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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

SIGILO BANCÁRIO RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 10-11-2011

Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
855/10.0TBFAF.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: QUEBRA DE SIGILO
Decisão: DISPENSADO O SIGILO

Sumário: Segundo o critério do interesse preponderante ou prevalecente, na pendência de inventário subsequente a divórcio, o interesse na administração da justiça prevalece sobre os valores que determinam o sigilo bancário, como a reserva de intimidade da vida privada, na sua vertente patrimonial, de um dos cônjuges, quando a obtenção da informação relativa a contas bancárias é imprescindível ao relacionamento dos bens que possam integrar esse património comum e reporta-se ao período de tempo de vida conjunta do casal.


Decisão Texto Integral: I – Relatório;

Recorrente: Manuel… ;
Recorrida: Maria… ;

*****

Nos autos de inventário para partilha de bens, na sequência de divórcio, em que é requerente a aqui recorrida e requerido/cabeça de casal o aqui recorrente, o Sr. Juiz proferiu despacho ordenando à Caixa Geral de Depósitos SA que prestasse as informações bancárias solicitadas pelo requerido/cabeça de casal.
Esta instituição escusou-se a fornecer a informação pedida, invocando o sigilo bancário, sendo que a ora recorrida também não consentiu em tal autorização.
Em face disso, o apelante veio, como incidente no referido processo, requerer a dispensa do dever de segredo bancário.


