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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL PROGENITORES AUSÊNCIA ÓNUS DA PROVA FUNDO DE GARANTIA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 06-12-2011


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3464/08.0TBAMD.L1-6
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
PROGENITORES
AUSÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
FUNDO DE GARANTIA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06-12-2011
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I – A Lei n.º 75/98, de 19/11, ao instituir o “Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores”, não veio derrogar ou limitar a aplicação do art.º 2004.º do C. Civil, em especial no que respeita à fixação de alimentos devidos a menores.
2 - O art.º 2004º, nº 1, do C. Civil, impõe uma correlação entra as necessidades e as possibilidades, pressupondo o conhecimento dos dois termos da equação: necessidades do alimentando e possibilidades do obrigado. Do mesmo modo que não há fixação de alimentos sem necessidade do alimentando, também não pode haver em caso de falta de possibilidades do obrigado.
3 – Sendo desconhecido o paradeiro do progenitor do menor, ignorando-se, em absoluto, a sua concreta situação socioeconómica, não pode ser fixada prestação de alimentos a seu cargo, no âmbito de ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, sob pena de violação clara do disposto nesse preceito legal.
4- Não compete ao progenitor ausente em parte incerta o ónus da prova de não ter possibilidades económicas para suportar o pagamento dos alimentos.
5 - Não viola o princípio da igualdade, plasmado no art.º 13.º da C. R. P., a sentença que, nessa circunstância, por não fixar pensão de alimentos impede o recurso ao “Fundo de Garantia”.
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

***
I- Relatório:
O Digno Magistrado do Mº Pº, em representação menor A , nascido em 18/11/2002 , intentou ação de regulação do poder paternal contra os seus progenitores , B , residente em parte incerta e com última residência conhecida na … , …… Pontinha, e C , residente na Avenida …, lote ……. , Amadora , alegando que estes não são casados entre si , nunca viveram maritalmente um com o outro, o menor reside com a mãe e não estando os progenitores de acordo sobre a forma do exercício do poder paternal.
Realizada a conferência de pais, na qual não foi possível o acordo, por a ela não ter comparecido o progenitor, citado por éditos, sendo tomadas declarações à progenitora e após realizou-se inquérito sobre a situação económica e social da requerida e situação do menor.
O Digno Magistrado do Mº Pº promoveu a fixação de um regime de exercício do poder paternal com atribuição deste à progenitora, fixação de um regime de visitas e de uma pensão de alimentos, a pagar pelo pai, em valor não inferior a 100,00€ mensais.
Foi subsequentemente proferida sentença que, considerando não ser possível proceder à fixação de quantitativo a título de pensão de alimentos para o menor, por absoluto desconhecimento do paradeiro do progenitor e nomeadamente da situação económica e social do obrigado ao pagamento da pensão de alimentos, e julgando embora a ação procedente, fixou o regime de exercício do poder paternal, confiando o menor à guarda e cuidados da mãe, mas não estabeleceu qualquer prestação de alimentos a efetuar pelo pai a título de pensão de alimentos para aquele.
Desta decisão recorreu o Mº Pº, referindo expressamente circunscrever o objeto do recurso à parte da sentença que, com base no desconhecimento do paradeiro e das condições económico-financeiras do pai do menor, omitira a fixação de uma prestação alimentícia a cargo desse progenitor, formulando as seguintes conclusões:
Conclusões:
1) O presente recurso é circunscrito à parte da sentença que omitiu a fixação de uma prestação alimentícia a cargo do progenitor;
2) Não obstante não ter sido possível avaliar as atuais condições económicas do progenitor, o Tribunal podia e devia ter fixado uma prestação alimentícia a favor do menor, quer porque a situação do alimentando assim o reclama, quer porque não se encontra sequer apurado que o requerido não aufira qualquer rendimento;
3) - Recaindo tal obrigação em primeira linha sobre os progenitores - uma vez que o menor não tem quaisquer possibilidades de prover por si ao seu próprio sustento e satisfação das suas necessidades básicas - e tendo o menor sido confiado aos cuidados da mãe, deveria o Tribunal ter fixado uma prestação alimentícia a cargo do outro progenitor enquanto decorrência mínima das relações de filiação estabelecidas;
4) - O requerido foi citado editalmente neste processo, e, ao invés de comparecer neste Tribunal ou fazer-se representar, "desapareceu" para parte incerta, o que denota bem o seu propósito de se eximir ao pagamento da prestação alimentícia devida ao filho;
5) - A fixação de uma pensão "mínima" ao progenitor não constitui uma "presunção" insuportável para o progenitor, na medida em que o mesmo sempre poderá requerer a Alteração da Regulação do Exercício do Poder Paternal, tratando-se, como se trata, de um processo de jurisdição voluntária;
6) Por outro lado, mesmo em caso de Incumprimento, ou o devedor possui meios suscetíveis de tornar efetiva a prestação de alimentos (caso em que se poderá lançar mão do expediente previsto no art.º189° da Organização Tutelar de Menores ou obter o pagamento das prestações vencidas através da Execução de Alimentos, ao abrigo do disposto no art.º 1118° do Código de Processo Civil) ou, não possuindo bens nem emprego, restará aos menores pugnar pela fixação de uma prestação substitutiva a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos, nos termos conjuntos dos art°s 1°, 2° e 3°, da Lei n.° 75/98 de 19/11 e 1°, 2°, 3° e 4° do Decreto-Lei n.° 164/99, de 13/5;
7) A seguir-se a tese da douta decisão recorrida estaria o menor inibido de recorrer à prestação substitutiva do Fundo de Garantia de Alimentos, uma vez que a Lei n.° 75/98 faz depender a intervenção do Fundo da prévia fixação de uma prestação alimentícia insuscetível de execução;
8) - Tal entendimento contraria frontalmente a filosofia que presidiu à criação do Fundo e constituiria uma gritante violação ao princípio da igualdade perante a lei estabelecido no art.º 13° da Constituição da República Portuguesa, já que potenciaria uma tratamento diferenciado entre menores em idêntica situação de carência, consoante se lograsse ou não averiguar a situação do alimentante.
9) O facto constitutivo essencial do direito a obter alimentos do pai é integrado pela relação de filiação e pela situação de menoridade (..) "cabendo "ao autor o ónus de provar o estado de necessidade e também a relação que vincula o réu a tal prestação. Por outro lado, cabe ao réu o de provar que os meios de que dispõe não permitem realizá-la integral ou mesmo parcialmente ".
10) Ou seja, no caso, era sempre sobre o progenitor que, segundo as regras de distribuição do ónus da prova, recaía o dever de provar que estava em condições de beneficiar da dispensa de prestar alimentos (art.° 2009.º n. ° 3 do CC) e, manifestamente, tal prova não foi feita.
11) Exige-se que o progenitor reúna as condições necessárias a acautelar a sobrevivência dos descendentes, sendo essa, aliás, uma das obrigações inerentes ao exercício do poder paternal (art.º 1878° do Código Civil);
12) Ao não prescrever uma pensão alimentícia devida ao menor por parte do progenitor, a douta decisão recorrida violou o estatuído nos art.°s 1878.°, n.° 1, 1905.º e 2004.º, n.° 1, todos do Código Civil, normas essas que deverão ser interpretadas no sentido da obrigatoriedade da fixação de uma pensão alimentícia ao progenitor não guardião, mesmo nas situações em que se desconhece as condições de vida do alimentante, por este se ter ausentado para parte incerta sem ter cuidado de fornecer ao Tribunal a sua nova morada.
E concluiu pela substituição da decisão recorrida por outra que imponha ao progenitor o pagamento de uma prestação alimentícia relativamente ao filho menor, em montante não inferior a 100,00 €.
***
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Âmbito do Recurso.
Como é sabido o teor das conclusões formuladas pelo recorrente definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1, todos do C. P. Civil.
