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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

PROCESSO DISCIPLINAR - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 03/10/2011


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1253/08.1TTGMR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
PROCESSO PRÉVIO DE INQUÉRITO
ACÇÃO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO

Nº do Documento: RP201110031253/08.1TTGMR-C.P1
Data do Acordão: 03-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: I - O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento da infracção e da sua autoria.
II - A virtualidade do processo prévio de inquérito para interromper o prazo referido no nº anterior está dependente da documentação da sua própria existência, nela se devendo rever a necessidade das diligências de inquérito para a fundamentação da nota de culpa.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo nº 1253/08.1TTGMR-C.P1
Agravo

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 84)
Adjunto: Desembargador Machado da Silva (reg. nº 1.594)
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente em …, veio propor a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra:
1º - C…, Ldª, com sede em Fafe,
2º - D…, com domicílio profissional em Fafe,
3º - E…, com domicílio profissional em Fafe,
4º- F…, com domicílio profissional em Fafe,
pedindo a respectiva condenação solidária a:
A) – Verem reconhecido e declarado ilícito o despedimento do A., com todas as consequências legais, nomeadamente a reintegrarem o A. no seu posto e local de trabalho, com a antiguidade que lhe pertencia;
B) (Em alternativa, condicionalmente, se o A. nos termos da Lei assim vier a optar, deverão os RR ser condenados solidariamente a pagar ao A. a indemnização correspondente a 45 dias de remuneração por cada ano de antiguidade, no valor previsível indicado no artº 98º da p.i.);
C) Em qualquer caso serem os RR condenados ainda solidariamente a pagar ao A. a quantia global já liquidada de €51.654,38 (37.327,99 + 747,32 + 3.579,08 + 10.000,00) respeitante a todas as quantias em dívida já vencidas no momento da propositura da acção;
D) E bem assim devem os RR ser condenados solidariamente ao pagamento ao A. de todas as remunerações vincendas desde Dezembro de 2008 inclusivé até ao trânsito em julgado da decisão definitiva, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal e quaisquer proporcionais a que haja lugar;
E) Juros de mora no valor já vencido e liquidado até à propositura da acção, de €8.565,88 e ainda os juros vincendos desde a citação e até integral e efectivo pagamento sobre todas as importâncias peticionadas e em que o RR venham efectivamente a ser condenados;
F) Tudo com custas e demais encargos pelos RR.

Alegou em síntese que foi admitido pela Ré para exercer a docência na G…, até que foi despedido. O despedimento é ilícito não só porque não se verificam factos integrantes de justa causa, como porque a nota de culpa não tem fundamentação fáctica suficientemente concretizada e assim viola o direito de contraditório, quer ainda porque a nota de culpa foi subscrita por quem não tinha poderes, em violação dos Estatutos e Regulamentos da G…, quer ainda porque o procedimento disciplinar não se iniciou nos 60 dias posteriores ao conhecimento dos factos pelo empregador, quer ainda porque este não realizou todas as diligências probatórias que o A. lhe requereu. Por outro lado, é credor de diferenças retributivas relativas ao salário e ao subsídio de alimentação, o qual a Ré aliás deixou de lhe pagar, e sofreu danos morais com o despedimento.

