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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

INJÚRIA AGENTE DA AUTORIDADE AUTO DE NOTÍCIA QUEIXA - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 18/01/2012


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
45/10.2GDCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: INJÚRIA
AGENTE DA AUTORIDADE
AUTO DE NOTÍCIA
QUEIXA

Data do Acordão: 18-01-2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA COVILHÃ
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 49º E 243º CPP

Sumário: 1.- O auto de notícia lavrado, por imposição legal e no exercício das funções pelos agentes de autoridade relatando facto injurioso de que foram alvo, só por si não revela uma manifestação inequívoca de que desejam procedimento criminal.
2.- Inexistindo qualquer declaração dos ofendidos onde refiram que consideram essas palavras ofensivas à sua honra e consideração, ou declaração de que desejam procedimento criminal, por tais factos, contra a arguida, ou que desejam que lhes seja atribuída uma indemnização pelos danos morais de que foram vítimas, não tem o Mº Pº legitimidade para promover o processo.


Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida contra a arguida:
A..., desempregada, residente na …, Covilhã,
Sendo decidido:
a) Condenar a arguida pela prática de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181, n.º 1 e 184 do CP, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de 5,00 € (euros) para cada um;
b) Condenar, em cúmulo jurídico, a arguida, na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa à razão diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o montante global de 700,00 € (setecentos euros); e
c) Condenar a arguida a pagar ao demandante B... o montante de 325,00 € (trezentos e vinte e cinco euros); e
d) Absolver a arguida quanto ao demais peticionado.
***
Inconformada interpôs recurso a arguida.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação dos recursos, que delimitam o objecto do mesmo:
1- O Tribunal «a quo» não apreciou correctamente os factos pelo que não aplicou adequadamente o direito;
2- Deve declarar-se nula a audiência de discussão e julgamento, uma vez que as declarações da arguida na gravação áudio se mostram em muitos momentos completamente imperceptíveis e sempre muito pouco perceptíveis, sendo que esse depoimento seria essencial para a prova da verdade material.
3- Tais deficiências, por razões alheias à ora recorrente, influenciam o exame da decisão da causa, pois impossibilitam não só a recorrente de estruturar o seu recurso a apreciação dos meios de prova, conforme dispõe o art. 412 n° 6 CPP.
4- Apenas com a consulta dos autos, designadamente da acta de julgamento, se pode aferir no despacho do Mmº Juiz a quo, que tal audiência terminou em face do pedido de escusa apresentado pela ilustre defensora oficiosa nomeada para o acto e sendo "patente das declarações da arguida e da forma como as mesmas foram prestadas, que a mesma padecerá de algum problema de saúde que me leva, desde já, a considerar importante, nomeadamente para aferir a questão de inimputabilidade da arguida, uma perícia sobre o estado psíquico da mesma". Acrescentando que a efectivação "de tal perícia exige a realização de uma diligência que previsivelmente não será possível realizar no prazo previsto no art.387, nº 2 al.b) do CPP".
5-A arguida foi submetida a novo julgamento nos termos do processo comum, sendo certo que nenhuma alusão a esse elemento de prova requerida - perícia - foi feita, quer no sentido da sua valoração ou não valoração na decisão proferida.
6- Sendo os ofendidos agentes da GNR, em exercício de funções, ocorrendo os factos por causa delas, para que fosse exercido o procedimento criminal por crime semi-público - o de injúria agravado -, tornava-se necessário que cada um dos ofendidos, explicitasse ou manifestasse de forma inequívoca a vontade de que pelos factos integrantes de tal crime desejava procedimento criminal, ou seja, que não houvesse dúvidas de que a vontade de cada ofendido era a prossecução da acção penal por esses factos criminais de natureza semi-pública - art° 243 n° 3 do CPP.
7- No entanto não foi isso que aconteceu nos presentes autos.
