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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

LEI TUTELAR EDUCATIVA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO DEPOIMENTO INDIRECTO - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 12/10/2011


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
243/10.9T3ETR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: LEI TUTELAR EDUCATIVA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO
DEPOIMENTO INDIRECTO

Data do Acordão: 12-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE ESTARREJA
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 92º, N.º 1, AL. A) E 128º, DA LEI TUTELAR EDUCATIVA (APROVADA PELA LEI N.º 166/99, DE 14/09) E 129º, DO C. PROC. PENAL

Sumário: 1. No âmbito da Lei Tutelar Educativa, no que tange à impugnação da matéria dada como provada e em sede de recurso, aplicam-se as regras do CPP, por força do comando legal do artigo 128º da LTE.
2. Nos termos da LTE, só podemos aplicar a um menor inimputável uma qualquer medida tutelar educativa desde que se tenha provado, fora de qualquer dúvida razoável, que ele participou no concreto facto qualificado pela lei como crime, mesmo que se saiba que estamos perante um jovem habitualmente avesso aos valores do nosso Estado de Direito, por força da investigação sócio-familiar levada a cabo.
3. Sem factos provados não há hipótese de se accionar os meios ressocializadores e reeducadores ínsitos na LTE, sob pena de voltarmos ao formal e agarantístico processo tutelar da OTM e à zona negra e nebulosa, comprometida com um Modelo de Protecção, em que caminhava a Justiça das Crianças antes de 2001.
4. Considerando que o depoimento indirecto é uma comunicação, com função informativa, de um facto de que o sujeito teve conhecimento por um terceiro, parece-nos razoavelmente claro que não constitui depoimento indirecto - portanto não enquadrável no art. 129.º do C.P.P. e, portanto, não constituindo prova proibida -, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.


Decisão Texto Integral:

41

I - RELATÓRIO

1. No Processo Tutelar Educativo n.º 243/10.9T3ETR, no Juízo de Família e Menores de Estarreja, na comarca do Baixo Vouga, por decisão do tribunal singular (cfr. artigo 30º/2 «a contrario sensu» da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99 de 14/9, seguidamente sempre apelidada de LTE) datada de 30 de Março de 2011, em sede de desfecho da fase jurisdicional do processo (artigo 115º da LTE), foram arquivados os autos no que respeita ao menor A..., por não se ter logrado provar a prática por parte do jovem dos factos que lhe eram imputados (qualificados pela lei penal como um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º/1 e 204º/2 e) do CP e um crime de dano p. e p. pelo artigo 212º do mesmo diploma legal).

2. O Ministério Público, nos termos dos artigos 121º/1 a), 122º/1 e 123º a) da LTE, recorreu de tal DECISÃO, assim concluindo o seu recurso (em transcrição):
1- Face às declarações e aos depoimentos atrás indicados, indicação essa que aqui se dá por reproduzida, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto dando-se como provado que, no dia 10 de Abril de 2010, o menor A... acompanhava o B... quando este se dirigiu à residência do ofendido D..., com ele tendo praticado, em co-autoria material, todos os factos constantes da decisão recorrida (art. 685-B e 712, n.º. 1, ambos do Cód. Proc. Civil).
2- Consequentemente, o menor A... constituiu-se co-autor material de um
crime de furto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203, n.º.1 e
204, n.º.2, al. e), em concurso real com um crime de dano p. e p. pelo art. 212, todos do Cód. Penal.
3- Assim, impõe-se a aplicação ao menor da medida tutelar educativa adequada à sua educação para o direito e à sua inserção de forma digna e responsável na vida em comunidade, propondo-se a medida tutelar de imposição de obrigações de frequência da actividade escolar com sujeição de controle da sua assiduidade e aproveitamento.
De acordo com o exposto, e sempre com o douto suprimento de Vs Exs, deverá a douta decisão recorrida ser revogada e proferido Acórdão que altere a matéria de facto provada nos termos atrás propugnados e aplique ao menor A... a pertinente medida tutelar educativa, assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA».

3. O menor respondeu a este recurso, defendendo a justeza do sentenciado, pedindo a final a negação de provimento a este recurso.

4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu o seu PARECER, defendendo a procedência do recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (ex vi artigo 128º da LTE), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 126º da LTE.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, ex vi artigo 128º da LTE, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt.
formuladas em sede de recurso, as questões a resolver consistem em
· 1º- saber se há que modificar a matéria de facto apurada, por ocorrência de erro de julgamento;
· 2º- saber se, face a tal modificação, há prova bastante da prática pelo menor A... dos factos narrados no requerimento da abertura da fase jurisdicional;
· 3ª- saber qual a medida tutelar educativa a aplicar ao menor, caso se entenda responder afirmativamente à 2ª questão.

2. DA DECISÃO RECORRIDA
2.1. Na DECISÃO recorrida, é este o rol de FACTOS PROVADOS (em transcrição):
«1. No dia 12/04/2010, B..., acompanhado outros dois indivíduos cuja autoria não foi possível apurar, dirigiram-se à residência do ofendido D..., sita na Rua …na freguesia de …, nesta cidade, área deste Município, tendo-se todos introduzido na mesma através da janela da sala que, para o efeito partiram.
Uma vez no interior da habitação do ofendido, percorreram a casa toda, procurando bens e valores de que pretendiam apropriar-se, e dali retiraram e colocaram num saco, nos anexos da casa:
- 1 base de lâmpada em alumínio
- 1 suporte de uma lâmpada em latão
- cinco adaptações de mangueira em latão,
- Dez torneiras em bronze
- Dois redutores de botija de gás,
- Dois tubos de aço inox
- Doze joelhos galvanizados
- 7 Uniões galvanizadas
- Dois misturadores de casa de banho
- quatro puxadores de janela em ferro.
- Oito niples roscados de ferro fundido,
- Um pedaço de chumbo derretido
- Sete tubos de lâmpadas em latão
- Trinta peças diversas em latão.
Os bens supra referidos têm um valor concreto não apurado.
Pretendiam apropriar-se, fazendo-os seus, os bens supra referidos, contra a vontade do seu legítimo proprietário, para o que os transportaram para os anexos da referida habitação, apenas não tendo conseguido os seus intentos devido à intervenção da GNR, que chegou ao local antes de os três indivíduos terem retirados os bens da propriedade do ofendido.
Para se introduzirem nos supra referidos anexos, onde penetraram sem para tal estarem autorizados, estroncaram, partindo-a e inutilizando-a, a porta exterior que dava acesso aos mesmos.
A reparação global dos estragos provocados na janela e na porta orça em € 700,00.
Os bens foram recuperados e entregues ao seu proprietário.
Agiram voluntária, livre e conscientemente com o propósito de se apoderarem dos referidos objectos, que só não integraram no seu património e fizeram seus devido à pronta intervenção da GNR, e ainda com o propósito de danificarem a janela e a porta. Não desconheciam que actuavam contra a vontade e sem autorização do seu legítimo proprietário e que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

2. Sempre actuando de acordo com o plano que previamente tinham traçado, cortaram ainda os cabos (3 extensões de electricidade, com 10 metros cada), da bomba de água propriedade do lesado, a qual se encontrava na residência supra referida.
Cada um dos cabos tinha um valor de pelo menos €30,00.
Nos referidos anexos procederam à queima dos 3 cabos eléctricos supra referidos, a fim de, por essa forma, se apropriarem do cobre de que são feitos.
Agiram voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de se apoderarem do referido cobre, que só não integraram no seu património e fizeram seus devido à pronta intervenção da GNR. Não desconheciam que actuavam contra a vontade e sem autorização do seu legítimo proprietário e que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

3. Ainda dentro da propriedade do ofendido, abeiraram-se da viatura de matrícula …, propriedade do ofendido, que ali estava estacionada, e estroncaram, partindo-o e inutilizando-o, o canhão de ignição da mesma, sabendo que provocariam, como provocaram, estragos na referida viatura, cuja reparação orçou em € 483,11.
Agiram voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que estavam a danificar o veículo automóvel, que actuavam contra a vontade e sem autorização do seu legítimo proprietário e que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

