A autora C…, que exerce a profissão de enfermeira na Unidade de …, e que frequentemente tem que trabalhar de noite, necessita de repousar, convenientemente, o que não consegue fazer, pois fica bastante perturbada com o ruído causado pelo restaurante, o que lhe ocasiona, sem dúvida, sofrimento e tensão de espírito (13.º).
23- O Autor B… teve que recorrer, por diversas vezes, aos serviços de urgência da Unidade de …, pois como passa diversos dias sem descansar e dormir convenientemente, sofre de cefaleias e síndrome ansioso – depressivo (14.º).
24- Toma soníferos e anti-depressivos (15.º).
25- O seu estado de saúde vem-se agravando dia para dia e o ruído provocado pelo restaurante dos Réus já o obrigou, por diversas vezes, a sair de sua casa para poder repousar noutro local (16.º).
26- Os Autores C… e B… sentem-se incomodados pelos ruídos produzidos pelo restaurante, a autora C… pelo facto de trabalhar de noite e ter que dormir de dia e o autor B… devido ao seu síndrome ansioso-depressivo (17.º, 18.º e 19.º).
27- A sociedade identificada na alínea G) dos factos assentes explora o Restaurante/Pizzaria instalado na fracção identificada na alínea B) (20.º).
28- O Município … emitiu o alvará referido na alínea I) dos factos assentes, após aprovação dos projectos de arquitectura e especialidades, designadamente do projecto acústico e de isolamento sonoro (21.º).
29- Após realizadas as vistorias e testes, designadamente acústicos (22.º).
30- E após verificação da compatibilidade entre o uso "loja", definido na propriedade horizontal, com o exercício da actividade de restauração (23.º).
31- Não provado (24.º).
32- Provado que alguns dos condóminos do edifício se opunham à abertura do restaurante/pisaria, mas como a câmara entendia que tal actividade era possível na fracção dos RR., conformaram-se com esse entendimento e passaram a fazer exigências aos mesmos, relativamente à colocação do reclame luminoso e do aparelho exterior de ar condicionado e ao ruído que o funcionamento do estabelecimento pudesse vir a provocar (25.º e 26.º, em conjunto).
34- As exigências efectuadas pelos condóminos, foram integralmente satisfeitas pelos Réus, tendo sido cumpridas as condições impostas (27.º) (este quesito está repetido no que tem o n.º 31, cuja resposta foi impugnada pelos apelantes, pelo que este deve ter-se como eliminado).
35- Na sequência da reunião aludida na alínea M) dos factos assentes, ficou acordado entre os condóminos que estiveram presentes, que o réu T… compromete-se a modificar a solução técnica com a exaustão de fumos, passando-se a permitir a colocação de um "depurador de ar", o qual deverá ser instalado no interior da loja nº ., sita no rés-do-chão do edifício (28.º).
36- Que a abertura do estabelecimento de restauração apenas se poderá verificar após ser feita inspecção acústica, por empresa idónea, escolhida pelos condóminos do prédio em causa, e devidamente acreditada para o efeito (29.º).
37- Que os encargos com a inspecção acústica deverão ser suportados pelo Senhor T…, proprietário da fracção onde se pretende desenvolver a actividade de restauração, devendo a mesma ser realizada na presença de todos os condóminos directamente afectados (30.º).
38- Provado que as exigências efectuadas pelos condóminos, foram satisfeitas pelos Réus (31.º).
39- Provado que foi realizada a inspecção/medição acústica aos ruídos do restaurante, tendo os resultados revelado que o funcionamento do mesmo respeitava as exigências legais e regulamentares (32.º e 33.º, em conjunto).
41- Os condóminos respeitaram e acataram os resultados da inspecção/medição por si encomendada, nenhuma exigência suplementar tendo sido efectuada posteriormente (34.º).
42- O dito estabelecimento iniciou o seu funcionamento no ano de 2006 (35.º).
43- Embora lhe tenha sido atribuído um horário de funcionamento mais alargado, funciona das 11h00 às 15h00 e das 18h30 às 22h00 (36.º).
44- Na maior parte dos dias, o mesmo funciona a menos de 50% da sua capacidade (37.º).
45- Sendo um local pacato e sossegado (38.º).
46- Nas imediações encontram-se em construção edifícios de habitação colectiva e comércio, obras essas que produzem ruído de alguma monta (39.º).

