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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 17-01-2012


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
165/11.6TBACN-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
ÓNUS DA PROVA
INDEFERIMENTO LIMINAR

Data do Acordão: 17-01-2012
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: N.º 1 DO ART. 238º E ART.º 238º, N.º 1 DO CIRE

Sumário: I. Conforme vem constituindo entendimento maioritário na jurisprudência, no processo de insolvência, sobre o devedor que pretende a exoneração do passivo restante não impende o ónus da prova da não verificação dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 238º do CIRE, não se podendo concluir, sem mais, que do mero atraso na apresentação à insolvência advieram prejuízos para os credores.
II. Os factos integrantes dos fundamentos do “indeferimento liminar” previsto no art.º 238º, n.º 1, do CIRE, têm natureza impeditiva da pretensão de exoneração do passivo restante formulada pelo insolvente, pelo que, face ao disposto no artigo 342º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, o respectivo ónus de prova impende sobre os credores e o administrador da insolvência.


Decisão Texto Integral: I. Relatório
No processo n.º 165/11.6TBACN, que corre termos no Tribunal Judicial de Alcanena, foi requerida por A..., a insolvência de B... e esposa C..., com os fundamentos que constam da petição certificada nesta autos a fls.25 e seguintes.
Por sentença proferida em 19.05.2011, foi decretada a insolvência dos requeridos. (fls. 116 a 118)
Os insolventes vieram requerer a exoneração do passivo, restante, nos termos do disposto nos art.ºs 235.º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa/CIRE[1], alegando que reúnem todos os requisitos para tal declaração e “disponibilizando-se para satisfazerem os demais pressupostos que lhes forem impostos”. (fls. 93)
Foi proferido despacho liminar (fls. 2 a 6), foi indeferida a pretensão dos requerentes/insolventes, com os seguintes fundamentos:
«[…] Os insolventes não se apresentaram à insolvência pelo que, pelo menos, neste particular, o comportamento causa prejuízo aos credores quando existem dívidas vencidas em que o decurso do tempo implica o sucessivo vencimento de juros de mora, assim levando ao crescimento do valor das dívidas.

As dívidas contraídas ascendem a mais de € 253.000,00 segundo mapa apresentado no relatório do sr administrador .

A maioria delas foram-no para financiamento próprio dos devedores, e perante escassíssimo o rendimento por eles auferido (já em 2007 a 2009 que declararam subsistir com dificuldade) qualquer pessoa no seu lugar, minimamente consciente e atenta à realidade da vida, teria, desde há muito, tomado consciência da inexistência de perspectiva séria de melhoria da sua situação económica. Acresce que o insolvente marido está desempregado tendo representado uma empresa que já não labora.

Estes elementos apurados reconduzem-nos às exigências da alínea a) e c) do artigo 238 do CIRE já que se mostra inequívoco que os insolventes não se apresentaram à insolvência seis meses após verificarem que não poderiam suportar as prestações mensais, facto ao qual não podiam ser alheios no seu contexto económico. […]

