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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

FEDERAÇÃO DESPORTIVA DESPORTO - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 26-01-2012


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1303/07.9TVLSB.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: FEDERAÇÃO DESPORTIVA
DESPORTO
COMPETÊNCIA MATERIAL
ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
RESPONSABILIDADE CIVIL

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 26-01-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA

Sumário: São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica e de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.
Ressalvadas as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção situações referidas no n.º 3, as decisões e deliberações das entidades que integram o associativismo desportivo sobre questões estritamente desportivas, não estão sujeitas à apreciação dos tribunais, comuns ou outros.
Mas nada obsta a que o tribunal conheça de uma questão desportiva na medida do necessário à apreciação de um pedido de indemnização. Com isso não estará a interferir na esfera desportiva, mas apenas a apreciar um dos fundamentos do pedido de indemnização, da sua competência. No limite, essa possibilidade encontraria justificação no regime de extensão de competência estabelecido nos art. 96.º a 98.º do CPC.
Até á entrada em vigor do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, que foi estabelecido pela Lei n.º 67/2007 de 31-12, a acção para efectivação de responsabilidade civil da Federação Portuguesa de Golfe, fundada no exercício das suas atribuições de utilidade pública, era da competência material dos tribunais comuns.
(FA)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Sociedade de Representações, Lda. intentou contra a Federação Portuguesa de Golfe e outros, a presente acção declarativa com processo ordinário, pedindo:
1) A anulação das decisões e deliberações proferidas pelos 1 ° 2°, 3°, 4°, 5°, 6º e 7° Réus que alteraram o «handicap» de três jogadores da sua equipa em 6, 8 e 6 pancadas ou abono, no dia 19 de Agosto de 2006, no campo de golfe da ..., no Algarve;
2) A anulação das decisões e deliberações de indeferimento proferidas pelos 10° e 11° Réus que não apreciaram e decidiram as questões apresentadas pela Autora;
3) A anulação das decisões e deliberações de indeferimento tácito praticadas pelos 1°, 2°, 3º, 4°, 5°, 6°, 7° 8º, 9°, 10°, 11° e 12º Réus, ao não terem apreciado e decidido as questões apresentadas pela Autora de acordo com o que foi requerido;
4) A condenação solidária de todos os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 135.000,00 de indemnização;
5) A condenação solidária de todos os Réus no pagamento à Autora de todas as despesas que esta tiver de suportar com esta acção;
6) A condenação solidária de todos os Réus a pagarem à Autora todas as quantias que a Autora sofrer após entrada desta acção e cujo pedido não esteja abrangido nos pedidos anteriores, até sentença final transitada em julgado e a liquidar em execução de sentença.

Alegou, para tanto, em síntese:

- A autora tem por objecto a “representação e comercialização de artigos regionais, porcelanas decorativas e cristais”, designadamente produtos de golfe.
- Para promover a sua actividade, participa em torneios de golfe, beneficiando da publicidade dada a esses eventos.
- Participou, nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 nos torneios de golfe denominados .../... Golf – Fase Regional Sul, tendo ficado classificada em segundo lugar em 2003, e em primeiro em 2004 e 2005.
- E só não ficou em primeiro lugar, mas em sétimo, em 2006 porque as primeiras quatro rés e os 5º 6º e 7º réus, sem justificação ou fundamento, impuseram que três jogadores da equipa da autora jogassem com «handicap de jogo» diferente daquele que tinham, prejudicando a equipa da autora em vinte pancadas (ou abono), em relação às outras equipas.
- Vendo desatendidas as reclamações apresentadas, a autora e os seus três jogadores apresentaram reclamação junto da ré Federação Portuguesa de Golfe, e do respectivo Conselho Jurisdicional, que declararam não ter jurisdição sobre a entidade organizadora da prova.
- No seguimento, a autora e os seus três jogadores apresentaram reclamação junto das rés Associação Europeia de Golfe e Comissão de Handicaps e Course Rating da EGA, que não responderam, apesar das insistências dos reclamantes.
- Até à data não se conhecem as deliberações das rés, sobre as reclamações, impugnações e protestos da autora e seus jogadores.
- As decisões comunicadas não foram fundamentadas.
- Nem foram precedidas da audição da ora autora, nos termos do art. 100.º do Código de Procedimento Administrativo, o que constitui nulidade insanável.
- E violam os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade.
- Com a classificação assim obtida no torneio, a autora, e os seus jogadores, ficaram impossibilitados de participar na final da fase regional sul, bem como na final nacional e final mundial.
- E a autora deixou de beneficiar da publicidade associada a esses eventos.
- Com valor superior a € 100.000,00.
- E de € 20.000,00 nos próximos anos.
- A autora valoriza em € 15.000,00 as expressões menos abonatórios com que ela e os seus jogadores foram tratados pelo 6.º réu, na ocasião do almoço, no dia do torneio.
Dos réus citados, incluindo por éditos, apenas a Federação Portuguesa de Golfe e a Associação Europeia de Golfe contestaram, opondo em síntese:
A presente acção também foi intentada contra pessoas que integram os “órgãos dirigentes” das contestantes. Ora esses órgãos não são dotados de personalidade jurídica ou judiciária, e os seus presidentes limitam-se a representar as instituições, sendo todos parte ilegítima na presente acção.
As próprias contestantes são parte ilegítima uma vez que está em causa um torneio privado de golfe, de âmbito regional, não homologado pela Federação Portuguesa de Golfe e organizado por uma entidade que não é membro institucional da Federação Portuguesa de Golfe, ficando, assim excluído do âmbito da sua jurisdição.
Os actos praticados pela Federação Portuguesa de Golfe no cumprimento da sua missão de serviço público, são actos administrativos, sendo a apreciação da sua legalidade da competência dos tribunais administrativos.
Os tribunais portugueses não são competentes para conhecer do pedido em relação à ré Associação Europeia de Golfe, que tem a sua sede na Suiça.
Não vêm imputados às contestantes factos que permitam fundar o pedido de indemnização no montante de € 15.000,00.
No mais, o golfe amador é uma modalidade desportiva não remunerada e não lucrativa, não podendo, designadamente, ser utilizada para promover, publicitar ou vender o que quer que seja, ou para conseguir ganhos financeiros pelas emissões radiofónicas ou televisivas, conforme pontos 6.1 e 6.4 do Estatuto Amador.

A autora respondeu às excepções, mantendo o alegado na petição inicial.

Foi proferida decisão a declarar a incompetência material do tribunal para apreciar e decidir a acção, e a absolver os réus da instância, com a seguinte fundamentação:

«Salvo melhor entendimento, a questão essencial de que todas as demais dependem é a alteração do «handicap» dos três jogadores da Autora nos termos descritos no art. 75.° da PI, alegando a Autora que a sua equipa foi prejudicada em 20 pancadas em relação às demais equipas que participaram no torneio de golfe (cr. também art. 76.° da PI).
Prescreve o art. 47.°, n.° 1, da Lei n.° 30/2004, de 21 de Julho (Lei de Bases do Desporto) que «Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas», explicitando o n.º 2 que «São questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar (...)».
E também o art. 25.º, n.º 2, da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo) prescreve que «As decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar não são impugnáveis nem susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva.»
Segundo o disposto na disposição normativa supra citada, são questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das lei do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.
No caso vertente a decisão/deliberação em causa, que decidiu alterar o handicap de jogo de três jogadores da Autora, prende-se com regras específicas e técnicas da modalidade desportiva de golfe, pelo que terá de ser «discutida» no âmbito da respectiva instância desportiva, não sendo impugnável judicialmente. Neste sentido, vd. Ac. RL de 22-02-2011, relator Luís Espírito Santo, in www.dgsi.pt.»

