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terça-feira, 12 de julho de 2011

ACIDENTE DE VIAÇÃO, VELOCIDADE EXCESSIVA - Ac. do Tribunal da Relação de Évora - 09/06/2011

Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1254/08.0TBSTC.E1
Relator: ANTÓNIO M. RIBEIRO CARDOSO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VELOCIDADE EXCESSIVA

Data do Acordão: 09-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: COMARCA DO ALENTEJO LITORAL – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE SANTIAGO DO CACÉM
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL

Sumário:
1 - A velocidade excessiva acontecerá nos casos em que a colisão ocorreu, apesar do obstáculo ser visível a uma distância que permitia parar o veículo sem colidir com aquele, se se conduzisse atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes.
2 - O nº 1 do art. 24º é claro ao referir as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo.
3 - Não sendo de prever a necessidade de parar o veículo, equacionada essa necessidade na perspectiva do condutor médio (“bonus pater familiae”) e circulando-se com observância daquelas regras gerais e dentro dos limites de velocidade legalmente estabelecidos, não é exigível, sob pena de total paralisação da normal circulação rodoviária, que se circule a velocidade tal que, em qualquer circunstância, permita parar o veículo sem colidir com o que quer seja que de forma brusca, inopinada e imprevisível surja à sua frente.

Sumário do relator


Decisão Texto Integral:
B…, menor de idade, representada pelos seus avós J… e M…, intentou a presente acção de condenação com processo ordinário emergente de acidente de viação contra B…COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede… pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de € 300.000,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação, até integral pagamento.
Como fundamento alegou que no dia 25 de Dezembro de 2005, S…, mãe da A., ao volante do veículo automóvel com a matrícula RQ, foi interveniente num acidente de viação com o veículo de matrícula AV, seguro na Ré e conduzido por L…, sendo deste a responsabilidade na ocorrência do acidente.
Em consequência do acidente, S… veio a falecer, tendo ainda resultado danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver ressarcidos.

Citada, a R. excepcionou a prescrição do direito da Autora e impugnou a pretensão da mesma alegando, em síntese, que o acidente ocorreu de forma diferente da descrita pela Autora, sendo a responsabilidade pela eclosão do mesmo totalmente imputável a S… e pede a sua absolvição do pedido.

Replicou a Autora, pugnando pela improcedência da excepção.

Foi determinada a citação do Centro Nacional de Pensões (CNP) o qual, nos termos do disposto no Dec.Lei 59/89, de 22/02, veio pedir a condenação da Ré no reembolso da quantia de € 7.126,36 a título de prestações pagas à Autora.

Contestou a Ré a pretensão do CNP, invocando a preclusão do direito atenta a extemporaneidade do pedido de reembolso deduzido.

Foi determinada a intervenção acessória do Ministério Público.