Contestaram os RR. impugnando os pressupostos em que o A. assentou a reclamação de diferenças salariais, pugnaram por que na nota de culpa se encontra a descrição circunstanciada dos factos, que foram cumpridos os Estatutos, que o conhecimento da infracção ocorreu em 27.5.2008, mas existia indício da prática dum facto que podia decorrer de acto do arguido ou de falha técnica, pelo que se impunha procedimento prévio de inquérito, que ocorreu e está documentado nos autos. Tal procedimento, que suspende o prazo a que se refere o artº 372º do CT, teve início nos trinta dias após o conhecimento dos factos. A parte de depoimento pedido que não teve lugar era sobre matéria de direito e a junção de documentos foi indeferida por se tratar de certidões comerciais de livre acesso e de documentos sem qualquer relação com a situação que se discutia no processo disciplinar. Mais impugnaram a factualidade relativa aos danos morais. Contestaram ainda que se encontrassem preenchidos os pressupostos da responsabilidade solidária exigidos pelo artigo 379º do CT e 78º do Código das Sociedades Comerciais.
A ora recorrente requereu a reabertura do processo disciplinar, uma vez que em sede de procedimento cautelar se entendeu, como propugnado pelo A., que a nota de culpa não continha os elementos previstos no nº 1 do artº 411º, assim violando o nº 2, al. a) do artº 430º, ambos do CT. Em conformidade, pediram a suspensão da instância por 60 dias.
Tal reabertura e suspensão foram deferidas.
O C… veio apresentar articulado superveniente, no qual dá conta que remeteu ao A. nova nota de culpa, cujo teor descrimina, e que face à nova resposta do A., e produzida a prova por este requerida, ponderados os argumentos daquela resposta, proferiu nova decisão de despedimento.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade e procedente a excepção de caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar, com as legais consequências, as quais porém, dependendo da determinação do salário, matéria ainda controvertida, foram relegadas para a sentença final. Foi organizada também a selecção da matéria de facto assente e controvertida.

Inconformado, o C… interpôs o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
“Encontrava-se decorrido o prazo de caducidade quando o Recorrido recebeu a nota de culpa no dia 30 de Julho de 2008?
a) A partir de quando começa a correr o prazo de caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar?

