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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA, EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 15/09/2011


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
407/05.7TBBCL-D.G1
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 15-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO

Sumário: I. A finalidade da sanção pecuniária compulsória não é a de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de incitar o devedor ao cumprimento do decidido, sob a intimação do pagamento duma determinada quantia por cada período de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infracção.
II. É a própria lei - artigo 933º, 1, do Cód. Proc. Civil – que expressamente admite o requerimento de tal sanção no âmbito do procedimento executivo para prestação de facto.
III. A fundamentação consiste no conjunto das razões de facto e/ou de direito em que assenta a decisão; os motivos pelos quais se decide de determinada forma. E, no que toca à fundamentação de direito, esta contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador, não sendo indispensável, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Maria …. intentou contra Manuel …. e Gracinda …. a presente acção executiva para prestação de facto, alegando:
Por douta sentença já transitada em julgado, foram os Réus, aqui executados, condenados a:
A) Declarar que sobre o seu prédio rústico, denominado “Campo de Cima da Fonte” sito no lugar de São Bento, freguesia de Tamel S. Fins, desta comarca e beneficiando o prédio da Autora, sito nos mesmos lugar e freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 213, se encontra constituída uma servidão de passagem, destinação de pai de família, tendo, consequentemente, aquela Autora e as pessoas a seu mando o direito a acederem livremente a uma faixa de terreno daquele prédio que, tendo o seu início no caminho público que passa a Norte do prédio dos Réus, termina no prédio dela Autora.
B) Condenarem os Réus a reconhecerem aquele direito de servidão e a absterem-se da prática de qualquer acto que ponha em causa o exercício daquele direito pela Autora.
C) Condenarem-se ainda os Réus a fornecer à Autora cópia de uma chave do cadeado que fecha a cancela existente à entrada daquele seu prédio.
Apesar de condenados e das sucessivas solicitações feitas pela Autora e pelo seu mandatário em seu nome, os Réus aqui executados não procederam à entrega da chave, nem mesmo franquearam a entrada ao caminho de servidão que passa pelo seu prédio, continuando a impedir a Autora de aceder ao seu prédio.
Assiste, assim, à Autora/Exequente o direito de reclamar a entrega da referida chave e o livre acesso ao seu prédio através do recurso à referida servidão de passagem.
Ao abrigo do disposto no artº 939º do CPC, deverá fixar-se um prazo judicial, sendo que a exequente reputa como suficiente e adequado um prazo de 10 dias a contar da data em que termine o prazo da oposição à execução.
Findo que seja o prazo fixado judicialmente para entrega da chave, sem que a mesma se mostre entregue à exequente ou franqueada a abertura do prédio dos executados, os mesmos constituir-se-ão em mora.
Por cada dia de atraso no cumprimento daquelas obrigações, deverá fixar-se uma quantia não inferior a 50,00 €, contados desde a data em que os mesmos se constituíram em mora até efectivo cumprimento.
Requereu, assim, que:
Sejam os executados citados para no prazo de 20 dias procederem à entrega da chave da cancela que dá acesso ao caminho de servidão e absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam a exequente de exercer os seus direitos, ou, no mesmo prazo, virem dizer o que se lhes oferecer:
Fixado que seja o prazo judicial de entrega da chave e mostrando-se que os executados não procederam ao cumprimento das obrigações a que foram condenados no prazo devido, entrando em mora, deverão os executados ser condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento daquelas obrigações, com início no 1º dia após o fim do prazo fixado judicialmente até integral pagamento.

