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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

ALIMENTOS A FILHO MAIOR ÓNUS DA PROVA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 07-12-2011


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1898/10.0TMLSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: ALIMENTOS A FILHO MAIOR
ÓNUS DA PROVA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07-12-2011
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: Os alimentos que estão em causa no art. 1880 do CC são os alimentos educacionais, que são os mesmos alimentos que estão em causa nos arts. 1878, 1879 e 2003/2, todos do CC, embora com pressupostos de atribuição mais exigentes, que resultam da cláusula da razoabilidade da exigência prevista no artigo 1880. II. O critério do art. 1880 está na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam o conceito de razoabilidade e (in)exigibilidade nele presentes. III. Quanto às possibilidades económicas dos progenitores há que atender ao património do devedor. IV. Quanto às possibilidades do credor (filho maior estudante), elas não são representadas pelo património dele, mas sim pelos rendimentos que este possa produzir. V. É aquele que se arroga do direito a alimentos do art. 1880 que tem de provar em concreto as possibilidades económicas do devedor e as suas (dele, credor) necessidades. Na dúvida sobre tais factos, deve ser ele o prejudicado (art. 516 do CPC).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

“A” (= requerente), maior, requereu, em 06/10/2010, que a sua mãe “B” fosse condenada a pagar-lhe uma pensão de alimentos de pelo menos 700€ mensais, actualizáveis.
Alega que ainda menor foi entregue aos avós maternos, ficando o pai de lhe pagar uma pensão alimentar actual de 600€ e a mãe nada, por não o poder fazer (por ter 84% de incapacidade, ter de tomar medicação para toda a vida e ser totalmente dependente de terceiros e por isso estava a viver num lar, pagando os avós 1060€ mensais); em meados de 2009, os avós maternos faleceram e deixaram à requerida o usufruto de um prédio (e a raiz à requerente), de que ela retira, mensalmente, 2.867,66€ de rendas, mais uma pensão de invalidez de pelo menos 270€. A requerente está a estudar, com aproveitamento, pagando uma mensalidade de 190€; está a tirar a carta de condução e isso envolve despesas; “como toda a situação em que cresceu e sempre viu que a requerida tinha problemas, tudo isso foi mexendo e actualmente precisa de ser acompanhada por um psicólogo principalmente desde o falecimento dos avós”, pagando 310€ mensais; tem de pagar 600€ mensais de renda da casa onde vivia com os avós; e, também mensalmente, 14,05€ de transportes públicos, 30€ para material escolar, 40€ para vestuário e calçado, 350€ para alimentação, 40€ para água, electricidade e gás (no total de 1574,05€).
A mãe (= requerida) opôs-se, alegando que só recebeu uma das rendas de um dos contratos; a requerente não teve aproveitamento escolar num dos anos; os 600€ que recebe do pai são suficientes; não é essencial a carta de condução; não se vê razão para o acompanhamento psicológico; se não pode pagar 600€ mensais de renda da casa não deve aceitá-la, podendo continuar a viver com a tia, como já vem vivendo; a requerida gasta mensalmente 50€ em serviços médicos e remédios; 500€ em alimentação saudável; 95€ num ginásio (estes três gastos, nestes termos, recomendados por um médico); 307€ num instituto superior; 15€ em água, 35€ em electricidade; 35€ em gás; 215,53€ de imposto municipal sobre imóveis; terá de pagar taxa de esgotos e imposto sobre o rendimentos de pessoas singulares; terá que gastar 15% das rendas que recebe na manutenção do prédio de que é usufrutuária; para além de outras despesas comuns; para suportar as suas despesas já teve que recorrer a ajuda de terceiros; e foi por não ter rendimentos suficientes que teve que deixar o lar onde os seus pais a tinham colocado. A requerente não convive com a requerida, nem sequer a procura ou respeita.
Nas alegações depois da tentativa de conciliação, a requerente desenvolve o alegado, designadamente dizendo ter passado de ano e ter entrada no ensino superior, e impugna parte das despesas alegadas pela requerida, designadamente a necessidade dos 15% para a manutenção do prédio.
A 28/10/2010, a requerente informou os autos que o seu pai tinha falecido três dias antes e que com isso a sua situação se tinha agravado por ter perdido a pensão de 600€ que este lhe dava (para além de lhe pagar as despesas escolares, de roupa, alimentação).
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No início da audiência de julgamento a 06/10/2010, a requerida pediu que a requerente indicasse quais os bens que lhe couberam na qualidade de única herdeira do pai.
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Em resposta a requerente diz não saber se será a única e universal herdeira
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A 26/01/2011, a requerente junta comprovativos de duas acções pendentes contra o seu pai, e diz que terá de pagar, com o dinheiro que o pai lhe deixou, o funeral do pai, no valor de 2.373,62€, e 2.711,75€ com despesas com uma sociedade de advogados que tratou das questões burocráticas relacionadas com a habilitação de herdeiros que teve que ser feita de acordo com as leis de onde o pai era natural. Junto com os documentos que entregou, consta um comprovativo de imposto de selo, relativo a participação de transmissões gratuitas.
Notificada, a requerida diz que este último documento prova a transmissão a favor da requerente em propriedade plena de a) uma fracção autónoma de um prédio urbano sito no município de Lisboa, com um valor venal certamente não inferior a 80.000€; b) 30.011,61€ de uma conta bancária; e a totalidade das quotas de sociedade comercial com o capital social de 5000€, proprietária do bar “…l”, aberto, em funcionamento e com razoável clientela, a que atribui valor superior a 80.000€. E acrescenta que a requerente omite as quantias que recebeu ou vai receber da segurança social a titulo de subsídio de morte e de funeral do pai, as quais não são de montante inferior aos da factura junta pela requerente. Quanto aos encargos com a sociedade de advogados, diz que são espúrios e incompreensíveis a não ser que, para além dos bens já mencionados a herança se estenda também a outros bens e direitos de que o falecido fosse titular localizados no Reino Unido da Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte e que, certamente por esquecimento, a requerente não tivesse manifestado fiscalmente.
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Depois do julgamento, foi proferida sentença condenando a requerida a pagar à requerente uma pensão de alimentos de 350€ mensais, devidos desde a data de instauração da acção.
A requerida recorre desta sentença - para que seja revogada e substituída por outra que a absolva do pedido ou no máximo a condene a pagar 100€ mensais de alimentos (e apenas enquanto ela estudar e tiver bom aproveitamento escolar) -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se sintetizam minimamente):
1. A requerida não pode dispor de 1.378€ mensais, uma vez que cerca de 378€ mensais correspondem a carga fiscal em sede de IMI e de IRS, razão pela qual apenas pode dispor de 1.000€.
