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segunda-feira, 6 de junho de 2011

RELIGIÃO, DIREITO DE VISITA, PODER PATERNAL - AC. DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES - 12/05/2004

Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
623/04-1
Relator: GOMES DA SILVA
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
RELIGIÃO

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12-05-2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: 1. Tem sido entendimento comum da doutrina e da jurisprudência que a distinção entre a jurisdição comum e a administrativa assenta na diferença entre actos de gestão privada e pública.
2. Assim, a definição do tribunal competente para a acção depende da qualificação dos factos trazidos pelos AA.-Apelantes para dilucidação.
3. Analisando os elementos objectivos e subjectivos propostos - omissão de cuidados e deveres funcionais por parte da professora que dirigia a aula numa escola pública e correspondente dever de indemnização, mesmo por danos de ordem não patrimonial, com base no seguro escolar, como modalidade de acção social escolar – é de concluir estar-se perante actos de gestão pública, por dirigidos à satisfação do interesse público e de necessidades colectivas.
4. Em suma, aquele Tribunal é incompetente em razão da matéria para a acção fundada em responsabilidade civil por danos decorrentes de um acidente e suas eventuais sequelas, ocorrido na sobredita escola pública, durante a leccionação de uma aula.


Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


I –

INTRODUÇÃO

1. Aos 2002.09.26, por apenso à acção de regulação do poder paternal sobre o menor "A", veio "B" intentar acção para alteração da regulação desse exercício contra "C".

2. Pretendia obter sentença que alterasse a regulação do exercício do poder paternal do filho menor de ambos, por forma a que a Requerida:
a) ficasse obrigada a fazer comparecer o menor na catequese, em todos os domingos em que o tem consigo e
b) passasse a pagar a quantia mensal de 100,00 €, a título de alimentos devidos ao menor.

3. Alegou, no essencial:
A Requerida não se preocupa em fazer comparecer o menor na catequese em todos os domingos em que o tem consigo; e as despesas com o menor aumentaram, desde logo, porque este passou a frequentar a escola primária.

4. A requerida pronunciou-se, alegando:
Não lhe é possível fazer comparecer o menor na catequese, uma vez que tal implicaria duas deslocações de Viana do Castelo a Ponte de Lima, além da deslocação a Arcos de Valdevez no final do dia para que o menor fosse entregue ao requerente.
Não tem possibilidades económicas para pagar a quantia de mensal de 100,00 €, a título de alimentos devidos ao menor.
*
5. Foram ouvidas as testemunhas indicadas pelo requerente e pela requerida.
Foram elaborados relatórios sociais pela Segurança Social.

6. Julgada a causa, decidiu-se alterar a regulação do exercício do poder paternal da seguinte forma:
a) enquanto o menor frequentar a catequese, a Requerida poderá tê-lo consigo todos os fins-de-semana, indo buscá-lo às 19.00 horas de sexta-feira e indo entregá-lo às 20.00 horas de sábado;
b) a Requerida pagará, a título de alimentos devidos ao menor, a quantia mensal de 100,00 €;
c) esta quantia será actualizada anualmente, a partir de 1 de Janeiro de 2004, de acordo com o índice de preços do consumidor publicado em cada ano pelo Instituto Nacional de Estatística, mas, com o mínimo de 3%;
d) em aditamento à regulação anterior esclarece-se que a Páscoa compreende o domingo e a segunda-feira de Páscoa, os quais serão passados pelo menor, alternadamente, com o requerente e com a requerida.

7. Não conformado, de tal sentença apelou o Requerente, tendo rematado as suas alegações com dois items conclusivos, no sentido da parcial revogação dela.