1 – Pretende o A., relativamente aos factos constantes da participação junta aos autos de processo disciplinar, em 27 de Maio de 2008, objecto da primeira nota de culpa que tendo esta sido por si recepcionada no dia 30 de Julho de 2008, se encontrava já decorrido o prazo de caducidade do procedimento, uma vez que tinham já decorrido mais de 60 dias sobre a data em que a Ré tomou conhecimento dos factos
2 – A acção disciplinar deve exercer-se nos sessenta dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento da infracção (art. 372, n.º 1). Trata-se de um prazo de caducidade, que se for ultrapassado implica a extinção do direito de acção disciplinar.
3 – Esse prazo apenas começa a decorrer quando o empregador estiver na posse de elementos que lhe permitam aquilatar da autoria da infracção.
4 – No dia 27 de Maio de 2008, a Ré/Recorrente apenas teve conhecimento da infracção e não da autoria da infracção, como consta da nota de culpa e se alega no artigo 38º e 55º da contestação dizendo-se designadamente “No passado dia 27 de Maio, foi comunicado à administração, pelo docente Drº H…, na data designado director interino da G…, que, para além do software instalado no computador da direcção, não existia qualquer documento de texto, folha de cálculo ou software de apresentação” e que “desapareceu a quase totalidade da informação arquivada em suporte de papel”
5 – Nunca a Re/Recorrente afirmou que teve conhecimento da autoria dos factos narrados na nota de culpa, no dia 27 de Maio de 2008, sendo certo que na participação constante do procedimento disciplinar apresentado pelo Dr. H… não se identifica o autor da infracção.
De quem é o ónus da prova do decurso do prazo de caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar?
6 – O A. não provou a data em que a R. tomou conhecimento dos factos constantes da primeira nota de culpa, o que era essencial para a verificação da caducidade do procedimento disciplinar, dado que o prazo se inicia no dia em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento do autor da infracção.
7 – Reportando-se a uma excepção peremptória, a caducidade, certo é que a invocação do prazo foi feita na petição inicial como elemento constitutivo do direito de pedir a declaração de ilicitude do despedimento, com as suas consequências, a integrar a respectiva causa de pedir, como qualquer outro pressuposto do direito. Assim, o ónus da prova, compete ao A., atento o disposto no Art.º 342.º, n..º 1 do Cód. Civil,
8 – Não alegando e provando o A. a data em que a Ré teve conhecimento da autoria da infracção como lhe competia, terá a decisão de procedência da excepção de caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar de ser revogada.
Existiu procedimento prévio de inquérito?
9 – O referido prazo de sessenta dias, interrompe-se, quer com a instauração de prévio procedimento de inquérito, quer com a comunicação da nota de culpa. Mas, para que o procedimento prévio de inquérito possa suspender o dito prazo de caducidade exige o legislador, de acordo com o citado art. 412º, os seguintes requisitos:
a) que se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa;
b) desde que seja iniciado conduzido de forma diligente
c) e desde que não medeiem mais de trinta dias entre a suspeita da existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa.
10 – O CT não diz expressamente quando é que o procedimento disciplinar se considera iniciado, mas, pelo menos no que toca ao procedimento disciplinar com vista ao despedimento por facto imputável ao trabalhador (que é o caso dos autos), depreende-se, face ao disposto nos artigos 411.º e 412.º, que tal acontece com a comunicação da nota de culpa ao trabalhador, podendo, todavia, iniciar-se com a instauração do procedimento prévio de inquérito, nos casos em tal inquérito se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa.
11 – O primeiro daqueles artigos começa por dizer, no seu n.º 1, que, nos casos em que se verifique algum comportamento susceptível de integrar o conceito de justa causa enunciado no n.º 1 do artigo 396.º, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que tenha incorrido nas respectivas infracções a sua intenção de proceder ao despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados (n.º 1). E, depois, acrescenta, no seu n.º 4, que “a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem do prazos estabelecidos no artigo 372.º (n.º 2).