Provou-se ainda que:
4. A... é o segundo de três filhos de E..., tendo a paternidade sido registada em 04.10.2010.
O jovem vive com a irmã (F..., menor de idade, que frequenta o ensino primário), a mãe (solteira, 4° ano, doméstica) e o pai G... (casado, 4° ano, pedreiro da construção civil).
A... vive actualmente com os progenitores, em XX..., em casa arrendada, sendo humildes as condições vivenciais partilhadas. O meio de inserção é de características mistas (rural e residencial), não referenciando o jovem especial apreço pelo nível de vida familiar, que reconhece difícil por escassez de recursos.
Esta dificuldade suscita conflitos materno-filiais, por solicitações do jovem para aquisição de bens ou artigos a que a mãe não possa corresponder.
A condição económica do agregado é desfavorecida, sendo o sustento familiar assegurado com recurso ao vencimento do companheiro da mãe do jovem e que rondará os 400,00€. Acresce o montante referente ao abono de família, tendo sido cessado o benefício de Rendimento Social de Inserção por alegado incumprimento de acordo de inserção, designadamente a obrigação de frequência escolar do jovem.
Apesar das limitações de ordem económica, parecem asseguradas as necessidades elementares.
A... iniciou a sua escolarização em idade dita normal, sendo um aluno com historial de retenções (no 1º ciclo e no 2º ciclo do ensino básico), registando duas retenções no 6° ano. No ano lectivo transacto, por sua iniciativa, abandonou a escola regular, intentando a frequência de um curso de formação em Aveiro, sucedendo não ter conseguido efectuar qualquer progressão nos estudos nesse ano lectivo.
A nível comunitário, a família é referenciada pelos recursos modestos e escassa concertação de esforços educacionais, sendo o jovem percepcionado como um adolescente com uma autonomia precoce, com saliente absentismo escolar (sendo instaurado processo nº. 646/08na CPCJ de Estarreja) e exploração de contextos e pares convivenciais alheios à família, aspectos que não têm sido atalhados pelo casal E... e G....
No decurso do ano lectivo passado, o jovem abandonou a frequência escolar, tendo passado temporadas em casa do irmão (H..., 22 anos, residente em …), vindo a casa da mãe aos fins-de-semana. Na opinião deste irmão, A... tende a assumir uma postura desrespeitadora para com a mãe, não acatando inteiramente a autoridade desta, o que, associado a uma postura desinteressada e pouco envolvida de G..., propicia alguma dominância do arbítrio do jovem na gestão do quotidiano do jovem que regressou a casa da mãe a partir de Abril.
O casal não tem conseguido estruturar, nem monitorizar de forma próxima as interacções e companhias do jovem, ou os locais que o mesmo foi frequentando.
A... reiniciou a frequência escolar, recebendo aconselhamento materno para adoptar uma postura de comparência regular às aulas.
Embora reconheça o direito dos outros de opinarem de forma distinta e individual, o jovem nem sempre efectua cedências ou reconhecimentos quando confrontado com aspectos desadequados reportados à sua conduta, tais como o absentismo escolar e o desrespeito por orientações e normas. Assim, nem sempre realiza adequada ponderação das possíveis consequências dos seus actos, quando inapropriados ou censuráveis.
A... integra uma família cuja dinâmica interna se estrutura em torno duma actuação parental pouco ascendente, ainda que o discurso familiar se conecte aos valores normativos vigentes.
O jovem tem potenciais para realizar aprendizagens e melhorar a sua conduta, carecendo de uma acção mais directiva, restritiva e exigente, designadamente face ao cumprimento das suas obrigações académicas».

2.2. É este o elenco dos FACTOS NÃO PROVADOS:
«Com interesse não se provaram quaisquer outros factos que estejam para além ou em contradição com os factos dados como provados, nomeadamente que:
I – Um dos intervenientes nos factos dados como provados em 1. 2. e 3 foi o menor A....
II – O valor estimado dos bens mencionados em 1. é superior a €120.
III – Para além dos cabos mencionados em 2., foram ainda retiradas 3 extensões de electricidade, com 10 metros cada.
IV - Os três indivíduos conseguiram efectivamente apropriar-se dos bens mencionados em 1., fazendo-os seus».

2.3. Motivou assim o tribunal recorrido esta decisão de facto (sublinhado nosso):
«A convicção do Tribunal fundou-se:
- No assento de nascimento do menor A..., constante de fls. 36 e 37 do apenso A.
- No relatório social de fls. 97 a 100.
- No auto de apreensão e entrega de fls. 6 e 7.
- Na factura pró-forma constante de fls. 13, no que concerne à reparação do veículo.
- No orçamento de fls. 14, que quantifica em 700,00 Euros o arranjo da porta e substituição da janela.
Teve-se ainda em conta:
- As declarações do visado A..., o qual declarou não ter praticado nos factos, não saber explicar a razão pela qual o seu nome foi envolvido no processo, usa o telemóvel com o n.º …, que anda sempre consigo, conhece o B...do liceu, local onde por vezes vai por aí estar a estudar a sua namorada, chegou a ter o nº de telefone do B...e a enviar-lhe SMS, não conhece o C…, não é conhecido por “T...”, não tem, nem nunca teve, qualquer relação com T....
- O ofendido D..., pessoa já de idade e que revelou dificuldades de se situar no tempo e de prestar declarações coerentes, referiu que a casa assaltada não é habitada, não viu o assalto, só tomou conhecimento do mesmo após a sua ocorrência. A casa foi assaltada 3 vezes, pensa que o assalto aqui em causa foi o último. Partiram o canhão de ignição da carrinha, cujo arranjo importou em 500,00 Euros, bem como a porta e a janela, dano que avalia em 1000 e tal Euros, deu por falta de um berbequim, uma rebarbadora, cabos da bomba de água, não sabe o valor destes bens, não sabe exactamente quando desapareceram os objectos mencionados no requerimento de abertura da instrução. Cortaram os cabos da bomba de água e queimaram os mesmos, para aproveitar o cobre, o custo de cada cabo rondaria os 100,00 Euros.
- J..., genro da testemunha anterior, o qual disse que a casa assaltada não era habitada, houve pelo menos dois assaltos à mesma casa, o dos autos foi o segundo. Chegou do serviço cerca das 6.00 horas, verificou que estava a sair fumo da casa assaltada e viu que a porta e a janela estavam arrombadas. Chamou logo a GNR, que chegou ao local. Entraram o declarante e a GNR e viram três indivíduos dentro da casa, nos anexos, a conversarem entre si, indivíduos que logo começaram a fugir, dois deles não foram apanhados e não foram por isso identificados, apanharam apenas um deles. Não conhecia nenhum deles, apenas sabe reconhecer o que foi apanhado. O que foi apanhado foi levado ao posto da GNR e aí identificado. Verificaram que estava junto deles um saco com uma série de objectos de cobre, latões, ferro velho, objectos que se encontravam na casa. Tinham já queimado uns cabos eléctricos. Entraram na casa pela janela e pela porta, retiraram tudo o que era de metal, acabaram por estroncar a carrinha. Tudo o que foi apreendido e que consta do auto de fls. 6 sob a referência “um saco branco contendo o seguinte material” foram os objectos que estavam no tal saco, objectos que foram restituídos. Não sabe o valor de tais objectos, é ferro velho, para si sem valor. Não sabe quantificar o dano na carrinha. Quando os 3 indivíduos fugiram não levaram o saco, que ficou dentro da propriedade, aliás o saco pesaria 30 ou 40 quilos. As extensões de electricidade estavam derretidas, desapareçam três, valeriam cada qual talvez 30,00 Euros.
- K..., soldado da GNR que participou na ocorrência, que referiu terem sido chamados devido a um assalto, chegaram ao local e avistaram dentro da casa, nuns anexos, três indivíduos, tentaram fugir, um deles foi apanhado. Foram para o posto da GNR, o B…, o único que foi apanhado, identificou os restantes dois intervenientes pelas alcunhas “…” e “A... de T...”, tendo ainda indicado o número de telefone deste. Os objectos furtados estavam junto aos assaltantes, dentro da casa, nos ditos anexos, levaram os objectos para o posto, fizeram a sua inventariação e descrição e restituíram-nos ao proprietário. Verificaram que o canhão da ignição do carro e a fechadura de uma porta estavam danificados. Os assaltantes tinham queimado cobre extensões para extrair o cobre. Os assaltantes preparavam-se para levar os objectos que tinham reunido.
- L..., soldado da GNR que participou na ocorrência, tendo referido que não entrou na casa, por ter ficado a vigiar o perímetro exterior, interceptou e apanhou o B… . O B...forneceu depois no posto informação sobre a identificação dos outros dois através das suas alcunhas. O “ …” era já conhecido do posto, o “A... T...” presumivelmente viveria em T....
- M..., técnica da … de Estarreja, que, no exercício das suas funções profissionais conhece os menores B... e A.... O B...confidenciou com ela que tinha feito um furto juntamente com o A... e o … e que tinha sido apanhado. Sempre lhe falou do “A... de T...”, é assim que o A... é conhecido entre os seus pares, não sabendo a origem de tal alcunha, pois que o A... nunca viveu em T..., viveu em … e em XX.... O B...chegou a mostrar-lhe um SMS, que segundo ele teria sido enviado pelo A..., e que tinha o seguinte teor “anda ter comigo à casa velha”.
- C..., maior de idade, o qual negou a sua participação nos factos, disse conhecer o A... por “A... de T...”, conhece o B..., chegou a enviar-lhe uns SMS a perguntar-lhe porque estava a envolvê-lo neste caso. A sua alcunha é “Patarata”.
- B..., que dado o seu estatuto processual de co-visado nestes autos - estatuto que não se transmuda até ao encerramento do processo – foi ouvido nessa qualidade. Este menor não pretendeu prestar declarações em audiência, sendo que aquando da audiência preliminar fez questão de confessar apenas os factos que a si pessoalmente lhe diziam respeito, e logo aí não quis pronunciar-se sobre os factos imputados a terceiros.
- As testemunhas apresentadas pela defesa, H... e N..., irmão germano do menor A... e respectiva companheira, referiram que o A... viveu em … até aos 10 ou 11 anos de idade, desde aí vive em XX..., passando no entanto algumas temporadas em ... com os depoentes. Precisamente entre fins de Fevereiro e pelo menos até Maio de 2010 o A... esteve a viver com eles, dado que tinha chumbado de ano por faltas. O A... nunca nessa temporada saiu à noite sozinho. O A... não é conhecido por “A... de T...”, nunca teve qualquer ligação com T....
Face a tal prova, e analisando criticamente a mesma, à luz dos normativos legais referentes à prova em processo penal, normativos aqui aplicáveis por força do disposto no art. 128º, da LTE, temos que nenhum dos alegados intervenientes no assalto assumiu em juízo a comparticipação do A... no dito assalto, pois que o A... negou a sua intervenção nos factos, o B...remeteu-se ao silêncio e o C...também disse desconhecer quem procedeu ao assalto.
Nenhum dos soldados da GNR, nem nenhuma outra testemunha, conseguiram ver o A... no dia dos factos, não tendo, por isso, conhecimento directo sobre a identificação dos dois outros indivíduos com quem o B...se fazia acompanhar.
O facto de o B...ter mencionado no posto da GNR que o “A... de T...” era um dos outros dois indivíduos que estavam com ele não pode ser valorado em juízo, dado que o B...não quis prestar declarações em juízo sobre esta matéria, não podendo ser valorados testemunhos indirectos baseados em declarações de jovens visados em processo tutelar que não pretendam prestar declarações em juízo, sob pena de, por via indirecta, ser violado o direito ao silêncio de tais jovens.
A circunstância de o B...ter dito o mesmo à testemunha M..., que assim prestou um depoimento indirecto, também não pode ser valorado, por se tratar de um depoimento indirecto, não confirmado pela fonte – art. 129º, do CPP.
Esta testemunha diz ter visto uma mensagem SMS que lhe foi exibida pelo B..., onde constava escrito “anda ter comigo à casa velha”, porém foi o B...quem lhe disse ser a mensagem do A..., coisa que a mesma não pôde pessoalmente confirmar, tratando-se este depoimento, na parte em que se refere ao que lhe foi dito pelo B..., mais uma vez de um depoimento indirecto, não confirmado pela fonte.
Face ao exposto, e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, balizado pelas limitações probatórias supra mencionadas, o tribunal não logrou dar como provada a participação do A... nos factos dados como provados».