A fls.19 veio a ser proferido despacho judicial, fixando o prazo de 10 dias para os executados entregarem uma cópia da chave do cadeado que fecha a cancela existente à entrada do seu prédio, a fim de possibilitar-lhe o exercício do direito de passagem que lhe foi reconhecido na sentença apresentada como título executivo.
A fls. 29 veio a Exequente apresentar requerimento para prestação de facto por outrem, nos termos dos artºs 940º/2 e 933º/1 do CPC. Alega que apesar de citados os executados não procederam à entrega da chave, encontrando-se a Exequente impossibilitada de aceder ao seu prédio, o que lhe tem acarretado graves prejuízos.
A fls. 36 veio a ser proferida a seguinte decisão:
“Uma vez que a prestação de facto em causa (entrega de chave do cadeado, de forma a permitir a passagem da exequente) é uma prestação infungível, isto é, não pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem que daí resulte prejudicado o interesse do credor, fixa-se a sanção pecuniária compulsória requerida, que só tem aplicação no caso de prestações infungíveis, e com a finalidade de obrigar o devedor a cumprir (cfr. arts. 939º, n.º 1, 2ª parte, e 933º, n.º 1, do CPC, e 829º-A do CC).
Pelo exposto, defiro a requerida fixação da sanção pecuniária compulsória, em 50,00 € por cada dia de atraso no incumprimento da obrigação.
Custas pelos executados.
Notifique”
Inconformados com esta decisão, vieram os executados interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo”.
Contra-alegou a recorrida, defendendo a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os factos
Os constantes deste Relatório.

O Direito
Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes – artºs 684º, nº3 e 690º, nº1 do Cód. Proc. Civil.
Das conclusões do apelante se vê que o objecto do recurso se prende essencialmente com a seguinte questão:
Saber se a faculdade de requerer fixação da sanção pecuniária compulsória apenas é concedida em acção declarativa e não no processo executivo.
Na alegação de recurso, os executados/apelantes põem em causa a possibilidade de a exequente requerer fixação de sanção pecuniária compulsória nos autos de execução, defendendo que a faculdade de requerer fixação da sanção pecuniária compulsória apenas é concedida em acção declarativa e não no processo executivo.
Que dizer?
A sanção pecuniária compulsória vem prevista no art.º 829º-A do C. Civil. Este artigo consagrou a sanção pecuniária compulsória, que é um meio de coerção destinado a assegurar, simultaneamente, o cumprimento das obrigações e o prestígio da justiça (A. Pinto Monteiro, ROA, 46º-763).
Como se refere no próprio relatório do DL n.º 262/83, de 16 de Junho, a sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
Assim, a sanção pecuniária compulsória visa contrariar a recusa do devedor do cumprimento da obrigação em que foi condenado, através do agravamento da sua responsabilidade, constituindo um mecanismo eficaz para alcançar a execução efectiva da prestação em dívida. A sua finalidade não é a de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de incitar o devedor ao cumprimento do decidido, sob a intimação do pagamento duma determinada quantia por cada período de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infracção.
Por outro lado, o artigo 933º, 1, do Código de Processo Civil, dispõe que se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha já sido condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo.
Por seu turno, diz o nº1 do artº 939º do Cód. Proc. Civil: «quando o prazo para a prestação não esteja determinado no título executivo, o exequente indica o prazo que reputa suficiente e requer que, citado o devedor para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo seja fixado judicialmente; o exequente requer também a aplicação da sanção pecuniária compulsória, nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 933º».
Decorre destes normativos que, mesmo que a sentença não contivesse essa condenação, estavam os exequentes legitimados a requerer a aplicação de sanção pecuniária compulsória, obtendo a sua fixação no próprio processo executivo (artigos 933º, 1, e 939º, 2, do Código de Processo Civil).
É a própria lei - artigo 933º, 1, do Cód. Proc. Civil – que expressamente admite o requerimento de tal sanção no âmbito do procedimento executivo para prestação de facto.
“É hoje inquestionável, face à redacção dada ao artº 933º do CPC pelo DL nº 38/2003, de 8-3, que a sanção pecuniária pode ser pedida no requerimento executivo, não tendo de constar da sentença condenatória que serve de título à execução” (Ac. RP, de 26.5.2008: Proc. 0850288. dgsi.Net).
Improcede, assim, este ponto do segmento conclusivo do recurso.