8. Cumpre apreciar e decidir.


II –

FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

Vem tida por apurada, sem qualquer impugnação da mesma, a materialidade que se fixa:
1. O menor "A" nasceu no dia 27 de Maio de 1995 e é filho do Requerente e da Requerida.
2. Tendo contraído casamento em 1995, estão separados desde Janeiro de 1998 (processo principal).
3. Por sentença homologatória de acordo lavrado pelos progenitores, de 1998.02.12, proferida nos autos de regulação do exercício do poder paternal que correram termos sob o nº1/98 no 1º Juízo Cível do Tribunal de Viana do Castelo o exercício do poder paternal do menor foi regulado da seguinte forma:
§ o menor ficou à guarda e cuidados do Requerente;
§ a Requerida ficou obrigada a pagar a quantia mensal 62,35 € (12.500$00), a título de alimentos devidos ao menor;
§ a Requerida ficou com o direito de ter o menor consigo aos fins-de-semana, quinzenalmente, podendo ir buscá-lo às 20.00 horas de sexta-feira e devendo entregá-lo às 20.00 horas de domingo;
§ no período de férias de cada um dos pais, o menor passaria quinze dias seguidos com cada um deles; o Natal, o Ano Novo e a Páscoa seriam passados, alternadamente, com cada um dos progenitores.
4. Após aquela sentença, o menor passou a frequentar a escola primária.
5. Aos 1998.06.26, a Recorrida "C" requereu alteração dessa regulação do poder paternal, em ordem, nomeadamente, a que o menor lhe fosse confiado; mas a sentença de 2000.04.28 desatendeu-lhe os pedidos (processo principal).
6. O Requerente trabalha em Ponte de Lima, como empregado de restaurante, auferindo a quantia mensal de 328,51 €; e tem despesas fixas no valor de 33,52 €.
7. A Requerida trabalha em Viana do Castelo, como empregada de escritório, auferindo a quantia mensal de 446,25 €, vive com um companheiro que aufere a quantia mensal de 803,23 €; juntamente com o seu companheiro, tem despesas fixas no valor de 577,24 €.
8. O menor, por acordo do Requerente e da Requerida, frequenta a catequese em Ponte de Lima, aos domingos;
9. Nos domingos em que o menor está com a Requerida, esta não o faz comparecer na catequese.
10. Para comparecer na catequese nos domingos em que está com a Requerida, o menor teria que se levantar de manhã cedo, teria que fazer uma deslocação de Viana do Castelo a Ponte de Lima, teria que regressar de Ponte de Lima a Viana do Castelo e teria que fazer uma outra deslocação ao final do dia de Viana do Castelo a Arcos de Valdevez para ser entregue ao Requerente.
11. O Requerente trabalha em Ponte de Lima nos fins-de-semana.


III –

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

1.
O Apelante cingiu as suas censuras aos aspectos nodulares seguintes:

§ o Tribunal não pode impor à Apelada a obrigação de fazer comparecer o menor à catequese, por interferir com a liberdade dos pais em levar a cabo a educação religiosa; e

§ deve manter-se o regime de visitas, anteriormente fixado.

2.
a)
É sabido que a acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal, apesar de independente e autónoma, corre por apenso aos autos em que a sentença de regulação se proferiu (os principais, por isso), por evidentes motivos de racionalidade económica e processual.
Nela deve o Tribunal ponderar toda a materialidade superveniente àquela ou só então dada a conhecer por ignorância do requerente ou outro motivo ponderoso (arts. 1411º-nº1 CPC e 182º OTM), quanto à guarda do menor, montante dos alimentos (para mais, para menos ou mesmo para suspensão temporária), regime de visitas acordado ou fixado, para além de outros aspectos relevantes.
O requerimento deve ser fundamentado sucintamente, de modo a convencer da necessidade da alteração do já regulado. Ainda assim, o poder inquisitório do Tribunal complementará as eventuais deficiências de fundamentação, podendo vir a ter em atenção outros factos que posteriormente venham a ser apurados.

b)
Um dos direitos fundamentais, de índole sócio-cultural, atribuídos ao Homem enquanto tal, porque assenta numa organização especial da sociedade, é a garantia da liberdade religiosa como a de aprender e ensinar (arts. 43º e 75º CRP e 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem).
Os pais têm o direito e o dever de educação dos filhos (art. 36º-nº5), inclusive no de os prepararem para a vida sob o aspecto religioso (art. 41º), ou seja pela frequência da catequese.
“Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – art. 1878º CC.
O poder paternal “caracteriza-se, não como um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas como uma situação jurídica complexa em que avultam poderes funcionais, que devem ser exercidos altruisticamente, no interesse do filho, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral” (cfr. T. Almeida Damião, Organização Tutelar de Menores, 73).
Como autêntico poder-dever ou poder funcional votado ao integral desenvolvimento da criança, em ordem possibilitar-lhe, em condições de liberdade e dignidade, uma vida feliz de cidadão responsável, estende-se por diversos vectores, entre eles a educação religiosa dos filhos menores de 16 anos.
Nos processos tutelares cíveis, como o presente, deve erigir-se em verdadeira pedra de toque ou princípio altamente orientador o interesse do menor, medido com sensata discricionaridade, isto sem esquecer a consideração que for devida a outros legítimos interesses, como o da igualdade entre os progenitores, no âmbito da pluralidade de questões conflituantes do caso concreto (cfr. o art. 147º-A OTM, Anexo à Recomendação nº R (84/4), sobre as responsabilidades parentais, adoptada pelo Comité dos Ministros do Conselho da Europa, de 1984.09.28, o art. 9º-nºs 1 e 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1990.01.26, e 4º-a) da Lei nº 147/99, de 14 de Setembro, sobre a Protecção de Jovens e crianças em Perigo).