12 – Por sua vez, o art.º 412.º prescreve que a “instauração do procedimento prévio de inquérito interrompe os prazos a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, desde que, mostrando-se aquele procedimento necessário para fundamentar a nota de culpa, seja iniciado e conduzido de forma diligente, não mediando mais de 30 dias entre a suspeita de existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa”
13 – Face ao teor do n.º 4 do art.º 411.º e ao teor do art.º 412.º, torna-se evidente que o prazo de 60 dias para iniciar o procedimento disciplinar, nos casos de despedimento por facto imputável ao trabalhador, só se interrompe com a comunicação, a este, da nota de culpa ou com a instauração do processo preliminar de inquérito quando o mesmo se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa e sejam respeitados os prazos referidos no art.º 412.º.
14 – Na sua contestação a Ré alegou nos artigos 54º a 59º “que existia nos autos o indício da prática de um facto – o desaparecimento de toda a informação constante do computador – que poderia ter ocorrido por acto intencional do arguido ou por falha técnica no equipamento informático.” e que este facto “ impunha que se desse início a procedimento prévio de inquérito, o que aconteceu e se encontra documentado nos autos.”
15 – Mais alegou que “ O procedimento prévio de inquérito teve início dentro dos trinta dias após a suspeita do cometimento de factos irregulares, pelo que não decorreu o prazo de caducidade.”
16 – A Ré/Recorrente na contestação remete para os autos a existência de documentação do início do procedimento prévio de inquérito, não podendo aceitar-se o que se conclui na douta sentença recorrida, ou seja, que “não especificaram as diligências que o integraram nem comprovaram a sua existência”.
17 – Ao remeter para o que se encontra documentado nos autos, não poderá deixar de se considerar que todos os actos anteriores à comunicação da nota de culpa – acto com o qual se inicia o processo disciplinar – integram o processo prévio de inquérito, até porque, antes da comunicação da nota de culpa não existe processo disciplinar.
18 – Da documentação existente nos autos é indiscutível que antes da comunicação da nota de culpa foram realizadas diligências em 24/06/08, 01/07/08, 08/07/08 e 25/07/08, sendo para nós incontroversa a existência e alegação na contestação da existência do processo prévio de inquérito, que teve o efeito de interromper o prazo do artigo 372º do CT
19 – O que ao Tribunal competia apurar é se o processo prévio de inquérito se mostrava necessário para fundamentar a nota de culpa, se após o seu início tinha sido conduzido de forma diligente e que não tivessem mediado mais de trinta dias entre a suspeita da existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa.
A nota de culpa comunicada ao Recorrido no dia 3 de Julho de 2009, em consequência da reabertura do processo disciplinar, teria que ter chegado ao seu conhecimento até 20 de Março de 2009, limite do prazo para contestar?
20 – O Código de Trabalho consagrou a possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar. Diz-se, no art. 436, do Código do Trabalho, que "No caso de ser impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido mos termos do n.º 4, do art. 411".
21 – O legislador optou por apenas se referir à reabertura do procedimento disciplinar no citado art. 436, n.º 2, do Código do Trabalho, não determinando ou concretizando essa figura, em particular no foro adjectivo.
22 – O procedimento correcto deve ser aquele que é acolhido no acórdão do STJ 08S2306 datado de 05-11-2008, relatado pelo Exmo, Senhor Conselheiro Pinto Hespanhol in http//www.dgsi.pt.
23 – Reaberto o procedimento na dependência duma acção de impugnação judicial do despedimento a instância terá que ser suspensa por determinação do tribunal, até que sejam corrigidas as irregularidades formais invocadas como fundamento da acção de impugnação do despedimento [arts 276.º/1-c) e 279.º/1, in fine, do CPCivil].
24 – Como expressamente refere Albino Baptista, “face à inexistência de normas processuais especialmente criadas para a actuação da nova faculdade (concedida ao empregador), julgamos que em regra o que se passará é a suspensão da instância por determinação do Juiz.
25 – Isto quer significar que o requerimento de reabertura do procedimento disciplinar terá de ser sujeito a apreciação judicial, “para evitar actos dilatórios.