Assim, a questão essencial a decidir consiste em saber se deve, ou não, ser fixada prestação alimentar ao progenitor ausente em parte incerta, no âmbito da regulação do exercício do poder paternal ( hoje responsabilidades parentais), a favor do filho menor, sendo desconhecida a sua situação económica e social.

III – Fundamentação.
A) Matéria de facto.
A factualidade a atender, fixada na 1.ª instância, é a seguinte:
1- A nasceu em 18 de novembro de 2002 e encontra-se registado como filho de B e de C ;
2- Os progenitores do A não são casados entre si, nem nunca coabitaram um com o outro, tendo mantido entre si uma relação breve e fortuita de que resultou o seu nascimento;
3- O menor vive com a mãe desde que nasceu, coabitando ambos com o atual companheiro daquela e mais dois irmãos uterinos do A , também menores, num apartamento camarário arrendado, de tipologia T2, composto por dois quartos, sala, cozinha e casa de banho;
4- A Requerida “ é o elemento de referência na vida “ do filho, a quem garante e satisfaz todas as necessidades e cuidados básicos, tendo estabelecido com o A “ uma relação muito próxima e de grande afetividade “;
5- A Requerida encontra-se em situação de desemprego prolongado estando a receber a título de R.S.I. a prestação mensal de 73,24 Euros, recebendo ainda, a título de prestação social de abono de família dos três filhos, cerca de € 218,40 mensais;
6- O companheiro da Requerida trabalha como empregado de restaurante auferindo cerca de € 600,00 de ordenado mensal;
7- A Requerida despende mensalmente com renda de casa € 25,00;
8- O A frequenta o 3º ano do Ensino Básico, é uma criança saudável e “ bastante ativa e dinâmica “, mantendo uma relação afetiva forte com um dos irmãos uterinos;
9- O Requerido não visita o A há mais de dois anos e não telefona para se inteirar da vida do filho há mais de um ano estando ausente em parte incerta, provavelmente no estrangeiro, desconhecendo-se qual o seu atual modo de vida, situação pessoal e económica;
10- Na sequência da diligência agendada nos autos para o dia 04/11/2008 foi decidido provisoriamente atribuir a guarda e o exercício do poder paternal do A à Requerida.
***
B) O Direito.
A questão central a decidir na apelação não é nova e não tem merecido unanimidade na jurisprudência, consistindo em saber se, no âmbito de regulação do exercício do poder paternal (atualmente responsabilidades parentais), deve ser fixada prestação de alimentos a cargo do progenitor ausente em parte incerta, em benefício do filho, ainda que se ignore a sua real situação económica e social.
1. Com efeito, na jurisprudência dividiram-se as opiniões quanto à resposta a esta questão, argumentando uns que deverá sempre ser fixada uma prestação alimentar e a forma de os prestar, a cargo de progenitor ausente, independentemente do conhecimento da sua situação económica, sustentando outros que nestes casos, por ser desconhecida em absoluto a situação económica do obrigado, não poderá ser fixada a prestação.
No sentido da fixação obrigatória de prestação de alimentos mesmo quando o obrigado não disponha de qualquer possibilidade económica de a suportar ou por desconhecimento da sua situação económica, com vista à intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, pode ver-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/06/2007, Processo n.º 5797/2007-7, de 28/06/2007, Processo n.º 4572/2007-8, e de 9/11/2010, Processo º 6140/07.8TBAMD.L1-1; os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 27/6/2011, Processo n.º 1574/09.6TMPRT.P1, de 21/6/2011, Processo n.º 1438/08.0TMPRT.P1; os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17/6/2008, Processo nº 230/07, de 28/4/2010, Processo nº 1810/05, de 4/5/2010, Processo nº 1014/08, de 21/6/2011, Processo n.º 11/09.0TBFZZ.C1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15/3/2011, Processo n.º 4481/09.9TBGMR.G1 todos disponíveis em www.dgsi.pt; e mais recentemente se pronunciou o STJ nos seus Acórdãos de 12/7/2011, Processo n.º 4231/09.0TBGMR.G1.S1 e de 27/9/2011, Processo 4393/08.3TBAMD.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj.
O mesmo entendimento parece ser sufragado pelo Professor Remédio Marques ( Algumas Notas Sobre Alimentos ( Devidos a Menores), 2ª ed., pág. 72 ), para quem “os direitos-deveres dos progenitores para com os menores são sempre devidos, independentemente dos seus recursos económicos e dos estado de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção á pessoa e aos interesses do menor, Na nossa opinião, não tem aplicação, nestas eventualidades, o disposto noart.2004.º/1 do CC, de harmonia com o qual, e ao derredor do princípio da proporcionalidade se deve tender às possibilidades e económicas do devedor, para o efeito de fixar a obrigação de alimentos. Donde, faz mister fixar-se sempre uma prestação de alimentos a cargo de um ou de ambos os progenitores, mesmo que estejam desempregados e não tenham meios de subsistência ”.
Em defesa da segunda posição se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 28/10/2003, Processo n.º 0324797, in www.dgsi.pt/jtrp, N.º Convencional JTRP00035548, onde decidiu que “Em processos de regulação do poder paternal e sendo caso de fixação de prestação alimentar a menores, esta não poderá ser fixada se em absoluto se desconhece a condição económica do obrigado”. E no mesmo sentido seguiu o Tribunal da Relação de Lisboa, nos Acórdãos de 18/01/2007, Processo n.º 10081/2007-2, de 4/12/2008, Processo n.º 8155/2008-6, de 17/9/2009, Processo nº 5659/04.7, e de 5/05/2011, Processo n.º 4393/08.3TBAMD.L1-2; todos acessíveis através da consulta do site www.dgsi.pt/jtrl; e o Tribunal da Relação de Évora, no seu Ac. 18/12/1990, BMJ 402/690.
No Ac. de 5/05/2011, do T. R. de Lisboa, citado, entendeu-se:
I – A fixação de uma pensão de alimentos a favor de filho menor do requerido, não pode, no absoluto desconhecimento da situação pessoal deste, ausente em parte incerta, fundamentar-se na consideração de que doutra forma, se coartaria a possibilidade de recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
II – A sentença que, nessa circunstância, não fixa pensão de alimentos, não viola o princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa.
III – Sobre o progenitor requerido não recai o ónus da prova – e ademais estando ausente em parte incerta – de não ter meios que lhe permitam suportar o pagamento de pensão de alimentos.
Há muito que temos vindo a sustentar e a seguir esta corrente ( [1]) e, com o devido respeito, que é muito, por opinião adversa, não vemos razão para alterar tal posição.
Vejamos porquê.
Reza o art.º 1878.º/1, do C. Civil, que “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
E, de acordo com o art.º 1879º do C. Civil, “ Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.
Os alimentos devidos a menores, e no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, têm um conteúdo mais amplo, visto que se não destinam a satisfazer apenas as suas necessidades alimentares, mas abrangendo tudo o que é considerado indispensável ao seu sustento, vestuário, habitação, segurança, saúde, instrução e educação (art.ºs 1878.º/1 e 2003.º/1 e 2 do C. Civil), devendo os pais assegurar essas necessidades, de acordo com as suas possibilidades, e promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (art.º 1885.º do C. Civil).
Como, modelarmente, ensina Vaz Serra, in RLJ 102-262;
“A definição de alimentos não deve ser interpretada à letra.
Se se considerasse que o sustento abrangia apenas as necessidades ligadas à alimentação, e uma vez que as expressões habitação e vestuário têm alcance preciso, ficaria demasiado restrito o âmbito da definição, pois o alimentado pode carecer de mais alguma coisa para viver, como por exemplo, despesas de tratamentos de deslocação e outras. Por conseguinte, parece dever entender-se como alimentos tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado.
Para tal, bastará dar à palavra sustento um significado lato e atribuir caráter exemplificativo ao disposto no nº 1”.
Esta responsabilidade de prover ao sustento dos filhos cabe a ambos os progenitores, no interesse dos filhos, face ao princípio da igualdade inscrito no art.º 36/3 e 5 da C. R. P, e art.º 1878º/1, do C. Civil.