No saneador relegou-se para final o conhecimento da excepção de prescrição e julgou-se improcedente a excepção de preclusão do direito do CNP.
Seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente e se absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com esta decisão, interpôs a A. o presente recurso de apelação, impetrando a alteração parcial da decisão da matéria de facto, a revogação da sentença e a condenação da Ré nos termos peticionados ou não se apurando quem foi o culpado do acidente, a sua condenação na proporção de 50%, ou, no mínimo, atribuir alguma responsabilidade ao condutor do AV e condenar a Ré a indemnizar a A. nessa mesma proporção.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Formulou a apelante as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objecto do recurso [1] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:
“I – AINDA ANTES DE SER PRODUZIDA QUALQUER PROVA, o Senhor Juiz, de forma que deixou o mandatário da recorrente incrédulo, questionou-o se a "Autora mantém a posição que assumira na sua Petição Inicial", sem colocar a mesma questão à Ré, ou seja, indiciando, desde logo, que havia já efectuado o seu julgamento...
II – A posição assumida pelo Senhor Juiz "a quo" acabou, claramente, por se reflectir na análise que fez da prova produzida em audiência de discussão e julgamento socorrendo-se, inclusive, de forma intolerável, de elementos de prova que nunca poderiam ser tidos em conta nos presentes autos, e que, aliás, nunca FORAM SUJEITOS A QUALQUER CONTRADITÓRIO, para decidir como decidiu, violando o artigo 517º, n.º1 do C.P.C.
III – O Tribunal "a quo" julgou incorrectamente os seguintes pontos de Facto da Base Instrutória, 2º, 3º, 5º, 8º, 31º e 32º:
IV – Em face da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, fotografias dos veículos, depoimentos das testemunhas M…, M… e A… os artigos 20, 30, 50 e 80 deveriam ter sido dados como provados e os artigos 31º e 32º, ao contrário do decidido, teriam que ser dados como não provados.
V – o Tribunal "a quo" para dar credibilidade ao depoimento de uma testemunha, indirectamente interessada nos presentes autos, esposa do condutor do veículo AV, socorre-se "...do auto de inquirição da testemunha B…"
VI – Acontece, porém, que o referido B… nunca foi sujeito a qualquer contraditório por parte da recorrente;
VII – O referido B… nunca foi ouvido por qualquer juiz;
VIII – Arrolado como testemunha pela recorrente, inexplicavelmente, o referido B… DESAPARECEU, sem deixar rasto...
IX – A testemunha M…, esposa do condutor do veículo AV, demonstrou graves lacunas de memória, não se recordando inclusive se a faixa de rodagem estava ou não delimitada ou em que local exacto da via circulava o seu marido.
X – A testemunha M…, que seguia no veículo RQ, não teve quaisquer dúvidas em descrever a forma como ocorreu o acidente;
XI – A testemunha referiu, claramente, que seguia no veículo RQ no banco da frente ao lado da sua neta, que era a condutora do veículo, e que atrás de si, no Banco de trás, na cadeirinha, seguia a ora Autora, a qual ia a dormir apenas tendo acordado aquando do embate;
XII – A referida testemunha afirmou peremptoriamente que teve a exacta percepção que a sua neta nunca havia ultrapassado o traço contínuo.
XIII – Em face do depoimento da testemunha M…, nunca o Tribunal "a quo" podia concluir, como concluiu que "...a versão que a testemunha apresentou do acidente não corresponde àquilo que a testemunha viu, mas sim àquilo de que a testemunha está convencida."
XIV – A referida testemunha depôs sobre factos que se recordava e sobre os quais tinha conhecimento directo porque os vivenciou, sendo certo que, em momento algum o Tribunal "a quo" colocou em causa a credibilidade desta testemunha.
XV – A testemunha M… não teve a percepção do acidente, mas mais importante do que isso, teve a percepção, possivelmente por ser "...pessoa mais nova, que conduz..." que o veículo RQ, não circulava a grande velocidade.
XVI – A testemunha apenas teve a percepção do embate não conseguindo perceber se o mesmo ocorreu para lá da linha longitudinal contínua, aliás a testemunha, nem sequer tinha noção da existência de qualquer linha, contínua ou descontínua na via;
XVII – Por outro lado questionada pelo Senhor Juiz, que, com o devido respeito, pretendia claramente, que a testemunha afirmasse que o condutor do veículo AV guinou repentinamente o veículo, a mesma afirmou que o seu marido normalmente conduzia pela direita e por isso concluiu que o mesmo circulava dessa forma.
XVIII – Assim, ao contrário do entendimento do Tribunal" a quo", a versão que a testemunha, M…, apresentou do acidente não corresponde àquilo que a testemunha viu, mas sim àquilo de que a testemunha está convencida."
XIX – Por outro lado, se o veículo AV circulasse encostado à direita da faixa de rodagem como a testemunha afirmou, "sendo essa a forma como o seu marido costumava conduzir", então nesse caso o acidente nunca se tinha dado é que só de berma, do lado do AV existiam, 2,60 metros;
XX – A testemunha M…, agente da GNR, fez as respectivas medições e apurou como local hipotético do embate o local "...onde estavam a maior parte dos vestígios....", ou seja, entre os dois veículos.
XXI – Do depoimento da testemunha A… conjugado com o depoimento do agente da GNR não se pode concluir que o local assinalado no croqui do acidente de viação fosse efectivamente o local do embate.
XXII – Aquilo que o tribunal poderia concluir, e não mais, seria que naquele local era onde se encontravam acumulados alguns destroços, à semelhança do que acontecia noutros locais da via, conforme resulta das fotografias juntas aos autos;