3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Vem o Ministério Público recorrer da decisão final da fase jurisdicional deste processo intentado a favor Porque os processos tutelares educativos não correm contra menores mas sempre em seu favor, em prol da sua desejada reeducação para o Direito. do menor A..., na altura dos eventos narrados no requerimento de fls 107-112, com 14 anos de idade.
Alega que o faz de facto e de direito.

3.2. IMPUGNAÇÃO DE FACTO

3.2.1. Pretende o recorrente impugnar a matéria dada como provada.
Aplicam-se aqui as regras do CPP, por força do comando legal do artigo 128º da LTE.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
A este propósito, convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
No nosso caso, o recorrente satisfaz minimamente (embora não se deixe de opinar que teria sido mais curial a Digna recorrente ter feito alusão com maior rigor e precisão às partes dos depoimentos em que funda a impugnação, sendo a alusão muito genérica e a roçar a ineptidão) os requisitos legais.

3.2.2. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem:
- primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;
- e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.2.3. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, da análise da decisão recorrida, não vislumbramos qualquer um destes vícios.

3.2.4. Já o erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp..
A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

3.2.5. O artigo 127.º do C.P.P., aqui também aplicável por força do artigo 128º da LTE, consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
– os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
– A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
– Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
– A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
– Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

3.2.6. Com este pano de fundo, ANALISEMOS este recurso de facto, assente que estamos no domínio da Lei Tutelar Educativa, aplicável aos factos qualificados pela lei como crime praticados por menores entre os 12 e os 16 anos de idade.
O menor A..., em 12/4/2010, tinha 14 anos de idade, sendo menor inimputável em termos criminais (artigo 19º do CP)
Comecemos por falar da Lei Tutelar Educativa e das razões que estiveram na base da sua «invenção».

3.2.6.1. Passaram DEZ anos sobre a revolução que, em 2001, sem cravos, decidiu colocar em vigor duas novas Leis, anunciadas como os veículos privilegiados da alteração dos comportamentos judiciários, habituados até então a lidarem com estas questões da MENORIDADE com o olhar de alguma pressa e facilitismo, proporcionais a um Direito tido como de segunda categoria, como se as causas se medissem aos palmos, como se os saneadores, cabos das nossas tormentas de juízes, e os cúmulos jurídicos aparecessem nos processos antes das petições iniciais e das maiêuticas denúncias criminais...
Falar do Direito dos Menores correspondia, até há algum tempo a esta parte, a uma transposição da própria menoridade que é inata a alguém que não completou ainda 18 anos de idade (e que, na senda do nosso Código Civil, tem uma capacidade regra de gozo de direitos mas uma incapacidade regra de exercício do poder paternal – cfr. artigos 67º e 123º do CC) para o próprio ramo do Direito que o tutela, o regulamenta, quer substantiva, quer adjectivamente.
E os menores, oprimidos no seu silêncio natural, cresciam algo desamparados e invisíveis perante uma sociedade que os via apenas como “candidatos à cidadania”, como adultos em potência, adaptando-se as regras jurídicas gerais às características de alguém de palmo e meio, que não sabe ainda escrever o seu nome completo, que não sabe o que é a “globalização” ou a “guerra das audiências”...
Por força da assunção dos princípios supranacionais, do esforço de alguns pioneiros na arte de engrandecer aquele que é, por natureza, um “polegarzinho” e de uma outra forma de encarar a criança, já não só como objecto do direitos mas sobretudo como sujeito desses mesmos direitos, a maioria dos quais deverão ser próprios e exclusivos das suas pessoas, algo mudou no reino da criança.
O papel principal agora é outro, a peça que vai à cena tem outros protagonistas – não os pais que os criam, mas os filhos que são criados e exigem o melhor tratamento possível, pois toda a criança é rei, pois todo o cuidado é pouco para quem tão facilmente se pode ferir ou quebrar mercê de uma fragilidade de que ela se veste desde o dia em que lhe cortam o cordão umbilical até ao dia em que, numa qualquer garagem, entre mais ou menos serpentinas, ela sopra dezoito velas num bolo.
É nesta linha de pensamento que surgem as duas Leis que vieram trazer um novo fôlego ao Direito dos Menores em Portugal, fazendo eco da maioria dos princípios plasmados em instrumentos internacionais como as Regras de Beijing e as Directrizes de Riade – falo da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e da Lei Tutelar Educativa.
Na hora em que as crianças continuam a nascer e a crescer, elas vão querer, exigir, diria mesmo, que os preceitos das várias Convenções e Resoluções Internacionais que outros fizeram em seu nome sejam aplicadas, de viva voz e de viva lei, nas suas vidas de infantes à procura de um melhor colo.
As duas leis em causa movem-se com um fim confessado e comum – o interesse do menor que comete delito e da criança e do jovem em perigo, o tal conceito indeterminado capaz de, aqui e ali, justificar a derrogação de regras de estrita legalidade, em nome dos princípios que norteiam a jurisdição voluntária em que navega, por exemplo, a primeira das leis referidas.
E esse interesse, in casu, tem de ser fatalmente o de recuperar comportamentos anti-sociais, educando o menor prevaricante para o Direito (nos termos da Lei n.º 166/99), ou o de reintegrar o ser maltratado na família próxima ou alargada que foi capaz de se redimir do erro passado (nem sempre irreversível), ou noutra família substitutiva que canaliza o amor anónimo para um louro, moreno, ruivo ou crioulo objecto de desejo, sem pinga do seu sangue (na linha da Lei n.º 147/99).
As duas leis são coerentes, neste particular.
E inovadoras, apesar dos velhos do Restelo que, por aí, à sombra de uma estranha impunidade intelectual, continuam a propagar as virtualidades agarantísticas da vetusta Organização Tutelar de Menores (em boa hora, morta nos seus artigos 1º a 145º).
É vontade do legislador recuperar e reintegrar na comunidade que o viu nascer aquela criança ou jovem que figura como sujeito do processo tutelar educativo ou do processo de promoção e protecção, com honras de nome na capa.
E fá-lo com a ideia de que sem família a apoiar o jovem delinquente não há reinserção social eficaz e de que sem apoio capaz de recuperar a família disfuncional, não há reinserção familiar eficaz do menor em perigo.