2. Ainda que a requerida tenha direito ao valor acumulado das rendas vencidas e que já reclamou em sede própria relativamente ao arrendamento do 1° andar do prédio de que é usufrutuária, tal rendimento não pode ser considerado como recebido pela requerida, uma vez que, atendendo a que o antigo arrendatário há muito deixou esse 1° andar sem nada pagar, será muito difícil encontrar bens ou rendimentos do mesmo susceptíveis de pagar esse valor acumulado.
3. É notória a desproporcionalidade entre os rendimentos de que a requerida pode dispor e a pensão alimentar fixada para a sua filha, tendo em conta as despesas da requerida que ficaram provadas
4. Não é proporcional impor à requerida uma pensão alimentar superior a 100€, nas condições de que actualmente beneficia, pois toda a demais quantia que ela recebe está alocada às despesas a que tem de fazer face designadamente as que decorrem da lei (despesas fiscais) e as que decorrem das suas doenças e condições de vida, para mais sendo essa quantia devida desde a instauração da acção o que, no caso da condenação, implica o pagamento imediato de mais de 2000€, que a requerida não possui.
5. A requerente obteve de seu pai bens que são suficientes para ela prover à sua subsistência, já que residindo em casa da tia paterna (como provado ficou no ponto 16) não necessita da fracção autónoma que pertencia a seu pai (e a qual antes não utilizava) e poderá vendê-la, com isso podendo encaixar uma quantia avultada que a irá tirar de vez de quaisquer dificuldades.
6. As quotas da sociedade comercial são seguramente as quo-tas do bar de que o pai da requerente era proprietário e que poderão agora ser utilizadas por ela na prossecução da mesma actividade, dela retirando os rendimentos necessários ao seu sustento, podendo continuar a estudar e a valorizar-se para o futuro.
7. Os mais de 30.000€ em numerário que a requerente recebeu fazem como que ela tenha dinheiro para prover de imediato ao seu sustento.
8. A sentença violou o disposto nos n°s 1 e 2 do art. 2004° do Código Civil.
A requerente contra-alegou concluindo pela improcedência do recurso, dizendo, no que minimamente importa:
1. Os bens deixados pelo óbito não dão para a requerente fazer face à sua vida, o que é fácil discernir a qualquer homem comum.
2. Além dos rendimentos provados, a requerida tem uma fracção no prédio que se encontrava vazia, e pode até já estar arrendada, o que se desconhece, sendo que a renda que a última pessoa que lá estava pagava era de 1.500 €.
3. A carga fiscal sobre as rendas de que a requerida fala não poderá ser analisada em sede de recurso, pois não foi discutida em sede nem apresentada prova.
4. Se a requerente está a viver em casa da tia materna por não ter para onde ir, terá que ir viver para esta fracção, pois a casa da tia não tem condições para que a requerida viva eternamente numa sala, e sem um sitio ou local para ter o seu espaço ou roupa.
5. Quanto ao dinheiro que à data do óbito era de 30.110,61€, quase um ano depois não se pode exigir que o mesmo esteja intocável, aliás o mesmo já quase não existe, porque a requerente teve de mexer no mesmo para poder face às suas despesas diárias e teve de ir a Londres saber se existiam bens e mais herdeiros e foi com esse dinheiro que pagou viagens, a transladação das cinzas do pai, a estadia, os custos de certidões, a habilitação de herdeiros.
6. Quanto às quotas da sociedade a mesma já foi encerrada e tinha a ver com a actividade imobiliária, mas já há mais de um ano há data do falecimento do pai da recorrida estava a dar prejuízo, não recebendo o mesmo qualquer proveito da mesma.
7. Não gasta a requerida 50€ mensais em medicação, pois a sua medicação é grátis e os recibos que apresentou como prova documental são essencialmente de medicação bebível para emagrecer.
8. Não gasta a requerida 500€ em alimentação, este dinheiro dá para sustentar uma família. O facto de ter uma alimentação equilibrada não implica esse gasto desproporcional, coma menos em restaurantes e compre os alimentos e confeccione-os em casa poupa muito dinheiro para poder dar a pensão à filha e para outras despesas.
9. A requerida alega que não tem dinheiro para dar tudo de uma vez desde a instauração da acção, o que é um disparate pois como sabe ou deverá aconselhar-se perante o seu advogado, há mecanismos e acordos que podem ser feitos entre ambas as partes.
10. Como pode a requerida ter coragem de impor que a filha viva em casa da tia materna sem condições? E afirmar que a requerente não necessita da fracção que o pai deixou? A tia não tem qualquer obrigação de sustentar e ter a sobrinha a viver consigo, essa obrigação é sim da mãe.
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Questões que importa solucionar: se a requerente (não) tem necessidades alimentares que não possa satisfazer (questão levantada pelas conclusões 5, 6, 7 e 8 do recurso da requerida) e se a requerida (não) tem possibilidades para satisfazer essas necessidades (questão levantada pelas conclusões 1 a 4 e 8); no caso de se concluir que a resposta a estas duas questões é afirmativa, então fica por saber qual o valor concreto da prestação alimentar a ser fixada, de acordo com aquelas necessidades e com estas possibilidades (questão que se pode ter como levantada pela conclusão 8).
*
São os seguintes os factos dados como provados:
1. A requerente nasceu a 19/06/1991, em Londres, Reino Unido, e é filha de “C” e da requerida.
2. Por sentença de 07/07/1998 proferida no processo de regulação do poder paternal que correu termos no 2º juízo, 3ª secção do TFML, a requerente foi confiada aos cuidados dos avós maternos, tendo o pai ficado obrigado a pagar uma pensão de alimentos no valor de 90.000$, actualizada para 600€.
3. A 15/03/2001 foi atribuída à requerida uma incapacidade permanente global de 84%.
4. Em 2004 um médico procedeu a uma avaliação da incapacidade da requerida e concluiu que a mesma sofre de “doença bipolar com cerca de 25 anos de evolução, com episódios maníacos mistos e depressivos”.
5. À requerida foi atribuída uma pensão de invalidez que no ano de 2009 tinha o valor mensal de 271,40€.
6. Os avós maternos da requerente, com quem esta vivia, faleceram, respectivamente, em Julho e Setembro de 2009.
7. Deixaram à requerida o usufruto do prédio sito na Rua …, n.º … e à requerente a nua propriedade desse prédio.
8. No início de 2010, em data não exactamente determinada, a requerida mudou-se para o 4º andar do prédio que lhe foi dado em usufruto.
9. A requerida recebe de rendas do imóvel que lhe foi dado em usufruto 1378€ mensais.
10. Tem ainda arrendado o 1º andar do n.º … da Rua …, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado a 24/06/2009 e a renda acordada de 1500€ (contrato junto como documento 9 dado por integralmente reproduzido).
11. No ano lectivo de 2009/2010 a requerente frequentou o 12º ano de escolaridade no externato …, pagando uma mensalidade de 190€.