Também no âmbito internacional se afirmam tais deveres (para os pais) e direitos (para os filhos), designadamente no artigo 27.º/2 da Convenção sobre os Direitos da Criança (Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro, publicados no D.R., I Série, de 12 de setembro de 1990) que estabelece caber “primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança” – sublinhado nosso.
E flui igualmente do art.º 2009.º/1, alínea c), do C. Civil, que os pais, na qualidade de ascendentes, estão obrigados a prestar-lhes alimentos, enquanto seus descendentes.
Trata-se da concretização do imperativo constitucional ( artº 36º, nº 5, da C.R.P.): “ Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”.
Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira in “ Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, págs. 565 a 566: “ Quanto ao direito e dever de manutenção, ele envolve especialmente o dever de prover ao sustento dos filhos, dentro das capacidades económicas dos pais, até que eles estejam em condições ( ou tenham obrigação ) de o fazer. Daí o fundamento da obrigação de alimentos por parte do progenitor que não viva com os filhos. O dever de educação e manutenção dos filhos, além de um dever ético-social, é um dever jurídico, nos termos estabelecidos na lei civil ( artsº 1877º e ss. ) e em convenções internacionais ( cfr. Protocolo nº 7 à CEDH, artº 5º )”.
Mas importa considerar o regime estatuído no art.º 2004.º/1, do C. Civil, segundo o qual “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los”. A medida dos alimentos obedece, assim, aos seguintes critérios: necessidade do alimentando; possibilidades do alimentante; e possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Ou, como se referiu o S.T.J. no seu aresto de 7/5/80, B.M.J. n.º 297, pág. 342, “ A medida da prestação alimentar determina-se pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidades do credor, devendo aquelas possibilidades e estas necessidades serem atuais”.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol. V, pág. 581:
“ Simplesmente, todos sabem também, perante as realidades concretas do dia a dia, que situações de necessidade das pessoas, dentro da zona de insuficiência económica a que a lei julga necessário acudir, varia imenso de grau, desde a miséria (ou carência absoluta) até às situações de manifesta insuficiência ou de muita privação. Como ninguém ignora, por outro lado, que as situações de abastança ou de desafogo dos familiares capazes de socorrer o necessitado têm limites, que não podem ser ignorados, sob pena de se criarem privações ou situações de rutura, onde elas normalmente não existiriam.
Muito significativamente, a primeira coordenada que a lei aponta para o cálculo do montante da prestação alimentícia é a dos meios de quem haja de prestá-los, não, obviamente, para permitir o recurso a eles até à exaustão, m as para prescrever, muito mais sensatamente, que os alimentos hão-se ser proporcionados a esses meios.
Não podem, por conseguinte, ser fixados em montante desproporcionado com os meios de quem se obriga, mesmo que desse modo se não consiga eliminar por completo a situação de carência da pessoa a quem a prestação é creditada”.
Também no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 309/2009, de 22/6/2009, Processo n.º 215/09, se escreveu: “Importa notar que a determinação da medida ou extensão dos alimentos, por força do próprio critério legal consignado no artigo 2004º do Código Civil, varia em função das possibilidades daquele que houver de prestá-los e das necessidades daquele que houver de recebê-los, pelo que a fixação do seu montante não pode basear-se no custo médio normal de subsistência do alimentando, mas em diversos outros fatores em que entra em linha de conta, com especial relevo, a condição económica e social do obrigado”.
Na fixação dos alimentos, neles se abrangendo tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor, deve atender-se a uma dupla proporcionalidade, ou seja, importa atender à situação económica do devedor e às necessidades do alimentando
“Consequentemente, há que ponderar quais os meios de quem tem de os prestar, e a necessidade de quem deles carece, alcançando um justo equilíbrio, não se podendo privar o devedor dos meios necessários à sua subsistência” – cfr Vaz Serra, in RLJ 102-262.
Como nota L. Moitinho de Almeida (Ordem Advogados, 1968, pág. 94, e Scientia Jurídica, Dos Alimentos, XVI, 84º-85º, pág. 270 a 297), “ o interesse protegido pela lei com a imposição da obrigação de alimentos é o interesse pela vida de quem deles carece, que é um interesse individual tutelado por motivos humanitários”.
No caso de desacordo dos pais quanto ao exercício das responsabilidades parentais, designadamente no que a alimentos concerne, cabe ao tribunal decidir de acordo com o interesse do menor (artigo 1905.º, nº 2, C. Civil - antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, inaplicáveis ao caso dos autos por força do seu art.º 9.º), critério constante também do artigo 180º OTM, e que constitui um princípio norteador do direito dos menores.
O direito a alimentos é pressuposto necessário dos demais direitos do menor e constitui um prolongamento do próprio direito à vida. E é um direito atual, pelo que os alimentos têm que corresponder às possibilidades do obrigado e às necessidades do alimentando no momento da sua fixação.
A natureza familiar dos alimentos (a sua génese e a sua função no âmbito da relação de família) marca o seu regime em múltiplos aspetos (v.gr. tornando o direito correspondente indisponível, intransmissível, impenhorável e imprescritível – cf. artigo 2008.º do Código Civil).
Na determinação das necessidades do menor, deverá atender-se ao seu padrão de vida, à ambiência familiar, social, cultural e económica a que está habituado e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos ( vide Ac. da Rel. do Porto, de 25/03/93, Col. Jur. T- II, pág. 199).
As necessidades do menor estão condicionadas por múltiplos fatores, nomeadamente a sua idade, a sua saúde, as necessidades educacionais, o nível socioeconómico dos pais. A prestação dos alimentos não se mede pelas estritas necessidades vitais do menor (alimentação, vestuário, calçado, alojamento), antes visa assegurar-lhe um nível de vida económico-social idêntico ao dos pais, mesmo que estes já se encontrem divorciados – devendo, neste caso, atender-se ao nível de vida que os progenitores desfrutavam na sociedade conjugal, na constância do casamento - ou não unidos pelo matrimónio; e uma vez dissolvida a união de facto, deve o menor ser mantido o standard de vida de que desfrutava antes da rutura dos progenitores, visto que, parece claro dever os pais propiciar aos seus filhos condições de conforto e um nível de vida idêntico aos seus – J. P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, Coimbra Editora, pág. 183 e 184.
Por outro lado, a possibilidade do obrigado deve, em princípio, ser aferida pelos seus rendimentos e não pelo valor dos bens. Deverá atender-se às receitas e despesas do obrigado, ponderando não só os rendimentos dos bens como quaisquer outros proventos, os provenientes do trabalho ou as remunerações de caráter eventual, como gratificações, emolumentos, subsídios etc.( Abílio Neto; Jurisprudência e Doutrina citada, em ano. Ao art. 2004º do C. C.; e Moutinho de Almeida, “ Os Alimentos no Código Civil de 1966”, in Revista da Ordem dos Advogados, 1968, pág. 99).
E essa ponderação tem de ser feita em concreto, não em abstrato.
Há, por isso, que apurar a parcela do rendimento anual do progenitor sem a guarda e subtrair o necessário para a satisfação das suas necessidades básicas, uma espécie de rendimento livre ou isento, qual mínimo de autossobrevivência, ou reserva mínima de autossobrevivência, para efeitos de sobre ele ser refletida a pensão de alimentos, nomeadamente despesas de vestuário, calçado, custos atinentes à nova habitação, deslocação para o trabalho, tempos livres, etc. Quantia esta que será dedutível ao rendimento global desse progenitor (Cfr. J. P. Remédio Marques, Ob. Citada, pág. 190; Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal, pág. 135).