XXIII – Contudo, a acumulação de um maior número de destroços entre os dois veículos pode, conforme resultou do depoimento da testemunha A…, ter sido originada pelo facto dos veículos que ali circulavam, após o acidente, continuarem a passar no meio dos veículos sinistrados, o que terá levado a uma acumulação de destroços precisamente nesse local.
XXIV – Sendo o referido local uma curva à direita, atento o sentido de trânsito do RQ, se este veículo tivesse seguido em frente "...ocupando a sua contra – mão e cortando, por completo, a linha de marcha do AV..." então nesse caso a zona do veículo RQ embatida teria forçosamente que ser a frente lateral direita.
XXV – Pois, se este não fez a curva e seguiu em frente, como entendeu o tribunal "a quo", então ficaria com a lateral direita exposta ao embate com o veículo AV.
XXVI – Ora, das fotografias juntas aos autos aquilo que decorre, como referiu a testemunha M…, é que ambos os veículos embateram com a frente lateral esquerda, ficando ambos com essas partes destruídas;
XXVII – De notar que o local onde se terá dado o embate, atento o sentido de trânsito do veículo AV corresponde ao final de uma curva à Esquerda, dizem-nos o senso comum e as regras da experiência que é frequente, em curvas à esquerda, os condutores "cortarem" as referidas curvas precisamente para o seu interior e nunca para o lado exterior;
XXVIII – Pelo que, fazendo apelo às regras de experiência, ao senso comum, em que ocorreu o acidente, ao local em que os veículos apresentavam danos, tudo indica também, porque notório, que o embate tenha ocorrido na faixa à esquerda do veículo AV, ou seja, precisamente a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o RQ.
XXIX – O tribunal "a quo" ao decidir como decidiu violou os artigos 483º,487º,495º,496º,562º e 563º do C. Civil, bem como o artigo 517º, n.º1 do C.P.C. e artigos 13º, n.º1, 18º, n.º2, 24º, n.º e, 25º, n.º l , alínea f) todos do Código da Estrada;
XXX – Pelo que, deverão dar-se como provados os artigos 2º, 3º, 5º e 8º da Base instrutória e como não provados os artigos 31º e 32º, e, em consequência, deve revogar-se integralmente a Sentença proferida pelo Tribunal "a quo", sendo elaborada nova decisão em que se condene a Recorrida B…SEGUROS nos exactos termos do pedido;
Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, à cautela ainda diremos o seguinte:
XXXI – Mesmo que o tribunal" a quo" tivesse entendido que não ficaram provados os exactos termos em que ocorreu o acidente, o que por mera hipótese académica se coloca, então nesse caso, e nos termos do artigo 506º, n.º 2 do C. Civil sempre teria a responsabilidade pelo acidente que ser repartida em partes iguais pelos dois condutores dos veículos.
XXXII – Ao não decidir dessa forma o Tribunal "a quo" violou o artigo 506º, n.º2 do C.C.
Mas mesmo que não se entendesse que a responsabilidade pelo acidente deveria ser repartida em partes iguais, o que mais uma vez por mera hipótese académica se coloca e dever de patrocínio se admite, à cautela ainda diremos o seguinte:
XXXIII – Admitindo-se, volte a frisar-se, por mera hipótese académica, que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e constante dos autos permitia dar como provada a matéria de facto constante da Sentença proferida pelo Tribunal "a quo", sempre teria que ser atribuída alguma responsabilidade ao condutor do veículo AV;
XXXIV – Não foi apurado se a alegada invasão do RQ se ficou a dever a uma deficiência do veículo a uma doença súbita da condutora do RQ, a um obstáculo repentino, ou a desatenção desta.
XXXV – Da matéria de facto dada como provada resulta que a via de trânsito por onde circulava o veículo AV, conduzido por L…, é uma recta, com cerca de 800 metros de comprimento e 3,9 metros de largura, no final dessa recta, no sentido Norte – Sul, existe uma curva à esquerda e Atento o sentido de marcha do veículo AV o mesmo tinha uma berma com cerca de 2.30 metros.
XXXVI – Resultou também que o veículo RQ circulava a baixa velocidade;
XXXVII – Da forma como ocorreu o acidente resulta que o condutor do veículo AV não regulou a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, às condições meteorológicas e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.“
XXXVIII – Se o condutor do veículo circulasse a uma velocidade adequada, facilmente teria constatado a presença do veículo RQ e atendendo a que tinha, para além do espaço disponível na faixa de rodagem, uma berma com 2,60 metros, poderia facilmente desviar o veículo para a berma;
XXXIX – Por outro lado, como afirmou a esposa do condutor do veículo AV, cujo depoimento acima se encontra referido, este antes do acidente terá afirmado "Vamos ter um acidente", ou seja, só o excesso de velocidade o terá impedido de efectuar uma manobra de fuga, guinando o veículo para a sua direita;
XL – Como se decidiu no Acórdão do tribunal da relação de Évora, em que foi relator o Senhor Desembargado Almeida Simões, processo n.º 2357/07-2, disponível em www.dgsi.pt:
"Haverá concorrência de culpas pela ocorrência de um acidente, se um dos condutores efectua uma manobra de ultrapassagem quando vem um veículo em sentido contrário e o condutor deste, para evitar a colisão frontal, desvia o veículo para a berma mas, por animar a viatura com uma velocidade superior à legalmente permitida, não consegue dominar a viatura e despista-se."
XLI – Assim, em face do exposto, mesmo que se considerasse que a matéria de facto dada como provada na Sentença proferida pelo tribunal "a quo" não merece qualquer censura, o que por dever de patrocínio se admite, sempre deveria o tribunal ter atribuído alguma responsabilidade ao condutor do AV, condenando a Recorrida a pagar à A. os danos decorrentes dessa responsabilidade.”

ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:
1- Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto dando-se como provados os artigos 2º, 3º, 5º e 8º da base instrutória e como não provados os artigos 31º e 32º;
2- Se o acidente ocorreu por culpa exclusiva ou, pelo menos, parcial do condutor do AV;
3- Se a sentença deve ser revogada.

Vejamos então as questões colocadas, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas [2].

NOTA PRÉVIA
Sobre a questão da limitação dos poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto, temos vindo a tecer, nos diversos recursos, algumas considerações que, por se nos afigurarem pertinentes, de novo aqui reproduzimos:
“Convém que se refira que, se é certo que concordamos com o duplo grau de jurisdição quanto à apreciação da matéria de facto, já temos dúvidas quanto à forma como deve ser assegurado e somos cépticos quanto à opção legislativa que foi feita.
De facto, de forma alguma esse desiderato é alcançado através da gravação áudio, mas muito menos o seria através da redução a escrito dos depoimentos das testemunhas. Uma das grandes vantagens da oralidade e da imediação da prova é o contacto directo que o juiz tem com os intervenientes, nomeadamente partes e testemunhas, permitindo-lhe aquilatar, com maior facilidade da sua credibilidade, não só pelo que dizem como pelo que não dizem, mas também e sobretudo, pela forma como o dizem, as expressões faciais, a desenvoltura demonstrada, o grau de certeza que se pretende demonstrar, a forma como os depoimentos são feitos, a espontaneidade das respostas ou a forma sugestiva como o interrogatório é conduzido, etc., etc.. Ora, não é de forma alguma, através da leitura dos depoimentos, nem mesmo através da simples audição das gravações áudio que o tribunal de recurso consegue ir buscar algo daqueles dois princípios por forma a fazer uma análise correcta e segura dos depoimentos prestados. A aridez daqueles suportes e meios de reapreciação da prova, de forma alguma se compagina com a riqueza da personalidade humana e com a panóplia de meios que qualquer pessoa utiliza para comunicar e transmitir ao interlocutor as suas percepções, ideias, sentimentos, etc. e que também integram qualquer depoimento. É certo que poderia este tribunal renovar pelo menos, alguns dos meios de prova produzidos na 1ª instância, nos termos do art. 712º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Todavia, não só esta faculdade, de acordo com aquele preceito, apenas é permitida quando tal se mostre “absolutamente” indispensável à descoberta da verdade, como também nunca o depoimento seria prestado da mesma forma.”[3]
Assim, como é evidente, e nunca será demais repeti-lo, “a reapreciação da prova por este tribunal, está... inevitavelmente se não prejudicada, pelo menos algo comprometida, já que é feita, em regra, com base na gravação áudio ou transcrição dos depoimentos e, como tal, carecendo da fundamental imediação, quantas vezes mais esclarecedora do que o mais seguro e peremptório dos depoimentos. Efectivamente, a forma como a testemunha depõe, a sua expressão facial e gestual, o local e forma como está sentado, a “certeza” do seu conhecimento que muitas vezes pretende transmitir e relativo a factos de que foi mero espectador, ocorridos por vezes há bastante tempo, etc., são factores imprescindíveis ao correcto aquilatar da verdade do depoimento e sua consequente credibilidade ou não” [4].
Igualmente a forma capciosa ou sugestiva, como foi formulada a pergunta, condiciona a resposta sem que isso signifique que não corresponda à verdade, facto que o juiz da 1ª instância pode apreender (e deve até atalhar), mas já não os juízes do tribunal de recurso que apenas dispõem da pergunta sugestiva e da resposta sugerida e não da “forma” como foi respondida, do “facies” da testemunha ou daquele gesto ou atitude que, ainda assim, contribuiu para a credibilização da resposta, mas que seria descredibilizada em face exclusivamente da gravação.
“A documentação da prova produzida em audiência e a possibilidade de reapreciação pelo Tribunal Superior da decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, de modo nenhum podem colidir com o princípio consagrado no n.º 1 do art. 655º do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, princípio que só sofre o limite previsto no n.º 2 do mesmo preceito, ou seja, nos casos em que se exija qualquer formalidade especial para a existência ou prova de determinado facto jurídico.
E bem se compreende que assim seja, posto que o depoimento não pode ser valorado exclusivamente com base no que, passe a expressão, sai da boca do depoente, mas também e sobretudo, com base nas circunstâncias, gestos, esgares, espontaneidade ou hesitações que o rodeiam, o que não é obviamente apreensível por quem, depois, se limita a ouvir a respectiva gravação. Ou seja, há elementos, designadamente psicológicos do depoimento que só podem ser captados por quem o ouviu directamente, maxime o juiz que em primeira linha deve proferir decisão sobre a matéria de facto.
De sorte que, salvo melhor opinião, ao alcance do Tribunal Superior pouco mais restará do que verificar se foram dados como provados factos a que nenhum depoente se referiu, ou se se consideraram não provados outros com o fundamento de que sobre os mesmos não foi produzida qualquer prova, quando se verifique, pela audição, que tal não corresponde à realidade” [5].
De facto por melhor e mais fidedigno que seja o sistema de gravação da prova (o actualmente adoptado ou outro que se pretenda implementar) “... sempre haver[á] gestos, sentimentos, respirações até, sem qualquer possibilidade de tradução áudio ou mesmo vídeo. Por mais que se ouçam as cassetes – e muito nelas se perde porque muito do que se ouve é necessariamente perdível ou dispensável – há um momento em que é preciso assumir um juízo de convicção. Esse juízo é..., não a assunção pelo tribunal de 2ª instância de uma convicção probatória – a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, não pode subverter, o princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 665º, nº 1 do CPCivil – mas tão só a procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal, a quo tem um suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos dos autos, naturalmente) pode exibir perante si. Mesmo, se bem pensamos, não pode o tribunal de 2ª instância substituir uma razoabilidade por outra razoabilidade, não pode substituir a razoabilidade da convicção afirmada em 1ª instância por uma outra razoabilidade, qual seja a afirmada por si próprio. O que ao tribunal de recurso está reservado é apenas substituir uma desrazoabilidade por uma razoabilidade. Como se escreve no preâmbulo do Dec.lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, que veio ao processo civil português «prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das, audiências finais e da prova nelas produzida», o que se tem em vista é assegurar «uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionas – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito», nunca podendo envolver «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto... pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso».
Veja-se o que diz Figueiredo Dias, em entrevista ao Boletim da Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, nº 21, Junho de 2002: «Não são infalíveis os juízes de primeira instância, nem os de segunda, nem os da jurisprudência suprema... erros judiciários sempre existiram e sempre existirão, nada pode garantir à partida a infalibilidade da justiça, nomeadamente em matéria de facto.
...Na apreciação da matéria de facto o tribunal de primeira instância está em melhores condições de não cometer erros do que qualquer tribunal de recurso, com gravação ou sem ela, com filmagem ou sem ela».” [6].
Seja como for, e malgrado das referidas condicionantes, face ao imperativo legal, não pode este tribunal eximir-se à requerida, mas sempre condicionada e limitada, reapreciação da prova.
Cumpre que se refira que, no cumprimento do sobredito imperativo, e por uma questão de melhor e mais justa avaliação da prova produzida, procedemos, ao abrigo do disposto no art. 712º, nº 2, in fine, do CPC, à audição integral de todos os depoimentos gravados, não nos limitando aos concretamente apontados pela recorrente.

Quanto à insinuação ou suspeita sobre o pré-juízo que o tribunal “a quo” tinha feito antes da produção da prova e que condicionou a sua isenta apreciação, importa referir que, a ser verdade, se trataria de uma situação grave e claramente violadora dos deveres funcionais. Mas também é grave o lançar a suspeita, a insinuação e a afirmação não fundamentada em factos. A defesa dos interesses dos clientes não justifica tudo. Os fins não justificam os meios.
E a verdade é que nas gravações que foram realizadas e a cuja audição procedemos, não detectámos, quer pela forma como o julgamento foi conduzido, quer pelas perguntas concretamente colocadas, quer pela liberdade de instância que, com absoluta igualdade, foi dada a ambos os mandatários, quer mesmo pela própria conduta do ilustre mandatário da recorrente, não detectámos, dizíamos, o mínimo indício de que o Sr. Juiz tivesse já formado a sua convicção antes da produção da prova.

1- Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto dando-se como provados os artigos 2º, 3º, 5º e 8º da base instrutória e como não provados os artigos 31º e 32º.
Podemos desde já adiantar que, ouvidos na íntegra todos os depoimentos, conjugados com as fotografias [7] e croquis juntos aos autos, não detectámos que tenha sido cometido pelo tribunal “a quo” qualquer erro na apreciação que fez da prova ou que as respostas dadas não tivessem tido apoio na prova produzida ou não tivessem sido com ela consentâneas.
Refere a recorrente «o Senhor Juiz do Tribunal "a quo" para justificar a resposta à matéria de facto socorre-se de prova que nunca foi SUJEITA A QUALQUER CONTRADITÓRIO, violando clara e frontalmente o disposto no artigo 5170 do C.P.C.».
Consignou-se, efectivamente, na fundamentação da decisão de facto: “Ainda que de forma não essencial para a convicção do Tribunal em relação à dinâmica do acidente, não poderia deixar de se considerar o teor dos demais elementos constantes da certidão extraída do Inquérito arquivado nos Serviços do MP, ou seja, o auto de inquirição da testemunha B…, que confirma o depoimento prestado por M…, e o próprio auto de inquirição desta testemunha, absolutamente coincidente com aquilo que referiu em audiência de julgamento.”
É certo que a “testemunha” em causa não depôs na audiência de julgamento nem por uma das formas e com o formalismo prescrito no Código de Processo Civil, com sujeição ao contraditório, tendo o depoimento em causa sido prestado no âmbito do inquérito que correu termos nos serviços do MºPº e prestado perante a autoridade policial.
Todavia, não pode deixar de se referir, face ao que vem agora alegado, que foi a própria recorrente quem juntou aos autos a certidão na qual está integrado o depoimento agora questionado, como se vê de fls. 68 a 135.
Se não pretendia que o documento fosse tido em conta pelo tribunal, perguntar-se-á, porque motivo o juntou?
Seja como for, o tribunal “a quo” fez questão de referir que o depoimento em causa não foi essencial tendo servido para credibilizar o depoimento da testemunha M…, dada a coincidência entre ambos na descrição da dinâmica do acidente.
E, com todo o respeito, sendo certo que não tem o valor de depoimento, não pode o mesmo deixar de ser tido em consideração, até porque, como referimos, foi junto ao processo pela recorrente que agora se rebela pelo facto do tribunal ter atendido, para efeitos probatórios, ao documento que ela própria juntou. Trata-se quase de um “venire contra factum proprium”.