12. A requerida nunca contribuiu para o sustento da requerente.
13. O pai da requerente faleceu a 25/10/2010 pelo que deixou de contribuir para o seu sustento.
14. Nos meses de Abril e Maio de 2010 a requerente pagou de renda mensal pelo locado sito na Rua …, n.º …, 2º andar e que era a residência dos avós maternos, o valor de 600€.
15. A requerente tem acompanhamento psicológico.
16. Actualmente e desde data não exactamente determinada reside em casa da tia materna por não ter possibilidades de manter o pagamento da renda supra referida.
17. A requerida paga serviços médicos e remédios para seu consumo que montam a cerca de 50€ mensais.
18. Foi-lhe recomendado pelo médico que frequentasse ginásio, o que faz, pagando mensalidade em valor não determinado.
19. Foi também aconselhado à requerida pelo seu médico que ocupasse o seu tempo, nomeadamente estudando.
20. Assim, a requerida encontra-se a frequentar o 2º ano de um curso no Instituto de Psicologia Aplicada e paga 307€ de propinas mensais.
21. Tem gastos mensais com água no valor de cerca de 15€.
22. Paga cerca de 35€ mensais de electricidade.
23. Paga cerca de 35€ mensais de gás.
24. A requerida necessita de manter uma alimentação equilibrada, com o que gasta quantia não apurada.
25. A requerida pagou em Julho de 2010 de IMI referente ao ano de 2009 e ao imóvel de que é usufrutuária o valor de 215,53€.
26. A requerente está matriculada na escola superior de educação … e frequenta no ano lectivo de 2010/2011 o 1º ano do curso de licenciatura em educação básica.
27. A requerente pagou 345€ de matrícula no referido curso e mais 96€ de seguro escolar.
28. Paga uma propina mensal no valor de 322,95€.
29. A requerente tem despesas médicas/medicamentosas em valor não exactamente determinado.
30. Paga ainda o passe social.
31. A requerente não trabalha, nem tem meios de sustento, pelo que são terceiros, nomeadamente a tia materna quem suporta as referidas despesas, sem prejuízo de eventual ressarcimento.
32. A requerente é a única herdeira por óbito de seu pai.
33. Os bens que constituem o acervo hereditário por óbito do pai são uma fracção autónoma do prédio sito na freguesia de …, em Lisboa e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1371; 30.110,61€ correspondente ao saldo de uma conta bancária e as quotas de uma sociedade comercial.
34. O pai da requerente tinha a correr termos contra si duas acções para pagamento de quantia certa respectivamente no 9º e 10 juízos cíveis de Lisboa. Nessas acções foi declarada suspensa a instância por óbito do requerido.
35. A requerente pagou 2373,62€ à agência funerária …, Lda, relativamente ao funeral e despesas inerentes ao funeral de seu pai.
*
Dos alimentos do art. 1880 do CC
Por força do art. 1878 do CC, compete aos pais, no interesse dos filhos, prover ao seu sustento, sendo que o sustento que aqui está em causa é a faculdade-dever de prestar alimentos, “no sentido mais amplo da expressão (arts. 1878/1 e 2003/1)” (Antunes Varela, CC anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1995, pág. 332), ou seja, englobando tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentando (art. 2003 do CC).
O art. 1880 do CC diz que se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
O art. 1879 do CC – o tal artigo anterior - diz que os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos [menor não emancipado, clarifica Antunes Varela, obra citada, pág. 334] e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.
*
Da atribuição dos alimentos do art. 1880 do CC
Os alimentos que estão em causa no art. 1880 do CC são os alimen-tos educacionais [a expressão é de João P. Remédio Marques, em Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores) versus o dever de assistência dos pais para com os filhos (em especial filhos menores), Coimbra Editora, 2000, que também a utiliza no seu trabalho Obrigação de alimentos e registo civil - http://www.fd.uc.pt/cenor/images /textos/publicacoes/20100730_alimentoseregistocivil.pdf)], que são os mesmos alimentos que estão em causa nos arts. 1878, 1879 e 2003/2, todos do CC, embora com pressupostos de atribuição mais exigentes, que resultam da cláusula da razoabilidade da exigência prevista no artigo 1880 do CC, cláusula que inclusive poderá levar à diminuição do respectivo montante (de algum modo neste sentido, veja-se o ac. do TRL de 24/02/2005 - 1198/2005-6: tal critério não poderá deixar de passar, antes de mais, por aquela prestação dever circunscrever-se, com parcimónia, ao estritamente justificado com o sustento, segurança, saúde e educação do beneficiário e dentro do que for aceitável, por comedido, para cada um daqueles encargos. Não se podem exigir alimentos para gastos supérfluos ou dispêndios injustificados).
Assim, Remédio Marques entende que o critério do art. 1880º do CC está na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam o conceito de razoabilidade e (in)exigibilidade nele presentes (págs. 261/262 – neste sentido, o autor cita, no outro estudo referido acima, 5 acórdãos: do TRP de 18/02/1993, in CJ1993,I, 233 ss; do TRP de 17/02/1994, in CJ1994,I, p. 240/241 (que explica bem a questão), do TRL de 27/04/1995, in CJ1995.II, págs. 125/126; do STJ, de 23/09/1997, in BMJ 469, págs. 563 a 569 (o sumário também está publicado na base de dados do ITIJ) e do TRP de 26/09/2002, 0231127 da base de dados do ITIJ, mas este só o sumário).
Maria Clara Sottomayor entende que a cláusula de razoabilidade do art. 1880 deve interpretar-se no sentido económico, de proporção entre os meios do alimentante e as necessidades do alimentado e nota que em sentido algo diferente se pronuncia o ac. do TRP de 17/02/1994 (Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, Almedina, 1997, pág. 132, nota 284 – este último acórdão é aquele citado acima por Remédio Marques).
Remédio Marques chama a atenção para esta diferença de posições, mas logo reconhece que a posição de Maria Clara Sottomayor, quando afirma o relevo dos factores puramente objectivos, não afastará a relevância dos demais pressupostos (obra citada, na pág. 266, nota 366).