Os requisitos a que alude o artigo 238 do CIRE não se encontram preenchidos pelo que, do comportamento dos insolventes, se não justifica a concessão da “exoneração do passivo restante”, indeferindo-se liminarmente tal pretensão. […]»
Não se conformando, aos requeridos interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações onde formulam as seguintes conclusões:
1- Os recorrentes não se apresentaram à insolvência, mas a ela não deduziram oposição atenta a insuficiência do activo para satisfazer todos os seus compromissos vencidos e vincendos.
2- Os recorrentes indicaram os seus credores e os montantes em divida,
3- O Tribunal a quo indeferiu o pedido de exoneração do passivo, fundamentalmente por constatar que os recorrentes não se apresentaram à insolvência.
4- Nomeadamente, por há mais de 6 meses que não cumpriam as suas obrigações, que resultaram de impossibilidade ditada pela sua incapacidade de solvência,
5- Tal omissão causou prejuízo aos credores com o sucessivo vencimento de juros de mora, levando ao crescimento do valor das dividas.
6- As dividas contraídas ascenderam a mais de € 253.000,00.
7- Os insolventes deveriam ter tomado, em data muito anterior, consciência da inexistência de perspectiva seria de melhoria da sua situação económica,
8- Os insolventes não poderiam ser alheios ao facto de que não poderiam suportar as prestações mensais, atento o seu contexto económico.
9- Os insolventes discordam de tal decisão,
10- Desde logo, porquanto, a previsão do artigo 238°, no1, alínea d) do CIRE impõe dois requisitos cumulativos a saber: O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica
11- Do texto da Lei verifica-se a necessidade de verificação de violação do prazo de 6 meses para apresentação à insolvência, que daí tenha advindo prejuízo para os credores e ainda o conhecimento de não existir uma perspectiva séria de melhoria da situação económica.
12- Na douta sentença não se esclarece quando se deu a situação de insolvência apresentada,
13- A existência de processos executivos datados de Fevereiro e Abril de 2011, ou incumprimentos contratuais anteriores, não permite desde logo ajuizar da verificação de insolvência desde tal data.
14- Admitindo-se a hipótese de que a insolvência remontasse à data dos incumprimentos contratuais, a verdade é que, o artigo 238°, nº 1 al. d) do CIRE exige ainda a verificação de prejuízo para os credores.
15- Os insolventes contraíram dividas junto da Banca para financiamento próprio,
16- Se se atentar para a documentação junta aos autos, todos os créditos foram contraídos em data muito anterior à requerida insolvência, e
17- Desde que se verificaram os primeiros incumprimentos, os insolventes e recorrentes não contraíram qualquer outro crédito,
18- Não prejudicando assim qualquer outro credor.
19- Desde então não foi contraída qualquer outra divida.
20- Nada consta dos autos e nada ocorreu depois, tanto quanto revele o processo, além da passagem do tempo e da contagem dos juros, que tivesse agravado a divida existente nessa altura.
21- A exigência de apresentação dos recorrentes à insolvência no prazo de 6 meses tem a ver com a necessidade de evitar o agravamento do passivo e facilitar o ressarcimento dos credores.
22- Nos termos da lei, ocorrerá prejuízo para os credores, resultante da não apresentação atempada à insolvência, se de tal omissão resultar um agravamento do passivo.
23- Verifica-se que as dividas dos insolventes foram geradas no âmbito de financiamentos para a sua actividade,
24- Desde que se iniciaram os primeiros incumprimentos, os requerentes não contraíram mais dividas,
25- Ora os factos constante dos autos, não permitem apontar qualquer diferença entre 2009 ou 2010 e 2011, a não ser quanto ao aumento de juros.
26- O eventual prejuízo dos credores circunscreve-se à questão dos juros.
27- Juros esses que correm, quer haja ou não apresentação à insolvência, pois só deixam de se vencer com o pagamento.
28- Não existindo nos autos, qualquer elemento que permita concluir que os credores não receberam em virtude do dinheiro disponível ter sido utilizado para pagar juros,
29- Não se pode concluir, pela existência concreta e real de um prejuízo efectivo para os credores.
30- E nem mesmo sobre os insolventes, incide o ónus da prova da não verificação do prejuízo para os credores,
31- Face à redacção da lei, que comina com indeferimento o pedido de exoneração do passivo, com fundamento na não apresentação à insolvência por parte do devedor, desde que resulte do atraso um prejuízo para os credores, afigura-se que esta factualidade constitui um facto impeditivo do direito, pois a lei só exige ao devedor, a formulação do pedido de exoneração.
32- Como facto impeditivo que é, a ausência de prova, sobre se há ou não o apontado prejuízo, não pode implicar o indeferimento do pedido.
33- O processo não permite concluir que existiu um prejuízo concreto para alguns dos credores pelo facto dos recorrentes não se terem apresentado a pedir a sua insolvência no prazo de seis meses após o conhecimento da entrada dos processos executivos a que alude a sentença agora posta em crise.
34- Quanto à questão suscitada no despacho de não se vislumbrar, que a curto prazo exista alguma perspectiva séria de melhoria da sua situação económica,
35- Considerando os insolventes ser tal facto, secundário, por não se verificar preenchido o requisito, anterior,
36- A alegada inexistência de rendimento disponível no momento em que é proferido o despacho judicial, previsto no artigo 239° do CIRE, não constitui fundamento, só por si, para se indeferir o pedido de exoneração do passivo restante,
37- Sendo meramente especulativo tudo o que se disser quanto à previsibilidade ou não de melhoria da situação económica dos insolvente, já que dos autos nada resulta quanto a tal situação.
38- A exoneração do passivo tem como contrapartida a cessão do rendimento disponível do devedor, a inexistência de rendimento disponível no momento em que é proferido o despacho inicial, não constitui fundamento, só por si, para se indeferir o pedido de exoneração do passivo restante.
39- Pelo que, sempre se deveria ter decidido por dar continuidade ao pedido de exoneração formulado,
40- O prejuízo para os credores, a que alude a al, d), do nº l, do artigo 238°, do CIRE, resultante da não apresentação do devedor em juízo após terem passado mais de seis meses sobre o conhecimento da sua própria insolvência, não decorre automaticamente da passagem do tempo e vencimento de juros, tratando-se antes de um prejuízo concreto, a demonstrar a partir de factos já apurados no processo.
41- O que não se verificou, pelo que, violou a douta sentença os artigos 235°, 236°, 237º e 238° do CIRE
42- Em conclusão, os recorrentes, tiveram um comportamento, anterior ou actual, pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita à sua situação económica, e os deveres associados ao processo de insolvência, tornando-se assim merecedores de ‘nova oportunidade’.
Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do CPC, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso – art. 660.º, n.º 2 do CPC), consubstancia-se numa única questão: saber se estão reunidos os requisitos de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes.