Pois como é sabido, não se deve exigir ao obrigado a alimentos que, para os prestar, ponha em perigo a sua própria manutenção de acordo com a sua condição - Ac. da Relação do Porto, de 30/05/94, Col. Jur. T-III, pág. 222 - , ou, como se refere no Ac. da Relação de Coimbra, de 12/10/99, In Col. Jur. 1999, T-4, pág. 28, não lhe pode ser retirado qualquer montante ao seu rendimento líquido, inferior ao salário mínimo nacional, por pôr em causa a sua própria subsistência, sendo necessário salvaguardar o seu direito fundamental a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade, direito constitucionalmente garantido.
A este propósito, veja-se que o próprio Tribunal Constitucional, no seu Ac. n.º 306/2005, de 8/06/2005, publicado no D. R. n.º 150, Série II, págs 11186 a 11190, decidiu julgar inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, com referência aos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da Constituição, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do progenitor que prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais.
No mesmo sentido, tem interesse lembrar que, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 62/02 (Diário da República, II Série, de 11 de março de 2001), se decidiu “julgar inconstitucionais, por violação do princípio da Dignidade Humana contido no princípio do Estado de Direito, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 1.º e 63.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República, os artigos 821.º, n.º 1 e 824.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual são penhoráveis as quantias percebidas a título de rendimento mínimo garantido”. Também neste acórdão se entendeu que, “conforme resulta dos citados Acórdãos n.ºs 349/91 e 411/93, o que é relevante, no confronto com os artigos 13.º e 62.º da Constituição, para concluir pela legitimidade constitucional da impenhorabilidade é a circunstância de a prestação de segurança social em causa não exceder o mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência condigna”( [2]).
Daqui decorre que se os pais não poderem prestar alimentos, por força das suas inexistentes possibilidades económicas, essa obrigação recai sobre os outros ascendentes do credor (v.g., aos avós – art.º 2013.º/2 do C. Civil., sem prejuízo do regime do rendimento mínimo garantido e das prestações familiares - Cfr. J. P. Remédio Marques, ob. Citada, pág. 335.
Pois se os pais não dispuserem de capacidade económica, depois de garantidas todas as suas necessidades básicas de autossobrevivência, a lei atribui a outras pessoas essa obrigação alimentar, de acordo com a ordem referida no art.º 2009.º , al. c), d), e e) do C. Civil: os ascendentes de segundo grau e seguintes, os irmãos do menor, os tios.
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2. Ora, a jurisprudência favorável à fixação de alimentos, quer em caso de conhecida ausência total de rendimentos do obrigado, quer em caso do desconhecimento do seu paradeiro e da sua situação económica, justificam-no pela necessidade de permitir o recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM).
É que art.º 1º da Lei 75/98, de 19.11 (diploma legal que institui o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores), estabelece que «quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei 314/78, de 27.10, e ao alimentando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início efetivo do cumprimento da obrigação». Esta Lei veio a ser regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, alterado pelo Dec. Lei n.º 70/2010, de 16 de junho.
E pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio:
“A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à proteção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.º).
Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária proteção. Desta conceção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º). Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.

A evolução das condições socioeconómicas, as mudanças de índole cultural e a alteração dos padrões de comportamento têm determinado mutações profundas a nível das estruturas familiares e um enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, nomeadamente no que se refere à prestação de alimentos, circunstância que tem determinado um aumento significativo de ações tendo por objeto a regulação do exercício do poder paternal, a fixação de prestação de alimentos e situações de incumprimento das decisões judiciais, com riscos significativos para os menores.
De entre os fatores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação socioeconómica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respetivas responsabilidades parentais.
Estas situações justificam que o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos”.
De acordo com este diploma legal, não podendo obter-se a cobrança dos alimentos devidos ao filho menor, pelo mecanismo processual previsto no art.º 189.º da O. T. M., veio atribuir-se ao Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a obrigação de garantir esse pagamento, até ao efetivo cumprimento da obrigação pelo progenitor devedor, o qual fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações, com vista a ser reembolsado do que pagou.
A atribuição das prestações ao abrigo do regime instituído por este diploma legal depende, cumulativamente, dos seguintes pressupostos (art.º 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro e art.º 3.º/1 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, alterado pelo Dec. Lei n.º 70/2010, de 16 de junho): a) Estar a pessoa obrigada judicialmente a prestar alimentos a menor que resida em Portugal (o que pressupõe a fixação de uma prestação de alimentos); b) Não ser possível cobrar essa prestação nos termos deste art.º 189.º; c) O alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, entendendo-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respetiva agregado familiar não seja superior àquele salário (art.º 3.º/2 do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de maio).
E, assim sendo, nos casos em que não é fixada prestação de alimentos a cargo do progenitor, por carência de recursos ou desconhecimento do seu paradeiro e situação económica, não poderá o progenitor que ficar com a guarda do filho exigir o pagamento dos alimentos através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
E isto porque é pressuposto da sua aplicação, além de outros, que seja fixada judicialmente uma prestação de alimentos e esta não seja paga pelo devedor, nem seja possível obter o seu pagamento através do procedimento pré-executivo do art.º 189.º da O.T.M.
Na verdade, decorre da leitura das disposições dos art.os 1.º (“pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos”), 2.º/2 (“ao montante da prestação de alimentos fixada”) da Lei n.º 75/98, e art.o 3.º, n.º 1, alínea a), e 3, Dec.-Lei n.º 164/99 (“pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantia em dívida”) e (“ao montante da prestação de alimentos fixada”), bem como do preâmbulo deste, que a intervenção do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social tem natureza subsidiária. Trata-se, no dizer de J. P. Remédio Marques, ob. citada, pág. 230, “(...) de uma crescente socialização do risco do incumprimento de obrigações alimentares devidas a menores e, já de outro, uma maior responsabilização do devedor de alimentos, posto que o Fundo se sub-roga em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações (...)”.
Com efeito, o diploma legal veio atribuir ao Estado, nos casos em que os alimentos judicialmente fixados ao filho menor não possam ser cobrados nos termos do artigo 189.º da O.T.M., o dever de garantir o pagamento até efetiva satisfação da obrigação pelo progenitor devedor ou da cessação dessa obrigação, ficando sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas as prestações, com vista a à garantia do respetivo reembolso — art.os 1.º, 3.º, n.º 4, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 75/98, de 19/11, e art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13/05.
Como se fez notar no aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de julho de 2008, Processo n.º 1860/08, in www.dgsi.pt/jstj, “o incumprimento da prestação de alimentos por parte do primitivo devedor é que funciona como pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade atual do menor, e, consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primitivo não pague, devendo ser reembolsado do que pagar”.
Portanto, a sua aplicação pressupõe sempre a fixação judicial de uma prestação de alimentos.
Prescreve o art.º 9.º/1 do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13/5, que o montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado.
E o seu art.º 5.º, n.º 3, concede ao “Fundo de Garantia” o direito a exigir em ação executiva o reembolso das importâncias pagas, decorrido o prazo para o reembolso voluntário, salvo se existir manifesta e objetiva impossibilidade de pagamento.
Daí entender-se, conjugando tais disposições normativas, que a obrigação de prestação de alimentos a cargo do “Fundo de Garantia” configura uma verdadeira obrigação autónoma, mas dependente e subsidiária da do devedor originário dos alimentos, podendo o valor dessas prestações não coincidir, mas seguramente que o não pode exceder. Pois se o montante fixado judicialmente, a cargo do “Fundo de Garantia”, mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado, urge concluir que cessando, como cessa, a obrigação do devedor com a sua morte, nos termos do art.º 2013.º/1, alínea a), do C. Civil, cessa igualmente a obrigação de pagamento da prestação pelo “Fundo de Garantia”.
Decorrentemente, a obrigação do “Fundo de Garantia”, apesar de autónoma e assumir natureza de prestação social, depende da manutenção da obrigação principal.
A exigibilidade de prestação, a cargo do “Fundo de Garantia”, terá lugar no incidente de incumprimento (em regra da regulação das responsabilidades parentais), que deve ser desencadeado quando a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não assegure o seu cumprimento, competindo ao Ministério Público ou aqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer que o Tribunal fixe o montante a suportar pelo Estado em substituição do devedor — art.º 3.º, n.º 1 da Lei n.º 75/98, de 19/11.