A jurisprudência tem seguido maioritariamente a exigência dos pressupostos objectivos e subjectivos. Assim, para além dos já referidos por Remédio Marques, vão ainda nesse sentido os acórdãos do STJ de 13/07/2010 (202-B/1991.C1.S1); de 12/01/2010 (158-B/1999.C1.S1 – só sumário); de 08/04/2008 (08A493) entende que “a lei estabelece como requisitos a necessidade do filho maior, por não ter meios económicos para sustentar as despesas com o custeio da sua formação profissional após a maioridade, e a razoabilidade de exigir aos pais esse dever de contribuição. Neste requisito da razoabilidade, obviamente, que deve entrar como factor de apreciação a conduta do filho e a consideração da sua peculiar situação, sob pena de podermos até transigir com situações de abuso do direito. A eventual culpa grave do filho deve ser apreciada dentro duma perspectiva de razoabilidade da exigência de alimentos, atendendo à sua situação e à dos pais”; e do TRG de 12/07/2011 (423/10.7TBBCL.G1); do TRP de 26/02/2009 (0837762); do TRL de 06/12/2007 (7394/07- 8 no sítio da PGRDL); do TRP de 09/03/2006 (0630895); do TRP de 04/04/2005 (CJ2005.II, págs. 173 a 177 = 0551191); do TRL de 18/01/2000, na CJ.2000.I, págs. 79 a 81; e do TRP de 19/12/1996, CJ96.V, pág. 220.
*
Os alimentos do art. 1880 do CC e a obrigação geral de alimentos
Que os alimentos que estão em causa nos arts. 1880 e 2003/2 do CC são, no essencial, os mesmos [embora com pressupostos de atribuição diferentes e podendo conduzir a valores diferentes], resulta também do que diz Maria Clara Sottomayor, obra citada, pág 132, que aliás faz uma proposta de interpretação correctiva do art. 2003/2 do CC, de modo a adequá-lo ao disposto no art. 1880 que define a noção de alimentos a maiores por remissão para o art. 1879 do CC (pág. 133), interpretação correctiva que é seguida no ac. do STJ de 23/09/1977, BMJ. 469, págs. 563 a 569; no mesmo sentido, vão os acórdãos do STJ de 13/07/2010 (202-B/1991.C1.S1) e o ac. do STJ de 15/12/2005 (05B4101: Este último normativo não pode ser interpretado a contrario sensu, em termos de se concluir que os filhos que atingiram a maioridade não podem obter ajuda dos pais no que concerne a despesas com a sua instrução (art. 1880º do CC).
No entanto, contra, veja-se o ac. do STJ de 02/10/2008 (08B472) que estabelece uma diferença entre os alimentos do art. 1879 e os do art. 1880: Diferentemente do que o artigo 1879º dispõe quanto a filhos menores, o art. 1880º do CC apenas obriga os pais a suportar tais despesas “na medida em que seja razoável” e “pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”). O ac. do TRL de 10/09/2009 (6251/08-2) também faz uma distinção: enquanto que no caso dos alimentos do menor sujeito a poder paternal, os alimentos tenderão a proporcionar ao menor condições de vida semelhantes à dos seus progenitores, no caso de alimentos devidos a maiores, os alimentos destinam-se essencialmente a suprir as necessidades básicas do alimentando, sem prejuízo de, quando o filho maior seja ainda convivente com um dos progenitores, os alimentos que lhe sejam devidos, também poderem ter como objectivo o proporcionar de condições semelhantes às do outro progenitor.
A verdade é que o que se quer dizer quando se afirma que os alimentos do arts. 1879 e 1880 do CC são os mesmos, é apenas sublinhar que, apesar do art. 2003/2 sugerir que no caso de alimentos a maiores não estão em causa a instrução e educação do alimentando, a verdade é que estão.
Aliás, as diferenças entre os alimentos educacionais e a obrigação de alimentos em geral, já foram sendo referidas acima e elas existem também a nível processual, como se vê nos acs. do TRP de 26/1/2004 (0356365) e no ac. do TRG de 16/03/2010 (29/10.0TBFLG.G1): os filhos maiores que precisem de alimentos e não estejam a estudar não se podem servir do processo especial do art. 1412 do CPC, mas sim do processo comum.
*
Dos pressupostos objectivos e subjectivos dos alimentos do art. 1880 do CC
“Os pressupostos objectivos prendem-se com as possibilidades económicas do jovem maior (rendimentos de bens próprios, rendimentos do trabalho) e com os recursos dos progenitores. Os pressupostos subjectivos atinam, no essencial, a todas aquelas circunstâncias ligadas à pessoa do credor que modelam e estão na génese do prolongamento desta obrigação” (ainda daquele autor, pág. 266).
Assim, os pressupostos objectivos têm a ver, no essencial (com as adaptações decorrentes de se estar perante alimentos educacionais a prestar pelos pais e com a cláusula da razoabilidade prevista no art. 1880) com os factores e as regras previstas no art. 2004 do CC para a medida dos alimentos, artigo que diz que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los e que na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência [contra, o ac. do TRG de 04/03/2010 (115/09.0TBMNC.G1) entende que a cláusula de razoabilidade inserta no art. 1880º do CC aponta para critérios de proporcionalidade estranhos aos constantes do art. 2004º do CC), mas este acórdão quererá referir antes “para além dos constantes do art. 2004”].
*
Das possibilidades económicas dos progenitores
Quanto às possibilidades económicas dos progenitores diz João P. Remédio Marques (págs. 266/267) que, “tal-qualmente ocorre em sede geral da obrigação de alimentos prevista no art. 2003 e segs do CC, também aqui há que atender ao património do devedor e aos rendimentos líquidos dessa massa patrimonial.
Depois, há que subtrair as quantias suficientes para satisfazer as respectivas necessidades básicas (mínimo de auto-sobrevivência).”
O devedor terá, com o resultado desta subtracção, de contribuir para as necessidades do credor que se apurarem e que não sejam cobertas com as possibilidades deste.
*
Das possibilidades do maior alimentando – o que interessa são os rendimentos que o património pode gerar
Quanto às possibilidades do credor (filho maior estudante), elas, de forma diferente do que resultaria da consideração apenas do disposto no art. 2004, não são representadas pelo património dele, mas sim pelos rendimentos que este possa produzir.
Ou seja, e como diz Remédio Marques, “ao invés da comum obrigação de alimentos” “a consideração dos bens próprios do filho maior não deve constituir facto impeditivo da efectivação do dever [de alimentos], principalmente se esses bens não produzem rendimentos” (pág. 268 – [em vez da parte em parênteses recto, está escrito ‘dos bens’, mas trata-se de óbvio lapso de edição]).
E isto porque quem deve prover aos “alimentos educacionais” dos filhos são (como decorre do art. 1880 do CC) os pais e não os filhos, pelo que tendo os pais património ou rendimentos que lhes permitam suportar esses alimentos, são eles que o têm de fazer, e não o património dos filhos.