2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante sintetizada na sentença:
1. Em 23.12.2009, os insolventes deixaram de cumprir o pagamento das prestações de € 237,22 ao credor D...;
2. O contrato foi resolvido em 28.05.2010;
3. O credito hipotecário assumido com o credor Caixa E... iniciou incumprimento em 21.05.2010;
4. Esta credora em 27.10.2010 foi citada no âmbito da execução fiscal que correu seus termos contra os aqui insolventes;
5. Outros créditos concedidos através de livranças registaram incumprimento em 30.09.2010, 25.01.2011 e 18.01.2011;
6. A credora Caixa E... instaurou execução em 07.04.2011;
7. O crédito referente ao Credor F... SA quanto ao credito pessoal e de locação de financeira registaram incumprimento, respectivamente, em 30.12.2009 e 15.10.2009 sendo que quanto ao primeiro foi instaurada execução em 09.02.2011;
8. A credora Segurança Social prestou a informação de fls. 194 referindo que o acordo de pagamento de prestações em atraso foi incumprido em Março de 2011.
9. Consta, nomeadamente, do relatório do srº administrador da insolvência: “… em 2007 a 2009, a actividade do insolvente era rentável, no entanto fazendo fé nas informações colhidas junto do mesmo, a realidade era bem diferente porque só com muito sacrifício conseguia subsistir (…)”.
10. Mais consta do referido relatório:
“… na presente data os meios de subsistência provêm de pequenos ‘biscates’ feitos pelo insolvente, nomeadamente no sector da construção civil, e da reforma de invalidez da insolvente, a qual lhe foi concedida face à doença do foro oncológico de que é portadora, tendo inclusive sido operada duas vezes à tiróide, o que a obriga a consultas frequentes no IPO de Lisboa e Hospital Egas Moniz.
Com todo este cenário, a probabilidade dos insolventes virem, em tempo útil, a honrar as suas responsabilidades para com terceiros é diminuta, embora tudo fosse feito para que tal acontecesse, como fez questão de salientar o insolvente, acrescentando que ‘são pobres mas honestos’…”. (fls. 52 e 53 dos autos)
11. A insolvência foi requerida em 11.04.2011.
12. Apenas o credor F..., SA se opôs ao deferimento liminar da pretensão tendo o credor Segurança Social manifestado a sua anuência e não tendo sido manifestada qualquer oposição pelo Administrador da Insolvência[2].