Mas debrucemo-nos detalhadamente sobre cada um dos quesitos indicados e respectivas respostas postas em causa.
São do seguinte teor os quesitos em causa:
Quesito 2º: “O veículo RQ circulava na sua hemi-faixa de rodagem?”
Quesito 3º: “A uma velocidade não superior a 70 Km/hora?”
Quesito 5º: “Perto do Km 621, o veículo AV invade a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo RQ, transpondo a linha longitudinal contínua marcada no asfalto?”
Quesito 8º: “O veículo AV embateu com a frente esquerda na frente lateral esquerdo do veículo RQ?”
A estes quesitos o tribunal “a quo” respondeu “não provado”.
Nos quesitos 31º e 32º pergunta-se:
Quesito 31º: “O AV circulava dentro da sua mão de trânsito?”
Quesito 32º: “Ao Km 621,600, imprevisivelmente e sem qualquer causa aparente, o RQ começou a invadir a linha de trânsito da sua esquerda, ocupando a sua contra-mão e cortando, por completo, a linha de marcha do AV, com o qual colidiu frontalmente?”
A estes quesitos o tribunal “a quo” respondeu “provado”
Pretende agora a recorrente que a resposta aos quesitos 2º, 3º, 5º e 8º seja alterada para “provado” e a dada aos quesitos 31º e 32º seja alterada para “não provado”, tendo em conta o depoimento da testemunha M…, bisavó da A. e que seguia com ela e com a infeliz S…, no veículo por esta conduzido ocupando o banco direito da frente ou seja, ao lado da condutora, enquanto que a A. seguia no banco traseiro do lado direito em cadeira própria para o transporte de crianças.
É certo que esta testemunha referiu que o embate ocorreu na faixa de trânsito do RQ conduzido pela sua infeliz neta. Porém, esta afirmação, de tão peremptória que foi, não merece a credibilidade que a recorrente pretende que lhe seja conferida. Desde logo, porque tal afirmação é infirmada pelos depoimentos do agente da GNR que esteve no local, tirou as fotografias e elaborou o croquis, o qual, embora não tenha presenciado o acidente, não teve dúvidas em situar o local da via onde terá ocorrido o embate em face dos vestígios existentes no local, designadamente plásticos, vidros e sobretudo óleo derramado, e da testemunha M… que seguia no outro veículo interveniente no acidente, ao lado do condutor, seu marido também falecido em consequência do acidente.
Mas também não deixa de ser estranha e de valorizar negativamente a exacerbada preocupação que a testemunha M… demonstrou em referir que a sua neta nunca saiu da sua mão de trânsito. Na verdade, logo no início da inquirição quando questionada se ia no carro, de imediato respondeu: ”ia ao pé dela e ela ia sempre na mão dela nunca a vi passar o risco…”.
Ora, com todo o respeito, convenhamos que uma senhora já de provecta idade, sem carta de condução e sem conhecimentos das regras de condução, afirmar categórica e repetidamente como o fez, que a neta nunca saiu da sua mão de trânsito, não merece a credibilidade que a recorrente lhe pretende emprestar. Referiu: “ela ia aqui no lugar dela, não é verdade, ali vai um risquinho, ela estava dentro do risquinho e o carro vem dalém… o risquinho branco que está ao rés da estrada…” (estaria a referir-se ao traço separador das faixas de rodagem ou ao traço delimitador da berma?). Mais adiante referiu: “a linha estava do lado esquerdo e nunca passou para lá…”. A instâncias do ilustre mandatário da recorrida respondeu não saber quantos traços existiam na estrada, acrescentando que só reparou no do meio “aquele do lado esquerdo é que eu sei”. A instâncias do ilustre mandatário da recorrente tinha referido que “vem um carro voando, bate no dela… o carro vem dalém…”. A instâncias do ilustre mandatário da recorrida referiu que “o outro vinha voando, muito depressa… vinha a mais de cem…”. Porém, questionada pelo Sr. Juiz, esclareceu que só se apercebeu quando bateram “quando o vi foi quando já estava a embater… vi só bater, mas vinha daquele lado… ela não passou, porque vi…”.
Em suma, este depoimento é muito pouco para neutralizar a restante prova produzida, em especial os vestígios existentes e descritos pelo Sr. agente da GNR que esteve no local e que, não só os observou e localizou como os fotografou, permitindo, assim, ao tribunal apreender de uma forma mais segura as circunstâncias em que ocorreu o acidente, não podendo deixar de se considerar que se trata de um soldado da brigada de trânsito, com experiência e conhecimentos na área dos acidentes e sua dinâmica (razão de ciência que ninguém questionou).
Evidencia a recorrente diversas lacunas do depoimento da testemunha M… no sentido de o descredibilizar. Mas com todo o respeito, tais lacunas, na nossa convicção, mais o credibilizam. Todos sabemos que um acidente ocorre em fracções de segundos, que raramente somos capazes de reproduzir o que constatamos na estrada por onde circulamos a não ser quando ocorre algo que nos faz memorizar pormenores que, de outra forma não recordaríamos. Assim sucederá no caso de acidentes. É este evento que nos faz registar memórias e pormenores que, de outra forma nos passariam despercebidos. Por isso que, quando se pormenorizam demasiado as ocorrências anteriores é legítima a dúvida sobre a sua veracidade.
Alega a recorrente: “a testemunha apenas teve a percepção do embate não conseguindo perceber se o mesmo ocorreu para lá da linha longitudinal contínua. Aliás a testemunha, nem sequer tinha noção da existência de qualquer linha, contínua ou descontínua;
Por outro lado questionada pelo Senhor Juiz, que com o devido respeito, pretendia claramente, que a testemunha afirmasse que o condutor do veículo AV guinou repentinamente o veículo, a mesma afirmou que o seu marido normalmente conduzia pela direita e por isso concluiu que o mesmo circulava dessa forma (…).
Por outro lado, e se o veículo AV circulasse encostado à direita da faixa de rodagem como a testemunha afirmou que o seu marido costumava conduzir então nesse caso o acidente nunca se tinha dado é que só de berma, do lado do AV existiam, 2,60 metros”
Com todo o respeito, esta argumentação não tem razão de ser.
Na verdade, como a recorrente bem sabe, não é permitido circular pela berma. A circulação deve ser feita o mais à direita possível mas sem ultrapassar a linha divisória existente à direita da faixa de rodagem e delimitadora desta com a berma (arts. 1º/b), 13º/1, 17º, 146º, f) do Código da Estrada), para além de que existia berma de ambos os lados da estrada com largura semelhante.
Aventa a recorrente a possibilidade dos vestígios e destroços deixados pelos veículos na colisão se terem deslocado para o local indicado pela GNR como aquele onde provavelmente terá ocorrido o embate, em consequência da passagem de diversos veículos.
Mas, como é evidente, a ter existido essa deslocação, seria pouco provável que ocasionasse a concentração dos vestígios. O mais provável seria que os “passantes” espalhassem os vestígios e não que os concentrassem. Ora, o que se vê das fotografias e foi referido pelo Sr. agente, é que no indicado local provável do embate existia uma maior quantidade de vestígios (plásticos, vidros, óleo, etc.). No seu depoimento o Sr. agente foi peremptório na afirmação de que os vestígios de óleo apenas existiam naquele local que indicou como onde provavelmente teria ocorrido o embate e no local onde depois os veículos ficaram e permaneceram parados. Mesmo que os “passantes” tivessem deslocado os plásticos, vidros, etc., não teriam deslocado os vestígios de óleo e mesmo que o fizessem teríamos óleo espalhado em diversos locais, o que não sucedeu como afirmou o Sr. agente.
Refere a recorrente que sendo o local do acidente “uma curva à direita, atento o sentido de trânsito do RQ, se este veículo tivesse seguido em frente «… ocupando a sua contra-mão e cortando, por completo, a linha de marcha do AV...» então nesse caso a zona do veículo RQ embatida teria forçosamente que ser a frente lateral direita. Pois, se este não fez a curva e seguiu em frente, como entendeu o tribunal "a quo", então ficaria com a lateral direita exposta ao embate com o veículo AV. Ora, das fotografias juntas aos autos aquilo que decorre, como referiu a testemunha Maria Feliciana Rocha, é que ambos os veículos embateram com a frente lateral esquerda, ficando ambos com essas partes destruídas”.
Mas o argumento não colhe.
Para que a colisão ocorresse na lateral direita do RQ necessário seria que a mesma ocorresse perpendicularmente ou quase e com o RQ a atravessar-se na perpendicular, ou quase, em relação ao AV, como poderia suceder se se tratasse, por exemplo, de um embate num cruzamento ou entroncamento. Ora, o acidente ocorreu numa faixa de rodagem com 7,10 metros de largura, entre dois veículos circulando em sentidos e linhas paralelas (até momentos antes da colisão), pelo que seria praticamente impossível uma colisão na perpendicular ou quase.
Refira-se que a probabilidade de um condutor “cortar” uma curva à esquerda, é praticamente a mesma que a do condutor que acabou de fazer essa mesma curva em sentido contrário (curva à direita) não a desfazer atempadamente (nomeadamente por acção da força centrífuga), “maxime” estando o piso molhado ou circulando com velocidade inadequada ou subitamente distraído (não se querendo com esta referência dizer que foi o que sucedeu ou mesmo que possa ter sucedido).
Quanto à velocidade dos veículos nenhuma das testemunhas tinha a mínima noção da velocidade a que os mesmos circulavam e só com alguma insistência a testemunha M… “aventou” um número que, com todo o respeito, não merece a mínima credibilidade.
Em suma, reapreciada toda a prova produzida e tendo em conta o princípio da livre (mas não discricionária) apreciação da prova, entendemos que as respostas do tribunal “a quo” aos quesitos postos em causa, são conformes com ela e, por isso, se mantêm inalteráveis.