É o que explica Antunes Varela (obra citada, págs. 335/336), embora a propósito da norma do art. 1879 do CC (que, ao fim e ao cabo também trata dos alimentos “educacionais” e por isso o respectivo raciocínio pode ser aproveitado):
“Falta na lei um critério firme, seguro e completo sobre a repartição dos encargos da vida familiar entre pais e filhos. […] Nas situação intermédias [entre aquelas em que os filhos não têm bens e aquelas em que os pais não têm bens], em que os pais podem, eventualmente com algum sacrifício, custear as despesas com o sustento, a segurança, a saúde e a educação dos filhos, mas alguns deles […] dispõem já de bens próprios em condições de poderem comparticipar nessas despesas, devem os gastos ordinários com a satisfação das necessidades de cada filho ser suportadas pelos pais (sem embargo do disposto no art. 1874/2 do CC) por se tratar de um dever prioritário dos cônjuges, como fundadores do lar e criadores da família.”
E mais à frente:
“Os filhos menores vão principiar a sua vida activa e, por isso, a integridade do seu património próprio deve, quanto possível, ser preservada”
No mesmo sentido, Maria Clara Sottomayor, obra citada, pág. 132.
E Remédio Marques: “É que, neste particular, ao invés da comum obrigação de alimentos, mostra-se altamente desaconselhável a alienação ou oneração do próprio capital ou do património desse filho, por isso que este servirá para, ultima ratio e uma vez ultimada a formação profissional, propiciar a respectiva colocação […] – para mais quando os progenitores não têm o dever jurídico de colocar ou estabelecer os filhos” (págs. 268/269).
Daí que, como dizia imediatamente antes Remédio Marques: embora raro […] a titularidade por parte d[o] filho de património próprio (maxime, se produtor de rendimentos) deve ser levada em conta não só como pressuposto do reconhecimento do direito a estes alimentos, mas, também, como factor de quantificação ou medida dessa obrigação” [o sublinhado foi agora introduzido].
Em suma e dito de outro modo: se o património do filho produz ou é susceptível de produzir rendimentos, deve ser tomado em conta para ver se ele tem necessidade de alimentos e em que medida. Senão, não.
*
Do ónus da prova
Todos estes pressupostos referidos acima são os elementos constitutivos do direito do arrogado credor de alimentos e têm de ser provados por ele (art. 342/1 do CC). E como esses factores de atribuição são também factores que influenciam o montante de alimentos, é ele que terá de provar em concreto as possibilidades económicas do devedor e as suas (dele, credor) necessidades. Na dúvida sobre tais factos, é ele, credor, o prejudicado (art. 516 do CPC).
Ou como diz Eduardo dos Santos: “[…] os requisitos para a existência do crédito alimentar são três: a) a falta de meios de subsistência do alimentando; b) a possibilidade do credor; c) e as possibilidades do obrigado. Estes, os requisitos que a lei exige para a existência do direito a alimentos. Todos os três têm de cumular-se. O crédito só existe quando todos eles se cumulem. Faltando algum, não existe nem crédito nem dívida de alimentos. E são também esses requisitos que servem de medição dos alimentos” (Direito da Família, Almedina, 1999, págs. 645/646).
Ou seja, se ele só tem o direito a alimentos se as suas necessidades forem de X e as suas possibilidades de Y, sendo aquelas superiores a estas, é ele que tem de provar o valor de umas e outras para se apurar a diferença que terá de ser satisfeita pelo obrigado a alimentos.
Assim, o filho terá de provar o montante das suas necessidades e que não dispõe de rendimentos para as satisfazer total ou parcialmente, de modo a apurar qual o valor daquelas que terão de ser satisfeitas pelo progenitor.
E dir-se-ia ainda que teria de provar que o progenitor tem bens ou rendimentos capazes de assegurar essas necessidades insatisfeitas, mas quanto a este ponto a questão não tem interesse para o caso, como se verá à frente, e é controvertida - como se vê, por exemplo, no ac. do STJ de 09/06/2005 (05B1196) que entendeu que conforme nº 1 do art. 342 CC, a prova das possibilidades do obrigado a alimentos incumbe ao alimentando, na sua qualidade de autor; mas quando o réu oponha a sua falta de possibilidades, é a ele que, consoante nº 2 daquele mesmo artigo, incumbe a prova dessa excepção, acórdão que tem uma declaração de voto a defender que o alimentando é que tem o ónus de prova dos factos integrantes da possibilidade de o alimentante prestar os alimentos, sendo que a falta de possibilidades do último se traduz em impugnação motivada e não em excepção. A posição da maioria que votou o acórdão baseia-se na posição de Vaz Serra, Obrigação de alimentos, BMJ. 108, págs. 121/122, que, na síntese feita por Eduardo dos Santos (pág. 648) diz: “se a possibilidade de prestação de alimentos é um facto constitutivo do direito do autor, a esse incumbe prová-lo; se, pelo contrário, a impossibilidade de os prestar é um facto impeditivo do direito do autor, então cabe ao réu fazer a correspondente prova”. E a propósito de uma questão conexa (para efeitos das acções contra o FGAM), a jurisprudência está dividida, entre aqueles que entendem que o ónus da prova da impossibilidade de alimentos cabe do devedor dos mesmos, como facto impeditivo do direito a alimentos (assim neste sentido, apenas por exemplo e por último, o ac. do TRP de 21/06/2011 (1438/08.0TMPRT.P1) que diz que “neste sentido parece ser também a lição de Remédio Marques, obra citada, 2000, pág. 185, “parecer” que resulta do facto deste autor na mesma pág. qualificar as possibilidades do progenitor como facto constitutivo da obrigação de alimentos…; no sentido contrário, também apenas por exemplo e por último, veja-se o ac. do TRL de 05/05/2011 (4393/08.3TBAMD.L1.2); numa variante, o ac. do TRL de 20/01/2011 (7880/08.0TBALM.L1-2) tem um considerando no sentido de que as despesas pessoais do requerido devem ser provadas por este; no ac. do TRL de 15/09/2009 (1071/06.1TMLSB.L1-1) estabeleceu-se, no texto, implicitamente, uma outra variante: entendeu-se que é o requerido que tem que provar que algo que existe no seu património não é relevante.
Normalmente, porque é raro (“é raro, mas, de todo o modo, verificável, se, por exemplo, um dos ascendentes falece ou se o filho maior adquire bens ou direitos inter vivos ou mortis causa”, como diz Remédio Marques, obra citada, pág. 268) o filho ter bens, ele cumpre o ónus desta prova limitando-se a provar que não tem bens. Mas, se ele tiver bens e entender que esses bens não produzem rendimentos capazes de satisfazer total ou parcialmente as suas necessidades, é ele que o terá que alegar e provar. O que aliás é perfeitamente razoável, pois tais factos dizem respeito à sua esfera jurídico-patrimonial.