Sustentam ainda os recorrentes que o despacho recorrido não está fundamentado, pelo que o tribunal a quo não deu cumprimento ao estatuído no artigo 158º do CPC.
O artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Obedecendo a esse comando constitucional, o n.º 1 do artigo 158.º estabelece que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, acrescentando o artigo 668.º n.º 1 b) que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A fundamentação consiste no conjunto nas razões de facto e/ou de direito em que assenta a decisão; os motivos pelos quais se decide de determinada forma. E, no que toca à fundamentação de direito, esta contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador. Não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão.
Por outro lado, vem sendo unanimemente entendido que apenas a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito constitui a nulidade prevista na al. b) do nº.1 do dito art. 668.º - cfr. A. dos Reis in CPC Anot. Vol. V. pág. 140, Prof. Castro Mendes in Direito Processual Civil, vol. II, pág. 806 e, para além dos já referidos, os Acs. do STJ de 15.3.74, in BMJ 235-152, de 8.4.75, in BMJ 246-131, de 24.5.83, in BMJ 327-663 e de 4.11.93, in CJ - Acs, do STJ, ano I, 3, 10.

Examinado o despacho recorrido, logo se constata que o Meritíssimo Juiz nela fez constar as razões que a conduziram à decisão que proferiu. Nela também se faz menção da finalidade da sanção pecuniária compulsória fixada. E quanto ao montante da sanção pecuniária compulsória, foi fixado o indicado pela Recorrida, que não mereceu qualquer impugnação por parte dos Recorrentes, sendo certo que a oposição dos recorrentes foi dirigida apenas contra a admissibilidade da sanção pecuniária compulsória na acção executiva. É, por isso, manifesto que a decisão está fundamentada. A circunstância de, porventura, se entender que a decisão podia ter mais fundamentação não significa que não tem a suficiente.

Da litigância de má fé
Considera a recorrida que os recorrentes devem ser condenada como litigantes de má-fé, por entender que os apelantes têm vindo a prosseguir uma conduta consistente de dilação cujo único intuito é atrasar o mais possível o cumprimento das obrigações em que foram condenados, fazendo o uso de todos os expedientes possíveis e imaginários, nomeadamente, recorrendo de todo e qualquer despacho ou decisão que o Tribunal “a quo” vá tomando.
Acrescenta que esta atitude foi inclusivamente denunciada no douto acórdão deste digno Tribunal da Relação de Guimarães com o n.º 407/05.7TBBCL – E.G1, em que os aqui apelantes também figuravam com a mesma posição processual, quando, e passa-se a citar, se refere:”No circunstancialismo que os autos traduzem, quem não está a respeitar a autoridade do caso julgado são os aqui executados/oponentes que, perante uma sentença condenatória transitada em julgado, a que devem obediência, até nos termos da Constituição, tudo fazem para evitar o respectivo cumprimento.”

Foi dado conhecimento à parte e ao seu mandatário, tendo sido apresentada a resposta junta a fls. 109 e ss, pelo que se mostra observado o contraditório.