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações, rematadas por conclusões, onde, em suma, sustenta a competência do tribunal para conhecer da acção, argumentando, designadamente:
Nos termos do art. 66.º do CPC, “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem judicial”.
Assim, não se vislumbra outra solução, senão considerar-se o tribunal cível da comarca de Lisboa materialmente competente para decidir a causa.
Até porque os tribunais comuns são sempre competentes para decidir qualquer causa, que não seja decidida pelos tribunais de competência específica e especializada.
A jurisdição dos tribunais judiciais é constitucionalmente definida por exclusão, sendo-lhe atribuída em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art. 211.°, n.° 1, da C.R.P.). (Disposição esta que é reproduzida, na sua essência, no art. 18.° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
As federações desportivas, inclusivamente a Federação Portuguesa de Golfe, são pessoas colectivas de direito privado e de utilidade pública que gerem, de acordo com vontade do legislador, um serviço público administrativo.
Os actos unilaterais praticados pelas federações desportivas para o cumprimento dum serviço público apresentam a natureza de acto administrativo, pertencendo à respectiva jurisdição a apreciação da correspondente legalidade.
Nos termos do art. 3.º do Decreto-Lei nº 144/93, às federações desportivas é aplicável o disposto no presente diploma e, subsidiariamente, o regime jurídico das associações de direito privado.
O estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública (art. 7.° do Decreto-Lei 144/93, tendo essa natureza exclusivamente aqueles que os órgãos da federações exercem no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, que sejam conferidos pela lei para a realização obrigatória de finalidade compreendidas nas atribuições do Estado e envolvam, perante terceiros, o desempenho de prerrogativas de autoridade ou a prestação de apoios ou serviços legalmente determinados (art. 8.° do mesmo diploma).
É destes actos praticados pelos Órgãos das federações dotadas de utilidade pública desportiva no exercício de poderes públicos que cabe impugnação para os tribunais, nos termos do n.º 2 do mesmo art. 8.°.
Conforme parecer da Procuradoria-Geral da República, homologado em 29-05-1986, “os actos unilaterais, individuais ou não, praticados para o cumprimento de um serviço público e no exercício de prerrogativas de autoridade pública, apresentam a natureza de acto administrativo, pertencendo á jurisdição respectiva a apreciação da correspondente legalidade”.
E obviamente que assumem natureza pública não só os poderes de regulamentação e de disciplina da modalidade desportiva objecto da Federação (in casu, o Golfe, como também os poderes de fomentar e organizar as provas para o exercício da respectiva modalidade, pois que, além do mais, aqueles poderes só se justificam com a existência destes.
Só as questões estritamente desportivas – desde que não integradas na previsão do n.º 3 do art. 47.º da Lei de Bases do Desporto, estão sujeitas ao controlo privativo das instâncias competentes na ordem desportiva.
O acto de atribuição de um determinado handicap é pressuposto para que um praticante federado possa exercer a sua actividade desportiva.
Como tal, integra-se no exercício dos poderes públicos conferidos à Federação Portuguesa de Golfe.
As decisões e deliberações definitivas das associações desportivas são impugnáveis nos termos gerais de direito, ressalvadas apenas as questões estritamente desportivas, e mesmo estas com excepções.
O acto de atribuição de um handicap, sendo um requisito para a prática federada da modalidade, não é uma questão estritamente desportiva.
A alteração do handicap lesa interesses fundamentais do Recorrente, constitucionalmente consignados, assumindo dignidade bastante para ser decidida por uma entidade isenta como são os tribunais.
A Sentença recorrida viola o princípio constitucional de “Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva - art. 20º n.º 1 Constituição da Republica Portuguesa” o princípio da igualdade e o da fundamentação das decisões judiciais.
A decisão recorrida é nula por não assentar em fundamentação clara e precisa.

A apelada Federação Portuguesa de Golfe contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, está em causa na presente apelação a questão da competência material dos tribunais comuns para conhecerem dos pedidos formulados na presente acção.
Mais concretamente está em causa saber se a alteração do handicap dos jogadores da ora apelante é “a questão jurídica essencial, de que todas as outras dependem intrinsecamente”.
E se a alteração do “handicap” de jogadores de golfe é, ou não, uma questão estritamente desportiva, enquadrável na previsão do art. 47.º da Lei de Bases do Desporto (Lei n.º 30/2004 de 21-07), por isso não sujeita à jurisdição dos tribunais, comuns ou outros.

A matéria de facto a considerar é a alegada na petição inicial, envolvendo os pedidos formulados e a respectiva fundamentação.
E já acima se deixou sumariamente enunciada.

Vejamos:

Estabelecia o referido art. 47.º, n.º 1 da Lei de Bases do Desporto, em vigor na data dos factos dos autos, tal como, antes dele, estabelecia o art. 25.º da Lei de Bases do Sistema Desportivo, (Lei n.º 1/90 de 13-01), e como passou a dispor o art. 18.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, (Lei n.º 5/2007 de 16-019, que não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva, as decisões e deliberações das entidades que integram o associativismo desportivo sobre questões estritamente desportivas.
Acrescentando o n.º 2 que são questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica e de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.
Excepcionando o n.º 3, em relação ao número 2, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção.
É, assim, pacífico que, ressalvadas as situações referidas no n.º 3, as decisões e deliberações das entidades que integram o associativismo desportivo sobre questões estritamente desportivas, não estão sujeitas à apreciação dos tribunais, comuns ou outros. A própria apelante reconhece que assim é, questionando apenas que a alteração do handicap de um jogador de ténis possa ser considerada uma questão estritamente desportiva.
Mas, segundo se julga, não lhe assiste razão.
De facto, e como é evidenciado por toda a discussão suscitada nos autos e, em espacial do Sistema de Handicap EGA, documentado a fls. 403 e seguintes, o handicap deve ser a expressão actualizada do potencial de cada jogador de golfe, feita com base nos resultados obtidos nas competições anteriores, e visa, em especial, permitir que jogadores com diferentes capacidades possam competir numa base de igualdade. Trata-se, assim de uma questão que tem de ser apreciada, e resolvida, no âmbito de cada competição desportiva, pois que contende com o apuramento e a validação dos resultados que nela serão obtidos por cada um dos participantes. Ou seja, está em causa a aplicação de uma simples regra de jogo, de natureza exclusivamente técnica, tratando-se, pois, de uma questão exclusivamente desportiva.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, o acórdão desta Relação de 22-02-2011 (relator Luís Espírito Santo), citado na decisão recorrida, e o acórdão do STA de 21-09-2010 (relator São Pedro), onde a questão foi desenvolvidamente tratada, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Posto isto, importa verificar se a alteração do handicap dos jogadores da ora apelante é “a questão jurídica essencial, de que todas as outras dependem intrinsecamente.” Para o que importa ter em conta os pedidos formulados e a respectiva fundamentação.
Recorda-se que a ora apelante formulou os seguintes pedidos:

1) A anulação das decisões e deliberações proferidas pelos 1 ° 2°, 3°, 4°, 5°, 6º e 7° Réus que alteraram o «handicap» de três jogadores da sua equipa em 6, 8 e 6 pancadas ou abono, no dia 19 de Agosto de 2006, no campo de golfe da ..., no Algarve;
2) A anulação das decisões e deliberações de indeferimento proferidas pelos 10° e 11° Réus que não apreciaram e decidiram as questões apresentadas pela Autora;
3) A anulação das decisões e deliberações de indeferimento tácito praticadas pelos 1°, 2°, 3º, 4°, 5°, 6°, 7° 8º, 9°, 10°, 11° e 12º Réus, ao não terem apreciado e decidido as questões apresentadas pela Autora de acordo com o que foi requerido;
4) A condenação solidária de todos os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 135.000,00 de indemnização;
5) A condenação solidária de todos os Réus no pagamento à Autora de todas as despesas que esta tiver de suportar com esta acção;
6) A condenação solidária de todos os Réus a pagarem à Autora todas as quantias que a Autora sofrer após entrada desta acção e cujo pedido não esteja abrangido nos pedidos anteriores, até sentença final transitada em julgado e a liquidar em execução de sentença.

Pedidos que justificou com a alegação acima sumariada, para onde agora se remete.

Ora, apreciando os pedidos assim formulados, julga-se que os pedidos formulados sob os n.ºs 1 a 3 visam, directa e exclusivamente, a decisão de alteração do handicap dos jogadores da autora, vindo pedida a anulação, quer da decisão propriamente dita, quer dos actos de indeferimento, expresso ou tácito, das reclamações sucessivamente apresentadas pela autora. Alegando a autora, no essencial, a falta de fundamento e, por isso, a ilicitude, da alteração assim imposta aos seus jogadores.
Assim sendo, julga-se ser seguro que, no que respeita a estes pedidos – formulados de 1 a 3 - a alteração do handicap dos jogadores da ora apelante é, efectivamente, “a questão jurídica essencial, de que todas as outras dependem intrinsecamente”. Devendo, pois, concluir-se, no seguimento do raciocínio exposto, que tais questões não estão sujeitas ao controlo jurisdicional dos tribunais, comuns ou outros.
Mas o mesmo já não se passa, segundo se julga, com o pedido formulado sobre o n.º 4, onde a autora reclama o pagamento de indemnização por danos.
Desde logo, no que respeita à parcela deste pedido que se funda na prolação de palavras ofensivas da honra e consideração da autora e dos seus jogadores, fixada pela autora em € 15.000,00, é seguro que não estamos perante uma questão estritamente desportiva.
O que não carece de maior justificação.
Deste modo, e uma vez que, neste momento está apenas em causa a susceptibilidade de este pedido ser apreciado por um tribunal, julga-se que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
E o mesmo deve concluir-se, segundo também se julga, em relação ao remanescente do pedido de indemnização.
É certo que este pedido também se funda na alteração do handicap dos jogadores da autora, sendo esse o fundamento de ilicitude invocado como pressuposto da obrigação de indemnização. Mas a causa de pedir excede essa questão estritamente desportiva, incluindo a alegação dos factos tendentes a preencher os demais pressupostos da obrigação de indemnizar. E o pedido formulado visa efectivar responsabilidade civil dos demandados, e não a apreciação da questão desportiva, que constitui um simples fundamento daquele.
E, ao que se julga, nada obsta a que o tribunal conheça dessa questão desportiva na medida do necessário à apreciação do pedido de indemnização. Com isso não estará a interferir na esfera desportiva, mas apenas a apreciar um dos fundamentos do pedido de indemnização, da sua competência. No limite, essa possibilidade encontraria justificação no regime de extensão de competência estabelecido nos art. 96.º a 98.º do CPC.
Entende-se pois, que o pedido de indemnização formulado não reveste natureza estritamente desportiva, não estando, pois, subtraído da apreciação jurisdicional dos tribunais.
O mesmo sucedendo, pelas mesmas razões, em relação ao pedido de indemnização de danos futuros, formulado sob o n.º 6.
Por fim, em relação ao pedido de pagamento das despesas suportadas com a presente acção, formulado sob o n.º 6, a questão, limitada a saber se o mesmo é susceptível de apreciação jurisdicional dos tribunais, também não pode deixar de ter resposta afirmativa.