Por ser raro que tal aconteça, em geral a questão não se discute (existe no entanto um caso em que, tratado o assunto directamente, o ónus da prova é posto a cargo do credor de alimentos. É o caso do ac. do TRP de 10/01/2005 (0456762): I - A obrigação dos pais prestarem alimentos a filho de maioridade – art. 1880 do Código Civil - pressupõe que seja razoável tal imposição, em função das necessidades reais do alimentando. II - Não existe essa real necessidade se o requerente de alimentos vendeu duas fracções autónomas prediais, pelo preço de 40.000 contos, e com tal preço, adquiriu, no espaço de um ano, dois automóveis de marca prestigiada, actos que revelam uma gestão pouco cuidada dos seus rendimentos e/ou património. No texto diz-se: “Pretende o requerente/apelante que do simples negócio constante da escritura de compra e venda das fracções e da consequente percepção do valor do preço declarado na mesma, isto é, 40.000.000$, não resulta desde logo que existam rendimentos do alimentando que afastem a obrigação de prestação alimentícia por parte do progenitor, tanto mais que as referidas fracções lhe pertenceriam tão só em raiz. Porém, salvo o devido respeito pelo entendimento contrário, tal afirmação carece de consistência em termos dos factos considerados provados, em função dos quais, e só deles, o juiz podia fundamentar a decisão; como facilmente, crê-se, o requerente/apelante concederá a ele cumpria alegar e provar (cfr. art. 342º do CC) a factualidade justificadora de que se encontrava na situação prevista no disposto no art. 1880º do CC, isto é, se encontrava numa situação de necessidade de alimentos a prestar pelo requerido, seu pai, por carecer de rendimentos profissionais ou outros que permitissem colmatar a sua natural necessidade e, bem assim, que se encontrava a completar a sua formação profissional e, por consequência, não era razoável que abandonasse tal formação para diligenciar, com o desempenho de actividade pertinente, por proventos necessários ao seu sustento.”
Mas a questão é tratada directamente, a propósito de outra, qual seja a de saber se os alimentos a menor cessam automaticamente com a maioridade, caso em que terá de ser o (a partir de então) maior a propor outra acção (ou um incidente à anterior, processada por apenso, como defende Remédio Marques, no estudo referido por último, posição que é aceite por alguns acórdãos do TRP) para obter os alimentos do art. 1880 do CC, ou se não cessam automaticamente, caso em que terá de ser o progenitor a ter que pedir a cessação dos alimentos fixados ao menor.
Ora, a este propósito, embora contra a maioria da doutrina (Pereira Coelho, Maria Clara Sottomayor e Remédio Marques, todos eles referidos nos acórdãos indicados a seguir), a jurisprudência tem entendido, quase que uniformemente, que os alimentos cessam automaticamente com a maioridade e que terá de ser o maior a pedir a manutenção da pensão ou uma pensão de alimentos nova, alegando e provando todos os pressupostos do art. 1880 do CC.
E é precisamente por serem pressupostos mais exigentes do que os dos alimentos a menores, a serem alegados e provados pelos maiores, que a jurisprudência tem entendido necessária a propositura de acção pelo maior (ou de um incidente na anterior).
É o que se pode ver nos acórdãos do STJ de 13/07/2010 (202-B/1991.C1.S1); do STJ de 02/10/2008 (08B472: na falta de acordo, torna-se necessário o reconhecimento judicial da obrigação de prover ao sustento do filho maior, o que implica a demonstração do preenchimento dos referidos requisitos enunciados no artigo 1880º do CC); do STJ de 31/05/2007 (07B1678); do STJ de 22/04/2008 (08B389: A obrigação de alimentos a filhos que atinjam a maioridade tem de ser fixada na acção prevista no art. 1412º do CPC, mediante a alegação e prova, por banda do impetrante, dos pressupostos vazados no art. 1880º do CC, não se mantendo, consequentemente, tal vinculação judicialmente fixada, em razão da maioridade, enquanto os progenitores não requerem a respectiva cessação; do STJ de 18/11/2004 (04B3524); do STJ (02B4379) de 23/01/2003 (02B4379); do STJ de 14/10/2000 publicado na CJSTJ2000III, pág. 90; do TRL de 09/06/2011 (227/05.9TMPDL-B.L1-2); do TRL de 12/10/2010 (1741/09.2TM LSB.L1-1: É aos filhos que compete alegar e provar tais pressupostos, pois a circunstância da multiplicação dos casos em que os filhos não completaram a sua formação profissional aquando da maioridade legal não justifica a presunção dos factos integrantes da causa de pedir relativa ao direito a que se reporta o art. 1880º do CC; do TRL de 10/09/2009 (6251/08-2 – estabelece distinção entre os arts. 1879 e 1880 a nível do ónus da prova: no 1º caso, o filho sujeito ao poder paternal não tem que provar a necessidade de alimentos, por ser da natureza do poder paternal prover ao sustento dos filhos. Ou seja, na situação a que se refere o art. 1879º CC serão os progenitores que têm o ónus de prova desta situação; já no caso do art. 1880, é o filho maior (ou emancipado) que tem que fazer a prova de que carece de alimentos e que o(s) progenitore(es) lhos podem prestar; do TRL de 06/05/2008 (2508/2008-1); do TRP de 26/02/2009 (0837762); do TRP de 21/02/2008 (0830752); do TRP de 26/01/2004 (0356365).
Contra a cessação automática dos alimentos, aderindo por isso à posição da doutrina, podem servir de exemplo, entre poucos outros, o ac. do TRP de 09/03/2006 (0630895) e o ac. do TRC de 03/05/2011 (223/06.9TMCBR-D.C1). Contra esta questão do ónus da prova, apenas se encontrou um único consideran-do implícito, no ac. do TRL de 15/09/2009 (1071/06.1TMLSB.L1-1) que, ao decidir uma das questões que se lhe punham, entendeu que a dúvida sobre o valor de um elemento patrimonial do requerente devia ser valorizada contra o requerido.
*
Das necessidades da requerente
As questões postas no recurso têm a ver com as possibilidades da requerida e as possibilidades da requerente. Mas para apreciação da questão das possibilidades desta para satisfazer as suas necessidades, tem que se saber quais são estas. E de resto, a conclusão 8 sempre imporia que se fixasse o valor destas como primeira fase do cálculo da medida dos alimentos.
Quais são então as necessidades da requerente destes autos não cobertas pelas suas possibilidades?
A sentença não diz qual é esse valor, mas como fixou a pensão alimentar em 350€ mensais, parte-se do princípio que é este o valor que entende como o necessário para a requerente.
Ora, o que de facto se apurou, de forma minimamente concretizada e com relevo para a conclusão do valor das necessidades da requerente, é o seguinte:
A requerente nasceu a 19/06/1991. Não tem pai. Reside em casa de uma tia materna. Está matriculada e frequenta uma escola superior pela qual paga uma propina mensal no valor de 322,95€. Tem despesas médicas/ medicamentosas. Paga o passe social. Não trabalha.
Perante isto, dir-se-ia que falta a prova de factos que permitam a conclusão de qual o valor das necessidades da requerente, para além do valor de 322,95€.