Razão pela qual o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas assegura o pagamento efetivo duma prestação, desde que o menor deles careça e enquanto o devedor não inicie o seu pagamento ou não cesse essa obrigação, ficando este onerado com o reembolso dessa prestação.
Mas sempre o devedor principal poderá suscitar a alteração da sua prestação, com a consequente redução, a qual, a verificar-se, terá de obrigar a igual redução da prestação fixada a cargo do “Fundo de Garantia”.
Como é sabido, a prestação de alimentos fixada e a cargo do devedor principal admite revisão/redução, desde que ocorridas circunstâncias supervenientes que o justifiquem, ao abrigo do disposto no art.º 2012.º do C. Civil: “Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas serem obrigadas a prestá-los.”
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3 – Feita esta breve incursão ao regime jurídico que instituiu o “Fundo de Garantia”, necessária ao enquadramento jurídico da questão em análise, importa agora realçar que o que está aqui em causa é uma questão prévia, porque a precede, sendo justamente o dever jurídico da fixação judicial de uma prestação alimentar e, por isso, com ela não interfere, exceto à posteriori, na medida em que a aplicação desse regime depende da sua determinação.
Nesse sentido parece clarificador o que se escreveu no preâmbulo do Dec. Lei 164/99, de 13/05), “Estas situações justificam que o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos” – sublinhado nosso.
E, por outro lado, o art.º 2004º, nº 1, C. Civil, impõe uma correlação entra as necessidades e as possibilidades, pressupondo o conhecimento dos dois termos da equação: necessidades do alimentando e possibilidades do obrigado. Do mesmo modo que não há fixação de alimentos sem necessidade do alimentando, também não pode haver em caso de falta de possibilidades do obrigado.
E assim era já entendido antes da criação do “Fundo de Garantia” e consequente vigência da Lei n.º 75/98, de 19/11, não funcionando esse argumento, como se decidiu no Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 18/12/1990, BMJ, 401.º-591: “ Nada se sabendo, de concreto e preciso, sobre a situação patrimonial de quem está constituído na obrigação legal de prestar alimentos a filhos menores – pessoa há vários anos ausente em parte incerta e que não foi possível localizar no decurso do processo – não deve tal pessoa ser condenada a pagar alguma pensão alimentícia”.
E a verdade é que não se vê argumento jurídico que permita afirmar ou inferir que com a entrada em vigor da Lei n.º 75/98, de 19/11, esta viesse derrogar ou limitar a aplicação do art.º 2004.º do C. Civil, em especial no que respeita aos critérios de fixação de alimentos devidos a menores.
Em reforço deste entendimento veja-se o art.º 2013.º/1, al. b), do C. Civil, onde se prescreve que “A obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los”.
Ora, se a obrigação de prestar alimentos cessa quando o devedor não pode continuar a prestá-los, há de concluir-se (por maioria de razão) que não deverão ser fixados alimentos quando esteja demonstrada a sua absoluta impossibilidade de os prestar, que certamente não iria, nem podia, cumprir.
Mas essa fixação depende, como já se sublinhou, dos critérios referidos no art.º 2004.º do C. Civil. E não se pode estabelecer uma obrigação alimentar, ainda que o obrigado não disponha de capacidade económica, ou em que esta seja totalmente ignorada devido a ausência em parte incerta do obrigado, apenas para permitir o seu pagamento através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, pois que o acesso ao “Fundo de Garantia” apenas se colocará à posteriori e, por isso, não constitui critério normativo a observar na quantificação dessa prestação alimentar.
È certo que o texto preambular do Decreto-Lei regulamentador (Dec. Lei 164/99, de 13/05) da Lei 75/98, de 19/11, e acima referido, poderá induzir o intérprete de que o legislador pretendeu ir mais além quanto ao seu âmbito de aplicação, isto é, provavelmente disse menos do que pretendia, quando aí refere “De entre os fatores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação socioeconómica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respetivas responsabilidades parentais”.
Porém, em parte alguma dos textos legais se pode concluir pela exclusão/limitação do art.º 2004.º do C. Civil, enquanto critério geral e abstrato e norteador na quantificação dessa obrigação.
E, ainda assim, tratando-se de um diploma legal que veio regulamentar a Lei n.º 75/98, de 19/11 ( a qual define os pressupostos de intervenção do “Fundo de Garantia”), deferindo ao Governo a sua regulamentação, em 90 dias, mediante decreto-lei (ver art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05), não poderia este alterar ou modificar o seu âmbito de aplicação ( art.º 112.º/2 da CRP).
E, como se viu, o primeiro dos pressupostos de aplicação da Lei n.º 75/98, de 19/11, é justamente que haja sido o devedor obrigado judicialmente a prestar alimentos, isto é, que o tribunal tenha quantificado a obrigação alimentar a cargo dessa pessoa ( que pode não ser o progenitor), naturalmente aferida em função de um dos seus critérios – possibilidades do devedor. Mas não interfere nos critérios legais para a determinação dessa prestação.
Neste sentido, sustentou-se, que acompanhamos, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.01.18, Processo n.º 10081/2007-2, “(…inexistindo matéria factual que nos permita concluir, quer pelas necessidades do alimentando, quer pelas possibilidades do obrigado, não se pode fixar qualquer quantia a título de alimentos e, acrescentamos, fazê-lo seria, não só uma temeridade como, também, um verdadeiro atentado às regras básicas enformadoras do nosso sistema jurídico-processual, que não permitem, em caso algum, que o Tribunal decida sem uma base sólida no que tange à factualidade consubstanciadora do direito a tutelar: fixar-se uma prestação de alimentos na quantia de € 150 (ou de outra qualquer quantia nestas circunstâncias precisas), como propugnou o Apelante em sede de conferência, sem qualquer suporte factual, constituiria uma decisão completamente aleatória violadora, além do mais, do disposto nos artigos 664º e 1410º do C. P. Civil, pois não obstante neste tipo de decisões o Tribunal não esteja sujeito a critérios de legalidade, mas antes de conveniência e oportunidade, isso não quer dizer que lhe seja permitido decidir sem factos e que ignore em absoluto as normas em vigor». Nestas situações afigura-se abusivo tecer conjeturas ou apelar a regras de experiência comum, designadamente recorrer a critérios de imputação, pois, como refere J. Remédio Marques, Algumas Notas sobe alimentos devidos a menores, Coimbra Editora, pág. 200, «os factos que justificam ou autorizam a imputação de rendimentos serão todos aqueles factos voluntários ou controláveis pelo devedor, que o colocam numa situação económica mais desvantajosa relativamente àquela que, doutro modo, poderia usufruir (v.g., colocação voluntária em situação de desemprego, emprego a tempo parcial ou subemprego, escolha de uma atividade profissional menos lucrativa, tendo em vista a respetiva formação e /ou experiência profissional)».
Assim, e salvo o devido respeito por melhor opinião, entendimento diverso, isto é, a fixar-se a prestação de alimentos a cargo do progenitor não guardião, sempre que esteja demonstrada a inexistência de meios económicos deste (ou em que não foi possível apurar tais elementos devido ao desconhecimento do seu paradeiro), apenas para se poder acionar o Fundo de Garantia, para além de violação clara e grosseira do disposto no art.º 2004.º do C. Civil. (na medida em que impõe como critério que o seu montante deve ser proporcional às necessidades do alimentando, apreciado em concreto, e aos meios de quem os tiver obrigação de prestar), conduzir-nos-ia, por um lado, à pura arbitrariedade e subjetividade, sem qualquer critério legal e objetivo que permitisse determinar o seu montante. E, por outro lado, excluiria a responsabilização dos familiares no pagamento dos alimentos e cuja obrigação decorre do art.os 2009.º/1 e 2013.º/2, do C. Civil, nos termos já referidos, na medida em que fixada a prestação alimentar, viria o “Fundo de Garantia” a suportar essa prestação, impedindo a demanda destes, porque a prestação fora fixada a cargo do progenitor. Solução que conduziria, na prática, à assunção pelo Estado da obrigação que lhes pertence, sem que àqueles fosse exigida qualquer responsabilidade.
