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sexta-feira, 22 de julho de 2011

CRÉDITO À HABITAÇÃO,CONTRATO DE MÚTUO,ALTERAÇÃO DO CONTRATO,TAXA DE JURO FIXA,COMISSÃO BANCÁRIA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 16-06-2011

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2440/09.0TJLSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: CRÉDITO À HABITAÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
TAXA DE JURO FIXA
JUROS BANCÁRIOS
COMISSÃO
COMISSÃO BANCÁRIA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 16-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: 1- O art.º 3/1 do DL 171/08, de 26/08, assume, claramente, a natureza de norma imperativa que se impõe aos contratos de mútuo bancário já existentes.
2-O termo renegociação previsto no art.ºs 1 do citado DL 171/08 que, literalmente, significa negociar de novo, tem de ser entendido de modo a abarcar aquelas situações em que as partes acordaram em que uma delas, no futuro, pudesse introduzir uma alteração contratual, sem que a outra parte se lhe pudesse opor, isto, porque, ainda assim, a alteração unilateral do contrato sem oposição da outra parte, contratualmente prevista, constitui uma forma de cumprir o acordado (art.sº 405 e 406/1 do CCiv).
3- O exercício do direito de cessação antecipada de taxa fixa, implica uma renegociação contratual, inserindo-se, patentemente, no âmbito da proibição da cobrança de comissão por essa renegociação prevista no art.º 3 do diploma em análise.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

APELANTE/RÉ: “CAIXA...” (Representada em juízo, entre outros, pelo ilustre advogado J..., com escritório em Lisboa, conforme instrumento de procuração de 4/3/08 de fls.82/84 dos autos).

*
APELADA/AUTOR: “A” (Representada em juízo, entre outros, pelo ilustre advogado A..., com escritório em Lisboa, conforme instrumento de procuração de 6/10/09 de fls.40 dos autos)
*
Com os sinais dos autos.
*
O Autor intentou contra a Ré a presente acção declarativa sob a forma de processo sumário a que deu o valor de €6.447,24 (seis mil quatrocentos e quarenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos), e que aos 18/11/09 foi distribuída ao 5.º juízo cível, 1.ª secção do Tribunal de Comarca de Lisboa, pedindo a condenação da Ré:
· Na alteração da taxa fixa para variável nos dois contratos de crédito sob o n.º ...985 de 26/06/08 e crédito multiopções n.º ...885 com a mesma data;
· No pagamento da quantia de 6.369,21 € acrescida de juros contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
· No pagamento da quantia de 78,03 € relativa a juros de mora vencidos;
· Na devolução dos montantes que o A. continuará indevidamente a pagar até ao momento da alteração da taxa fixa para variável;
· No pagamento das custas e procuradoria condigna
Louvou-se em suma no seguinte:
· Nos termos do art.º 4/11 do contrato anexo à escritura pública de crédito à habitação o Autor pode, a qualquer momento prescindir do regime de taxa fixa e solicitar a alteração para taxa variável e assim em Março de 2009 solicitou junto de um balcão da Ré um pedido de cessação antecipada das taxas de base fixa para poder prevalecer-se das taxas de base variável, não tendo obtido resposta; em 22/5/09 o A. remeteu comunicação à Ré, em Julho desse ano novo pedido e em Agosto seguinte dirigiu ao Banco de Portugal duas reclamações e uma reclamação á Ré, só obtendo resposta da Ré em Setembro desse ano, sem nenhuma utilidade (art.ºs 1 a 9)
· A Ré justificou a sua morosidade no processo de alteração das taxas com o seu entendimento de que o previsto no cit n.º 11 do art.º 4 do contrato não é uma renegociação mas o exercício de alteração unilateral do regime de taxa de juro nas condições do contrato e que inclui cobrança de comissão pré-definida, tendo dúvidas quanto à aplicação aos autos do n.º 1 do art.º 3 do DL 171/08 de 26/08, mas as dúvidas não têm razão de ser, uma vez que essa alteração integra o conceito de renegociação do referido art.º 3/1 do diploma (art.ºs 10 a 20)
· Ainda que dúvidas tivesse, não deveria ter ficado a Ré inerte, já que tal inércia, tendo o Autor razão, lhe causou prejuízos, até agora contabilizados em 4985,46 €, a que acresce o pagamento, a mais, mensal, de 553,94 €, quanto ao contrato de crédito à habitação e 1383,75 € relativamente ao contrato de crédito multiopções, pagando a mais mensalmente153,75 €
A Ré, citada, veio, fundamentalmente, discutir de direito alegando que o exercício por parte do autor da faculdade prevista na cláusula 4/11 do contrato de crédito e cláusula 3/11 do contrato multiopções, ou seja a possibilidade de fazer cessar antecipadamente e unilateralmente o período de taxa fixa, constitui o exercício de um poder potestativo a que a “CAIXA...” se não pode opor, e não a renegociação a que se refere o art.º 3/1 do DL 171/08 de 26/08 que impede a cobrança de comissões de alteração contratual em caso de renegociação, razão pela qual é devida a comissão contratualmente estabelecida de 2%; sob a epígrafe “por reconvenção” conclui no art.º 44 que o valor das comissões em dívida é de 4.465,82 € a que devem acrescer os juros moratórios desde a citação para contestar o pedido reconvencional à taxa contratada prevista na cláusula 5.ª do contrato de crédito à habitação e 4.ª do crédito multiopções. Não deu qualquer valor ao pedido que designou de reconvencional.