Apesar disso, pode-se aceitar que seria possível ir mais além, a partir da presunção natural ou judicial, de que qualquer adulto, necessita, para viver, pelo menos de um valor superior ao limiar da pobreza, que em Portugal era, em 2009, 433,91€ mensais (http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid =INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0004218&contexto=bd&selTab=tab2 - como em 2009 o salário mínimo nacional era de 450€ - DL 246/2008 de 18/12 – e em 2010 era de 475€ - DL 5/2010 de 15/01 – dir-se-ia depois que o limiar de pobreza seria, em 2010, data da pretensão da requerente, de 458€). Isto corresponde, pois, pelo menos, ao que qualquer adulto precisa para sobreviver (o tal mínimo de auto-sobrevivência de que, embora a outro respeito, fala Remédio Marques; ou ao “mínimo necessário a uma subsistência digna” de que fala o ac. do TC 96/2004 - note-se que é esta presunção natural, nem sempre assumida expressamente, que leva a que existam casos judiciais em que, sem que vejam factos a demonstrar as necessidades concretas dos requerentes, se parte do princípio de que têm encargos; assim, por exemplo, no ac. do TRL de 27/04/1995, referido acima; assim também, ao menos quando faz a síntese dos factos provados, o ac. do TRL de 24/02/2005 (1198/2005-6). Aquilo que nestes casos se costuma dizer é que o requerente não tem rendimentos e, logo a seguir, conclui-se que tem necessidade de alimentos. Neste acórdão – aquele que se está agora a relatar -, está-se a apenas a deixar expresso aquilo que ás vezes fica implícito).
Note-se agora que este valor, assim presumido, já englobaria, por isso, o sustento, habitação, vestuário, pelo que, para o ultrapassar, teria que se provar algo de mais em concreto, o que não é o caso quando se fala, sem concretizar valores, de passe social e de despesas médico-medicamentosas.
A este valor, que já engloba a habitação, poderia pensar-se em retirar uma parte pelo facto de a requerente viver com a tia materna. Mas se assim se fizesse, estar-se-ia, na prática, a impor à tia a obrigação de alimentos que cabe, em primeiro lugar, à mãe [art. 2009/1e) e c), respectivamente], pelo que não deve ser feita essa subtracção.
E a este valor far-se-ia acrescer o valor que a requerente provou pagar de despesas de educação, já que aquele valor do limiar da pobreza não engloba as despesas de educação. Estas são, pois, despesas que acrescem ao valor do mínimo de sobrevivência.
Note-se que a requerida podia discutir a necessidade de a requerente estar a frequentar a escola em causa, ou o valor da propina que paga. Mas não o fez e por isso não há que pôr em causa aquele valor.
A soma daqueles dois valores (o presumido e o provado em concreto das despesas escolares) daria o total de 780,95€ (= 458€ + 322,95€).
Estaria pois obtido o valor das necessidades mensais da requerente.
*
Do uso das presunções judiciais
Contra o uso destas presunções judiciais, poderia dizer-se, como resulta daquilo que diz o ac. do STJ de 30/06/2010 (284/07.3TTFIG.C1.S1), que a ilação tirada pelo tribunal da relação não pode dar como provada factualidade que, submetida expressamente ao crivo probatório, tenha sido dada como não provada. Ora, se ao fixar a matéria de facto, no tribunal recorrido se poderia ter logo dado como provado um facto global em que ficasse a constar pelo menos parte do que a requerente alegou quanto às necessidades alimentares, de electricidade e gás, transportes, necessidades médico-medicamentosas, etc, dizendo-se, por exemplo, que a requerente gastaria nisso tudo, pelo menos, o valor correspondente ao salário mínimo nacional ou ao rendimento de reinserção social, ou parte destes, ou a qualquer outro valor e fundamentando-se tal resposta com o recurso a presunções judiciais, e não se fez isso, dando-se como não provado tudo o mais que tinha sido articulado, não poderia agora este tribunal de recurso dar como provada tal matéria. Mas não é assim: o que o tribunal recorrido deu como não provado foi que as despesas fossem, nesta parte, do preciso montante alegado, ou seja, nesta parte, de 1044,05€.
*
Das possibilidades da requerente
Mas a esse valor teria que se deduzir o valor das possibilidades da requerente, para se apurar qual o valor das necessidades que ficariam por satisfazer.
No caso ficou provado que a requerente tem bens: os avós maternos da deixaram-lhe a nua-propriedade de um prédio em Lisboa que se sabe ter pelo menos quatro andares; o pai da requerente faleceu a 25/10/2010 e a requerente é a única herdeira do seu pai; os bens que constituem a herança deste são uma fracção autónoma de um prédio sito em Lisboa, 30.110,61€ numa conta bancária (de que a requerente já terá gasto 2.373,62€) e as quotas de uma sociedade comercial.
Em relação à nua-propriedade do prédio pode-se dizer que o mesmo não é susceptível de dar rendimentos à requerente, pela própria natureza do direito em causa, que é uma propriedade comprimida pelo usufruto (art. 1439 do CC). Os rendimentos são da requerida…não da requerente.
Quanto à conta bancária, sabe-se que ela pode dar (presume-se na-turalmente) um rendimento anual de cerca de 5%. Aceitando-se que o facto dado como provado em 35 tem a ver com esta conta bancária, então a requerente gastou 2.373,62€ de tal conta, sobrando 27.736,99€, com um rendimento anual de 1.386,85€ e mensal de 115,57€ (e assim sendo, pode-se aceitar como parcialmente procedente a argumentação constante da conclusão 7 do recurso da requerida; parcialmente, no sentido de que era um rendimento a ter em conta para a decisão; já não que o capital do saldo da conta bancária devesse ser utilizado para prover ao sustento da requerente, pelas razões já acima referidas, quanto à alienação do capital; quanto à conclusão 5 das contra-alegações da requerente, elas baseiam-se em factos não provados e por isso são irrelevantes, já que não houve recurso da matéria de facto).
Quanto aos outros dois bens nada se sabe: nem do que de facto se trata, nem do respectivo valor, nem do respectivo estado, nem para o que poderão ou não servir.
Isto mesmo é reconhecido pela sentença recorrida que diz:
“É certo que a menor será a única herdeira do falecido pai. No entanto e independentemente dos bens que compõem o acervo hereditário a situação não está suficientemente definida, sendo certo que a requerente carece de se sustentar todos os dias.”
Ou seja, a sentença põe em dúvida um facto dado como provado (no ponto 32) e reconhece a situação de dúvida quanto às possibilidades da requerente e depois decide essa dúvida a favor da mesma, contra a requerida.
Mas, como se tentou demonstrar acima, a dúvida teria que ser decidida contra a requerente, porque as possibilidades da requerente são parte da causa de pedir, isto é, facto constitutivo do direito da mesma aos alimentos do art. 1880 do CC (arts. 342/1 do CC e 516 do CPC).