Fixados os factos, devemos começar por tratar uma questão que se nos afigura prévia relativamente à da utilização da fracção em conformidade ou desconformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal.
Os Apelantes não aludem à mesma directamente, mas colocam-na implicitamente, na medida em que afirmam que se desconhecia a existência da sociedade V…, Lda, que tudo foi feito em nome pessoal do R. e, por via disso, pedem a alteração da matéria de facto no que respeita à titularidade do restaurante e à sua instalação e exploração.
Já vimos que a matéria de facto não foi alterada nesse particular. Não obstante, os factos provados revelam que o R. apareceu perante os condóminos e a câmara desprovido da sua qualidade de sócio gerente da dita sociedade, fazendo requerimentos e intervindo em reuniões em nome pessoal.
Daí que deva colocar-se a problemática da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa colectiva.
Tanto mais que na sentença se escreveu:
O que se disse até agora, no entanto, foi dito sem grande rigor, seguindo a versão dos factos apresentada pelos autores, no que diz respeito à propriedade da fracção onde funciona o restaurante em causa.
Contudo, os réus, na sua contestação, vieram levantar a questão da sua legitimidade para serem demandados, alegando que não obstante serem os donos da fracção onde funciona o restaurante, a mesma foi dada de arrendamento à sociedade comercial “V…, Lda.”, a qual explora o restaurante/pizzaria mencionado.
Perante essa alegação, os autores nada fizeram ou disseram, tendo esse facto sido levado à base instrutória (quesito 20º) e tendo resultado provado.
Ora, as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e judiciária – arts. 158º do Código Civil e 5º do Código de Processo Civil.
Na verdade, as sociedades comerciais são sujeitos de direito com personalidade própria, sendo que a personalidade jurídica da sociedade comercial não se confunde com a dos seus sócios.
Sendo assim, era a sociedade referida quem deveria ter sido demandada nestes autos, por só ela poder responder pelos eventuais danos sofridos pelos autores, também só ela podendo ser condenada ao ressarcimento desses eventuais danos.
Os réus, por sua vez, não sendo os responsáveis legalmente pelo funcionamento do restaurante, por não se confundirem com a sociedade que explora o mesmo, apesar de serem os seus únicos sócios, terão de ser absolvidos dos pedidos contra si formulados, não se tratando já, nesta fase do processo, de uma situação de legitimidade como pressuposto da acção, mas de uma situação de condenação ou absolvição.
Está, pois, posta em causa a legitimidade substantiva dos RR., por a titularidade do restaurante caber à sociedade de que são únicos sócios, o que levou à sua absolvição.
Com efeito, as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica, nos termos do art. 5.º do CSC, sendo centros autónomos de relações jurídicas, mesmo em relação aos seus membros ou às pessoas que actuam como seus órgãos.
O princípio da separação de patrimónios e de atribuição de personalidade jurídica às sociedades constitui uma solução de compromisso, um ponto de equilíbrio entre interesses, aparentemente opostos: - o interesse do sócio que, visando prevenir-se contra os riscos inerentes ao exercício de uma actividade comercial, pretende afectar a esta apenas uma parte delimitada do seu património, salvaguardando a restante; - o interesse de terceiros, futuros e potenciais parceiros comerciais da sociedade, e portanto, a necessidade de incutir no comércio em geral um sentimento de confiança, credibilidade e de segurança nas transacções comerciais[1].
Quando a personalidade colectiva seja usada de modo ilícito ou abusivo, para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, é possível proceder ao levantamento da personalidade colectiva: é o que a doutrina designa pela desconsideração ou superação da personalidade jurídica colectiva[2].
Pode dizer-se que a desconsideração da personalidade jurídica da pessoa colectiva, imposta pelos ditames da boa fé, se traduz no desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus membros.
Nos casos de desconsideração, a própria sociedade (pessoa colectiva) desvia-se da rota que o ordenamento jurídico lhe traçou, optando por um comportamento abusivo e fraudulento que não pode ser tolerado na utilização funcional da sociedade ou de que aquela conduta não é substancialmente da sociedade mas do ou dos seus sócios (ou ao invés).
A sociedade é, assim, utilizada para mascarar uma situação; ela serve de véu para encobrir uma realidade[3].
A desconsideração da personalidade jurídica engloba o abuso da personalidade e o abuso da responsabilidade limitada.
Tradicionalmente a desconsideração da pessoa colectiva é construída como técnica que permite subtrair o património (pessoal ou social) dos sócios ao benefício da responsabilidade limitada[4]. É neste domínio do abuso da responsabilidade limitada que o instituto da desconsideração da personalidade adquire toda a sua dimensão.
Estão mais ou menos sistematizadas as condutas societárias reprováveis que, nessa vertente, podem conduzir à aplicação do referido instituto.
De entre elas, avultam: a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade e dos sócios; a subcapitalização, originária ou superveniente, da sociedade por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade; as relações de domínio grupal[5].
Também na vertente do abuso da personalidade se podem perfilar algumas situações em que a sociedade comercial é utilizada pelo(s) sócio(s) para contornar uma obrigação legal ou contratual que ele, individualmente assumiu, ou para encobrir um negócio contrário à lei, funcionando como interposta pessoa. Nessas hipóteses, desde que seja patente um comportamento abusivo e fraudulento por parte de determinado sócio, em prejuízo de terceiros, supera-se a capa da sociedade e passa a ver-se esse sócio, que responderá individualmente perante o lesado, após ser chamado a juízo.
A desconsideração da personalidade jurídica só deverá, porém, ser invocado quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar. Por isso se diz que a aplicação desse instituto tem carácter subsidiário[6].
A matéria de facto é reveladora de que o R. aparecia perante a câmara e perante os demais condóminos como sendo o dono do restaurante, tendo intervindo na reunião com estes naquela e nela formulando requerimentos em nome individual, sem mencionar a existência da sociedade.
Não tinham, assim, os AA. por que saber da constituição da sociedade e da titularidade por ela do restaurante.
Utilizar, agora, o argumento decorrente dessa realidade é abusivo, quando se instalou nas pessoas, mormente nos AA., e por via do comportamento do R., a ideia de que era a título individual que instalava o restaurante.
Estamos, por isso, perante um caso de desconsideração da personalidade societária[7].
Têm-se, deste modo, os RR. como portadores de legitimidade substantiva, pelo que não deve a acção improceder por esse motivo.