2- Se o acidente ocorreu por culpa exclusiva ou pelo menos parcial do condutor do AV.
Estão provados os seguintes factos:
“A) No dia 25 de Dezembro de 2005, pelas 15 horas, no IC 1 km 621, concelho de Santiago do Cacém, distrito de Setúbal, ocorreu um acidente de viação.
B) Foram intervenientes no referido acidente de viação o veículo ligeiro de passageiros de matrícula RQ, conduzido por S…, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 90-AV-92, conduzido por L….
C) O veículo RQ era propriedade de S…
D) O veículo A Vera propriedade de L…
E) O veículo RQ circulava no IC 1 sentido Sul – Norte e o veículo AV circulava no sentido oposto.
F) A via de trânsito por onde circulava o veículo AV, conduzido por L…, é uma recta, com cerca de 800 metros de comprimento e 3,9 metros de largura.
G) No final dessa recta, no sentido Norte – Sul, existe uma curva à esquerda.
H) Cerca de 100m antes do início da curva encontrava-se um sinal vertical indicativo de proibição de ultrapassagem.
l) A faixa de rodagem no local do acidente é composta por duas vias de trânsito em sentidos opostos separadas por uma linha longitudinal contínua.
J) Atento o sentido de marcha do veículo AV o mesmo tinha uma berma com cerca de 2,30 metros.
K) Estava a chover e a estrada encontrava-se molhada.
L) A faixa de rodagem estava em bom estado de conservação.
M) E devidamente delimitada em toda a sua extensão.
N) Em consequência do embate o veículo RQ ficou totalmente destruído.
O) Tendo sido enviado para uma sucata para abate.
P) Em consequência do acidente a S… sofreu:…
Q) Tais lesões viriam a determinar-lhe a morte no próprio dia do acidente, pelas 18H07, no Hospital do Litoral Alentejano, para onde havia sido transportada.
R) Em consequência do acidente foi aberto o processo de inquérito n.º 446/05.8GTBJA que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Santiago do Cacém.
S) Tal inquérito foi alvo, em 24/02/2006, de despacho de arquivamento por se ter verificado o falecimento de ambos os condutores.
T) Por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º…, o proprietário do veículo AV havia transferido para a R. a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros.
U) A Autora B… nasceu a 12 de Agosto de 2001.
V) S… nasceu em 20 de Maio de 1975.
W) Por sentença proferida no Proc. Nº…, em 10 de Fevereiro de 2006, a Autora B… foi entregue à guarda e cuidados dos avós maternos, J… e M…, sendo o poder paternal exercido em conjunto por ambos.
X) O veículo RQ, da marca Opel, modelo Corsa, matriculado em 16/05/2001, aquando do acidente tinha um valor de 5.000€ (Cinco Mil Euros).
Y) À data do acidente S… trabalhava para o Município de Odemira auferindo o vencimento mensal ilíquido de 631,15€ (Seiscentos e Trinta e Um Euros e Quinze Cêntimos).
Z) Por morte de S…, o ISS – CNP pagou a B…, a título de subsídio de morte, a quantia de € 2.181,85.
AA) E pagou € 4.944,51 a título de pensões de sobrevivência referentes ao período de Janeiro de 2006 a Outubro de 2009.
BB) O acidente ocorreu a meio de uma ligeira curva para a direita atento o sentido de trânsito do veículo RQ.
CC) S… era uma pessoa feliz, alegre e bem disposta.
DO) Vivia em total harmonia com os seus pais e a sua filha.
EE) Era pessoa reconhecida e respeitada pela família e amigos.
FF) Sempre disponível a ajudar as outras pessoas.
GG) Gozava de boa saúde.
HH) A Autora B… circulava no interior do veículo, aquando do acidente.
II) A Autora B… acompanhava a mãe para todo o lado.
JJ) Ainda hoje continua a perguntar quando é que aquela vai regressar.
KK) A falta da mãe deixou na Autora sinais de insegurança e medo.
LL) É actualmente uma criança triste e inquieta.
MM) A menor sente o trauma de, no dia da mãe, não ter a quem entregar a prenda que faz na escola para comemorar o referido dia.
NN) A menor sente o trauma de não ter a mãe presente no seu aniversário.
OO) A menor sente-se triste porque a sua mãe não a vai levar nem buscar à escola.
PP) O AV circulava dentro da sua mão de trânsito.
QQ) Ao Km 621,600, imprevisivelmente e sem qualquer causa aparente, o RQ começou a invadir a linha de trânsito da sua esquerda, ocupando a sua contramão e cortando, por completo, a linha de marcha do AV, com o qual foi colidir frontalmente.”