Assim, não se podendo dizendo que as conclusões 5 e 6 do recurso da requerida estão certas (tal como não estão certas as conclusões 1, 4, 6 e 10 das contra-alegações – por todas elas se basearem em especulação sobre factos não dados como provados), a verdade é que por força da sua aprecia-ção se tem de concluir que os factos dados como provados – e que não foram postos em causa pela requerida nem pela requerente (em eventual pedido de ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do art. 684-A/2 do CPC) – não permitem dizer que a requerente não tem meios para prover às suas necessidades.
Isto é, a dúvida quanto ao facto de parte dos bens da requerente darem ou não rendimentos, dúvida que, como se disse acima, tem de ser valorada contra a requerente, por ser ela que se arroga do direito a alimentos por não ter rendimentos suficientes para as suas necessidades.
Como lembram Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, Vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 433, “a dúvida do julgador sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova desse facto, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus de o provar. Di-lo o art. 346 CC para os casos em que a dúvida resulta de contraprova oposta pela parte não onerada à prova produzida pela parte onerada; mas o princípio aplica-se também nos casos em que não é produzida prova suficiente pela parte onerada, sem que a parte contrária tenha, por seu lado, produzido qualquer meio de prova”.
Lembram ainda estes autores (pág. 434) que as normas sobre a distribuição do ónus da prova constituem normas de decisão […], pois se destinam em primeira linha a possibilitar a decisão no caso de falta de prova; mas não deixam de influenciar o comportamento das partes, consequentemente levadas a ter a iniciativa da prova para evitar o risco de uma decisão desfavorável […]”
Tudo isto tem ainda a ver com o seguinte: a situação da autora, no início da acção era igual ao comum dos casos: praticamente não tinha bens (pois que a nua-propriedade de um prédio não produz rendimentos). E ela alegou isso. Só que depois, antes do julgamento, o pai da requerente faleceu e deixou-lhe bens. E na sequência é isso que vem a ficar provado, sem que nada tenha sido alegado e provado sobre o facto de eles serem ou não susceptíveis de rendimentos.
Ora, é a partir dos factos que são dados como provados numa sentença – ou que, de uma forma ou outra, possam ser dados como provados em tribunal de recurso – que as questões têm que ser decididas (arts. 515 e 664 do CPC).
*
É certo que aqui ainda se poderia invocar o facto 31 que diz que “a requerente não […] tem meios de sustento.” Mas é evidente que este facto, se fosse lido como querendo dizer que os bens que a requerente tem não lhe dão rendimentos, estaria em contradição com a própria conclusão que a sentença tira de que a situação é indefinida. Para além de corresponder a uma afirmação que não tinha sido alegada [em relação aos bens entretanto adquiridos por causa da morte do pai] e como tal não poderia ser considerada (art. 664 do CPC). E de ser, ainda, uma conclusão não sustentada em factos. Por fim, a afirmação em causa corresponde logo à afirmação de um dos pressupostos do direito de alimentos (não ter meios), ou seja, é uma afirmação de direito e também por aí não podia ser considerada (art. 646/4 do CPC).
*
Posto isto, conclui-se: um dos pressupostos objectivos do direito a alimentos não se prova, pelo que o recurso deve ser julgado procedente.
Esta conclusão torna inútil a apreciação das demais questões que o recurso colocava.
*
Sumário (da responsabilidade do relator): Os alimentos que estão em causa no art. 1880 do CC são os alimentos educacionais, que são os mesmos alimentos que estão em causa nos arts. 1878, 1879 e 2003/2, todos do CC, embora com pressupostos de atribuição mais exigentes, que resultam da cláusula da razoabilidade da exigência prevista no artigo 1880. II. O critério do art. 1880 está na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam o conceito de razoabilidade e (in)exigibilidade nele presentes. III. Quanto às possibilidades económicas dos progenitores há que atender ao património do devedor. IV. Quanto às possibilidades do credor (filho maior estudante), elas não são representadas pelo património dele, mas sim pelos rendimentos que este possa produzir. V. É aquele que se arroga do direito a alimentos do art. 1880 que tem de provar em concreto as possibilidades económicas do devedor e as suas (dele, credor) necessidades. Na dúvida sobre tais factos, deve ser ele o prejudicado (art. 516 do CPC).
*
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo a requerida do alimentos pedidos.
Custas pela requerente, quer quanto à acção quer quanto ao recurso, sem prejuízo da protecção jurídica que lhe foi concedida.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2011.

Pedro Martins
Sérgio Almeida
Lúcia Sousa (vencida nos termos do voto que junto)

VOTO DE VENCIDO

Voto vencida por entender que a Requerente fez prova da sua necessidade de alimentos.
Com efeito, não obstante se ter provado que é a única herdeira do seu pai e que do acervo hereditário por óbito do mesmo fazem, parte uma fracção autónoma, o mon­tante de € 30.110,61 respeitante a um saldo de uma conta bancaria e as quotas de uma so­ciedade comercial (ponto 33.), o certo é que igualmente se demonstrou que a Requerente tem acompanhamento psicológico, pagou de matrícula do curso que frequenta € 345,00 e mais € 96,00 de seguro escolar, pagando a propina mensal de € 322,95, bem como despe­sas médicas, medicamentosas e passe social (pontosl5., 26., 27, 28., 29., e 30.)
Mais se provou que a Requerente não trabalha, nem tem meios de sustento, pelo que são terceiros, nomeadamente a tia materna quem suporta as referidas despesas, sem prejuízo de eventual ressarcimento, sendo que contra o falecido pai da Requerente correm ainda duas acções para pagamento de quantia certa, tendo ainda a Requerente pa­go o funeral do seu falecido pai no valor de € 2373,62 (pontos3l., 34. e 35.).
Por seu turno a Requerida que nunca contribuiu em nada para as despesas da sua filha, a Requerente, tem uma pensão de invalidez que à data de 2009, era de € 271,40 mensais (5.), vive no 42 andar do prédio que lhe foi deixado em usufruto (8.), aufe­rindo de rendas as quantias mensais de € 1378,00 e € 1.500,00, tendo gastos mensais no valor global de € 442,00 (17., 20., 21., 22., e 23.), tendo ainda pago o IMI em Julho de 2010, no valor de € 215,53.
Se como se refere a fls. 17 da sentença a quantia da conta bancaria perfaz um rendimento mensal de € 115,57 a favor da Requerente, confrontando os rendimentos e despesas de Requerente e Requerida, condenaria esta a pagar àquela a título de alimentos o montante mensal de € 200,00.
Lúcia Sousa


http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/9305f4c72959db7c80257974003ed0bf?OpenDocument

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