3.2.6.2. Num Modelo de Justiça como actualmente é o nosso, a restrição de direitos fundamentais inerente à aplicação de uma medida tutelar educativa justifica-se pela prossecução de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente aqueles que integram os objectivos prioritários da política de juventude estadual, nomeadamente, “o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efectiva integração na vida activa e o sentido de serviço à comunidade” – artigo 70º, nº 2 da CRP.
Para além disso, o Estado deve assegurar as exigências comunitárias da segurança e da paz social.
Encontrando-se a personalidade do jovem ainda em formação, o Estado tem o direito e o dever de intervir correctivamente neste processo sempre que ele, ao ofender valores essenciais da comunidade e as regras mínimas que regem a vida social, revele uma personalidade hostil ao dever-ser jurídico básico A preocupação sobre as questões de delinquência de crianças e jovens não é um dado novo.
Recorramos a Maria João Leote de Carvalho, socióloga que se tem notabilizado em Portugal no estudo da delinquência juvenil (texto: LEI TUTELAR EDUCATIVA – DESAFIOS E CONSTRANGIMENTOS: CONTEXTOS, PROTAGONISTAS E ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA):
«Se já Durkheim (1998) defendera a ideia que a existência de que o desvio é um facto universal que terá de ser abordado em função das condições fundamentais da vida em sociedade, a crescente visibilidade de alguns factos sociais e o reconhecimento "da incapacidade ou desadequação dos controlos informais da família, da escola e da comunidade para assegurarem a conformidade (das crianças e jovens) em relação às regras que se supunham desejáveis para as crianças" (Moura Ferreira, 1997: 915) impõe um aprofundamento da reflexão neste campo. Muitas vezes as questões que se levantam ficam meramente restritas à tentativa de conhecimento sobre o aumento ou diminuição estatística do problema ignorando-se que o mais importante é conhecer os seus contornos. Mas também esta constatação não é recente como se pode ver na leitura de textos portugueses sobre a matéria que datam do início do século XX.
“Em quasi todos os paizes da Europa se tem notado um aumento consideravel da criminalidade precoce d’ano para ano. Na Bélgica e na Holanda a delinquencia de menores duplicou em vinte anos. Na Espanha triplicou no mesmo lapso de tempo. Na Russia, Austria, Hungria, França, Alemanha e Italia o aumento também foi enorme. Apenas em Inglaterra e talvez na Suissa, se tem constatado uma diminuição no numero de menores condenados.” (Côrrea, 1915: 75)

A actual dramatização e politização das violências e do crime tende a fazer crer que se está perante um cenário social único, desvalorizando-se que não se trata de fenómenos novos; novos poderão ser alguns dos seus traços e das suas actuais dinâmicas assim como dos contextos onde se produzem. Como evidenciam Lourenço e Lisboa (1998) na abordagem sobre estas problemáticas, a preocupação sobre estas questões e a ideia de se estar perante um seu agravamento numa linha sem precedentes não são, historicamente, situações exclusivamente contemporâneas; inscrevem-se, pelo contrário, nos discursos sobre a crise ou crises sociais que atravessam as sociedades em diferentes épocas, particularmente em períodos de intensas e profundas mudanças.
Constata-se ainda como as abordagens efectuadas pelos media sobre jovens em geral ajudam a difundir a ideia da juventude como “um mito ou quase um mito” (Machado Pais, 1996: 34) destacando “um universo de juventude”, restrito e fechado, na linha do identificado por Bourdieu, 1980:145), um universo “de irresponsabilidade provisória: esses ‘jovens’ situam-se numa espécie de terra de ninguém, onde são adultos para umas coisas e crianças para outras”. E esta dualidade, esta ambivalência na forma como as sociedades se posicionam perante os jovens encontra-se traduzida nos modelos de intervenção social que visam a prevenção da delinquência pelo que, passado quase um século sobre a preocupação enunciada por Côrrea, que interrogações podem ser identificadas como prioritárias neste campo nos dias de hoje? Tomando como pano de fundo o quadro traçado por Roché (2001) verifica-se que a controvérsia é grande e a procura de resoluções para estes problemas não é consensual.
“Estarão as nossas crianças e jovens a regressar a um ‘estado selvagem’? Prática de delitos em idades cada vez mais baixas, agravamento do grau de violência nos actos cometidos, muitos dos quais em torno da origem étnica e o crescente envolvimento de raparigas são questões que se encontram na ordem do dia no debate público sobre delinquência. A tal ponto que, em certas comunidades, pede-se a aplicação de medidas mais repressivas centradas numa maior pressão sobre os pais, incluindo a possibilidade de eliminar ou reduzir os seus benefícios sociais. Mas as posições divergem. Alguns defendem que esta forma de combater a delinquência é um regresso a uma ordem moral e a uma ideologia exclusivamente repressiva; outros justificam-na pelo número crescente de jovens envolvidos em delitos. Pode avançar-se neste debate?” (Roché, 2001: 13)
No caso português, o Estado da Arte sobre esta matéria traduz-se num conhecimento difuso e pouco profundo. Ainda que não seja uma situação exclusivamente nacional, uma leitura restrita das estatísticas oficiais e dos mais diversos estudos pode levar a situar o fenómeno do desvio e da delinquência de crianças e jovens exclusivamente junto daqueles que provêm de estratos sociais socioeconómicos mais desfavorecidos num acentuar de problemáticas negativas. No entanto, sabe-se que tal não corresponde à realidade social devendo ter-se em linha de conta os procedimentos de recolha de informação e a natureza dos dados recolhidos, a maioria junto dos sistemas oficiais de justiça que se constituem como o último patamar de acção dos mecanismos de controlo social formal. Como outros factos sociais, o desvio e a delinquência atravessam todas as classes sociais variando apenas a intensidade e o grau de visibilidade que os mesmos adquirem em função da eficácia dos mecanismos de controlo que os actores de uns e outros estratos sociais dispõem para os suster (Gersão, 1998).
A ausência de um modelo sistémico de recolha de informação estatística, da base ao topo da pirâmide intervenção social e judicial, não permite ter uma visão global sobre este problema, dele se tendo apenas meros fragmentos, na maioria das vezes dificilmente cruzáveis entre si. Emerge a necessidade de reajustamentos ao nível dos instrumentos e procedimentos de recolha de dados oficiais sobre criminalidade assim como da consideração da sua divulgação pública atempada. De igual modo, a discussão da estatística oficial tem de ter em linha de consideração os indicadores demográficos relativos aos escalões etários mais novos, algo que não acontece regularmente.
À fraca visibilidade na agenda pública alia-se a escassez de estudos sociológicos sobre a temática em Portugal e as dificuldades crescentes dos investigadores em aceder ao terreno e a efectuar pesquisas para além do contexto institucional ou formal da estatística oficial. Se é verdade que é necessária a sua quantificação, não menos importante é olhar e compreender as suas expressões, a sua natureza e os contextos onde vem a tomar formas. É muito ténue a representatividade de outras abordagens como os estudos longitudinais (que não podem ficar restrito às populações recenseadas oficialmente nos sistemas de Justiça) ou os inquéritos de delinquência auto-revela só para citar dois dos mais significativos modos de investigação postos em prática noutros países. Sendo este um problema social que coloca em causa os fundamentos da estrutura e da ordem social, tema socialmente incómodo, será por isso pouco atractivo para a investigação em Sociologia no nosso país? Acredita-se que não mas a verdade é que a escassez de produção científica é um dos principais constrangimentos que se identifica nesta área e que se vê reflectido num excesso de ruído opinativo sobre a matéria, em intervenções essencialmente marcadas por elevada subjectividade, o que dificulta a adequada identificação e compreensão do fenómeno. Os desafios são grandes e é fundamental (re)pensar o investimento em linhas de investigação sociológica sobre a problemática nas suas mais diversas vertentes»..
A intervenção tutelar educativa – legitimada, em termos de letra de lei, pelo DL 166/99 de 14/9, que aprovou a Lei Tutelar Educativa, entrada em vigor em 1/1/2001) importa restrições a direitos da criança (como o direito à liberdade e à autodeterminação pessoal) e dos progenitores (como o direito à educação e à manutenção dos filhos).
Ela deve ser excepcional e obedecer aos princípios da necessidade e da proporcionalidade.
Se o jovem entra em ruptura com o mínimo ético e social em que assenta a vida em sociedade, ofendendo bens jurídicos tutelados pelo direito penal, o Estado, através dos Tribunais, deve intervir com o objectivo de fazer compreender ao agente os valores essenciais da comunidade e as regras básicas de convivência social a que qualquer cidadão deve obediência.
A intervenção tutelar educativa só se justifica, assim, se o interesse da criança ou do jovem assim o determinar, tendo em vista o direito em “desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável, ainda que, para esse efeito, a prestação estadual implique uma compressão de outros direitos que titula”. Esta intervenção não visa a punição e só “deve produzir-se quando a necessidade de correcção da personalidade subsista no momento da aplicação da medida. Quando tal não aconteça, a ausência de intervenção representará uma justificada prevalência do interesse da criança ou do jovem sobre a defesa dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade”.
A intervenção tutelar educativa do Estado justifica-se quando “se tenha manifestado uma situação desviante que torne clara a ruptura com elementos nucleares da ordem jurídica”, legitimando-se o Estado para educar o jovem para o direito, mesmo contra a vontade de quem está investido das responsabilidades parentais Retemos a concepção de um processo tutelar educativo que tem como objectivo primordial a defesa do interesse do jovem, na perspectiva da sua integração social, não podendo ser encarado, nunca, sob uma perspectiva sancionatória ou intimidatória; na realidade, a medida tutelar deverá ser enquadrada em termos da evolução da personalidade do jovem e adequação ao seu desenvolvimento psicológico, devendo o tribunal atender à gravidade da sua conduta, traduzida na prática de actos delituosos.
No sentido da responsabilização do jovem prevaricante, deve dar-se prevalência, num âmbito de justiça reparadora, às ideias de restituição, compensação, redução dos conflitos, mediação, participação, reconciliação e prestações comunitárias..
Assim, são pressupostos da intervenção tutelar educativa Cfr. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – uma questão de direito(s), Coimbra Editora, 2009, p.:
Ø a existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais traduzido na prática de um facto considerado por lei como crime;
Ø a exigência ao jovem do dever de respeito pelas disposições jurídico-penais essenciais à normalidade da vida em comunidade, conformando a sua personalidade de forma socialmente responsável – necessidade de ser educado para o direito.
Ø a idade mínima de 12 anos, fazendo coincidir o início da puberdade com o limiar da maturidade requerida para a compreensão do sentido da intervenção tutelar educativa.

