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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

DOCUMENTO EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 22/09/2011


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
281/10.1TBVVC-A.E1
Relator: JOÃO GONÇALVES MARQUES
Descritores: DOCUMENTO EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA

Data do Acordão: 22-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: VILA VIÇOSA
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO

Sumário:
1 - A exigência de a parte indicar quais os factos que por meio do documento quer provar, destina-se, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou indeferir o requerimento e em segundo lugar a desencadear a sanção a que hoje alude o artº 529º, com referência ao nº2 do artº 519º (v.g., livre apreciação da eventual recusa do notificado para efeitos probatórios).
2 - Se é verdade que, interpretado à letra, o nº 4 do artº 266º faz depender a intervenção do juiz na remoção do obstáculo consistente em dificuldade séria de obtenção de determinado documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual de a parte alegar justificadamente tal dificuldade, também verdade se afigura que, quando tal dificuldade salta à evidência, não deve a respectiva falta de invocação constituir motivo de indeferimento da requerida intervenção do tribunal.


Decisão Texto Integral:
Acordam no tribunal da Relação de Évora:

Na acção declarativa de condenação com processo ordinário que M… e mulher F… movem contra L… COMPAHIA DE SEGUROS, procedeu-se oportunamente à selecção da matéria de facto assente e controvertida com a organização, quanto a esta, da base instrutória, sendo que, na subsequente fase do oferecimento das provas, requereu a Ré, alem do mais, que se ordenasse aos AA. a junção dos autos de declarações de IRS relativas aos rendimentos auferidos em 2006, 2007 e 2008 e, para o caso de estes não cumprirem, que se oficiasse repartição de finanças da área da sua residência para juntar cópias de tais declarações. Requereu, ainda a notificação dos AA. para identificarem as terceiras pessoas que substituíram o A. M… na realização dos trabalhos agrícolas e de pecuária, a fim de as mesmas serem arroladas como testemunhas para contra-prova dos quesitos 24º e 25 da base instrutória.
Tais pretensões vieram, porém a ser indeferidas, nos seguintes termos:
Quanto às declarações de IRS:
«Dispõe o artº 528º, nº 1 do Código de Processo Civil que “quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requererá que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento a parte identificará quanto possível o documento e especificará os factos que com ele quer provar” (sublinhado nosso)
Ora, compulsando o requerimento probatório em causa, constata-se que não se mostram especificados os factos que se pretende provar com a junção dos aludidos documentos, não permitindo ao tribunal, neste momento, aferir da sua pertinência, razão pela qual se indefere o requerido, sem prejuízo de o Tribunal oportunamente, ex officio ordenar a sua junção»
Quanto à identificação das pessoas que substituíram o A. M….
«Ora, dispõe o artº 266º, nº 4 do Código de Processo Civil que:
“Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento do ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo”.
In casu, analisando o requerimento em causa, constata-se que não é invocada justificadamente qualquer dificuldade séria em obter a aludida informação, razão pela qual se indefere o requerido, sem prejuízo de o Tribunal oportunamente, ex officio, determinar a inquirição de tal ou tais pessoas».
Do assim decidido interpôs a Ré o presente recurso de apelação em separado em cuja alegação formula as seguintes conclusões úteis:
1. Encontra-se controvertida de interesse para o presente recurso a seguinte factualidade constante da base instrutória:
19º

As lesões sofridas pelo A. M… em consequência dos factos aludidos am A) determinaram-lhe um período de trinta dias de incapacidade para o trabalho?
20º
Período durante o qual efectivamente não trabalhou?
21º
O A. M… é agricultor?
22º
(…) implicando o exercício desta actividade profissional a realização de grandes esforços físicos, condução de máquinas agrícolas, carregamento de pesos e deslocações a pé e em viaturas pelo campo?
23º
Antes dos factos aludidos em A) tinha o A. M… o rendimento médio mensal de € 3.628,84 (Três mil seiscentos e vinte e oito euros e oitenta e quatro cêntimos) que retira do seu trabalho?
24º
Teve que contratar terceiros para o substituírem na realização dos trabalhos agrícolas e de pecuária?
25º
Com a contratação de trabalhadores para o substituírem no exercício das suas tarefas profissionais o A. M… despendeu a quantia de € 500,00 (quinhentos euros)?
51º
A A. F… tem o rendimento médio mensal de € 1,189,07 (mil cento e oitenta e nove euros e sete cêntimos?

