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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL ADVOGADO - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 30-01-2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
436/10.9TABRG
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL
ADVOGADO

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 30-01-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: QUEBRA DE SIGILO PROFDISSIONAL
Decisão: CONCEDIDA

Sumário: I) A quebra do sigilo profissional impõe uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do sigilo profissional deve ou não ceder perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça penal.
II) No caso dos autos, estando em causa a apreciação de um eventual crime de falsificação de documento cuja gravidade é manifesta, tendo por objecto uma procuração forense junta a um processo judicial, mostrando-se essencial para o apuramento da verdade material dos factos o depoimento da pessoa (advogado) a favor de quem a procuração foi conferida por forma a esclarecer as circunstâncias em que a mesma foi outorgada, não se descortina que outra diligência possa substituí-lo.
IV) Deste modo, patenteia-se uma situação excepcional onde os interesses da administração de justiça se devem salvaguardar através de um meio anormal: a violação do segredo profissional.


Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório
No âmbito dos autos de inquérito com o n.º 436/10.9TABRG, a correr termos pela 1ª Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de Braga, pretendeu o Ministério Público tomar depoimento, como testemunha, ao Sr. Dr. Carlos P..., advogado, o qual se escusou a fazê-lo, afirmando que «atentas as relações profissionais estabelecidas com os intervenientes, na qualidade de advogado, não está dispensado do dever de sigilo profissional».
A Ordem dos Advogados emitiu parecer onde concluiu que «deverá ser julgada legítima a posição manifestada pelo Senhor Dr. Carlos P... de recusa em prestar depoimento» e que «[t]al legitimidade resulta de não existir fundamento para a dispensa ou quebra da obrigação de segredo profissional que impende sobre o referido advogado».
Em virtude de tal recusa o Ministério Público promoveu que suscitasse perante este Tribunal da Relação a quebra do sigilo profissional e fosse ordenada a prestação de depoimento por parte do Sr. Dr. Carlos P....
O Senhor Juiz afirmou a legitimidade da escusa e suscitou a intervenção deste Tribunal da Relação, nos termos do artigo 135.º, n.º 3 do CPP, em ordem à resolução do incidente de levantamento de sigilo profissional de advogado.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que a quebra do dever de sigilo profissional se justifica integralmente.
Colhidos os vistos, após conferência, cumpre decidir.
*
II - Fundamentação
Sob a epígrafe “segredo profissional” prevê o n.º 1 do artigo 135.º do Código de Processo Penal que os advogados podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
O n.º 3 do citado artigo estabelece uma fase do incidente que surge quando a autoridade judiciária pretende que, dado o interesse da investigação, se quebre o segredo profissional, caso em que a decisão sobre o rompimento do segredo é da competência do tribunal superior àquele em que se suscita o incidente.
Sendo possível a quebra do segredo mediante incidente em que se afira do interesse preponderante ou prevalecente: “(...) sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos” – n.º 3 do citado artigo 135.º.
Significa isto que o dever de segredo profissional não é um dever absoluto, isto é, não prevalece sempre sobre qualquer outro dever que com ele entre em conflito.
A propósito do segredo profissional do advogado, dispõe o artigo 87.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/05, de 26 de Janeiro, que “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos serviços”, designadamente nos casos elencados nas alínea a) a f).
Daqui decorre, pois, que o advogado está legalmente obrigado a segredo profissional no que respeita a factos conhecidos no exercício das suas funções, seja qual for a origem da fonte.
O dever de sigilo do advogado tem subjacente manifestas razões de natureza pública porquanto a rigorosa tutela a que se acha submetido tem apenas por base um interesse social e não o interesse dos profissionais que recebem confidências, nem o interesse daqueles que revelam as suas confidências, correspondendo a sua preservação ainda a uma exigência de protecção da privacidade do defensor, dos seus demais clientes, e por via disso, da própria liberdade do exercício da profissão( - Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 28/3/2007, in www.dgsi.pt/jtrc.).
No fundo, o bem jurídico que ilumina a tutela do segredo profissional é a necessidade social da confiança em certas profissões.
Como se afirmou no Parecer n.º 110/566, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, “ o exercício de certas profissões, como o funcionamento de determinados serviços, exige ou pressupõe pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham de recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica.
Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância colectiva, porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar, é intuitivo que a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis actividades, um alto interesse público.”( - BMJ, n.º 67, pág. 294.).
Por sua vez, o dever de colaboração com a administração da justiça visa satisfazer o interesse público do jus puniendi, mais concretamente, a realização de diligências de prova que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, sob a égide do princípio da descoberta da verdade material e, assim, do interesse da boa administração da justiça penal.
A quebra do sigilo profissional impõe uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do sigilo profissional deve ou não ceder perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça penal.
Tal ponderação deve partir do circunstancialismo em causa, designadamente dos factos concretos cuja revelação se pretende de modo a garantir que, no quadro de uma crise de valores conflituantes, prevaleçam aqueles a que Constituição e a Lei reconheçam prioridade.
Para o efeito, a resolução de tal conflito passa “pela avaliação da diferente natureza e relevância dos bens jurídicos tutelados por aqueles deveres, segundo um critério de proporcionalidade na restrição, na medida do necessário, de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, como impõe o n.º 2 do art. 18.º, da Constituição, e tendo em consideração do caso concreto.”( - Cfr. Acórdão do STJ de 21/4/2005, in CJ, ACSTJ, Ano XIII, Tomo II, pág. 186.).
Apesar de o segredo profissional do advogado não estar consagrado como um dever absoluto, não deve ser adoptada uma posição maximalista, segundo a qual o dever de cooperação com a justiça prevalece sempre em todo e qualquer caso.
A resolução do problema deverá se encontrada com base na aplicação dos critérios que, no caso concreto, sejam idóneos para determinar o peso relativo das representações valorativas dos deveres em conflito. Ou seja, a prevalência do segredo ou do dever de cooperação com a justiça dependerá da conclusão a que, em concreto, se chegar quanto ao interesse dominante( - Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 18/2/2009, in www.dgsi.pt.jtrc.).
No caso dos autos, o objecto do inquérito prende-se com a denúncia apresentada por Albina da Silva e Castro de Sampaio Rebelo, a qual referiu que desconhecidos outorgaram, em seu nome, uma procuração forense ao Sr. Dr. Carlos P... para representação no âmbito do Processo n.º 2967/08.1TBBRG, a correr termos na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, com reconhecimento presencial da assinatura efectuado pelo mandatário, na sequência do que teve início uma investigação por eventual crime de falsificação de documento.
Numa perspectiva de ponderação dos interesses conflituantes, ou seja, entre, por um lado, os interesses prosseguidos com o estabelecimento do apontado dever de sigilo – de tutela da confiança do cliente no mandato outorgado ao seu advogado e da própria dimensão social que a profissão tem imanente – e, por outro, o interesse comunitário na boa administração da justiça penal, este será um dos casos em que este último deve prevalecer.
Na verdade, está em causa a apreciação de um eventual crime de falsificação de documento cuja gravidade é manifesta, tendo por objecto uma procuração forense junta a um processo judicial, mostrando-se essencial para o apuramento da verdade material dos factos o depoimento da pessoa (advogado) a favor de quem tal procuração foi conferida por forma a esclarecer as circunstâncias em que a mesma foi outorgada, não se descortinando que outra diligência possa substituí-lo.
Deste modo, patenteia-se uma situação excepcional onde os interesses da administração de justiça se devem salvaguardar através de um meio anormal: a violação do segredo profissional.
Nesta dimensão, justifica-se que, excepcionalmente, cesse o dever de sigilo profissional do Sr. Advogado e se abra caminho a uma colaboração na descoberta da verdade material, única forma de se fazer a justiça que o caso concreto impõe.
Conclui-se, portanto, que, no caso em apreço, na operação de moderação dos interesses em jogo, deve determinar-se a quebra do sigilo invocado.
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III - Dispositivo
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em conceder a pretendida quebra de sigilo profissional e, consequentemente, determinar que o Sr. Dr. Carlos P... preste depoimento como testemunha no âmbito dos autos de inquérito n.º 436/10.9TABRG, a correr termos pela 1ª Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de Braga.
*
Sem tributação.
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Guimarães, 30 de Janeiro de 2012

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ba0401c32b5178178025799c0037bbe7?OpenDocument

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