3.2.6.3. O artigo 2º da Lei Tutelar Educativa define as finalidades das medidas tutelares educativas, como sendo a educação do jovem para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade - repare-se que tal finalidade deve subsistir no momento da aplicação da medida e deve manifestar-se no concreto facto praticado pelo jovem, depois de se ter, realmente, apurado que ele o praticou (é o próprio artigo 92º da Lei que prescreve que um dos objectivos da fase jurisdicional, ou seja, aquela que se segue a um inquérito não arquivado, é a comprovação judicial dos factos, bastando-se a lei com a prova de um facto ilícito típico).
Registe-se que a cada facto só pode ser aplicada uma medida, com a excepção do nº 2 do artigo 19º, podendo um só processo conhecer de vários factos praticados pelo mesmo jovem (artigo 34º), assim se aplicando ou uma só medida ou mais do que uma medida (v.g. artigo 6º, nº 4) no mesmo processo, constando do artigo 8º os critérios de aplicação dessas diferentes medidas e do artigo 133º as regras de execução sucessiva de medidas tutelares (uma palavra de algum relevo para a regra segundo a qual a execução da medida institucional prevalece sobre a não institucional, suspendendo-se, assim, esta última durante o cumprimento da primeira, bem como para a regra segundo a qual qualquer medida não se pode prolongar para além dos 21 anos do seu destinatário).
A execução das medidas tutelares, incluída a revisão prevista nos artigos 136º e seguintes, compete ao tribunal que as aplicou, correndo tal execução nos próprios autos, nos Tribunais de Família e Menores deste país ou nos de Comarca constituídos como tal.
O processo tutelar educativo tem muitas afinidades com o processo penal – que não devem passar disso -, dele importando, essencialmente, as garantias constitucionais em matéria de direitos fundamentais e alguns institutos adaptados aos fins do processo tutelar educativo, como, por exemplo, a participação processual do ofendido (muito embora se opine que o mesmo nunca poderá recorrer de uma decisão final já que se considera que o mesmo não é “terceiro” prejudicado com a mesma, atentas as finalidades do processo tutelar educativo).
Tal como é referenciado na exposição de motivos da LTE, no processo tutelar educativo "a primeira nota que ressalta ... é a sua semelhança com o processo penal”.
Com efeito, não obstante algumas particularidades relacionadas com o facto de o sujeito processual ser menor de 16 anos e, consequentemente, inimputável em termos penais, e quanto ao tempo de detenção ou de aplicação da medida cautelar ou medida tutelar, o processo tutelar educativo importou do processo penal alguns institutos próprios deste com o objectivo de aproximar aquele dos princípios constitucionais em matéria de direitos, liberdades e garantias.
Assim, todas as formalidades relativas à identificação e detenção do menor – art.ºs 50º a 55º -, obedecem aos mesmos princípios e condições previstas no processo penal.
Porém, a maior similitude com o processo penal é a que resulta da fase de inquérito – art.ºs 72º e seguintes da LTE.
Na verdade, sendo certo que a intervenção tutelar educativa visa responsabilizar o jovem pela sua conduta, parece que tal responsabilização não pode ser nos moldes penais. E a utilização dos procedimentos penais na estrita observância das regras processuais poderá determinar que se não alcancem os objectivos visados pela intervenção tutelar educativa. Com efeito, só se o facto gerador de infracção criminal for provado é que há lugar à aplicação de medida tutelar - art.ºs 78º e 87º da LTE.
A intervenção do MP obedece a pressupostos formais consubstanciados na existência do facto e na necessidade de educação do jovem para o direito. Assim, o MP adquire a notícia nos termos preconizados pelos art.ºs 72º e 73º e determina a abertura do inquérito - art.º 74º.
Note-se que a legitimidade do MP para a acção tutelar educativa é definida nos mesmos moldes da legitimidade para a acção penal, designadamente quanto aos crimes de natureza particular ou cujo procedimento criminal dependa de queixa (e daí a nossa posição de que é possível a desistência de queixa em crimes semi-públicos ou particulares, não obstante a necessidade de reeducar o menor para o direito – podendo, depois de arquivado um inquérito, ser despoletado o competente processo de promoção e protecção, por força do artigo 43º da LTE -, e a de que, não tendo sido apresentada a competente queixa em processos em que se dê notícia de tais delitos não públicos, não poderá a LTE ser aplicada por falta de pressuposto processual).
Por outro lado, saliente-se, como nota relevante, o facto de a denúncia ou a transmissão da denúncia feita por órgão de polícia criminal dever ser, sempre que possível, acompanhada de informação que retrate a conduta anterior do jovem e a sua situação familiar, educativa e social - art.º 73º n.º 2.
Esta inovação confere aos órgãos de polícia criminal uma crescente intervenção social, sendo certo que, por via da sua acção preventiva e proximidade junto da população são as entidades que, por vezes, estão em melhores condições de rápida e eficazmente fornecer à autoridade judiciária uma informação tão completa quanto possível para fundamentar uma decisão provisória ou mesmo definitiva, constituindo um meio de obtenção de prova.
Repare-se ainda que a prática de uma contravenção ou de uma contra-ordenação por um menor não leva à aplicação da LTE, mas eventualmente da LPCJP, ficando ainda de fora desta LTE a situação de menor que sofra de anomalia psíquica que o impeça de compreender a intervenção tutelar educativa.

3.2.6.4. Em termos de processamento destes autos (que não devem ser vistos como parte de um «processo penal dos pequeninos»), diga-se que no término de um inquérito tutelar educativo, o Ministério Público (titular do mesmo)
1º)- Arquiva-o
§ a)-quando constatar a inexistência do facto
§ b)-quando concluir pela insuficiência de indícios da prática do facto
§ c)-quando se tornar desnecessária a medida tutelar após o termo da suspensão do processo, por cumprimento do plano de conduta
§ d)-quando houver desnecessidade de aplicação de medida tutelar, sendo o crime punível com pena de prisão de máximo não superior a 3 anos.
· O superior hierárquico do MP pode determinar o prosseguimento dos autos dentro do prazo de 30 dias, contado da data do despacho de arquivamento
2º)- ou requer a abertura da fase jurisdicional, contendo tal requerimento:
§ a)- a identificação do jovem e dos pais ou representante legal;
§ b)- a descrição dos factos, incluindo, quando possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática e o grau de participação do jovem;
§ c)- a qualificação jurídico-criminal dos factos;
§ d)- a indicação de condutas anteriores, contemporâneas ou posteriores aos factos e das condições de inserção familiar, educativa e social que permitam avaliar da personalidade do jovem e da necessidade de aplicação de medida tutelar;
§ e)- a indicação da medida a aplicar ou das razões por que se tornam as mesmas desnecessárias;
§ f)- os meios de prova;
§ g)- a data e a assinatura.