Com base nesta factualidade o tribunal “a quo” entendeu que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da condutora do RQ, mãe da A. e absolveu a Ré do pedido.
E, não poderia ser de outra forma.
Nos termos do art. 13º, nºs 1 e 2 do Código da Estrada (CE), o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes, sendo, todavia permitido, quando necessário, utilizar o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção.
Para além disso, nos termos do art. 146º, al. o) do mesmo diploma, constitui contra-ordenação muito grave a transposição da linha longitudinal contínua delimitadora de sentidos de trânsito, como a que existia no local.
Efectivamente, de acordo com a factualidade provada, a faixa de rodagem no local do acidente é composta por duas vias de trânsito em sentidos opostos separadas por uma linha longitudinal contínua, tendo imprevisivelmente e sem qualquer causa aparente, o RQ começ[ado] a invadir a linha de trânsito da sua esquerda, ocupando a sua contramão e cortando, por completo, a linha de marcha do AV, com o qual foi colidir frontalmente.
Daqui resulta, sem margem para dúvidas, que foi o RQ quem deu causa ao acidente ao deixar de circular pela direita e ao transpor a linha longitudinal contínua que separava as faixas de rodagem e ir invadir a faixa de trânsito da esquerda pela qual circulava, como devido, o AV.
Invoca a recorrente que o AV circularia com velocidade excessiva já que não logrou parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente.
Porém, não só não se provou a que velocidade circulava, como não foi a velocidade a causa do acidente. O embate foi provocado pelo facto do RQ ter saído a sua faixa de rodagem e invadido a faixa contrária por onde circulava o AV.
Nada da factualidade provada permite concluir que o RQ já vinha a circular pela faixa de rodagem contrária e a uma distância que permitisse a um condutor normal aperceber-se do facto e parar o veículo (no caso o AV).
O comando do art. 24º nº 1 do CE não tem uma aplicação tão ampla como a pretendida pela recorrente.
A aceitar-se a tese desta, em circunstância alguma haveria culpa exclusiva de um condutor mas sempre concorrência de culpas, pois que, se houve colisão é porque nenhum dos condutores logrou parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente.
A velocidade excessiva acontecerá nos casos em que, apesar do obstáculo ser visível a uma distância que, conduzindo-se atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, permitia parar o veículo sem colidir com aquele, a colisão ocorreu.
Quando o obstáculo surge de forma imprevisível e inopinadamente a uma distância em que, mesmo observando aquelas regras, não era possível evitar a colisão, não existe velocidade excessiva.
Aliás, o nº 1 do art. 24º é claro ao referir as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo. Não sendo de prever a necessidade de parar o veículo, equacionada essa necessidade na perspectiva do condutor médio (“bonus pater familiae”) e circulando-se com observância daquelas regras gerais e dentro dos limites de velocidade legalmente estabelecidos, não é exigível, sob pena de total paralisação da normal circulação rodoviária, que se circule a velocidade tal que, em qualquer circunstância, permita parar o veículo sem colidir com qualquer obstáculo, seja ele um veículo que bruscamente invade a faixa contrária, seja uma pedra lançada de um viaduto, seja uma pessoa ou animal que, em correria, atravessa a faixa de rodagem mesmo à frente ou a escassos metros do veículo ou qualquer outro obstáculo que inopinadamente surja à sua frente.
No caso, repetimos, nada na factualidade provada permite concluir que o RQ já vinha a circular pela faixa de rodagem contrária e a uma distância que permitisse a um condutor normal aperceber-se do facto e parar o veículo (no caso o AV).
Aliás, vindo o RQ a fazer uma curva para a direita (ainda que ligeira), a invasão da faixa contrária é uma ocorrência motivada pelas leis da física, designadamente pela força centrífuga, só neutralizável pela acção do condutor, sendo, por isso, provável que a invasão da faixa contrária fosse quase simultânea com a colisão.
Refira-se, para finalizar, que o caso dos autos é absolutamente diferente do decidido no aresto desta Relação que o recorrente invoca nas suas alegações. Basta atentar que, naquele caso, se tratou de um despiste ocorrido na tentativa de evitar a colisão com um veículo que, circulando em sentido contrário, efectuava uma manobra de ultrapassagem, mas sem que tenha havido colisão, e em que o veículo que se despistou circulava a velocidade superior à legalmente permitida.
Concluímos, assim, em concordância, aliás, com o decidido em 1ª instância, que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do RQ, impondo-se, por conseguinte, a absolvição da Ré, como foi decidido.
Pelas razões expostas, o recurso terá de improceder, confirmando-se a douta sentença recorrida.
DECISÃO
Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação:
1. Em negar provimento ao recurso;
2. Em confirmar integralmente a douta sentença recorrida;
3. Em condenar a recorrente nas custas.
Évora, 9.06.2011
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Acácio Luís Jesus Neves)
(José Manuel Bernardo Domingos)
________________________
[1] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[2] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC.
[3] Apelação 1632/02-2, processo 407/98 do 2º juízo cível da comarca de Setúbal, apelação 217/03.6TBVRS.E1, entre outros, relatados pelo também aqui relator.
[4] Apelação 1929/02-2, processo 88/01 do 2º juízo cível da comarca de Setúbal, relatado pelo aqui também relator.
[5] Ac. RE de 20/2/03, apelação 1535/02, processo 83/87 do 1º juízo da comarca de Lagos, relatado pelo Ex.mº Des. João Marques e votado favoravelmente pelo aqui relator.
[6] Extracto do artigo do Ex.mº Sr. Des. João Pires da Rosa, intitulado “DOS VISTOS AOS OUVISTOS OU DA FÉ E DA JUSTIÇA”, in jornal COMUNICAR JUSTIÇA, n.º 1, ano II de Janeiro de 2003.
[7] Em especial as da versão colorida que nos foram enviadas em suporte digital e formato pdf.

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/18ac99e1d4d975ac802578bf004fa484?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidade,civil

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