Dito doutro modo, com tal expediente, excluída ficaria a aplicação prática desses comandos legais, sendo que o Estado só deve intervir quando falha a solidariedade familiar.
Repare-se que o “Fundo de Garantia” fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações e o seu reembolso não prejudica a obrigação de prestar alimentos previamente fixada pelo tribunal — art.os 5.º/1 e 7.º do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13/05.
Com efeito, o “Fundo de Garantia” quando procede ao pagamento das prestações de alimentos fá-lo no cumprimento de uma obrigação própria e autónoma, e não alheia, já que a prestação é fixada de acordo com os critérios fixados no art.º 2.º/1 da Lei n.º 75/98 e art.º 3.º/3 do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, cujo montante, em regra, será equivalente ao que fora fixado judicialmente, podendo até ser inferior, mas nunca poderá exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidade de conta de custas (cfr., neste sentido, J. P. Remédio Marques, in “Algumas Notas Sobre Alimentos”, Coimbra Editora, 2000, págs. 221 e segs.).
Acresce que a obrigação do “Fundo de Garantia” cessa logo que cesse a obrigação a que o devedor estava obrigado, nomeadamente em caso de morte deste — art.º 3.º/4 da Lei n.º 75/98, de 19/11 e art.º 9.º/1, do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13/05.
Decorrentemente, cessando a obrigação do devedor com a sua morte ou quando não possa continuar a prestar alimentos, nos termos do art.º 2013.º/1, al. a) e b), do C. Civil, respetivamente, cessa igualmente a obrigação de pagamento pelo “Fundo” do montante fixado pelo tribunal. Apesar disso, a verdade é que a necessidade de alimentos, por banda do menor, poderá manter-se inalterada, reclamando do Estado a continuação de prestações sociais, mas não no âmbito desses diplomas legais, ou seja, não através do “Fundo de Garantia”.
Nas citadas situações, e bem assim quando é omissa a paternidade do menor, também não há lugar à intervenção do “Fundo de Garantia” ( salvo se judicialmente for fixada prestação a cargo de outro familiar, que não o progenitor sobrevivo e que tenha o filho à sua guarda).
Por isso que a fixação obrigatória de prestação de alimentos a cargo do progenitor nos casos em que esteja demonstrada a sua absoluta impossibilidade económica de os prestar, quer por ausência total de rendimentos (nomeadamente viver uma situação de desemprego, ou tratar-se de um jovem estudante que vive a cargo dos seus progenitores), quer porque os rendimentos que aufere não lhe permitem suportar qualquer prestação (veja-se, a título de exemplo, o progenitor que beneficia ( e sobrevive) de prestação do Rendimento Social de Inserção), com vista ao acionamento do “Fundo de Garantia”, conduzirá, com o devido respeito por opinião contrária, a resultados totalmente injustos e inaceitáveis, à luz dos mais elementares princípios de justiça.
Em primeiro lugar, porque constituiria uma violação clara e grosseira dos art.os 2004.º e 2013.º/1, alínea b), do C. Civil, já referida. E conduziria a absoluta derrogação deste último preceito legal, pois se estando ab initio demonstrada a absoluta impossibilidade de suportar qualquer prestação alimentar (ausência total de rendimentos), não se vislumbra qualquer possibilidade de, a posteriori, lançar mão desse normativo no sentido de a fazer cessar, nos termos dos art.os 1411.º e 1121.º/4 do C. Proc. Civil, ou 182.º da O.T.M, já que não ocorreram circunstâncias supervenientes (mantendo-se a situação inicial de ausência de rendimentos).
Em que casos se aplicaria então o artigo 2013.º/1, alínea b), do C. Civil?
Em segundo lugar, o facto de ser fixada prestação de alimentos nesses casos, não conduzirá, necessariamente, ao acionamento do “Fundo de Garantia”. Desde logo nos casos em que falha o pressuposto referido na alínea b) do n.º 1, do art.º 3.º, do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de maio (o menor beneficiar de rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional ou de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre).
E, em terceiro lugar, e não menos importante, não é necessariamente obrigatório acionar o “Fundo de Garantia”. Fixada a prestação alimentar, aquele que tiver o menor à sua guarda (mesmo que se verifiquem os pressupostos legais de fixação de prestação a cargo do “Fundo de Garantia”), poderá instaurar a respetiva execução especial de alimentos, nos termos dos art.os 1118.º e segs. do C. Proc. Civil, com vista à cobrança dos alimentos, através da penhora do património (bens móveis ou imóveis) do devedor. Neste caso, o progenitor devedor, para além de não auferir qualquer rendimento (ou beneficiar de prestação do R.S.I., ou beneficiar – e sobreviver - de uma pensão mensal de invalidez inferior a metade do rendimento mínimo nacional), poderia assistir à penhora e venda da sua habitação sem que a lei lhe faculte qualquer meio de se lhe opor, inclusive, o direito a ver cessada essa obrigação, nos termos do já referido art.º 2013.º/1, alínea b), do C. Civil.(!).
Repare-se que (justamente por estar em causa o princípio da dignidade humana já referido) de acordo com o disposto no art.º 23.º, da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio (diploma que revogou o rendimento mínimo garantido previsto na Lei n.º 19-A/96, de 29 de junho, e criou o rendimento social de inserção) a prestação inerente ao direito do rendimento social de inserção não é suscetível de penhora. E compreende-se a impenhorabilidade desta prestação, atenta a sua natureza, visto que se destina a conferir às pessoas e aos seus agregados familiares apoios adaptados à sua situação pessoal, que contribuam para a satisfação das suas necessidades essenciais.
Portanto, se o devedor de alimentos estiver a auferir esta prestação social não poderá o credor ver satisfeita essa obrigação através do meio previsto neste preceito legal. E justificar-se-á fixar uma prestação alimentar a seu cargo, demonstrada essa incapacidade económica?
Por outro lado (com o devido e merecido respeito, que é muito), não nos parece legítimo sustentar, como defendido em alguns dos arestos citados, competir ao devedor fazer prova de se encontrar impossibilitado de suportar prestação alimentar, sendo de presumir auferir pelo menos o rendimento mínimo nacional, pois em caso de desconhecimento total da situação económica do obrigado e do seu paradeiro, não é legitima tal presunção judicial (art.º 349.º e 351.º do C. Civil), nem será legítimo o recurso à inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344º, nº 2, C. Civil, porquanto a inversão do ónus da prova apenas ocorre quando a parte contrária culposamente tiver tornado impossível a prova ao onerado ( cfr. Ac. do T. Rel. Lisboa de 4/12/2008, citado).
Compete, sim, ao autor/requerente, por se tratar de facto constitutivo do seu direito, alegar e demonstrar que o devedor tem possibilidades de pagar alimentos – art.º 342.º/1 do C. Civil.
E, ainda assim, como iria o progenitor ausente em parte incerta demonstrar essa impossibilidade económica, quando nem sequer tem conhecimento do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e consequente condenação no pagamento da prestação alimentar? Quando dela viesse a tomar conhecimento? Neste caso nunca poderia fazê-lo retroactivamente, mas a partir da data do pedido de alteração/cessação da prestação ( art.º 2006º do C. Civil).
E também não nos impressiona o argumento de que com a fixação da prestação alimentar o progenitor ausente, ou impossibilitado economicamente, constitui motivo ou incentivo ao trabalho e angariação de meios de subsistência, visto não constituir puro argumento jurídico, e sabido também que a situação económica e social em que o país ( e não só) vive não permite, para muitos, o exercício a uma atividade profissional remunerada. Esta realidade social atual não pode ser ignorada.