Uma vez admitido que os pedidos de indemnização formulados sob os n.ºs 4 e 6, não estão subtraídos da apreciação jurisdicional dos tribunais, importa indagar se essa apreciação é da competência material dos tribunais comuns, onde a acção foi intentada. Esta questão não chegou a ser apreciada na decisão recorrida, por ter ficado prejudicada pela solução encontrada, mas terá de sê-lo agora, dando seguimento à apreciação da questão da competência do tribunal para conhecer da acção. Sendo certo que tal questão foi suscitada nas contestações deduzidas nos autos, e sempre seria do conhecimento oficioso do tribunal.

Nos termos acima referidos, essa questão de competência coloca-se apenas em relação aos pedidos de indemnização formulados sob os n.º 4 e 6. Em relação aos primeiros pedidos, a discussão mostra-se prejudicada pela conclusão de que os mesmos não são susceptíveis de apreciação pelos tribunais, e em relação ao quinto pedido não chega a haver dúvida.
A resolução dessa questão não suscita quaisquer dúvidas em relação aos sete réus, demandados na qualidade de responsáveis particulares pela organização da prova e pela questionada decisão de alteração de handicap. Está em causa uma simples acção para efectivação de responsabilidade civil de sujeitos de direito privado, fundada em actos de gestão privada, naturalmente da competência material dos tribunais comuns.
A questão já não é tão líquida em relação aos demais réus, demandados com fundamento no facto de não terem atendido as reclamações que a autora apresentou, visando a anulação daquela decisão de alteração do handicap. Ou seja, em relação a estes réus está directamente em causa a resposta, ou a falta dela, que a autora obteve às reclamações que endereçou à Federação Portuguesa de Golfe e à Associação Europeia de Golfe. Sendo que a primeira se pronunciou no sentido de não ter jurisdição sobre o caso e a segunda não se pronunciou.
Deste modo, e em relação a este conjunto de réus, está em causa a efectivação de responsabilidade fundada no exercício das respectivas atribuições que, sendo de utilidade pública em relação à ré Federação Portuguesa de Golfe, não podem deixar de ter a mesma natureza em relação Associação Europeia de Golfe.
Em relação à primeira afirmação – de que a intervenção da Federação Portuguesa de Golfe no caso se integra no âmbito das suas atribuições de utilidade pública, a própria apelante parece estar de acordo. Recorda-se que, nas alegações e conclusões que apresentou no âmbito do presente recurso o mesmo defendeu, designadamente:

“As federações desportivas, inclusivamente a Federação Portuguesa de Golfe, são pessoas colectivas de direito privado e de utilidade pública que gerem, de acordo com vontade do legislador, um serviço público administrativo.
Os actos unilaterais praticados pelas federações desportivas para o cumprimento dum serviço público apresentam a natureza de acto administrativo, pertencendo à respectiva jurisdição a apreciação da correspondente legalidade.
Nos termos do art. 3.º do Decreto-Lei nº 144/93, às federações desportivas é aplicável o disposto no presente diploma e, subsidiariamente, o regime jurídico das associações de direito privado.
O estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública (art. 7.° do Decreto-Lei 144/93, tendo essa natureza exclusivamente aqueles que os órgãos da federações exercem no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, que sejam conferidos pela lei para a realização obrigatória de finalidade compreendidas nas atribuições do Estado e envolvam, perante terceiros, o desempenho de prerrogativas de autoridade ou a prestação de apoios ou serviços legalmente determinados (art. 8.° do mesmo diploma).
É destes actos praticados pelos Órgãos das federações dotadas de utilidade pública desportiva no exercício de poderes públicos que cabe impugnação para os tribunais, nos termos do n.º 2 do mesmo art. 8.°.
Conforme parecer da Procuradoria-Geral da República, homologado em 29-05-1986, “os actos unilaterais, individuais ou não, praticados para o cumprimento de um serviço público e no exercício de prerrogativas de autoridade pública, apresentam a natureza de acto administrativo, pertencendo á jurisdição respectiva a apreciação da correspondente legalidade”.
E obviamente que assumem natureza pública não só os poderes de regulamentação e de disciplina da modalidade desportiva objecto da Federação (in casu, o Golfe, como também os poderes de fomentar e organizar as provas para o exercício da respectiva modalidade, pois que, além do mais, aqueles poderes só se justificam com a existência destes.”

Argumentação com a qual se concorda, e onde não falta, sequer, a conclusão de que a impugnação dos actos praticados pela Federação Portuguesa de Golfe no exercício das suas atribuições de utilidade pública é da competência material dos tribunais administrativos.
Suscitando-se a questão de saber se a efectivação de responsabilidade civil, que seja fundada no exercício dessas mesmas atribuições de utilidade pública, também é da competência material dos tribunais administrativos.
Mas aqui a resposta parece dever ser negativa.
Como é sabido, a competência do tribunal para conhecer de determinada acção fixa-se no momento em a acção é intentada e, na data em que a presente acção foi proposta ainda não vigorava o Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, que foi estabelecido pela Lei n.º 67/2007 de 31-12.
Nos termos do art. 1.º, n.º 5 do referido Regime, o mesmo é aplicável à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público, ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo. Parecendo seguro que a situação dos autos se enquadraria na previsão deste preceito legal, se o mesmo lhe fosse aplicável. O que, nos termos do art. 4.º al. i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19-02, atribuiria aos tribunais administrativos a competência para conhecer deste pedido.
Mas este preceito legal não é aplicável, pois que não estava em vigor à data dos factos, nem sequer na data em que a presente acção foi intentada, e o anterior regime de responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, estabelecido pelo DL n.º 48051 de 21-11-1967 não tinha disposição correspondente. Devendo, assim, concluir-se que o regime agora vigente inovou nessa parte.
Aliás, a responsabilidade civil das federações desportivas está estabelecida no art. 6.º do DL n.º 144/93 de 26-04, que estabelece o respectivo regime jurídico em termos idênticos àqueles em que o art. 501.º do C. Civil define a responsabilidade civil do Estado por actos de gestão privada. Nos termos do referido preceito legal, as federações desportivas respondem civilmente perante terceiros pelos actos ou omissões dos seus órgãos, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários. Por fim, nos termos do art. 3.º do mesmo regime, às federações desportivas é aplicável o disposto naquele diploma e, subsidiariamente, o regime jurídico das associações de direito privado.
Destes preceitos legais resulta que a responsabilidade civil das federações desportivas era, em qualquer caso, regulada pelas regras comuns do instituto da responsabilidade civil, estabelecidas nos art. 483.º e seguintes do C. Civil, não cabendo na previsão da já referida al. i) do art. 4.º do ETAF.
Concluindo-se, assim, que são os tribunais comuns os materialmente competentes para conhecer dos pedidos de indemnização formulados na presente acção.
Procedendo, nessa parte o recurso interposto, devendo ser correspondentemente alterada a decisão recorrida.

Nos termos expostos, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em declarou a incompetência material do tribunal, e absolveu os réus da instância, em relação aos pedidos de:
4) A condenação solidária de todos os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 135.000,00 de indemnização;
5) A condenação solidária de todos os Réus no pagamento à Autora de todas as despesas que esta tiver de suportar com esta acção;
6) A condenação solidária de todos os Réus a pagarem à Autora todas as quantias que a Autora sofrer após entrada desta acção e cujo pedido não esteja abrangido nos pedidos anteriores, até sentença final transitada em julgado e a liquidar em execução de sentença.
Julgando-se verificada essa competência.

Custas, na primeira instância, pelo vencido a final e, no recurso, pela apelada Federação Portuguesa de Golfe.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2012

Farinha Alves
Ezagüy Martins
Maria José Mouro

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/22722246eb6026608025799c003f3adb?OpenDocument

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