3.2.6.5. Passemos agora, à fase jurisdicional do processo tutelar educativo, presidida pelo juiz.
Esta fase obedece ao princípio do contraditório e compreende:
· a comprovação judicial dos factos
· a avaliação da necessidade de aplicação de medida tutelar
· a determinação da medida tutelar
· as formas de execução da medida tutelar
Ela começa com um despacho inicial, proferido logo que é recebido o requerimento do MP para a abertura da fase jurisdicional.
Nesse momento inicial, o juiz, após verificar se existem questões prévias que obstem ao conhecimento da causa, pode:
a) arquivar o processo quando, tratando-se de facto qualificado pela lei como crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, concordar com a proposta do MP no sentido da desnecessidade de aplicar qualquer medida tutelar educativa (artigo 93º, nº 1, alínea b));
b) determinar o prosseguimento do processo, com vista à realização de audiência, quando não concorde com a proposta do MP (artigo 93º, nº 2);
c) designar dia para audiência preliminar, se tendo sido requerida medida que não o internamento em centro educativo, se justificar o tratamento abreviado, dada a natureza dos factos, a urgência do caso ou a medida proposta (artigo 93º, nº 1, alínea c));
d) determinar o prosseguimento do processo, ordenando as notificações a que se refere o nº 2 do artigo 93º, quando tiver sido requerida a aplicação de medida de internamento em centro educativo, não concordar com a proposta do MP de arquivamento, nos termos supra aludidos, ou não haver fundamento para o tratamento abreviado próprio da audiência preliminar, nos restantes casos (artigo 93º, nº 2).
Havendo lugar à audiência preliminar, que é por natureza um espaço de consenso que, conjugado com a menor gravidade do caso, viabiliza o seu (desejável) tratamento abreviado, se o juiz entender que a medida proposta pelo MP não é desproporcionada ou desadequada, procura a concordância para a sua aplicação e, se conseguir, homologa aquela proposta (artigo 194º, nº 4).
No caso de não haver concordância, o juiz procura consenso para outra medida que considere adequada (salvo a de internamento) e se o conseguir, e com ela concordar, aplica a medida assim sugerida (artigo 104º, nº 3 e 4)
Quando considerar desproporcionada ou desadequada a medida proposta pelo MP ou não se reunir o consenso necessário sobre ela, o juiz determina a produção dos meios de prova apresentados e
1)- profere decisão, quando considerar que o processo contém todos os elementos;
2) determina o prosseguimento do processo, com vista à realização da audiência, nos outros casos (artigo 104º, nº 5).
Note-se que quanto ao regime das provas em audiência preliminar, só valem as produzidas ou examinadas em audiência, salvo as provas contidas nos actos processuais a que se refere o artigo 106º (cfr. artigo 105º).
Nos casos em que o processo deva prosseguir com vista à realização da audiência (o nosso caso, QUANTO AO A...) e uma vez realizadas as diligências que devam ter lugar antes dela, o juiz designa data para a mesma, sendo o despacho, acompanhado de cópia para abertura da fase jurisdicional, transmitido no mais curto prazo, aos juízes sociais, quando devam intervir – artigo 116º.
Vejam-se agora algumas notas legais sobre a audiência final e eventual processualismo subsequente:
Ø Regime da audiência – artigo 117º;
Ø Decisão – artigo 118º (de salientar que, no caso de ser aplicada medida de internamento, o tribunal deve indicar o regime de execução da medida – artigo 118º, nº 4);
Ø Intervenção do tribunal misto – artigo 119º;
Ø A estrutura da decisão obedece ao preceituado no artigo 110º, por remissão do artigo 120º da mesma Lei;
Ø Esta decisão contém:
· relatório
· fundamentação de facto (enumeração dos factos provados e não provados, bem como dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal)
· fundamentação de direito (indicação da qualificação jurídico-penal dos factos e exposição das razões que justificam o arquivamento ou a aplicação de medida tutelar Recordemos o elenco das Medidas Tutelares Educativas.
A)- MEDIDAS NÃO INSTITUCIONAIS
1) Admoestação (artigos 9º e 140º)
2) Privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir ciclomotores (artigos 10º e 19º, nº 2)
3) Reparação ao ofendido (artigos 11º e 141º)
4) Realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade (artigos 12º, 20º e 141º)
5) Imposição de regras de conduta (artigo 13º)
6) Imposição de obrigações (artigos 14º e 21º)
7) Frequência de programas formativos (artigos 15º e 21º)
8) Acompanhamento educativo (artigos 16º, 21º e 142º)

B)- MEDIDAS INSTITUCIONAIS
9) Internamento em centro educativo (artigos 17º, 18º e 143º a 209º)
9.1. em regime aberto
9.2. em regime semiaberto
9.3. em regime fechado
São os seguintes os critérios para a aplicação das medidas:
· Dará o Tribunal preferência, de entre as medidas que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do jovem e que seja susceptível de obter a sua maior adesão e a adesão dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto;
· A escolha da medida tutelar aplicável é orientada pelo interesse do jovem (balizado pela protecção dos seus direitos fundamentais, assim se exigindo a observância no âmbito do processo tutelar educativo dos princípios da legalidade, tipicidade, oficialidade, obtenção da verdade material, contraditório, livre apreciação da prova e celeridade processual);
· A medida, sempre de duração determinada, deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do jovem para o direito, manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão.
)
· DISPOSITIVO
· disposições legais aplicáveis
· decisão de arquivamento ou de aplicação de medida tutelar
· designação das entidades públicas ou privadas a quem é deferida a execução da medida tutelar e o seu acompanhamento
· destino a dar aos objectos relacionados com os factos
· a ordem de remessa de boletins ao registo
· a data e assinatura do juiz (ou juízes)