Cumpre decidir.
Diz-se litigante de má fé - art. 456º, nº2 - quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Cabem, na definição legal, situações de má fé subjectiva, caracterizadas pelo conhecimento ou não ignorância da parte, e objectiva, resultantes da violação dos padrões de comportamento exigíveis.
Por outro lado, importa notar que o princípio da cooperação constitui, a partir da reforma processual operada pelo Dec-lei 329-A/95, de 12/12, um princípio fundamental e angular do processo civil, com expressão no art. 266º do Código, e preordenado a fomentar a colaboração entre os magistrados, os mandatários e as próprias partes, com vista a obter-se, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. No que respeita às partes, o dever de cooperação vem concretizado no art. 266º-A, tendo como principal manifestação o dever de litigância de boa fé.
A mais grave violação desses deveres, por qualquer das partes, traduz a litigância de má fé.
Na redacção anterior à reforma do Código, a má fé era identificada como uma modalidade do dolo processual, consistindo, na expressiva síntese de Manuel de Andrade, na "utilização maliciosa e abusiva do processo".
Como reflexo da filosofia que lhe está subjacente, a reforma alargou o conceito, estendendo-o justificadamente às condutas processuais gravemente negligentes. Basta, pois, uma falta grave de diligência para justificar o juízo de má fé da parte.
Distinguem-se claramente, na formulação legal, a má fé substancial - que se verifica quando a actuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 456º, supra transcrito - e a má fé instrumental (al. c) e d) do apontado normativo). Mas em ambas está presente ou uma intenção maliciosa, ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reacção punitiva.

Ora, no caso em apreço, não se suscitam dúvidas quanto a terem os Executados/ recorrentes optado, ab initio, por uma conduta que não pode deixar de merecer reparo e censura, porque claramente dirigida a protelar o desfecho da causa.
A sentença que serve de título executivo foi proferida em 10.10.2007 e transitou em julgado. Na dita sentença foram os Réus condenados, além do mais, a entregar à Autora:
“Cópia da chave do cadeado que fecha a cancela existente à entrada do prédio daqueles permitindo assim à Autora exercer o seu direito de passagem pelo prédio dos Réus”.
Até à presente data nenhuma dessas obrigações foi cumprida pelos apelantes. Ou seja, volvidos quase quatro anos desde a data da notificação da sentença que condenou os executados/recorrentes a entregar à autora a sobredita chave do cadeado, esta ainda não foi entregue.
A exequente intentou a presente execução reclamando a entrega da chave e pedindo ao tribunal que fixe o prazo de 20 dias para os executados entregarem a dita chave, uma vez que a sentença não fixara prazo para o efeito.
Anteriormente, havia já a Exequente intentado acção executiva contra os apelantes (processo nº 407/05.7TBBCL-A) pedindo que o Tribunal fixasse o mesmo prazo de 20 dias para a entrega da chave pelos executados, pediu a condenação dos mesmos no pagamento de uma indemnização no valor de 1.500,00€, pelo não cumprimento tempestivo das obrigações impostas na sentença, pedindo ainda a fixação da sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega da chave.
Na oposição deduzida pelos executados a essa execução (a 1ª execução intentada contra os executados), que foi julgada procedente, decidiu-se que a exequente não requereu a fixação de prazo para a prestação de facto e não requereu a prestação de caução, uma vez que a sentença ainda não tinha transitado em julgado.
Vieram os executados deduzir oposição à presente execução, invocando a excepção de caso julgado e a incompatibilidade do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória com a acção executiva.
No despacho saneador, foi proferida decisão que julgou a oposição à execução improcedente no que se refere à excepção de caso julgado deduzida pelos oponentes, relegando para o processo de execução o conhecimento da questão relativa à sanção pecuniária compulsória.
Desta decisão interpuseram os executados recurso para a Relação de Guimarães, que julgou o recurso improcedente, por acórdão proferido em 28/10/2010. Nesse acórdão da Relação de Guimarães, já se denuncia de forma clara a postura processual dos executados/apelantes, como ressalta da seguinte passagem do Acórdão:”No circunstancialismo que os autos traduzem, quem não está a respeitar a autoridade do caso julgado são os aqui executados/oponentes que, perante uma sentença condenatória transitada em julgado, a que devem obediência, até nos termos da Constituição, tudo fazem para evitar o respectivo cumprimento.”