3. Fundamentos de direito
Na decisão recorrida invoca-se como fundamento do indeferimento liminar as alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, nestes termos: “Estes elementos apurados reconduzem-nos às exigências da alínea a) e c) do artigo 238 do CIRE já que se mostra inequívoco que os insolventes não se apresentaram à insolvência seis meses após verificarem que não poderiam suportar as prestações mensais, facto ao qual não podiam ser alheios no seu contexto económico. […]”.
Verifica-se, salvo o devido respeito, manifesto lapso na indicação das normas em causa, dado que a alínea c) se refere ao facto de o devedor ter beneficiado da exoneração do passivo restante nos dez anos anteriores.
A fundamentação jurídica da decisão (integração dos factos na previsão legal normativa), reconduz-se assim à alínea d) do n.º 1 do citado artigo 238.º do CIRE.
Dispõe a norma em apreço:
«1 - O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:
[…] d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;
Vejamos se está presente o pressuposto enunciado na alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE.
Refere Luís M. Martins[3]: «Mesmo que se entenda que a situação de insolvência existe há mais de seis meses, tal não determina, por si só, o indeferimento liminar, pois terá sempre de ser provado, de forma cumulativa, que esse atraso prejudicou os interesses dos credores (…) e que os insolventes sabiam, ou não podiam ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspectiva de melhoria da situação económica.»
Para o autor citado, a lei exige a “efectiva constatação de existência de prejuízo (relevante) para os credores”, bem como a imputação directa de tal prejuízo ao atraso na apresentação à insolvência.
No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 21.10.2010[4], cujo sumário se transcreve parcialmente: «2. Do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediatamente que daí advieram prejuízos para os credores. 3. O devedor não tem que fazer prova dos requisitos previstos no nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.»
Recusando a tese de que o “prejuízo” a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE se pode traduzir nos juros moratórios, refere-se na fundamentação do acórdão citado:

«[…] actualmente e em face do regime estabelecido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os créditos continuam a vencer juros após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta apresentação nunca ocasionaria qualquer prejuízo aos credores.

Dito doutro modo: se no regime anterior, estabelecido no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência se podia pôr a hipótese de quanto mais tarde o devedor se apresentasse à insolvência, mais tarde cessaria a contagem de juros, com o consequente aumento do volume da dívida, no regime actual, que se aplica ao presente processo, tal hipótese não tem cabimento, uma vez que os credores continuam a ter direito ao juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da divida.»
Sobre o requisito enunciado (prejuízo para os credores), verifica-se alguma divergência na jurisprudência dos tribunais superiores, havendo quem defenda que esse prejuízo se presume judicialmente já que o decurso do tempo resultante do incumprimento do dever ou do ónus de apresentação atempada à insolvência importa sempre atraso na cobrança dos créditos e, face ao vencimento de juros, o avolumar dos mesmos créditos, com o consequente aumento do passivo dos devedores[5].
No entanto, a posição sustentada no acórdão do STJ citado, tem conquistado uma adesão jurisprudencial quase pacífica nos últimos arestos publicados, nomeadamente nesta Relação[6].
Aderindo a esta posição jurisprudencial, entendemos que nenhuma prova há nos autos que permita concluir pela verificação da previsão legal enunciada na alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, assistindo razão aos recorrentes.
Refira-se, por outro lado, que, conforme tem sido entendimento pacífico nesta Relação, os factos integrantes dos fundamentos do “indeferimento liminar” previsto no art.º 238º, n.º 1, do CIRE, têm natureza impeditiva da pretensão de exoneração do passivo restante formulada pelo insolvente; daí que, atento o preceituado no art.º 342º, n.ºs 1 e 2, do CC, o respectivo ónus de prova impenda sobre os credores e o administrador da insolvência.
Ora, o único credor - F..., SA – que se opôs ao deferimento liminar da pretensão, nada alega ou prova no sentido da verificação do “prejuízo” exigido na alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, sendo certo que o credor Segurança Social manifestou a sua anuência, não tendo sido manifestada qualquer oposição pelo Administrador da Insolvência, que expressamente fez consignar no seu relatório afirmações de onde se conclui que considera que os insolventes tiveram uma conduta “honesta”: e que, apesar das dificuldades, decorrentes nomeadamente da doença do foro oncológico da insolvente, tudo fizeram para cumprir os seus encargos:

“… na presente data os meios de subsistência provêm de pequenos ‘biscates’ feitos pelo insolvente, nomeadamente no sector da construção civil, e da reforma de invalidez da insolvente, a qual lhe foi concedida face à doença do foro oncológico de que é portadora, tendo inclusive sido operada duas vezes à tiróide, o que a obriga a consultas frequentes no IPO de Lisboa e Hospital Egas Moniz.

Com todo este cenário, a probabilidade dos insolventes virem, em tempo útil, a honrar as suas responsabilidades para com terceiros é diminuta, embora tudo fosse feito para que tal acontecesse, como fez questão de salientar o insolvente, acrescentando que ‘são pobres mas honestos’…”. (fls. 52 e 53 dos autos)
Perante a factualidade descrita, concluímos, salvo o devido respeito, que não se verificam os fundamentos integradores da previsão legal invocada no douto despacho recorrido, pelo que a mesma deve ser revogado e substituído por outro, que determine

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, decide-se julgar procedente o recurso, ao qual se concede provimento, revogando-se em consequência o despacho recorrido, devendo prosseguir o incidente de exoneração do passivo restante com a prolação do despacho a que se refere o art.º 239º do CIRE, se a tanto outra causa não obstar.
Sem custas.
*

Carlos Querido (Relator)


[1] Aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3, diploma a que respeitam os normativos adiante citados sem menção da origem.
[2] No seu relatório (fls. 52), o Administrador afirma que “tudo foi feito” pelos insolventes com vista ao pagamento dos créditos, depreendendo-se do mesmo relatório que concorda com a afirmação de que os insolventes são ‘pobres mas honestos’.
[3] Recuperação de Pessoas Singulares, Vol. I., 2011, Almedina, págs. 42 e 43.
[4] Proferido no Processo n.º 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1., acessível em http://www.dgsi.pt
[5] A título de ~///exemplo, veja-se o acórdão desta Relação, de 7.09.2010, proferido no Processo n.º 72/10.0TBSEI-D.C1, acessível em http://www.dgsi.pt

[6] Nesse sentido, vejam-se os seguintes arestos da Relação de Coimbra: Acórdão de 07-06-2011, proferido no Processo n.º 460/10.1TBESP.C1; Acórdão de 10.05.2011, proferido no Processo n.º 883/10.6T2AVR-E.C1; Acórdão de 12-04-2011, proferido no Processo n.º 885/10.2T2AVR.C1; Acórdão de 23.11.2010, proferido no Processo n.º 1293/09.3TBTMR-A.C1; Acórdão 8672/10.1TCLRS-C.C1, por nós subscrito na qualidade de adjunto; Decisão singular nossa, de 12.06.2011, proferida no Processo n.º Processo n.º 142/11.7T2AVR-C.C1.

Ainda no mesmo sentido, vejam-se os seguintes arestos: da Relação de Lisboa, acórdão de 14.05.20009, proferido no Processo n.º 2538/07.0TBBRR.L1-2; da relação do Porto, acórdão de 11.01.2010, proferido no Processo n.º 347/08.8TBVCD-D.P1; e acórdão de 19.05.2010, proferido no Processo n.º 1634/09.3TBGDM-B.P1.


http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/61074aae6b94044780257995003b5374?OpenDocument

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