8- Apesar de o referido auto de notícia se encontrar assinado pelos autuantes/participantes e dele constarem os factos vazados na matéria de facto provada referentes ao crime de injúria agravado, não consta do mesmo auto qualquer manifestação inequívoca de que os ofendidos que mais não são que os autuante ou participantes, subscritores do auto, desejassem procedimento criminal pelo crime de injúria agravado.
9-Não consta que fosse feita queixa por tal crime, quer no auto de notícia (onde os próprios autuantes a podia explicitar no que lhes dizia respeito), quer posteriormente, durante o inquérito, sendo certo que apesar de o auto de notícia englobar todos os factos relatados, no enquadramento da ocorrência, apenas se assinalou quanto à tipificação: injúrias aos agentes de autoridade e no modus operandi: totalmente exaltada e em voz alta dirige-se á patrulha proferindo as alegadas expressões.
10-A injúria a agente de autoridade no exercício das respectivas funções, ou por causa delas, não integra ipso facto um crime de natureza pública, mas sim um crime de natureza semi-pública, em que o agente de autoridade ofendido, se desejar procedimento criminal tem de manifestar de forma inequívoca tal vontade na denúncia desse crime.
11- O facto de a injúria ter por destinatário agente de autoridade no exercício dessas funções, ou, por causa delas, apenas agrava a ilicitude, não a natureza desta, que é sempre semi-pública.
12-Inexistindo no auto de notícia, nem posteriormente, por qualquer dos agentes de autoridade ofendidos, manifestação inequívoca de vontade de procedimento criminal quanto aos crimes de injúria agravada, não pode a mesma presumir-se, e, por conseguinte, não assumindo tal crime natureza pública, não tem o Ministério Público legitimidade para acusar, por tal crime.
13- A dou ta sentença recorrida ao condenar a arguida pela prática de dois crimes de injúria agravados, sem que os Senhores Agentes manifestassem a vontade de instaurar o respectivo procedimento criminal violou os artigos 181 e 184 do CP.
14- A douta sentença não reproduz fielmente a prova produzida na Audiência de Discussão e Julgamento para que tal manifestação de vontade se mostrasse devidamente provada.
15-Com efeito, encontra-se erradamente julgado o ponto 4 da matéria de facto dada como provada.
16- Através do depoimento da testemunha B... e que se encontra gravado (no CD- 20110531. .. 4322) nas coordenadas 14:47:08 a 14:59: 19 à pergunta do Senhor Procurador «e o Senhor ficou ofendido ou não?», o mesmo respondeu de imediato "fiquei ofendido porque não foi só a mim, porque também foi a instituição",
17-Seguidamente, inquirida a testemunha C... e que se encontra gravado (CD-20110531. .. 4322) nas coordenadas 11:55:25 a 12:11:33 à pergunta do Senhor Procurador «(...) como estamos perante um crime de natureza pessoal, o Senhor ficou ofendido?" ao que o senhor agente respondeu da seguinte forma: "apenas pretendo que seja feita justiça". Provocando de imediato o seguinte comentário do Sr. Procurador: " Depreendo das suas palavras que já não pretende procedimento criminal?", tendo o mesmo agente respondido clara e inequivocamente: "não desejo procedimento criminal contra a Senhora". Tal resposta levou à intervenção do Mmº Juiz “a quo" e só com a sua insistência na mesma pergunta é que o Senhor Agente confirmou que desejava tal procedimento, tendo o Senhor Procurador terminado com a seguinte expressão elucidativa: "pronto já não insisto mais".
18-Dos depoimentos transcritos ambos os Agentes revelaram não se sentirem ofendidos pessoalmente pelas expressões proferidas pela arguida.
19-A falta de prova relativamente à ora Recorrente impõe necessariamente que aquele ponto se dê como não provado como se defende na argumentação expandida supra.
20-As versões da arguida e dos senhores Agentes, como se vê, são opostas, e, nessa medida carecem de corroboração pela prova produzida, tendo o Tribunal fundado a sua convicção apenas nas declarações dos Senhores Agentes, ignorando as declarações da arguida que as contradiz, explicitando que as expressões que usou não foram aquelas e o contexto que foram proferidas, sendo que nenhuma outra prova permite concluir pela culpabilidade da recorrente.