Em resposta o Autor veio impugnar os factos relativos ao direito à comissão, dizendo ainda, que o legislador no art.º 3.º do diploma utiliza o termo renegociação, que não encerra qualquer conceito jurídico, com o sentido de alteração aos contratos de crédito à habitação o objectivo do legislador foi o de assegurar um nível elevado de protecção ao consumidor num contexto de agravamento das taxas de juro, inserindo-se o Autor no conjunto dos sujeitos que vêem as suas taxas de juros agravadas, estando incluído no universo previsto pelo legislador.
Na tentativa de conciliação as partes requereram a suspensão da instância por 15 dias, período dentro do qual a Ré se compromete a apresentar as contas referentes à diferença de valores com a aplicação do regime de taxa fixa e de taxa variável desde Março de 2009. Inviabilizada a transacção veio a Ré apresentar conforme se colhe de fls. 16/118 os diferenciais em causa.
Inconformada com o saneador sentença de 29/11/2010 que, julgando a acção procedente, por provada e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia correspondente aos valores pagos por este a mais resultantes da diferença entre a aplicação de taxa de juros de base fixa e variável entre Junho de 2009 e Agosto de 2009, com base num spread de 0,5%, indexada à Euribor a 3 meses, acrescida de juros de mora à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento, dela apelou a Autora em cujas alegações conclui:
1ª) A “CAIXA...” não discute neste recurso a condenação resultante do douto despacho Saneador sentença, nos termos em que a mesma condena o Banco ao pagamento de quantia ilíquida ao apelado;
2ª) Deveria constar da matéria de facto provada que a situação resultante da formalização do pedido de cessação antecipada das taxas de base fixa a que se refere o nº 5 da fundamentação de facto consubstanciava uma alteração unilateral ao contrato, atendendo a que se trata de matéria de facto alegada pelo autor (cfr. nº 19 da p.i.) e que foi expressamente aceite pela ré (cfr. nº 27 da contestação):
3ª) O que parece resultar da douta fundamentação de direito é que o Tribunal a quo entendeu que não podia o Banco fazer depender da cobrança da comissão de 4% a aplicação aos empréstimos das taxas de juro variáveis pedidas pelo apelado, questão esta que não abarca no seu âmbito decisão sobre o pedido reconvencional formulado, verificando-se assim a omissão de pronúncia quanto a este pedido;
4ª) As cláusulas constantes dos nºs 3 e 4 pontos 11 dos dois contratos não estão sujeitas ao regime jurídico a que se reporta o DL 171/2008 de 26/8, e nessa conformidade, o uso do direito que tais cláusulas atribuem ao apelado não retiram à apelante o direito a proceder à cobrança da comissão de 2% sobre o valor do capital em dívida à data de 31.12.2008;
5ª) A ratio legis subjacente à génese do DL 171/2008 foi a protecção do consumidor, mas também não é menos certo que tal desiderato não foi vertido nesse diploma sem quaisquer limitações ou restrições;
6ª) O Legislador pretendeu excluir do regime do diploma as situações em que não seja necessário ao consumidor negociar ou renegociar com as instituições de crédito pois não é nestas situações que se justifica a necessidade de salvaguardar os direitos do consumidor;
7ª) No caso sub judice não se verificou nenhuma renegociação do crédito ou das condições em que o mesmo foi prestado; Com efeito negociar é discutir para chegar a um acordo entre as partes interessadas e renegociar significa voltar a negociar o que já antes estava acordado.
8ª) É este o sentido normal que qualquer declaratário dá ao significado do verbo renegociar, não podendo o intérprete da lei olvidar que na fixação do sentido e alcance da lei não pode ser considerado pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso (cfr.art. 9º nº 2 do C.C.);
9ª) Tratou-se assim do uso pelo aqui apelado de um direito de natureza potestativa, e não de uma discussão entre as partes no sentido de se chegar (ou não) a uma nova realidade no que respeitava à taxa de juro;
10ª) Estender o âmbito de aplicação do DL 171/2008 aos casos em que não há manifestamente lugar a qualquer renegociação do crédito ofende não só o princípio da autonomia da vontade, como principalmente as regras constantes dos contratos outorgados livremente entre as partes, mormente o nº 4 ponto 11 e o nº 3 ponto 11 destes;
11ª) o Tribunal a quo deveria ter condenado o apelado a pagar à apelante o pagamento da comissão prevista nos contratos, por estes estipulada no montante de 2% a aplicar ao capital em dívida dos dois empréstimos reportado à data de 31 de Dezembro de 2008, o que perfazia a quantia de 3.531,11€ quantia esta a que acrescia o imposto de selo à taxa legal tudo somando 4.465,82 €, acrescido dos juros moratórios desde a citação para a contestação do pedido reconvencional.