26 – Na dependência de acção de impugnação judicial de despedimento a possibilidade de reabertura tem de ter conexão causal com a situação de invalidade do procedimento disciplinar invocada pelo A. na petição inicial, a fim de o juiz se pronunciar sobre a oportunidade de tal procedimento.
27 – Será, pois, necessário requerer até ao prazo da contestação a pretendida reabertura com indicação precisa e concreta dos motivos justificativos, requerendo eventual suspensão da instância de molde a possibilitar o aferir da pertinência e necessidade da referida reabertura do procedimento disciplinar, não devendo a entidade empregadora actuar motu proprio e sem precedência de qualquer despacho ou decisão judicial a deferir ou indeferir tal pretensão.
28 – Decidida a pertinência da reabertura do processo disciplinar e dadas ao trabalhador todas as hipóteses de defesa deverá, posteriormente, em sede de acção judicial de impugnação, através de articulado superveniente, dar conhecimento aos autos do modo como foram supridas as irregularidades detectadas, para que o tribunal com observância dos mecanismos adjectivos exigidos — maxime do contraditório (cfr. arts 506.º/4 e 3.º/3 e 3.º-A do CPC) — pudesse depois conhecer dessa matéria no âmbito da sentença final.
29 – Foi este o procedimento adoptado pela Ré/Recorrente, sendo certo que por despacho transitado em julgado, de fls... datado de 05/06/2009, o Tribunal recorrido decidiu deferir” o requerido a fls. 130 do p.f. e, em consequência, declara-se suspensa a instância ao abrigo do disposto no artº 279º, n 1 do C. P. Civil " ex vi " al. a) do nº 2 do artº 1 do C. P. T., pelo prazo de 60 dias.
30 – A Ré/Recorrente foi notificada de tal decisão por notificação datada de 08/06/2009 tendo emitido nova nota de culpa notificado ao A. no dia 03/07/2009.
31 – Decorrido prazo para apresentação de resposta à nota de culpa e concluídas as diligências probatórias requeridas pelo A. no dia 28 de Julho de 2009, deu entrada de articulado superveniente, no dia 6 de Agosto de 2009 dando conhecimento aos autos do modo como foram supridas as irregularidades detectadas, para que o tribunal pudesse depois conhecer dessa matéria no âmbito da sentença final.
32 – O A., notificado do articulado superveniente exerceu o seu direito de defesa, pelo que ficou a Tribunal habilitado a conhecer em sede de sentença final da matéria constante do articulado superveniente.
33 – O legislador foi claro ao consignar que se inicia o prazo interrompido nos termos do nº 4 do artigo 411º, pelo que, sendo o procedimento correcto em termos adjectivos o que supra se alega, os prazo do artigo 372º por remissão do nº 4 do artigo 411º só se iniciam a partir da data em que o Tribunal defere a reabertura do processo disciplinar.
34 – Com o devido respeito por opinião diversa, o que não pode extrair-se da lei é a interpretação plasmada na douta sentença recorrida. O que a lei diz – nº 2 do artigo 436º – é que deve ser o processo disciplinar deve ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, não se podendo extrair nem da letra nem do espírito da lei que a nova nota de culpa deve ser notificada até ao termo do prazo para contestar.
35 – Por isso, não podemos aderir à douta sentença recorrida quando se diz que “ a nova nota de culpa foi deduzida no dia 3 de Julho de 2009 e chegou ao conhecimento do A. nesse mesmo dia (cf. fls 200 a 204), ou seja, muito tempo depois do limite do prazo para contestar, que ocorreu em 20 de Março de 2009.”
36 – Tendo a Ré sido notificada do deferimento da reabertura do procedimento disciplinar por notificação datada de 08/06/2009, e tendo a nova nota de culpa sido notificada ao A. no dia 3 de Julho de 2009, não se encontravam decorridos os prazos do artigo 372º, sendo certo que todos os procedimentos exigidos pela reabertura do processo disciplinar foram realizados no prazo da suspensão da instância, ou seja 60 dias.
37 – Tendo a decisão de deferimento do requerimento de reabertura do processo disciplinar sido proferida no dia 5 de Junho de 2009, muito depois da data limite para apresentação da contestação – 20 de Março de 2009 – se fosse entendimento do Tribunal que a nota de culpa só poderia ser apresentada até ao prazo limite para contestar, já não deveria ser admitida a reabertura.
38 – Deve ainda ampliar-se a Base Instrutória com os factos, quer da petição inicial quer da contestação quer do articulado superveniente.
39 – O douto despacho saneador/sentença violou os artigos 372º, 411º e 436, nº 2 do Código do Trabalho”.