21-A douta sentença padece de erro notório na apreciação da prova, vicio previsto no art.410, 2 al. b) do CPP.
22-O Tribunal «a quo» abstraiu, pois, da prova produzida em audiência e julgamento e criou a sua própria convicção sem fundamentação.
23- Não estão preenchidos os elementos necessários à verificação do crime de injúria agravada da qual a arguida é condenada.
24- A sentença em recurso violou as disposições previstas nos artigos 32, nº 1 da CRP, 363, 410, 181, 184 do CP, porquanto nenhum dos elementos previstos para o crime de injúria agravada se verificaram e a recorrente não cometeu qualquer crime com a sua conduta.
Deve declarar-se nula a Audiência de Julgamento por violação do art. 363 do CPP, e absolver-se a arguida da prática de dois crimes de injúria agravados, p. e p. pelos artigos 181, nº 1 e 184 do CP, e do pedido de indemnização civil julgado parcialmente procedente.
Foi apresentada resposta pelo magistrado do Mº Pº, na qual conclui dever manter-se a sentença recorrida, julgando-se o recurso improcedente.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
***
Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
2.1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
2.1.1. Efectuado o julgamento, provaram-se os seguintes factos:
1.No dia 6 de Maio de 2010, pelas 14:30 horas, na Av. 1º de Maio, em Unhais da Serra, uma patrulha da GNR, composta por B... e C..., ambos a prestar Serviço no Posto Territorial de Unhais da Serra, mandaram parar o veículo automóvel, com a matrícula …, conduzido pela arguida A....
2.Nessas circunstâncias, durante tal operação de fiscalização, a arguida, em tom bastante exaltado, dirigiu aos agentes da GNR acima identificados com as seguintes expressões: “estou farta de ser perseguida”, “vocês os dois são uns guardas de merda, não valem nada e só sabem multar”, “estou farta de pagar multas à merda da GNR”, “os pequenos vão-se revoltar contra vocês GNR como na Grécia” e “se o Salazar fosse vivo vocês os dois não eram GNR, eram da PIDE”.
3.A arguida sabia que B... e C..., que estavam uniformizados, eram agentes da GNR.
4.Com tais expressões, a arguida quis ofender a honra, o bom nome de consideração pessoal e profissional de B... e C..., o que quis e conseguiu.
5.A arguida agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que tal comportamento lhe era proibido e punido pela lei penal como crime.
6.O arguido nasceu a 1.12.1965 e é solteira.
7.Vive em casa própria.
8.Neste momento, não aufere qualquer rendimento mensal.
9.A arguida é licenciada.
10.Tem antecedentes criminais pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º do CP, praticado em 16.01.2009, cuja sentença condenatória remonta a 23.11.2009.
*
2.1.2. Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa, designadamente, que:
a) B... é reconhecido como um cidadão exemplar, com um comportamento cívico, moral e social exemplar.
b) O aludido em 2. constrangeu, deprimiu e vexou B....
*
2.1.3. Fundamentação.
A convicção do tribunal baseou-se na ponderação à luz das regras da experiência do conjunto da prova produzida, nomeadamente:
a) Quanto à materialidade dada como provada constantes da acusação, a mesma resultou do seguinte:
A arguida confirmou que no dia e hora aludido na acusação foi mandada parar por dois soldados da GNR, devidamente uniformizados, para efeitos de fiscalização.
Referiu, porém, que não dirigiu aos mesmos as palavras referidas na acusação e as que proferiu – admitiu que falou em perseguição, da Grécia e da PIDE – não tiveram o enquadramento nem os termos aí aludidos.
Em suma, negou que tenha proferido palavras ofensivas da honra e consideração dos agentes da GNR.
Na audiência de julgamento, ouvimos, sobre a factualidade aludida na acusação, os agentes da GNR B... e C....