c)
O processo educativo reconduz-se à aplicação de um conjunto de métodos para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano.
A educação tem por objectivo principal a formação integral da pessoa humana, quer porque alguém antes de nós teve a capacidade de viver uma relação de personalização e amadurecimento capaz de gerar vida nova, ou porque fomos acolhidos num especial patamar da condição humana em que cada dia é capaz de nos ir ajudando a crescer, independentemente da idade.
A religião analisa-se no conjunto de valores éticos que assentam num certo teor religioso, na veneração ou crença numa divindade, na existência de um ente supremo como causa, fim ou lei universal.
Pela educação religiosa, o ser humano é criado sobretudo em termos de valores, como que nutrido para encarar a vida na perspectiva axiológica da sua execução como projecto divino
Aceita-se comummente que o matrimónio e a educação estão a passar por uma profunda crise.
Aquele, cada vez mais caracterizado por tipologias familiares alternativas, até porque fiscalmente avantajadas, vem apresentando elevados índices de divorciabilidade. Os dados estatísticos nacionais, no que diz respeito ao divórcio (1 em cada 3) e a realidade que todos vamos ouvindo, aqui e acolá, acerca das dificuldades da vida em casal parecem comprovar, sem margem para dúvidas, esta crise.
Também no que diz respeito à educação, o panorama não parece ser melhor, sendo frequente encontrar posições de desencanto e mesmo desânimo em muitos dos seus protagonistas.
A educação para a construção da pessoa e, por conseguinte, para a humanização deste mundo, para alcançar a capacidade de entender o mundo e a existência, de a amar, de desenvolver a nossa capacidade de reflectir, de simbolizar, intuir e experimentar o transcendente – sob essa perspectiva – individualiza-nos e torna-nos únicos e irrepetíveis, capazes de construir um mundo mais humano e mais fraterno.

d)
Pertence aos pais decidir sobre a educação religiosa dos filhos menores de 16 anos, como se estabelece no art. 1886º CC.; essa é a idade adequada à aprendizagem das regras e padrões essenciais para a compreensão e a assunção dos correctos modelos de vida.
A partir dessa idade, a criança é representada, sob este aspecto, como um verdadeiro adulto; por isso, cessa então a educação religiosa facultada pelas escolas públicas.

3.
a)
Administrando a justiça em nome do Povo, o Tribunal garante a vigência do direito fundamental da liberdade religiosa, enquadrada no supremo interesse do menor "A", o seu bem-estar e o seu desenvolvimento harmonioso.
Erigindo tais princípios norteadores, o tribunal pode e deve decidir no sentido de impor à Apelada a obrigação de fazer comparecer o menor à catequese – como ela pretende, aliás (matéria que se afigura algo conflituante com a legitimidade do Apelante para, nesse vector, impugnar a sentença), ainda que, abstractamente pudesse interferir com a concreta liberdade dos pais em levar a cabo a não educação religiosa.
De resto, o Recorrente nunca questionou tal tipo de educação, antes pediu que a Requerida o deveria trazer à catequese e missa dominical ao Centro Paroquial e Social de Santa Maria dos Anjos, em Ponte de Lima (art. 24º da petição), para não sofrer prejuízo na sua educação (art. 25º), onde, por iniciativa sua, vem frequentando a iniciação à religião católica (cfr. art. 11º).
A mãe do "A" também teve por boa a frequência da catequese e a prática religiosa (cfr. arts. 11º a 15ª das suas alegações).
E não é pelo facto de tal educação vir a ocorrer a cargo da mãe que põe em crise tal direito fundamental, sendo que o pai sempre poderá inteirar-se da forma como ela se for processando, dirigindo-se à mãe, ao coordenador da educação religiosa em Viana ou mesmo às catequistas. Manter a catequese no dito Centro Paroquial (sem qualquer prova de que se revelasse melhor que noutro local), e a cerca de trinta quilómetros do lugar em que passará os fins de semana com a mãe, isso sim, converter-se-ia num verdadeiro suplício para esta e aquele, por terem, então, de levantar-se cedo e fazer percursos estradais demorados, desnecessários e até perigosos – o que o Requerente não ignorará.
Bem ao contrário das suas preocupações, que foram mudando ao sabor das fases do processo, nada inculca que a construção do bem e da felicidade do seu filho possam, por isso, sofrer prejuízo algum.

b)
Ultrapassada a lamentável fase de afastamento da "C" relativamente ao "A", concomitante com os primeiros tempos da separação conjugal, importa que os estruturantes laços parentais com a mãe se restabeleçam total e eficazmente. É isso que exigem o bem-estar do "A" e o seu desenvolvimento harmonioso.
A redefinição do regime e tempo das visitas, por forma adequada à actual idade do menor (em vias de perfazer nove anos), decorre da sugestão veiculada no relatório social de fls. 41, cabendo nos poderes conferidos ao tribunal e acautela o que estamos convictos de ser o melhor para o "A": mais reaproximação à mãe, sem quebrar o convívio com o pai.
Daí que não devamos introduzir-lhe alterações que se revelariam não profícuas.


IV –

CONCLUSÃO DECISÓRIA

Nestes termos, acordamos, em nome do Povo, em:

1. julgar improcedente a apelação e

2. confirmar a sentença ajuizada.


Custas pelo sucumbente.

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/16ede85a84d32f9580256ed90038d3ee?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

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