Contra-alegou o Recorrido, invocando que a Recorrente se conformou com a parte do despacho recorrido que julgou ilícito o despedimento e por isso não deve ser admitido o recurso da decisão que julgou procedente a excepção de caducidade, e mesmo que assim não se entenda então o recurso é de apelação com subida diferida. Quanto ao fundo da questão, pugnou pela manutenção do decidido.
O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação pronunciou-se no sentido do recurso não merecer provimento.
Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto
A matéria de facto dada como já assente na 1ª instância é a seguinte:
A) O A. é licenciado em Informática/ Matemáticas Aplicadas e tem o grau de Mestre em Informática.
B) A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao ensino privado sendo, além do mais, “dona” e entidade instituidora da “G…”.
C) O A. foi admitido ao serviço da 1ª Ré em 1.10.1988 por contrato de trabalho então a termo certo, pelo período de 6 meses, para, sob as ordens, direcção e fiscalização dos seus legais representantes exercer as funções inerentes à categoria profissional então de professor não profissionalizado com habilitação própria grau superior na referida G….
D) O A. desempenhou ininterruptamente para a 1ª Ré as funções para as quais foi contratado desde 01.10.1988 até 10.10.2008, data em que foi despedido na sequência de processo disciplinar – processo que se mostra junto aos autos e se dá por integralmente reproduzido – com alegação de justa causa.
E) Conjuntamente - cumulativamente - com as funções de docência, desempenhou ainda o A., por nomeação da gerente da 1ª Ré, Srª Drª D…, as funções inerentes ao cargo de Director Pedagógico, desde 1.09.1994 até 15.05.2008.- funções respeitantes a um órgão da “G…”, de acordo com o seu Estatuto.
F) O cargo referido na alínea anterior é transitório e sujeito a nomeação pela entidade instituidora.
G) A 1ª Ré não entregou ao A., a quantia correspondente ao subsídio de Natal de 2008.
H) E, também não lhe entregou a quantia respeitante aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
I) Na 2º data mencionada na al. D) os 2º, 3º e 4º RR. eram gerentes da 1ª R. ( cfr. documento de fls. 30 a 32 ) .
Resulta ainda provado dos autos que:
J) Do primeiro despacho proferido no processo disciplinar, em 13.6.2008, consta: “Atenta a participação de 27 de Maio de 2008, efectuada pelo Dr. H… segundo a qual apenas se encontravam no gabinete da direcção os elementos constantes do documento que antecede, e que faltava importante e confidencial documentação da C… e, recaindo a suspeita de que tais documentos teriam sido furtados pelo Dr. B…, ordena-se a abertura de processo disciplinar”.
L) Em 24.6.2008 foi ouvido o Dr. I…, administrador da sociedade C…, que declarou que o Dr. H… o chamou ao gabinete da direcção a fim de confirmar que a quase totalidade da documentação existente no gabinete tinha desaparecido, e que declarou ainda que “Sabe a testemunha que dias mais tarde o Dr. B…, ameaçado de que o caso seria participado ao Ministério Público e à polícia, acabou por entregar a documentação que tinha sido furtada”.
M) em 1.7.2008 foi ouvida a testemunha Drª J…, directora da escola de Educação do C…, que disse: “Sobre os factos que se apuram neste processo disciplinar, confirma que no dia 27 de Maio foi abordada pelo Director da G… que acabava de tomar posse como director interino daquela G…, dando-lhe aquele conta que todos os ficheiros do computador tinham sido apagados e que a quase totalidade da documentação existente tinha desaparecido. Suspeitou-se que tivesse sido o anterior director da escola que tivesse apagado toda a informação do computador e que tivesse sido ele o autor do furto da restante documentação existente. (…) Sabe que dias mais tarde, ameaçado com a participação deste facto às entidades de investigação criminal, o Dr. B… entregou a documentação furtada (…)”.
N) Em 8.7.2008 foi ouvida a Drª K…, professora, que apenas ouviu comentários.
O) Em 25.7.2008 foi ouvido o Dr. H…, director interino, que disse: “Sobre os factos que se apuram neste inquérito confirma que no dia 27 de Maio do corrente ano entregou o documento nº 1 que lhe foi exibido, em que participa que quando tomou posse como director interino da supra referida escola, o computador não tinha qualquer documento de texto, folha de cálculo ou software de apresentação. Refere que a falta dos elementos supra aludidos só pode ficar a dever-se a acto intencional praticado pelo arguido B…, uma vez que não existia qualquer avaria técnica”.
P) Em 25.7.2008 foi ouvida L…, secretária de direcção, que apenas verificou a existência das pastas que se encontravam em seu poder.
Q) Por acórdão desta Relação de 25.5.2009 foi confirmada a decisão proferida no procedimento cautelar de suspensão do despedimento que o recorrido havia deduzido contra a recorrente, relativamente ao despedimento de que tratam estes autos, decisão que, na conformidade dos artigos 430º nº 1 al. a) e nº 2 e 411º nº 1, ambos do CT (2003), tinha julgado o despedimento inválido e consequentemente ilícito.