A fls.19 destes autos veio a ser proferido despacho judicial, fixando o prazo de 10 dias para os executados entregarem uma cópia da chave do cadeado que fecha a cancela existente à entrada do seu prédio, a fim de possibilitar-lhe o exercício do direito de passagem que lhe foi reconhecido na sentença apresentada como título executivo.
A fls. 29 veio a Exequente apresentar requerimento para prestação de facto por outrem, nos termos dos artºs 940º/2 e 933º/1 do CPC. Alega que, apesar de citados, os executados não procederam à entrega da chave, encontrando-se a Exequente impossibilitada de aceder ao seu prédio, o que lhe tem acarretado graves prejuízos.
A fls. 36 veio a ser proferida a seguinte decisão:
“Uma vez que a prestação de facto em causa (entrega de chave do cadeado, de forma a permitir a passagem da exequente) é uma prestação infungível, isto é, não pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem que daí resulte prejudicado o interesse do credor, fixa-se a sanção pecuniária compulsória requerida, que só tem aplicação no caso de prestações infungíveis, e com a finalidade de obrigar o devedor a cumprir (cfr. arts. 939º, n.º 1, 2ª parte, e 933º, n.º 1, do CPC, e 829º-A do CC).
Pelo exposto, defiro a requerida fixação da sanção pecuniária compulsória, em 50,00 € por cada dia de atraso no incumprimento da obrigação”.
E deste despacho vieram agora de novo interpor recurso os executados, com os fundamentos expostos supra e que não lograram alcançar provimento.
Os vários expedientes de que os executados lançaram mão, e que acima se deixam transcritos, revelam à saciedade um assumido propósito de protelar ad aeternum o normal desfecho da lide. Revela a conduta dos executados um uso manifestamente reprovável do processo, com o único intuito de se furtarem ao cumprimento das suas obrigações, a que haviam sido condenados por sentença transitada em julgado.
Se os apelantes estivessem de boa fé, após o trânsito em julgado da sentença, só tinham um caminho a seguir: cumprir com as obrigações a que se encontravam vinculados por força da decisão judicial.
A descrita postura dos executados reflecte, no mínimo, falta de respeito para com as decisões dos tribunais, não podendo tal actuação ser integrada no conceito de lide temerária, como ainda pretendem os apelantes. Violaram consciente e voluntariamente o dever de probidade (o dever de agir de boa fé) e o dever de cooperação, que sobre eles recaía.
Mostra-se, pois - observado que foi o princípio do contraditório - inteiramente justificada a sua condenação como litigantes de má fé, que assenta num juízo de censura incidente sobre um comportamento por eles adoptado, inadequado à ideia de um processo justo e leal.
Condenação que, de jure, assenta no disposto no art. 456º, n.ºs 1 e 2, al. c) e d) do CPC e deverá ser concretizada com a aplicação de uma multa, nos limites previstos no art. 102º - a) do CCJ - multa que, atenta a gravidade e reiteração da má fé, se entende ajustado fixar em 10 ( dez) UC.


É, por outro lado, inquestionável a responsabilidade pessoal e directa do mandatário dos recorrentes nos actos pelos quais se revela a má fé, uma vez que em causa estão, essencialmente, procedimentos processuais que os recorrentes não dominam, e que estão na disponibilidade daquele, enquanto técnico de Direito.
Temos por irrecusável que o Ex.mo causídico que patrocina os Executados/Apelantes não observou o dever de cooperação a que se acha vinculado, nos termos do já citado art. 266º do CPC, devendo, por isso, ser considerado responsável pessoal e directo pela má fé dos recorrentes, nos termos do art. 459º do mesmo Código.

Decisão
Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso, com custas pelos recorrentes. Condenam-se os recorrentes na multa de 10 (dez) UC, por haverem litigado de má fé, devendo dar-se cumprimento ao disposto no art. 459º do CPC, no concernente ao Ex.mo Mandatário dos recorrentes, para os efeitos prevenidos no dito normativo.

Guimarães, 15 de Setembro de 2011

Relator: Amílcar Andrade
Adjuntos: Manso Rainho
Carvalho Guerra

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/36a3ca69bf948e2f8025791b003c670d?OpenDocument

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