B..., após enquadrar espacial e temporalmente os factos, deixando claro que os factos ocorreram na Av. 1º de Maio, em Unhais da Serra e não na rua aludida na acusação, relatou de forma espontânea, notando-se estar a fazer um claro esforço de memória para descrever o que realmente aconteceu e as concretas palavras ditas pela arguida a si e ao colega C..., deixou claro que a arguida, em voz alta e exaltada, lhe dirigiu as expressões que constam da acusação, que relatou, com excepção de “os pequenos vão-se revoltar contra vocês como na Grécia”, pois omitiu qualquer referência espontânea a esta expressão.
C..., por sua vez, enquadrando espacial e temporalmente os factos, de forma coerente e uniforme com o depoimento de B..., deixou claro que a arguida lhes dirigiu as palavras referidas na acusação, o que fez de forma espontânea e rigorosa.
Ambos os agentes da GNR esclareceram a razão de ser da fiscalização realizada à arguida e deixaram claro que se sentiram ofendidos com as palavras ouvidas, quer a nível pessoal, quer a nível profissional, enquanto agentes da GNR.
Nesta conformidade, julgamos tal factualidade provada.
Numa análise muito objectiva e rigorosa, ficamos claramente convencidos de que responde à verdade os depoimentos das testemunhas supra identificadas e, claramente, as declarações da arguida apenas serviram como uma forma de desculpabilizar o seu comportamento, tentando desviar o que efectivamente disse no dia referido na acusação para palavras não ofensivas da honra e consideração dos agentes da GNR.
Não mereceram, portanto, credibilidade tais declarações da arguida, as quais ficaram claramente prejudicadas perante os depoimentos muito frontais, espontâneos e uniformes das testemunhas B... e C....
A forma como as palavras julgadas provadas foram proferidas, nos termos relatados por B... e C..., levam-nos a concluir que a arguida, que sabia que os mesmos eram agentes da GNR e que estavam no exercício das suas funções, pretendeu ofender a honra, o bom nome e a consideração dos mesmos, o que julgamos provado em conformidade.
A factualidade alegada no pedido de indemnização civil julgada não provada resultou da ausência total de prova a seu respeito.
b) A situação pessoal e de vida da arguida resultou das suas declarações.
c) Quanto aos antecedentes criminais da arguida, teve-se em consideração o certificado de registo criminal constante de fls. 135 dos autos.
***
Conhecendo:
A recorrente alega:
- Deficiência da gravação no que respeita às declarações da arguida.
- Que nos autos foi ordenada perícia sobre o estado psíquico da mesma e, depois se fez o julgamento sem qualquer referência positiva, ou negativa, sobre tal perícia.
- Que estamos perante crime de natureza semi-pública e inexiste por parte dos ofendidos apresentação de queixa, donde resultava a ilegitimidade do Mº Pº para acusar.
- Errado julgamento do ponto 4 da matéria de facto.
- Vício do erro notório na apreciação da prova.
- Não preenchimento dos elementos do crime.
***
1-Deficiência da gravação:
Embora não se trate de som de alta fidelidade e haver alguns ruídos (principalmente no primeiro depoimento) dá para entender, perfeitamente, o teor das declarações prestadas pela arguida em qualquer dos depoimentos. Nós conseguimos ouvir e entender.
Gravação deficiente é apenas aquela que não se consegue perceber e entender e não também aquela que é de má qualidade sonora.
Assim que não há qualquer irregularidade a colmatar.
Assim foi entendido na 1ª instância, como se constata do despacho que apreciou a invocada nulidade, ao referir, “tal deficiência do registo da prova não existe”.
Assim, que se tem como inexistente a alegada nulidade, ou irregularidade, com tal fundamento.
2- Natureza dos crimes e necessidade de queixa:
A arguida vem acusada, pelo Magistrado do Mº Pº, pela autoria material e em concurso real de, dois crimes de injuria agravada, p. e p. pelos arts. 181, 184 e 132 nº 2 al. l) do CP.
E, foi condenada pela prática desse tipo de crime.
Ofendidos nos autos são dois agentes da GNR.
Questiona a arguida/recorrente a legitimidade do Mº Pº para deduzir acusação pois entende que se trata de crime semi-público e não foi formulada queixa crime.