3.2.6.6. Mergulhemos mais em concreto neste processo em que se «acusa» o menor A... de ter acompanhado o menor B...no «assalto» a uma residência, corria o dia 12/4/2010, sita em …, Estarreja.
Entende o MP que foi feita prova da co-autoria dos factos ilícitos por parte do menor A....
Alude a um erro de julgamento.
Ora, pergunta-se: que prova foi carreada para os autos? Recorramos às gravações.
E sabemos que, nos termos da LTE, só podemos aplicar a um menor inimputável uma qualquer medida tutelar educativa desde que se tenha provado, fora de qualquer dúvida razoável, que ele participou no concreto facto qualificado pela lei como crime, mesmo que se saiba que estamos perante um jovem habitualmente avesso aos valores do nosso Estado de Direito, por força da investigação sócio-familiar levada a cabo.
Ora:
· O menor A..., ouvido em audiência de julgamento, negou a prática dos factos.
· O C..., maior, identificado como co-autor dos factos, negou a sua participação nos mesmos, nada adiantando sobre a possível intervenção do A... nestes factos.
· O B..., menor também visado nos autos, e a quem foi já aplicada medida tutelar educativa na audiência preliminar que decorreu em 6/12/2010, não quis prestou declarações (já na audiência preliminar só havia confessado a sua singular intervenção no assalto, sem mencionar os nomes dos seus companheiros).
· J..., genro do ofendido, afirmou ter visto três indivíduos dentro dos anexos e que, de imediato se puseram em fuga. Mais referiu que dois deles não foram apanhados nem identificados e que não conhecia nenhum dos indivíduos visados, apenas reconhecendo o que foi apanhado (o B...).
· O próprio ofendido, D..., também não sabe quem foram os assaltantes.
· Os dois guardas da GNR, K... e L..., apenas referiram que detiveram o B…, tendo o dito B…, já no Posto da GNR, identificado os outros dois intervenientes apenas pelas alcunhas de “A... de T...” e “… ”.
· Resta a testemunha M..., técnica da CPCJ, que conhece os dois menores B...e A..., e que afirmou que aquele primeiro lhe tinha contado que tinha feito um furto juntamente com o A... de T... e com o …. Referiu que sabe que o A... é conhecido por A... de T... e que viu um SMS que o B...disse ter sido enviado pelo A... de T..., com o seguinte teor: “anda ter comigo à casa grande”.
Nada mais existe nos autos.
Fala-se em depoimentos indirectos.
O tribunal recorrido raciocinou assim:
«Face a tal prova, e analisando criticamente a mesma, à luz dos normativos legais referentes à prova em processo penal, normativos aqui aplicáveis por força do disposto no art. 128º, da LTE, temos que nenhum dos alegados intervenientes no assalto assumiu em juízo a comparticipação do A... no dito assalto, pois que o A... negou a sua intervenção nos factos, o B...remeteu-se ao silêncio e o C...também disse desconhecer quem procedeu ao assalto.
Nenhum dos soldados da GNR, nem nenhuma outra testemunha, conseguiram ver o A... no dia dos factos, não tendo, por isso, conhecimento directo sobre a identificação dos dois outros indivíduos com quem o B...se fazia acompanhar.
O facto de o B...ter mencionado no posto da GNR que o “A... de T...” era um dos outros dois indivíduos que estavam com ele não pode ser valorado em juízo, dado que o B...não quis prestar declarações em juízo sobre esta matéria, não podendo ser valorados testemunhos indirectos baseados em declarações de jovens visados em processo tutelar que não pretendam prestar declarações em juízo, sob pena de, por via indirecta, ser violado o direito ao silêncio de tais jovens.
A circunstância de o B...ter dito o mesmo à testemunha M..., que assim prestou um depoimento indirecto, também não pode ser valorado, por se tratar de um depoimento indirecto, não confirmado pela fonte – art. 129º, do CPP.
Esta testemunha diz ter visto uma mensagem SMS que lhe foi exibida pelo B..., onde constava escrito “anda ter comigo à casa velha”, porém foi o B...quem lhe disse ser a mensagem do A..., coisa que a mesma não pôde pessoalmente confirmar, tratando-se este depoimento, na parte em que se refere ao que lhe foi dito pelo B..., mais uma vez de um depoimento indirecto, não confirmado pela fonte.
Face ao exposto, e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, balizado pelas limitações probatórias supra mencionadas, o tribunal não logrou dar como provada a participação do A... nos factos dados como provados».
Quid IURIS?
Estatui o art. 129.º do C.P.P., cuja epígrafe é “depoimento indirecto”:
«1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 13.12.2006, Processo-0615421 - «A credibilidade de um depoimento afere-se pela sua razão de ciência. A fonte de conhecimento dos factos é um elemento da maior relevância para a apreciação da força probatória do depoimento.
Em regra, a testemunha depõe sobre factos, pertinentes ao objecto da prova e dos quais possua conhecimento directo (cfr. art. 128º). O que bem se compreende dadas as exigências próprias dos princípios de imediação, de igualdade de armas e da regra da cross-examination.
Aliás, são estas mesmas exigências que justificam que, também em regra, o depoimento indirecto não possa ser eficaz como meio de prova, a menos que se verifiquem determinados condicionalismos. Desde logo, terá de resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, sendo que as vozes ou rumores públicos se encontram expressamente afastados pelo nº 1 do art. 130º do C. Penal. Em segundo lugar, é conditio sine qua non para que possa ser valorado, que o juiz chame a depor a pessoa a quem a testemunha ouviu relatar os factos que transmite ao tribunal. No entanto, e procurando algum equilíbrio entre os princípios acima aludidos, prevê a lei uma excepção a esta regra, decorrente da impossibilidade de ouvir as pessoas indicadas.
Impossibilidade essa que terá de se enquadrar numa das hipóteses taxativamente enumeradas: a morte, a anomalia psíquica ou a impossibilidade de encontrar aquelas pessoas. É o que resulta da disciplina estabelecida no nº 1 do art. 129º do C. Penal que, assim, contém uma proibição não absoluta do depoimento testemunhal indirecto.
A verificação das duas hipóteses enumeradas em primeiro lugar não sofrerá grandes dúvidas, pois nestes casos a impossibilidade é absoluta; já o mesmo se não dirá em relação à impossibilidade de encontrar as pessoas indicadas.
Terá essa impossibilidade de ser absoluta, no sentido de que, esgotadas todas as diligências tendentes a encontrá-las, nem mesmo assim foi possível determinar o seu paradeiro? Ou bastar-se-á a lei com uma impossibilidade relativa, decorrente do insucesso das diligências efectuadas para as encontrar no local onde era suposto que deviam estar, insucesso esse que permite antever que só a muito custo (ou, quiçá, nem mesmo assim) elas serão encontradas? Inclinamo-nos para a admissibilidade da impossibilidade relativa, desde que, obviamente, hajam sido efectuadas as diligências que, no caso concreto e atentos os seus condicionalismos, se apresentavam como razoáveis».
.
2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.
3. Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos».
Estes depoimentos indirectos só podem ser valorados nos estritos limites permitidos na norma, só valendo relativamente ao que se ouviu dizer a outra potencial testemunha, quando a inquirição de quem disse não for possível por força das circunstâncias referidas na norma.
A norma do artigo 129º do CPP é pois excepcional, excepcionalidade que deriva, logo, do texto do art. 128.º do C.P.P., que diz, no seu n.º 1, que «a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo …».
A regra é, pois, que o limite do depoimento da testemunha é aquilo que ela viu e/ou ouviu.
O que a lei pretende com a proibição do depoimento indirecto é que não acolham como prova depoimentos que se limitam a reproduzir o que se ouviu dizer.
Para que um tal depoimento seja valorado é essencial que seja confirmado pela pessoa que disse, confirmação que tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, já que o mérito de uma testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha (excepção feita aos casos de impossibilidade superveniente de inquirição da pessoa indicada).
Nesta matéria bem sabemos que jurisprudência existe quem entende que as declarações de uma testemunha relatando conversa mantida com o arguido constituem depoimento indirecto, portanto proibido, a menos que o arguido corrobore tais declarações.
Entendemos o contrário - considerando que o depoimento indirecto é uma comunicação, com função informativa, de um facto de que o sujeito teve conhecimento por um terceiro, parece-nos razoavelmente claro que não constitui depoimento indirecto - portanto não enquadrável no art. 129.º do C.P.P. e, portanto, não constituindo prova proibida -, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.
Já alguém escreveu que «o depoimento de uma testemunha que relata a conversa que manteve com a arguida não deriva de conhecimento indirecto, mas de conhecimento directo, pelo que não pode ser considerado depoimento indirecto».
Deste modo, considera-se resultar do art. 129.º, n.º 1, em conjugação com o art. 128.º do Código Processo Penal, que o depoimento de uma testemunha que em audiência relata factos que um arguido lhe confessou, não é um depoimento indirecto, pois versa sobre factos de que directamente teve conhecimento na conversa que estabeleceu com a arguida.
Demos a palavra ao ELOQUENTE Acórdão da Relação do Porto de 9/2/2011 (Pº 195/07.2GACNF.P1):
«No que respeita à prova testemunhal, dispõe o artº 128º nº 1 do C. Proc. Penal que a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova.
Ora, a testemunha tem conhecimento directo dos factos, quando os percepcionou de forma imediata e não intermediada, através dos seus próprios sentidos.
Já no âmbito do testemunho indirecto, “a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos”(…) “é o vulgarmente designado testemunho de ouvir dizer”.
Ora, a regra é que o testemunho indirecto só serve para indicar outro meio de prova directo.
Daqui resulta, em primeiro lugar, que a regra é a do testemunho directo.
Mas, por outro lado, a lei não proíbe de forma absoluta a produção de depoimentos indirectos.
O que o código proíbe é a valoração de tais depoimentos, se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal.
No entanto, o depoimento indirecto pode ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.
Assim, chamando o juiz a fonte a depor, o depoimento indirecto pode ser valorado, mesmo nos casos em que a aquela se recusa, lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento ou, por exemplo, diz de nada se recordar já.
É que nesta situação é possível o exercício do contraditório na audiência de julgamento, através do interrogatório e do contra-interrogatório, quer da testemunha de ouvir dizer, quer da testemunha fonte, assim se assegurando o respeito pela estrutura acusatória do processo criminal, imposto pelo art. 32º, nº 5, da CRP.
(…)
Tão-pouco se pode afirmar que a estrutura acusatória do processo criminal, que impõe que a audiência de julgamento e mesmo os actos instrutórios determinados por lei estejam subordinados ao princípio do contraditório, ponha em causa a regulamentação do segmento da norma em causa.
A lei processual penal veda, em princípio, a admissibilidade do testemunho de ouvir dizer, impondo que seja chamada a depor a pessoa determinada invocada no testemunho prestado, assegurando-se a imediação, relativamente ao tribunal criminal e aos sujeitos processuais”.
Pese embora a lei não fixe as regras de valoração do depoimento indirecto, quando tal valoração é admissível, deve entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º do C. Proc. Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento directo, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro.
Com efeito, a melhor interpretação da formulação legal conduz a que só se considere depoimento indirecto, v.g. se a pessoa que faz o relato, não assistiu ou presenciou a ocorrência («ouvi dizer que o B disse ao A», nota nossa).
O critério operativo da distinção entre depoimento directo e indirecto é o da vivência da realidade que se relata: se o depoente viveu e assistiu a essa realidade o seu depoimento é directo, se não, é indirecto.
Como se diz no citado aresto, “o que o legislador quis afastar foi o «depoimento em segunda mão»: o C vem a tribunal dizer que o A lhe disse que o B fez ou aconteceu. São estes, mas não apenas estes, os depoimentos indirectos que o legislador quis vetar como meio de prova, salvo se chamar o «intermediário» a depor”.
Com efeito, quando em audiência uma testemunha afirma o que ouviu ao arguido, que está presente e que fez uso do seu direito ao silêncio, não colocando em crise a afirmação da testemunha acerca do que afirmou lhe ter ouvido, o depoimento, não deixa, nessa parte, de poder ser valorado.
Não é prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal – art. 127º do CPP.
O art. 129º do CPP admite o testemunho de ouvir dizer, somente impõe que as pessoas referenciadas no depoimento, sejam chamadas a depor (ressalvando as excepções aí previstas e já referidas).
No caso, estando o arguido presente e escusando-se a prestar declarações, verifica-se a impossibilidade de ouvir a “pessoa indicada como fonte”.
Assim, como salienta o Ac. do T.C. nº 440/99 de 8.7, aquele depoimento de ouvir dizer deve ser valorado como meio de prova, “desde logo, porque não há diferença substancial entre a situação do arguido que não pode ser encontrado e a daquele que, chamado à audiência, invoca o seu direito ao silêncio para não depor”.
Nesse Acórdão tirou-se a seguinte conclusão: ”Há, assim, que concluir que o artigo 129°, n° 1 (conjugado com o artigo 128°, n° 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido”.
Também o STJ. tem aceite tais depoimentos de ouvir dizer, valorando-os como meio de prova, nomeadamente no Ac. de 30.09.1998, in BMJ 479-414 - aí se têm como válidas as declarações da queixosa/demandante civil sobre matéria que lhe foi oralmente transmitida pelo arguido, o qual se negou a prestar declarações em audiência de julgamento.
“Não estamos, contudo, perante depoimento indirecto proibido. A queixosa/demandante civil prestou declarações dizendo o que ouviu directamente da boca do arguido e fê-lo na presença deste, que estava assistido pelo respectivo defensor”. “Por conseguinte, a posição assumida in casu pelo arguido – no uso de direito que não se põe em causa - de optar pelo silêncio, de forma alguma pode obstar à admissão e valoração das declarações da queixosa/demandante civil”.
Aliás, a génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido, condicionando a prova testemunhal, antes decorrendo do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se auto-incrimine.
Estando o arguido presente em audiência, pode sempre contraditar plenamente a testemunha que relatou aquilo que lhe ouviu dizer, requerer as diligências que entenda pertinentes, tendentes a demonstrar a sua falta de idoneidade, a contraditar a sua razão de ciência, a impossibilidade do seu testemunho.
É indiscutível que o arguido mantém intocado o seu direito ao silêncio, art.º 343º n.º1 do Código de Processo Penal.
Agora, o que não pode o arguido pretender é que o exercício desse direito ao silêncio inviabilize o depoimento de directamente ouvir dizer».
Concordamos em absoluto com esta posição.
E como tal consideramos que não estava vedado ao tribunal «a quo» fazer uso da conversa havida entre o B...– apesar do seu estranho silêncio em julgamento - e as testemunhas de acusação K... , L... e M... .
MAS O QUE FOI DITO?
- Que tinha sido o «A... de T...» um dos co-autores do assalto (dito pelo B... às 3 testemunhas)
- Que o A... mandou um SMS ao B…, com o seguintes dizeres: «anda ter comigo à casa velha» (dito pelo B… á testemunha M…).
Aqui o B… funciona como co-visado neste processo, apesar de já lhe ter sido aplicada uma medida (decorre a execução da mesma).
Mas pergunta-se:
- É o nosso A... o «A... de T...» aludido? Ele que mora em XX...! Inexiste prova bastante desse facto, face às dúvidas lançadas em julgamento Nem o facto de o B... acertar no telemóvel do A... quer dizer muito – afinal, eles conhecem-se, havendo notícias de SMS trocados entre ambos, sendo possível que ele tenha querido «acusar» um seu conhecido….
- A ser o «A... de T...» o nosso A..., quem nos garante que o B… esteja a falar verdade? Ele que nem sequer quis falar em julgamento, arriscando desta forma a sua credibilidade nos autos!
- A frase efectivamente lida pela M... no telemóvel do B... não prova senão que foi marcado um encontro na casa velha:
· quem de facto o mandou? O A...?
· que casa é essa? A assaltada?
· para que efeitos – lícitos (ir ter com alguém a uma casa, não significa necessariamente que se queria nela entrar para assalto, mas tão só para servir de ponto de encontro) ou ilícitos - foi marcado tal encontro?
Tudo perguntas sem respostas claras e indubitáveis.
Refira-se que o Tribunal valorou toda a prova produzida em audiência em obediência ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do C.P.P., ex vi artigo 128º da LTE, mostrando-se a motivação da decisão de facto devidamente alicerçada na análise conjugada de toda a prova produzida e de acordo com as regras da experiência comum, fazendo jus ao princípio de que “a rainha das provas é a lógica humana”.
Como resulta da mera leitura da fundamentação fáctica do acórdão, a avaliação conjunta da prova produzida é que permitiu ao Tribunal concluir da forma que o fez e com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, não merecendo qualquer censura.
Portanto, embora com base em diferentes fundamentos, entendemos que bem andou o tribunal em considerar não provada – para além da dúvida razoável – a intervenção do menor A... no assalto dos autos.
Querer que com isto se tenha provado, longe de qualquer dúvida razoável, o envolvimento do A... nos factos narrados, é ir longe de mais e querer, a todo o custo, a condenação de alguém apenas com base em suspeitas e estigmas.
Sabemos que procuramos a verdade material.
Mas, por vezes, apenas conseguimos chegar à verdade formal, aquelas que as regras processuais nos permitem atingir.
Note-se que não ficou provado que o A... tenha sido um dos assaltantes, o que é bem diverso de se ter provado que ele não foi um dos assaltantes.
Quer isto significar que não vemos que deva ser alterada a decisão de facto com base no cotejo dos elementos de prova que o recorrente refere.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Terá ficado o Tribunal de Estarreja em estado de dúvida.
E este tribunal de recurso também ficou.