Ultrapassada esta questão, passemos a analisar as demais levantados pelos Apelantes.
Querem eles que os RR. sejam condenados a cessar o “uso ilícito” que vêm dando à fracção e a pagar-lhes uma indemnização pelos danos não patrimoniais advindos do ruído provocado na mesma com a exploração do restaurante.
Está, pois, em causa, em primeira linha, a inadmissibilidade da utilização dada à fracção “A” do prédio, pertencente aos RR., a qual no título constitutivo da propriedade horizontal aparece como destinada a “loja” (al. E)), conceito que os apelantes interpretam restritivamente, dele excluindo a actividade de restauração.
Independentemente da violação do título constitutivo da propriedade horizontal, sempre se poderia suscitar a questão aflorada na sentença de, porque apenas estão em jogo fracções autónomas, as dos AA. e a dos RR., dever aplicar-se o disposto no n.º 1 do art. 1422.º do CC, com referência ao art. 1346.º, que permite ao proprietário de um imóvel opor-se à emissão de ruídos provenientes de prédio vizinho, sempre que os mesmos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam[8].
Assim, se os AA. tivessem logrado provar o prejuízo substancial para o uso das suas fracções, também com esse fundamento se poderia obter a cessação da actividade dos RR.. No entanto, não se provaram factos a não ser relativamente aos AA. que moram na fracção imediatamente por cima do restaurante e parece-nos que a dimensão dos mesmos não cabe na previsão da norma.
Analisemos, pois, a questão do uso ilícito da fracção.
No dicionário on-line a palavra “loja” aparece com três acepções:
1. Piso ao nível ou quase ao nível da rua.
2. Estabelecimento de venda ou de comércio, lugar para exposição e venda de mercadorias.
3. Associação maçónica.
A “loja” de que aqui se cuida cabe nos dois primeiros significados, dado que se trata de espaço não habitacional, situado no rés-do-chão de um edifício por andares e destinado a nele se exercer o comércio. Como a exploração de um restaurante também tem uma vertente comercial, acentuada pela dimensão económica transformadora de alimentos, a um tempo industrial e de serviços, temos que ver se a designação constante do título constitutivo da propriedade horizontal abrange a actividade de restauração ou se a exclui.
O Supremo Tribunal de Justiça já decidiu que o mais comum significado do termo loja é o de “estabelecimento comercial para venda de mercadorias ao público”, o de “local onde se exerce o comércio”, sendo também este o sentido em que o emprega a própria lei, no art. 95º, n.º 2 do Cód. Comercial.
Também Ferrer Correia e Pinto Furtado consideram que “loja” é o local onde se exerce o comércio[9].
Local onde se exerce o comércio é aquele onde se mantêm mercadorias para venda ao público.
Nesta linha de orientação, são vários os arestos daquele Supremo Tribunal a defender que num local definido como estabelecimento comercial ou loja no título constitutivo da propriedade horizontal não pode funcionar um restaurante, porquanto esta actividade é industrial e não, como entendeu a Câmara Municipal …, numa concepção que levou à emissão da licença de utilização, de mera prestação de serviços.
Assim, no acórdão de 03.11.2009[10], escreveu-se que a actividade de restauração não pode ser tida como uma actividade comercial, mas sim industrial, sendo actividade comercial a de mediação nas trocas, baseada na permuta indirecta e restrita à aquisição de mercadorias e sua revenda com intuito lucrativo, consistindo numa função intermediária entre a produção e o consumo, enquanto a actividade industrial se traduz numa actividade criadora, de produção, extracção ou transformação de bens.
O mesmo foi dito no acórdão de 15.05.2008, processo 08B779.
E no acórdão de 04.12.2008, processo: 08B1350, decidiu-se que a indústria da restauração não se incluía no terciário/comércio.
Refira-se que no citado acórdão de 04.12.2008 se afirma que na definição dos direitos de cada um dos condóminos de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal deve haver um rigor extremo, uma vez que um conceito alargado do que cada um pode fazer é “meio caminho andado” para que todos perturbem todos.
Desta forma, podemos concluir que a utilização da fracção dos RR. como restaurante acarreta uma violação do título constitutivo da propriedade horizontal sendo, como tal, inadmissível (cfr. os mesmos acórdãos mencionados), por contrariar o disposto na al. c) do n.º 2 do art. 1422.º, por referência aos art.s 1418.º/2-a) e 1419.º/1 do CC.