III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se não ocorreu a caducidade do direito a proceder disciplinarmente contra o recorrido.

Questão prévia:
Pretende o recorrido que o recurso é inadmissível, pois a recorrente se conformou, ou melhor, não recorreu da decisão da 1ª instância que julgou o despedimento ilícito. É verdade que a recorrente não mencionou expressamente que recorria dessa decisão, mas recorreu da decisão logicamente prévia a essa, e única que a explica, que julgou procedente a excepção de caducidade. E a consequência do provimento do recurso necessariamente deita por terra a decisão (conclusiva) de ilicitude do despedimento, pelo que nada obsta à admissibilidade do recurso. Quanto à espécie e efeito, o recorrido entende que se devia tratar de apelação, com subida diferida, enquanto a 1ª instância admitiu como agravo, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
O despacho saneador que decide da procedência da excepção peremptória de caducidade (e consequentemente decide da ilicitude do despedimento, objecto do pedido) decide do mérito da causa, ainda que sem pôr termo ao processo, como neste caso, pelo que o recurso próprio é a apelação, nos termos do artº 691 nº 2 al. h) do CPC (versão do DL 303/2007, aplicável aos autos), a qual porém sobe em separado (artº 691º-A nº 2 do CPC) e com efeito devolutivo – artigo 83º do CPT (DL 480/99), mas não a final, como sugere o recorrido, já que o artº 695º do CPC, donde tal subida a final resultava, foi revogado pelo DL 303/2007. Deste modo, altera-se a espécie de recurso, sem que todavia tal tenha qualquer influência para o prosseguimento do conhecimento do mesmo, uma vez que não está em causa o modo nem o efeito de subida.