De outro modo, ter-se-ia de admitir, também, ser exigível a muitos dos progenitores a mudança de emprego de modo a auferirem rendimentos superiores para poder suportar uma prestação alimentar (anteriormente fixada) mais conforme as necessidades dos filhos. E o mesmo seria de exigir ao progenitor guardião, que não raras vezes invoca as suas dificuldades económicas, algumas delas justificadas pelo seu desemprego (!).
Citamos, a propósito, o que se escreveu no citado Acórdão do T. da Rel. Lisboa, de 4/12/2008: “E se, em vez de um progenitor de paradeiro e situação económica desconhecida, estivéssemos perante um progenitor presente e esforçado, mas comprovadamente incapaz de angariar meios de subsistência por doença grave ou deficiência profunda, também seria de fixar uma prestação fictícia para permitir a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos? É que aqui já não é legítimo presumir que o obrigado aufere pela menos o salário mínimo nacional, nem conjeturar que a sua situação pode melhorar, ou que a fixação de uma pensão de alimentos possa estimular sua responsabilização, para utilizar a argumentação dos acórdãos supra referidos que defendem a fixação de alimentos independentemente das possibilidades do obrigado. O problema está no figurino restritivo do regime estabelecido pela Lei 75/98, de apenas abranger, pelo menos na sua letra, os casos em que é possível proceder à fixação de alimentos por se ter conhecimento da situação económica do obrigado”.
Também J. Remédio Marques, op, cit., pág. 236-7, prefere a solução da fixação de uma pensão através da quantificação da capacidade laboral e apuramento, pelo baixo, de uma quantia a título de pensão de alimentos, subtraída a quantia equivalente ao mínimo de subsistência do devedor. No entanto, e para as situações de inatividade voluntária, defende que deverão ser demandados os restantes obrigados legais (cfr. artigo 2009.º C. Civil).
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4. Entende-se, por isso, que competirá ao Estado, e bem assim quando não for fixada judicialmente prestação alimentar - nas situações de ausência total de rendimentos ou carência de rendimentos bastantes, bem como na situação em que se desconhecem esses elementos -, atribuir as respetivas prestações sociais através de outros mecanismos de proteção social, a que está obrigado ( esgotadas as possibilidades de obtenção de alimentos de outros familiares, nos termos do art.º 2009.º do C. Civil), sendo que o direito das crianças à proteção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral, vem consagrado na C. R. P. (art.º 69.º), o que implica a imposição ao Estado dos deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária proteção, sendo, como é, o direito a alimentos, decorrência, ele mesmo, do direito à vida (art.º 24.º da C. R. P).
Em obediência a esses princípios, o “Fundo de Garantia” instituído pela Lei n.º 75/98, de 19 de novembro e regulamentada pelo Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, constitui apenas uma das formas de proteção, não a única.
A atribuição do Rendimento Social de Inserção ou a concessão de prestações sociais no âmbito do sistema da segurança social, ao abrigo dos art.os 8.º/2, alínea a), 29.º/2, 30.º, alínea c) e 41.º/1, alíneas a) e f) da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro (diploma que define as base gerais em que assenta o sistema de segurança social), constituem outras formas de proteção, nomeadamente através do subsistema de ação social, que assegura a especial proteção de crianças e jovens, através de prestações pecuniárias de caráter eventual — seu art.º 29.º/2 e 30.º, alínea c).
Parece-nos, pois, que a solução legal adequada, nestas circunstâncias, passa pela não fixação de qualquer prestação de alimentos a cargo desse progenitor, sem prejuízo de ulterior fixação, desde que se modifique ou seja conhecida a situação económica, dado que estamos em presença de processo de jurisdição voluntária, cuja decisão poderá ser revista e alterada, nos termos dos art.os 150.º e 182.º da O. T. M. e 1411.º do C. P. Civil, tendo em conta os princípios da atualidade e alterabilidade dos alimentos.
E, no caso concreto, o requerido encontra-se com paradeiro desconhecido, pelo que nada se apurou quanto à sua situação económica, pois não visita o filho há mais de dois anos e não telefona para se inteirar da vida do filho há mais de um ano, estando ausente em parte incerta, provavelmente no estrangeiro, desconhecendo-se qual o seu atual modo de vida, situação pessoal e económica.
Daí a decisão recorrida não ter determinado a prestação.
O Digno Recorrente entende que devem ser fixados alimentos em valor não inferior a €100,00.
Mas com base em que critérios? Porque não €150,00 ou €250,00?
É que em qualquer caso não se dispensa o apelo à ponderação dos meios do obrigado a alimentos, ainda quando imputando rendimentos ao devedor se este não está a utilizar a sua capacidade de trabalho.
Mas a verdade é que essa imputação torna-se inviável, como é o caso dos autos, quando o progenitor/devedor está ausente em parte incerta, podendo até não viver no estrangeiro ( ou quiçá ter já falecido).
É que não se pode partir do pressuposto do que qualquer pai (ou mãe), em abstrato, poderia suportar, em termos genéricos, uma dada mensalidade, mas da sua situação real e concreta, deste progenitor em concreto, aferido em função da sua concreta situação económica e social.
Pode até suceder ( e não é caso puramente académico), que o progenitor ausente em parte incerta já tenha falecido, facto desconhecido do progenitor guardião, ou esteja efectivamente em situação de grande carência económica.
Como se tentou demonstrar, e face à total ausência de elementos de facto, essencial para a determinação da sua obrigação, não é de fixar qualquer prestação a seu cargo.
E não se diga, como o Digno recorrente, que este entendimento constitui violação ao princípio da igualdade perante a lei estabelecido no art.º 13° da Constituição da República Portuguesa, já que potenciaria uma tratamento diferenciado entre menores em idêntica situação de carência, consoante se lograsse ou não averiguar a situação do alimentante.
É que o princípio da igualdade, como escreve Gomes Canotilho e Vital Moreira in “ Constituição da República Portuguesa Anotada ”, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 2007, págs. 336-337, “é um dos estruturantes do sistema constitucional global, “conjugando dialecticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social (art.º 2º).”.
“Na sua dimensão liberal, consubstancia a ideia da igual posição de todas as pessoas, independentemente do seu nascimento e do seu status, perante a lei, geral e abstrata, considerada subjetivamente universal em virtude da sua impessoalidade e da indefinida repetibilidade na aplicação.”.
Exigindo “A dimensão democrática (…) a explícita proibição de discriminações (positivas e negativas) na participação no exercício do poder político, seja no acesso a ele (…) seja na relevância dele (…), bem como no acesso a cargos públicos.”.
E acentuando “A dimensão social (…) a função social do princípio da igualdade, impondo a eliminação das desigualdades fácticas (…) de forma a atingir-se a «igualdade real entre os portugueses» (art.º 9º/d)”.
Como ensinam também Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, T-I, Coimbra Editora, 2005, pág. 120 e 121, “A igualdade aqui proclamada é a igualdade perante a lei, dita por igualdade jurídico-formal, e ela abrange, naturalmente, quaisquer direitos e deveres existentes na ordem jurídica portuguesa. E “(… O sentido primário da fórmula constitucional é negativo: Consiste na vedação de privilégios e de discriminações.
Privilégios são situações de vantagem não fundadas e discriminações de desvantagem; ao passo que discriminações positivas são situações de vantagem fundadas, desigualdades de direito em resultado de desigualdades de facto e tendentes à superação destas e, por isso, em geral, de caráter temporário”.
Sobre o sentido e alcance constitucional do princípio da igualdade, escreve António Cortês, in “Jurisprudência dos Princípios”, Ensaio sobre os Fundamentos da Decisão Jurisdicional, Universidade Católica Portuguesa, págs. 266 e segs : “ Entre os princípios primeiros da juridicidade encontramos o princípio da igualdade. O princípio da igualdade determina que "o que é igual seja tratado de forma igual e o que é diferente seja tratado de forma diferente na medida da diferença". E, “(… O princípio surge aqui como uma expressão imediata dos princípios da não contradição e da razão suficiente. Ele exige que o sistema jurídico seja congruente e que as diferenciações sejam materialmente justificadas. Quem defenda, num determinado contexto, um certo efeito jurídico para uma determinada situação deve estar disposto a aplicar o mesmo efeito a todas as situações semelhantes sob todos os aspetos relevantes que surjam num contexto análogo. O princípio exige pois que o que é igual seja tratado de forma igual, salvo se houver uma razão materialmente justificada (mérito, necessidade, tempo, etc.) para não o fazer”.