3.2.6.7. Em CONCLUSÃO, manter-se-ão os factos dados como provados e não provados pela 1ª instância, improcedendo a 1ª conclusão do recurso.

3.3. IMPUGNAÇÃO DE DIREITO

Se não se provou o envolvimento os menor A... nos factos narrados, só restava arquivar o processo quanto a ele, não aplicando, assim, qualquer medida tutelar educativa à sua pessoa por causa deste processo.
De facto, só a (prova da) prática, por menor de idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa (artigo 1º da LTE).
Improcedem, pois, as 2ª e 3ª Conclusões.

3.4. MANTEREMOS O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS.
Laborinho Lúcio, numa das suas inolvidáveis sessões de Ciência Judiciária do Direito, no CEJ de 1988, dizia-nos, a nós, futuros Magistrados deste país, que “uma criança que não transgride tende a ser um adulto mal formado”.
Dosear e gerir esta latente vontade de quebrar regras é a hercúlea tarefa de todos aqueles que encontram essas mesmas crianças no seu caminho, nos lares, nas escolas, nas esquadras policiais, nos centros educativos, nos tribunais.
Conseguir tocar na alma destes jovens, sem hipocrisias e lugares comuns politiqueiros, é destino e privilégio de muito poucos – saber
· se o sujeito, de facto, transgride,
· porque é que ele transgride,
· para quem é que ele transgride,
· quem pretende o transgressor atingir na força dessa transgressão,
· que talentos é necessário descobrir e explorar no jovem que transgride de forma a que se sublime essa transgressão,
· o que tem a sociedade que o gerou para oferecer ao jovem transgressor de forma a que ele pense que esse acto foi um incomensurável desgaste e desperdício de energias,
são objectivos que têm de estar sempre presentes numa qualquer cartilha de intenções e actividades de quem lida com jovens em busca de um caminho que os faça compreender o desvalor do acto praticado e a necessidade de dar um outro rumo ao barco desenfreado que perde a costa de vista, que perde o chão do mar onde o ensinaram a navegar.
Não temos dúvidas que um trabalho bem realizado em sede tutelar educativa prevenirá muitas situações criminais, estando a LTE no início e, desejavelmente, no fim da caminhada da transgressão por parte dos jovens entre os 12 e os 16 anos.
Mas sem factos provados não há reeducação possível, sob pena de voltarmos ao formal e agarantístico processo tutelar da OTM, em boa hora falecido.
Improcede, pois e assim, todo o recurso, nada havendo a apontar ao arquivamento sentenciado.

III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5 ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, mantendo a decisão recorrida nos seus exactos termos.
Sem custas, atenta a isenção legal do recorrente,
Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado pelo 1º signatário e integralmente revisto pelos dois signatários – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)

(Paulo Guerra)

(Cacilda Sena)

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/f1cefe94a3a8949c80257933004cecbc?OpenDocument

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