Relativamente à questão do recurso, importa, como salienta a recorrente, saber se não tinha decorrido o prazo de caducidade relativamente à primeira nota de culpa, em função do inquérito prévio, e se mesmo que assim não se entendesse, não tinha corrido tal prazo quando foi comunicada a segunda nota de culpa, produzida em consequência da reabertura do processo disciplinar. Se se concluir pela não caducidade, importa decidir a ampliação da base instrutória.

Entendeu a decisão recorrida que tendo a recorrente tomado conhecimento das infracções disciplinares em 27 de Maio de 2008 e tendo a nota de culpa sido recebida em 30 de Julho de 2008, tinham decorrido mais de 60 dias e deste modo, por força do disposto no artigo 372º nº 1 do CT (2003), o direito de proceder disciplinarmente havia caducado.
Dela consta: “O exercício da acção disciplinar está dependente da observância de prazos.
A acção disciplinar deve exercer-se nos sessenta dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento da infracção (art. 372, n.º 1). Trata-se de um prazo de caducidade, que se for ultrapassado implica a extinção do direito de acção disciplinar (a extinção de um direito potestativo pelo seu não exercício prolongado durante certo período de tempo). Por sua vez, o procedimento inicia-se quando a entidade empregadora ou o órgão com competência disciplinar determina que se dê início ao procedimento disciplinar contra o infractor.
Como se entendeu no Acórdão do STJ de 17/10/2007 in WWW. dgsi.pt “O prazo de caducidade do direito que a lei atribui ao empregador de agir disciplinarmente contra o trabalhador que tenha violado os seus deveres contratuais inicia-se na data em que a entidade empregadora teve conhecimento não só dos factos que integram a infracção disciplinar, mas também da identidade do autor dos mesmos “.
Como defende Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Almedina, 14º edição, pag. 582 (…) “é a própria razão de ser da prescrição que é apontada para justificar este regime. Pretende-se evitar, que a possibilidade da punição de uma eventual falta seja mantida como uma ameaça sobre o trabalhador com o objectivo de condicionar o seu comportamento, inclusive a sua capacidade de reclamar e, por outro lado, que o excessivo distanciamento entre a prática da infracção e a aplicação da sanção não se adeque ao carácter e aos fins desta que se consideram ser sobretudo preventivos e não retributivos”.
A infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal (cfr. nº 2 do artº 372º).
Quando estejam em causa meros indícios ou suspeitas sobre os factos constitutivos da infracção ou sobre o seu autor, a fim de se apurar se existem dados suficientes que justifiquem a dedução do procedimento disciplinar, haverá lugar a um processo de averiguações, o procedimento prévio de inquérito (art. 412º).
Tanto a comunicação da nota de culpa como a instauração do procedimento prévio de inquérito, interrompem os prazos referidos (art. 411º, n.º 4 e art. 412º).
Para que tal interrupção ocorra é, no entanto, necessário que fique demonstrado que aquele procedimento é necessário para fundamentar a nota de culpa.
No caso dos autos e da consulta do respectivo processo disciplinar resulta inquestionável que a R. empregadora teve, pelo menos, conhecimento das alegadas infracções imputadas ao A. no dia 27 de Maio de 2008.
Por sua vez, também se nos afigura indiscutível que a abertura do procedimento disciplinar foi ordenada por despacho de 13 de Junho de 2008 e que as diligências realizadas antes da elaboração da nota de culpa, ocorreram já no âmbito desse processo disciplinar, o que se retira desde logo da expressão utilizada no respectivo intróito “continuação do processo disciplinar”.
Acresce que os RR. não obstante fazerem alusão na contestação à realização de um procedimento prévio de inquérito não especificaram as diligências que o integraram nem comprovaram a sua existência - no processo disciplinar não é feita qualquer alusão à sua existência -, pelo que não demonstraram que tenha ocorrido a invocada interrupção da invocada caducidade.
Assim, forçoso será concluir que entre o conhecimento pela R. empregadora da alegada infracção imputada ao A. – que ocorreu em 27 de Maio de 2008 e o recebimento da nota de culpa- que se verificou em 30 de Julho de 2008 (cfr. fls. 12 do processo disciplinar)- decorreram mais de 60 dias e, em consequência, ocorreu a invocada caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar da entidade patronal”.
Contra estes argumentos, a recorrente invoca que o prazo de 60 dias apenas começa a decorrer quando o empregador estiver na posse de elementos que lhe permitam aquilatar da autoria da infracção, e que no dia 27 de Maio de 2008 apenas teve conhecimento da infracção e não da autoria da infracção. Na participação feita pelo novo director em 27.5.2008 não se identifica o autor da infracção e a recorrente nunca afirmou que nessa data sabia quem era o autor da infracção. Mais invoca que o ónus de prova da caducidade pertence ao recorrido, como elemento constitutivo da sua defesa, no que tem razão – importa por isso apreciar a prova.
Vejamos: conforme resulta do depoimento da própria testemunha Dr. H…, acima transcrito, o suspeito era o recorrido porque não havia nenhuma avaria técnica e como resulta também dos depoimentos das outras testemunhas ouvidas antes da dedução da nota de culpa, o suspeito era o recorrido. Aliás, é isso mesmo que resulta do primeiro despacho dado no processo disciplinar: atenta a participação e recaindo a suspeita sobre, determina-se a abertura de processo disciplinar – este despacho está datado de 13.6.2008 e é anterior à inquirição das testemunhas, ou seja, a recorrente já suspeitava do recorrido, ainda antes de realizar qualquer diligência probatória ou de investigação. E o que determinou foi a abertura de processo disciplinar e não a realização de processo prévio de inquérito. Não deixa de ser relevante que nenhuma nominação de processo prévio de inquérito exista. Se o empregador realiza diligências probatórias antes da dedução da nota de culpa, isso não significa necessariamente que esteja a conduzir um processo prévio de inquérito.
Ora, conforme alega e bem a recorrente, ao tribunal cumpre apreciar se o processo prévio de inquérito tem as condições que lhe permitem interromper a contagem do prazo, e isso só pode ser feito se o processo estiver documentado. A documentação que a recorrente invoca que existe é justamente o conjunto de depoimentos testemunhais que fizemos questão de consignar, depoimentos que como vimos são posteriores à declarada – pela empregadora – suspeita do autor.
Mesmo que não se entenda assim, as diligências tomadas em tal pretenso e inominado processo prévio de inquérito não eram necessária para fundamentar o conhecimento da autoria da infracção, porque o Dr. H… afirmou que não havia nenhuma avaria técnica. E se é certo que na participação do desaparecimento de documentos não refere o nome do recorrido, é certo que não refere também que tenha havido qualquer avaria. Acresce que o que as demais testemunhas disseram também não revela que existisse alguma dúvida que importasse esclarecer, sobre a autoria, ou melhor, sobre a suspeita não ser uma certeza de autoria – e no mesmo sentido nenhuma outra diligência se encontra documentada, que releve que existia alguma dúvida sobre a autoria.
Deste modo, não encontramos razão para discordar da decisão recorrida, que se mostra bem fundamentada, razão pela qual se mostra prejudicado o conhecimento da questão da caducidade reportada à segunda nota de culpa e à questão de se dever incluir a factualidade constante da segunda nota de culpa no despacho de selecção de matéria de facto.
Nestes termos, confirma-se a decisão que considerou que, tendo decorrido o prazo de caducidade que alude o artº 372º nº 1 do CT, procede a excepção de caducidade e em consequência, e nos termos do artº 430º nº 1 do mesmo Código, declarou que o despedimento imputado ao A. é ilícito.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 3.10.2011
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
______________
Sumário:
I. O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento da infracção e da sua autoria.
II. A virtualidade do processo prévio de inquérito para interromper o prazo referido no nº anterior está dependente da documentação da sua própria existência, nela se devendo rever a necessidade das diligências de inquérito para a fundamentação da nota de culpa.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Eduardo Petersen Silva

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/cf190f29f2e67ddd8025792d0055a72c?OpenDocument

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