Entende o Mº Pº que, apesar de não estar expressamente exarado nos autos o desejo de procedimento criminal contra a arguida, tal desejo mostra-se traduzido, de forma inequívoca na actuação dos agentes ofendidos.
Vejamos:
A questão a decidir incide sobre a existência, ou não de queixa ou participação (art. 188 do CP) e a consequente legitimidade, ou não, do Mº Pº para exercer a acção penal.
Os eventuais ofendidos são os agentes da GNR que elaboraram os autos, de notícia e detenção.
Aí, apenas se faz a narração objectiva dos factos, referindo que “perante tais injúrias aos agentes da autoridade, foi dada ordem de detenção á senhora”.
Inexiste qualquer outra referência ou manifestação de vontade por parte dos ofendidos para além do expediente normal com vista a que a arguida fosse presente em tribunal para ser julgada em processo sumário.
E, não se realizando o julgamento em processo sumário, por no decorrer da audiência se ter mostrado necessário realizar perícia psiquiátrica à arguida, os autos foram remetidos aos serviços do Mº Pº para tramitação sob outra forma processual.
Nenhum acto relevante para a análise desta questão foi praticado até à dedução da acusação, em processo comum e perante tribunal singular, em 9 de Março de 2011.
Apenas em 30 de Março 2011 foi formulado pedido cível de indemnização pelo ofendido B... .
Os factos ocorreram em 6 de Maio de 2010.
Sobre esta matéria refere o Professor Figueiredo Dias in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 675: “No que toca à forma da queixa, tanto o CP como o CPP são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto. O que só é reforçado pelo disposto no art. 49º-3 do CPP, já acima referido. Não se torna necessário, por outro lado, que a queixa seja como tal designada; e é mesmo irrelevante que seja qualificada de outra forma pelo seu autor, v.g., como denúncia, acusação, etc. Tão-pouco é relevante que os factos nela referidos sejam correctamente qualificados do ponto de vista jurídico-penal. Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona”
A queixa consiste numa manifestação de vontade inequívoca de responsabilização criminal do agente a quem se imputa um facto criminoso.
Entendemos que o auto de notícia lavrado por imposição legal e no exercício das funções, só por si não revela uma manifestação inequívoca de que se deseja procedimento criminal.
É o que acontece in casu pois apenas existe o auto de notícia, lavrado por imposição legal.
Era obrigatório para os ofendidos agentes da autoridade fazer a denúncia do crime.
Questão semelhante foi tratada e apreciada no Ac. do STJ de 05-12-2007, proc. 07P3758, aí se referindo que a denúncia é obrigatória, para as entidades policiais, quanto a todos os crimes de que tomarem conhecimento ainda que os agentes do crime não sejam conhecidos, sendo que quando várias pessoas forem obrigadas à denúncia do mesmo crime, a sua apresentação por uma delas dispensa as restantes ( artº 242º nº 1 e 2do CPP).
Nessa altura, eram crimes de denúncia obrigatória, apenas os crimes públicos, uma vez que a denúncia obrigatória não prejudicava o regime dos crimes cujo procedimento dependia de queixa ou de acusação particular (nº 3 do artº 242 do CPP, na redacção anterior à lei 48/2007).
Porém, a actual redacção desse nº 3, redacção dada pela alteração do art. 1 da lei 48/07 diz que, “quando se referir a crime cujo procedimento dependa de queixa ou de acusação particular, a denuncia só dá lugar à instauração de inquérito se a queixa for apresentada no prazo legalmente previsto”.
O que equivale por dizer que para as autoridades policiais a denuncia é obrigatória quanto a todos os crimes de que tomarem conhecimento.
O levantamento, por agentes da GNR, de auto de notícia por detenção, que descreve factos integrantes de crime de que tomaram conhecimento (ofendidos são os participantes), no exercício de funções e por causa delas, e a posterior remessa do auto ao Ministério Público, é (era) legalmente obrigatório, por se referir a factos integrantes de crime, portanto de denúncia obrigatória (artº 243 nº 1 do CPP).