2. Da descrição da factualidade constante da base instrutória desde logo ressalta que a diligência de prova requerida pela ré (junção aos autos das declarações de IRS) se inscrevia abertamente no âmbito da matéria de facto controvertida, ressaltando, por isso a sua pertinência.
3. Sem tais documentos fica a ora recorrente impossibilitada de contra-provar a matéria alegadas autores e consequentemente fica o douto tribunal desprovido de todos os elementos probatórios para a boa decisão da causa.
4. É lícito e correcto que uma das partes requeira, o R. in casu, a notificação das partes para juntarem aos autos elementos (probatórios relativos aos factos em discussão nos autos) cujo ónus de contra-prova cabe a esta parte.
5. Os documentos cuja junção aos autos se requereu com vista a servir de contra-prova têm manifesto interesse para a decisão da causa, pois caberá à Ré fazer contra-prova do que os AA. alegam.
6. A serem definitivamente indeferidas as diligências de prova requeridas pela R. é impedido à mesma oferecer qualquer contra-prova credível do alegado pelos AA., bem como de apresentar contra-prova que contrarie a prova (mesmo que só testemunhal) que vier a produzir, desse modo se violando o disposto no artº 346º do Código Civil.
7. E violar-se-á o disposto nos artºs 265º, nº 3 e 531º, ambos do CPC, pois não só se torna seguramente mais difícil e dúbia a descoberta da verdade, como preclude uma das partes do exercício de um direito processual que lhe é garantido por lei.
8. Ora, a obtenção das declarações de IRS referentes aos AA. é necessária à boa decisão da causa, não é ilegal nem ofensiva das normas processuais, pois é matéria controvertida a questão de saber se, antes da ocorrência do sinistro dos autos o A. M… tinha o rendimento mensal de € 3.628,84 que retirava do seu trabalho (quesito 23 da base instrutória), bem como se a Autora F… tem o rendimento médio mensal de € 1.189,07 do seu trabalho (quesito 51º da base instrutória).
9. Pelo que devem as diligências probatórias requeridas pela R. ser admitidas para contra-prova da matéria em discussão nos autos, nomeadamente quanto à factualidade vertida nos quesitos 23º e 51º da base instrutória.
10. Daí que se afigure absolutamente imprescindível ao exercício do direito de defesa da R. a possibilidade de acesso a tais documentos.
11. A matéria em relação á qual a diligência de prova se destinava era relevante para a justa decisão da causa.
12. Ora, a lei não impõe á parte que identifique ao factos que pretende provar com a junção de documentos por reporte à alínea da base instrutória, ou da matéria assente, onde os mesmos constem.
13. Na verdade, ainda que se admita que, ao identificar-se, por reporte à base instrutória, os concretos factos que se pretende contra-provar, possa resultar mais clara a pretensão da Ré, não se pode concordar, contudo, salvo o devido respeito, que tal circunstância reconduza ao seu indeferimento.
14. Todavia, no caso do douto tribunal entender que não era possível no momento aferir da pertinência da junção aos autos dos documentos, ao juiz assiste o poder-deveder de convidar as partes a esclarecer os autos o que se propunha provar de forma a não comprometer o sucesso da lide.
15. O convite ao aperfeiçoamento das peças processuais recuperáveis é resultado do princípio geral da cooperação, constante do nº do artigo 265º, conjugado com o artº 266º do C.P.C.
16. De resto, ainda que a R. não tivesse requerida as diligências em causa, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer” (artº 265º nº 3 do CPC).
17. A Ré requereu ainda a notificação doa autores para virem aos autos identificar as terceiras pessoas que substituíram o A. M… na realização dos trabalhos agrícolas, o que o tribunal indeferiu.
18. de todo o teor da douta p.i não se retira o nome dos terceiros contratados pelo A.
19. Os AA. não identificarem os aludidos “terceiros”.
20. Não dispõe a R. forma de identificar o inidentificável.
21. A identificação de terceiros está na posse dos AA. e, por isso, compreende-se a dificuldade séria ou, mesmo, a impossibilidade da R. poder identificar os terceiros e obter tal informação.
22. Nessa circunstâncias, caberá também ao juiz, sendo possível, como é no acso, providenciar pela remoção do obstáculo, como resulta expressamente do disposto no nº 4 do artº 266º do CPC.
23. Somente os AA. têm a informação /identificação dos terceiros , não dispondo a Ré de nenhum meio para obter tal informação. Provada está a séria dificuldade em obter pela R. a aludida informação.
Termina impetrando a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita as diligências de prova requeridas pela Ré.
Não foi oferecida contra-alegação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, mostrando-se para tanto suficientes os elementos constantes do precedente relatório.
Relativamente à pretensão da Ré de se ordenar aos AA. a junção das declarações de rendimentos:
Perante o disposto no artº 528º nº 1 e 2 do C.P.Civil, a primeira questão que se deve colocar é a de saber se o documento em poder da parte contrária interessa ou não à decisão da causa e não tanto a de indagar a quem cabe o ónus da prova dos factos que o mesmo atestará.
Com efeito, como se refere no Acórdão do STJ de 15.02.2000, citado em Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 21ª Edição, em anotação 3 ao referido preceito, o meio de prova ali previsto pode ser requerido em relação a factos alegados pela parte contrária àquela a quem cabe o ónus da prova, com a finalidade de simples contraprova desses factos.
Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis em anotação ao então artº 553º, a obrigação de a parte que requeria a notificação da parte contrária para juntar determinado documento esclarecer em que é que o mesmo consistia (hoje o artº 528º transpondo, aliás uma expressão dos Ilustre Mestre fala em identificar quanto possível o documento) visava dar conhecimento ao notificado de qual o documento que dele se requisitava, esclarecendo que “...não basta que se indique a espécie em abstracto, é necessário que se caracterize a espécie, que se individualize o documento…” .
Por seu turno, a exigência de a parte indicar quais os factos que por meio do documento quer provar, destina-se, no dizer de mesmo Autor, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou indeferir o requerimento e em segundo lugar a desencadear a sanção a que hoje alude o artº 529º, com referência ao nº2 do artº 519º (v.g., livre apreciação da eventual recusa do notificado para efeitos probatórios).
Ora no caso, a razão do indeferimento da pretensão da apelante esteve em que a mesma não especificou os factos que pretendia provar com a junção dos documentos o que não permitiria ao tribunal aferir neste momento da sua pertinência.
Sendo verdade que a apelante não procedeu à aludida especificação, afigura-se, de todo o modo, que esse circunstancialismo não justificava, por si só, o indeferimento.
Com efeito, e como se alcança dos autos, o requerimento foi dirigido precisamente ao mesmo juiz que organizara a base instrutória em que incluíra os quesitos 23º perguntando se “Antes dos factos aludidos em A) tinha o A. Manuel ramalho o rendimento mensal de € 3.628,84 (três mil seiscentos e vinte e oito euros e oitenta e quatro cêntimos) que retira do seu trabalho) e 51º perguntando se “Felícia Ramalho tem o rendimento médio mensal de €1.189,07 (mil cento e oitenta e nove euros e sete cêntimos) que retira do seu trabalho”, contexto em que ao contrário do que no despacho se consignou, o tribunal não estava impedido de aferir, nesse momento, da pertinência das declarações de IRS de cada um dos autores. E ainda que se admitisse que o Mº Juiz não tinha presente, naquele momento, o teor da base instrutória que ele próprio organizara, o poder aferir da pertinência ou não dos documentos em causa, ter-se-ia bastado com a mera notificação dos AA. para prestarem o pertinente esclarecimento.
Ou seja, o tribunal enveredou pela via de um excessivo rigorismo que, no caso em apreço, se em nada se justificava.
Quanto ao pedido de notificação dos AA para identificaram as pessoas que terão substituído o A. M… na realização dos trabalhos agrícolas e de pecuária:
Como acima se viu, tal pretensão foi indeferido com o fundamento de não ser invocada justificadamente qualquer dificuldade séria em obter a aludida informação.
É verdade que, interpretado à letra, o nº 4 do artº 266º faz depender a intervenção do juiz na remoção do obstáculo consistente em dificuldade séria de obtenção de determinado documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual de a parte alegar justificadamente tal dificuldade, o que, com efeito, a apelante não fez.
Mas também verdade se afigura que quando tal dificuldade salta à evidência, não deve a respectiva falta de invocação constituir motivo de inacção do tribunal.
Ora, no caso em apreço, deparando com uma acção em que é demandada uma Companhia de Seguros, com sede em Lisboa, por cidadãos de que certamente nunca ouvira falar e que alegam, perante ela, terem-se socorrido de terceiros para determinados trabalhos em virtude de incapacidade temporária decorrente de lesões sofridas no acidente, perguntar-se-á legitimamente como poderia ela, sem a colaboração dos próprios AA. identificar esses terceiros, sendo certo assistir-lhe o direito de os arrolar como testemunhas para contra-prova dos quesitos que indicou no seu requerimento.
Concluindo-se, assim, que não havia razão para o indeferimento das diligências probatórias requeridas e concedendo procedência à apelação, revogam as decisões impugnadas que devem ser substituídas por outra que ordene a notificação dos AA. nos termos requeridos quer quanto á junção das declarações de rendimentos quer quanto à identificação dos terceiros que terão substituído o A. M… na realização dos trabalhos agrícolas e de pecuária.
Custas pela parte vencida a final.
Évora, 22.09.2011
João Gonçalves Marques
Eduardo José Caetano Tenazinha
António Manuel Ribeiro Cardoso

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