II – FUNDAMENTAÇÃO
Para a decisão do presente incidente, há a considerar o seguinte:
No processo principal, de que o presente é um incidente, correm termos os autos de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio entre o apelante e apelada.
Aquele, na qualidade de requerido e cabeça de casal, requereu a notificação da Caixa Geral de Depósitos para que informasse nesses autos todos os extractos de conta de depósitos e a prazo em nome da interessada que existe ou existiu e a sua data, ou desta em conjunto com outras pessoas, dos respectivos movimentos, levantamentos, quando e por quem, a fim de aferir o montante das contas bancárias, à data do divórcio, com vista à partilha.
A entidade bancária invocou o sigilo bancário para prestar essa informação e a requerente/titular não deu o seu assentimento ao solicitado.
Pretende, então, o recorrente a obtenção daquela informação bancária, como alegou, por se tratar de depósitos que integram o património comum do dissolvido matrimónio.
*
Apreciando:
Preceitua o artigo 78° do DL 298/92 que "os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços".
O nº2 do mesmo normativo estipula que "estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias".
Para além deste caso, os elementos abrangidos pelo sigilo bancário só podem ser revelados nos termos das alíneas do nº2 do artº 79º, nomeadamente, nos termos da lei penal e de processo penal (al.d) e quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo (al. e).
A questão cinge-se à salvaguarda do segredo profissional imposto pela lei (artº 78º e 79º do D.L. 298/92 – com alterações pelos DL nº 246/95 de 14/9, nº 222/99 de 22/6, nº 250/2000 de 13/10, nº 285/2001 de 3/11 e nº 201/02 de 26/9) e se, no caso em apreço, deve ou não ceder face aos outros interesses conflituantes, designadamente o interesse da efectiva realização dos fins da actividade judicial (artº 205º da C.R.P.). Neste sentido, vide entre outros o Acórdão desta RG, Recurso 1914/08-2 e o Acórdão de 22.02.2011, Proc. 415/09.9TBGMR-A.G1, in dgsi.pt
Assim, a resolução da questão passa pela ponderação dos interesses em conflito no caso: de um lado, os interesses invocados pelo requerido/cabeça de casal no acesso à informação bancária, ou seja, o seu interesse particular no acesso à prova em função da sua posição no processo, bem como o interesse público na realização da justiça, dada a necessidade de concordância entre valores constitucionais conflituantes (artigo n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa); do outro lado, quanto à apelada, os interesses relativos ao direito à reserva da vida privada e outros de relevante valor social, variáveis de acordo com o sigilo em causa, consagrando-se um direito ao segredo, que, no caso presente (segredo bancário), se destina essencialmente a tutelar a privacidade, o bom nome dos clientes bancários, proteger o funcionamento normal das instituições, evitando a degradação da sua imagem e desconfiança entre o público (cfr. José Maria Pires, Direito Bancário, 1º, pág. 120).
No caso sub iudice, afigura-se-nos patente que o interesse na obtenção daquela informação bancária se reveste de importância relevante, por várias ordens de razões:
- O requerente da informação é também cabeça de casal, cabendo-lhe por lei fornecer os elementos necessários para prosseguimento do inventário, relacionando inclusive todos os bens, a sua identificação e situação jurídica – artºs 1338º, nº2, 1340º, nº 3 e 1345º, nº 3, do Código Civil.
- A titular das contas bancárias a informar é a própria requerente do inventário, pelo que a sua postura de recusa em dar o seu assentimento à informação configura, no mínimo, um abuso.
- A informação bancária respeita a período de tempo e a momento da vida em comum dos cônjuges,
- Finalmente, e mais primordial, estando em causa uma partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre cônjuges e, invocando um deles que fazem parte do património comum montante em dinheiro de contas bancárias existentes à data do divórcio - 13-11-2009 – em termos de certeza e segurança jurídicas, para se aferir do alegado património comum, tal diligência é imprescindível ao apuramento dos bens comuns do casal, tanto mais que o cônjuge requerente tem o dever, como cabeça de casal, de os relacionar devidamente.
Como se sublinha no Ac. do STJ de 14/1/97 “o direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra o «civilizado» artº 1º do CPC, se privilegiasse a «justiça» privada!) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português (veja-se designadamente o artº 519º do CPC, quer antes quer depois da recente reforma)” - BMJ 463, 472 -.
“Os interesses protegidos com o sigilo devem ceder na medida necessária à satisfação de outros direitos quando, no caso concreto, se mostre a prevalência destes. Será designadamente o caso quando, para a realização de direitos de natureza subjectiva, por via jurisdicional, seja necessária a cedência do sigilo para tal realização, assumindo-se esta, em função do concreto direito em causa, como superior aos interesses protegidos pelo sigilo, pelo prisma dos valores e princípios da colectividade, constitucionalmente consagrados e os que resultam do ordenamento jurídico como um todo” – citado acórdão desta Relação, no Recurso 1914/08-2.
No caso sub iudice mostra-se razoável que os interesses protegidos com o sigilo bancário, como seja a reserva da vida privada da apelada, de cariz patrimonial, sejam arredados pela vontade do ora apelante de fazer relacionar, enquanto cônjuge e cabeça de casal, todos os bens que integravam precisamente o seu património comum, já que de outra forma não tem meio de obter a sua identificação e montante, sendo que esses bens se reportam ao período de tempo em que perdurava o matrimónio, ou seja em que haveria uma vida privada comum.
In casu, na ponderação do interesse na administração da justiça e dos valores que determinam o sigilo bancário, segundo o critério do interesse preponderante ou prevalecente, pode concluir-se que o primeiro deve sobrepor-se ao segundo.
Assim, é de deferir o requerido.

Sumariando:
1. Segundo o critério do interesse preponderante ou prevalecente, na pendência de inventário subsequente a divórcio, o interesse na administração da justiça prevalece sobre os valores que determinam o sigilo bancário, como a reserva de intimidade da vida privada, na sua vertente patrimonial, de um dos cônjuges, quando a obtenção da informação relativa a contas bancárias é imprescindível ao relacionamento dos bens que possam integrar esse património comum e reporta-se ao período de tempo de vida conjunta do casal.

*
III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em deferir o requerido levantamento de sigilo bancário.

Custas pela parte vencida a final.


Guimarães, 10 de Novembro de 2011
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b08bb15c3ff37a0c8025796500532590?OpenDocument

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