Tendo o auto de notícia natureza obrigatória, tal auto de notícia já não vale, porém, como denúncia de procedimento criminal, se não incluir manifestação inequívoca da vontade do(s) ofendido(s) de procedimento criminal por tal crime, ainda que ofendido seja também o agente que elaborou e assinou esse auto.
Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade judicial, presenciarem qualquer crime, levantam ou mandam levantar auto de notícia, que é obrigatoriamente remetido ao Ministério Público e vale como denúncia (artº 243 nº 1 e 2 do CPP).
No caso inexiste qualquer coisa mais e, revelador da intenção de procedimento criminal contra a arguida. Não há queixa expressa nem implícita, já que no auto de notícia os participantes também ofendidos limitam-se a uma narração objectiva dos factos ocorridos.
Temos o auto de notícia a indicar o facto injurioso, mas sem mais, inexistindo qualquer declaração de qualquer dos ofendidos onde referiram que consideram essas palavras ofensivas à sua honra e consideração, ou, que desejam que lhes seja atribuída uma indemnização pelos danos morais de que foram vítimas e, muito menos, declaração de que desejam procedimento criminal, por tais factos, contra a arguida.
O artigo 49, n.º 1, do Código de Processo Penal estabelece que quando o procedimento depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que estas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.
Nos termos do nº 2 do mesmo preceito, para efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação de a transmitir àquele.
Por força do nº 4 do mesmo preceito, o disposto nos números anteriores, é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender da participação de qualquer autoridade.
A queixa funciona nos crimes de natureza semipública (ou particular) como condição objectiva de procedibilidade e da perseguibilidade penal.
Temos que qualquer dos ofendidos não manifestou de forma inequívoca, o desejo de responsabilização e perseguição criminal da arguida pelos factos por esta praticados.
Isto apesar de não ser necessário utilizar a expressão, “formula sacramental”, “desejo procedimento criminal contra o arguido”.
Indispensável é que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra o agente (eventual) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, página 675, § 1086).
Inexiste algo donde resulte, inequivocamente ou mesmo subentendidamente, que os agentes se sintam vítimas daquelas expressões, contra eles proferidas e que pretendem que por esses factos a acção penal seja exercida.
Não consta que fosse feita queixa e, no auto de notícia (onde os próprios agentes da autoridade a podiam explicitar no que a cada um dizia respeito), que engloba todos os factos relatados, no enquadramento da ocorrência, apenas se assinalou quanto à tipificação, “perante tais injurias aos agentes da autoridade, foi dada ordem de detenção à senhora” e, esta é a única justificação apresentada no auto para a sua elaboração, após a descrição dos factos.
E, o pedido cível formulado foi muito para além do prazo de apresentação de queixa crime.
Nos termos do disposto no art. 255 do CPP e no que respeita à detenção, a que deve proceder a autoridade policial em caso de flagrante delito, tratando-se de crime semi-público, ou seja, tratando-se de crime cujo procedimento dependa de queixa, a detenção só se mantém quando, em acto a ela seguido, o titular do direito respectivo o exercer. Neste caso, a autoridade judiciária ou a entidade policial levantam ou mandam levantar auto em que a queixa fique registada, nº 3 do referido art. 255.
Assim, que nesta parte entendamos merecer provimento o recurso, não tendo o Mº Pº legitimidade para promover o processo.
Falta um pressuposto objectivo de procedibilidade, pelo que deve a arguida ser absolvida dos crimes pelos quais foi condenada, bem como do pedido cível, julgando-se extinta a instância e, arquivados os autos.
E, com esta decisão, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
*
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:
- Julgar procedente o recurso da arguida A... e, em consequência, é revogada a sentença recorrida e a arguida absolvida dos crimes e pedido cível, pelos quais havia sido condenada, julgando-se extinta a instância e arquivando-se os autos.
Sem custas pela recorrente.


Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/e2403b686fdd6e3080257995004000e4?OpenDocument

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