Todavia, os RR. suscitaram na contestação a excepção do abuso do direito, argumentando com a mera oposição de alguns condóminos à instalação do restaurante, os quais foram convocados para uma reunião na câmara, à qual também compareceu o R., na qual chegaram a acordo registado em acta, tendo os condóminos presentes formulado determinadas exigências que foram cumpridas, pelo que vir quase dois anos após o início do funcionamento do restaurante pedir o encerramento do mesmo integra o conceito do art. 334.º do CC, acrescendo que o restaurante é familiar, tendo um horário de funcionamento reduzido.
Na sentença atendeu-se a esta argumentação.
Efectivamente, apenas alguns dos condóminos se opuseram à abertura do restaurante e acabaram por aceitá-la, sob condição do cumprimento pelo R. de determinadas exigências (cfr. respostas aos quesitos 28.º a 31.º).
A totalidade das fracções existentes no prédio é de 34 (al. C)) e os AA. representam 9 delas (al. A)). O que significa que os donos de 25 fracções se não opuseram à instalação do restaurante e que os que se opuseram, acabaram por aceitá-la, após a reunião camarária, desde que observado determinado condicionalismo (os Apelantes dizem que apenas 4 condóminos foram à reunião camarária, mas dos factos apenas resulta que os que protestaram foram convocados para essa reunião, à qual compareceram alguns, e que se obteve o seu acordo para o funcionamento do restaurante mediante a satisfação pelo R. dos requisitos impostos).
Temos, assim, que após um período inicial em que alguns condóminos se opuseram, depois da reunião promovida pela câmara deixou de haver oposição da parte de qualquer deles relativamente ao funcionamento do estabelecimento.
Dispõe o art. 1419.º/1 do CC, que tem carácter imperativo, que o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.
Não houve essa alteração, mas os condóminos, antes da propositura da acção, estavam em condições de a fazer, dado que a maioria, cerca de ¾, não se opôs à abertura do restaurante e os demais acabaram por aceitá-la, uns subscrevendo o acordo feito na câmara e os demais opositores nada dizendo, apesar de confrontados com o funcionamento do restabelecimento.
O fim a que uma fracção autónoma é destinada constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade do condómino que dela é dono, pelo que o jus fruendi et utendi tem de conformar-se com essa limitação. Não estamos, no entanto, perante uma utilização unilateral do condómino contrária ao título constitutivo da propriedade horizontal, mas antes perante a aplicação a um destino consentido pela totalidade dos condóminos do prédio, uns expressa e outros tacitamente. O que levou a que o restaurante funcionasse mais de um ano, licenciado pela câmara, até à propositura da acção.
Sendo embora difícil conjugar a autorização expressa e tácita mencionada com o disposto no art. 1419.º/1, o certo é que o comportamento dos AA. integra venire contra factum proprium. Primeiro concordam e depois discordam.
Ora, dispõe o art. 334.º do CC que é ilegítimo o exercício do direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé. Pensamos estar perante uma situação enquadrável nessa norma. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela[11], exige-se que o excesso cometido seja manifesto, por os tribunais só poderem fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos se houver manifesto abuso.
Estando a situação nos moldes advindos do acordo celebrado na câmara, não vemos como possam os AA. agir sem ofender de forma evidente e grave os ditames da boa fé.
Assim, embora os AA. tenham o direito, o seu exercício nestes termos é manifestamente abusivo.
O que implica que a acção deva improceder.