Igualmente Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob citada, sublinham que o sentido primário da fórmula constitucional é negativo; “consiste na vedação de privilégios e discriminações”, sendo os primeiros “situações de vantagem não fundadas”, e as segundas “situações de desvantagem.” Sendo o seu sentido positivo o de impor “Tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes”, e “tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador.”
Ora, a interpretação que fazemos e posição defendida, em nada colide com o princípio constitucional da igualdade, com a dimensão desenvolvida pela teoria constitucional.
Pelo contrário, seguindo a posição do recorrente poderia ferir-se esse princípio constitucional, na medida em que trataríamos da mesma forma situações diversas – tratando da mesma forma um progenitor em que é conhecida a sua real situação socioeconómica, com aquele em que a ignoramos.
***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 713.º/7 do C. P. C.
I – A Lei n.º 75/98, de 19/11, ao instituir o “Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores”, não veio derrogar ou limitar a aplicação do art.º 2004.º do C. Civil, em especial no que respeita à fixação de alimentos devidos a menores.
2 - O art.º 2004º, nº 1, do C. Civil, impõe uma correlação entra as necessidades e as possibilidades, pressupondo o conhecimento dos dois termos da equação: necessidades do alimentando e possibilidades do obrigado. Do mesmo modo que não há fixação de alimentos sem necessidade do alimentando, também não pode haver em caso de falta de possibilidades do obrigado.
3 – Sendo desconhecido o paradeiro do progenitor do menor, ignorando-se, em absoluto, a sua concreta situação socioeconómica, não pode ser fixada prestação de alimentos a seu cargo, no âmbito de ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, sob pena de violação clara do disposto nesse preceito legal.
4- Não compete ao progenitor ausente em parte incerta o ónus da prova de não ter possibilidades económicas para suportar o pagamento dos alimentos.
5 - Não viola o princípio da igualdade, plasmado no art.º 13.º da C. R. P., a sentença que, nessa circunstância, por não fixar pensão de alimentos impede o recurso ao “Fundo de Garantia”.
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V. Decisão
Termos em que se decide julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2011

Tomé Ramião
Jerónimo Freitas
Maria Manuela Gomes (Voto Vencido)

Declaração de voto
Contrariamente ao decidido no acórdão, concederia provimento ao recurso, uma vez que entendo que, no caso, não obstante a ausência em parte incerta do pai do menor, seria de condená-lo a contribuir para o sustento do filho com uma quantia certa, a título de alimentos.
Efectivamente, e como se deixou dito no acórdão de 16.06.2011,deste Tribunal e Secção, proferido no proc. n° 2880/08.2TBAMD.L1, por mim também subscrito como 2a Adjunta, "A obrigação ou dever de alimentos estabelecido a favor dos filhos menores assume contornos particulares face à natureza dos direitos envolvidos, que encontram suporte no artigo 36 0 n° 5 da Constituição, que impõe aos pais o dever de educação e manutenção dos filhos.
"Trata-se de um dever fundamental, constitucionalmente utonomizado, que tem por beneficiários imediatos os filhos, vinculando o progenitor que não tem a guarda do filho ao dever de lhe prestar alimentos.
"Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional n° 306/05,citado no Acórdão do STJ de 12.11.2009, (...) não obstante a estrutura obrigacional do vínculo de alimentos, esta prestação alimentícia é integrante de um dever privilegiado que, segundo Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3a ed., pág. 169, constitui um caso nítido de deveres reversos dos direitos correspondentes, de direitos deveres ou de poderes-deveres com dupla natureza, em que se elevou umdever elementar de ordem social e jurídico (que se exprime no brocardo qui fait l 'enfant doit le nourrir) a direito fundamental.
"Por isso, o legislador optou por lhe conferir uma tutela especial na lei ordinária, nomeadamente, penalizando criminalmente a violação da obrigação de alimentos (artigo 2500 do Código Penal), criando meios próprios para tornar efectiva (executar) a prestação de alimentos e que podem ser accionados se a prestação não for cumprida nos dos dez dias seguintes ao seu vencimento (artigo 189 0 da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo DL no 314/78, de 27 de Outubro) e instituindo uma prestação social substitutiva através da criação do regime do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores aprovado pela Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, medida que veio reforçar a protecção social devida a menores.
"O superior interesse da criança está claramente afirmado e prevalece sobre qualquer outro em matérias que respeitem à sua segurança, saúde, educação e sustento, comprimindo, se necessário, o próprio direito dos pais à sobrevivência condigna. Aos pais compete partilhar com os filhos o pouco que possam ter e colocar-se em posição de angariar os meios necessários e indispensáveis ao sustento do filho menor."Existe uma particular obrigação dos pais em relação aos filhos menores, incapazes de prover ao seu próprio sustento, que lhes impõe um dever de diligência activa na procura de uma actividade profissional que lhes permita angariar meios susceptíveis de garantir o cumprimento dessa obrigação. Há que estimular, ao menos, a capacidade laboral futura. Com efeito, sendo a obrigação de prestar alimentos para vigorar para o futuro não pode deixar de perspectivar-se uma possível alteração na concretização da capacidade de ganho do progenitor que não tem o filho menor à sua guarda.
Estando em causa um direito fundamental constitucionalmente garantido, o desemprego ou o abandono do progenitor que não tem o menor à sua guarda não podem, pura e simplesmente, desonerá-lo do dever de prestar alimentos ao filho menor.
"Considera-se, assim, que não pode, nem deve ser feita uma leitura interpretativa do disposto no artigo 2004 do Código Civil que se afaste desta linha de pensamento e que a proporcionalidade a que alude este normativo há-de ser encontrada na ponderação de todo o circunstancialismo, sem exclusão sequer dos padrões de normalidade da vida que sempre devem servir de orientação ao juiz quando não possua elementos que o façam abandonar esse quadro de normalidade, sempre sob orientação de critérios de equidade ajustados a processos de jurisdição voluntária como o são os processos tutelares cíveis (artigo 1410 º do Código de Processo Civil)".
Acresce que, ainda que assim se não entendesse, sempre seria de considerar que a ausência do requerido em parte incerta, que levou à sua citação edital, inviabilizou, culposamente, a demonstração dos factos respeitantes à quantificação dos alimentos, libertando o credor dessa prova por força da inversão do ónus probatório consagrado no no 3 do artigo 344º do Código Civil.
Desta forma, comprovadas as necessidades do menor, tendo presente o quadro socio-económico daquele e da mãe e partindo do pressuposto que o pai auferirá do seu trabalho pelo menos o correspondente ao salário mínimo nacional, concederia provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, fixaria em € 100, a quantia devida pelo requerido a título de alimentos para o filho menor A.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2011.
Maria Manuela Gomes
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([1]) Vide Tomé d’Almeida Ramião, “Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada”, 9.º Edição, Quid Júris, págs. 168 e segs.
([2]) E bem assim no seu Acórdão n.º 509/02 (Diário da República, I Série-A, de 12 de fevereiro de 2003), dizendo que “este Tribunal, na esteira da Comissão Constitucional (cfr. Acórdão nº 479,Boletim do Ministério da Justiça, n.º 327, junho de 1983, págs. 424 e segs.), tem vindo a reconhecer, embora de forma indireta [no acórdão de que esta transcrição é feita esse reconhecimento é direto, fundando o julgamento de inconstitucionalidade a que se chegou], a garantia do direito a uma sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência”.

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4891fec1de313f9c80257974004ed3b2?OpenDocument&Highlight=0,alimentos

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