As demais questões suscitadas no recurso ficam prejudicadas.

Sumário:
- Quando um sócio de uma sociedade comercial constituída por ele e sua mulher aparece perante o exterior como agindo a título pessoal, não dando conhecimento da constituição da sociedade, deve desconsiderar-se a personalidade colectiva, entendendo-se que os sócios estão revestidos de legitimidade substantiva para serem demandados.
- O art. 1419.º/1 do CC não impede o funcionamento do instituto do abuso do direito contra os condóminos que tácita ou expressamente aceitaram a instalação de um restaurante numa fracção destinada a “loja”, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, apesar da não alteração deste.

Face ao exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença.

Custas pelos Apelantes.

Porto, 2 de Junho de 2011
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Leonel Gentil Marado Serôdio
_______________________
[1] Acórdão desta Relação de 25.10.2005, proc. 0524260, que seguimos de perto nesta problemática, citando Amílcar Brito de Pinho Fernandes, “Responsabilidade dos Sócios por Actos da Sociedade”, Textos do CEJ “Sociedades Comerciais”, 1994/1995, pág. 62
[2] Ibid., citando Menezes Cordeiro, “O Levantamento da Personalidade Colectiva”, Almedina, 2000, pág. 122 e segs; Pedro Cordeiro, “A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais”, pág. 77
[3] Ibid., citando Pedro Cordeiro, o.c., p. 73, nota 75
[4] Ibid., citando Ricardo Costa, “Boletim da Ordem dos Advogados”, n.º 30, pág. 10 e ss
[5] Ibid., citando Ricardo Costa, loc. cit., págs. 13/14
[6] Ibid., citando Amílcar Brito de Pinho Fernandes, loc. cit., pág. 65
[7] Confiram-se, sobre a desconsideração da personalidade, os acórdãos do STJ de 03.02.2009, proc., 08A3991, e desta Relação de 24.01.2005, proc. 0411080
[8] Ac. STJ de 17.02.2011, Processo: 881/09.2TVLSB.L1.S1
[9] Abílio Neto, Cód. Comercial, Cód. das Sociedades e Legislação Complementar Anotados, 15.ª ed., pp. 76-77
[10] Processo: 9647/03.2TVLSB.S1
[11] CCAnot., I, 2.ª ed., p. 277

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