Termos em que deverá o douto despacho saneador sentença ser revogado por forma a que à “CAIXA...” seja reconhecido e declarado o direito contemplado no seu pedido reconvencional.
Assim se fará Justiça !
Em contra-alegações, conclui o Autor:
1. O Decreto - Lei 171/2008 tem como objectivo impedir a criação de obstáculos e dificuldades à alteração dos contratos de crédito para aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária, ou para arrendamento, bem como a aquisição de terrenos com vista à construção de habitação própria.
2. O Recorrido, ao exercer o disposto na cláusula n.º 11 do art. 4.º do documento complementar ao contrato de crédito à habitação, manifesta uma intenção de alteração do contrato, independentemente de tal alteração ser considerada uma negociação ou renegociação.
3. A interpretação feita pela Recorrente do disposto no Decreto-Lei acima mencionado quanto do termo “renegociação” é demasiado literal e restritiva.
4. Renegociar, como muito bem a apelante define, é negociar de novo, ou seja, terá que ter por base um anterior contrato.
5. Renegociar é, assim, alterar o contrato.
6. A alteração da taxa de juro é uma renegociação, pois não basta a declaração de vontade do Recorrido em alterar a taxa de juro;
7. Com efeito, tal direito está dependente de aceitação por parte da Recorrente “CAIXA...”,
8. Não sendo verdade o facto de a “CAIXA...” não se poder a ele opor, pois, se assim fosse,
9. O Recorrido teria alterado automaticamente a taxa de juro, em Março de 2009, sem ter sido necessário interpor a acção principal.
10. Pelo que não pode ser outra, senão a conclusão de aplicação do Decreto – Lei 171/2008 ao caso sub judice.
11. Tal conclusão retira-se não só do que já foi exposto, como também de uma interpretação teleológica e sistemática da ratio da norma, que visa essencialmente a protecção da parte mais fraca, o consumidor, eliminando obstáculos comerciais à renegociação das condições dos empréstimos.
12. Assim sendo, e de acordo com o n.º 1 do art. 3.º do DL n.º 171/2008, «às instituições de crédito está vedada a cobrança de qualquer comissão pela análise da renegociação das condições do crédito».
13. Não poderá ser outra a conclusão senão a de que não é exigível o pagamento de qualquer comissão pela alteração da taxa de juro.
14. Nestes termos, não assiste, mais uma vez, qualquer razão à Recorrente devendo por isso manter-se a decisão recorrida.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, e em consequência, manter-se a douta sentença recorrida, fazendo-se assim a costumada
JUSTIÇA!
Recebido o recurso, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes adjuntos que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do seu mérito
Questões a resolver:
a) Saber se ocorre omissão de pronúncia quanto a questão suscitada na contestação;
b) Saber se deve considerar admitida por acordo a que foi alegada pelo Autor no art.º 19 da p.i, e expressamente aceite pela Ré no art.º 27 da contestação.
c) Saber se ocorre erro de julgamento de direito na decisão recorrida ao considerar que as cláusulas constantes dos n.ºs 3 e 4 dos pontos 11 dos dois contratos estão sujeitas ao regime jurídico a que se reporta o DL 171/2008 de 26/08, tendo o apelante direito a cobrar do cliente a comissão de 2% sobre o valor do capital em dívida à data de 31/12/2008.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Deu o Tribunal recorrido como assente a seguinte factualidade:
1. Em 26 de Junho de 2008, por escritura pública, o Autor celebrou com a Ré dois contratos de mútuo, um com destino a aquisição de imóvel para habitação e, outro, a facultar recursos financeiros para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis.
2. Foi acordada, no âmbito dos referidos contratos, o pagamento, durante o primeiro período de dois anos, de uma taxa de juro de base fixa de 5,45%, ao ano, acrescida de um diferencial de 0,5 pontos percentuais, traduzida na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de 5,95%, a que corresponde a taxa efectiva de 6,115%.
3. Nos termos dos contratos, “A parte devedora poderá, mediante comunicação à Caixa, fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa estabelecido no número um (…), sendo devida, em tais casos, a comissão para o efeito estabelecida no preçário divulgado em todas as Agências da Caixa, nos termos legais, actualmente de dois por cento, a calcular sobre o saldo devedor do empréstimo em trinta e um de Dezembro do ano imediatamente anterior ao da cessação, ou, se ocorrer no ano da celebração do presente contrato, sobre o montante total do empréstimo”.
4. Na situação supra descrita, se não for convencionado outro período de taxa, aplicar-se-á o regime de taxa correspondente à media aritmética simples das taxas Euribor a três meses, a partir do início do período mensal de contagem de juros seguinte à comunicação efectuada à Caixa pela parte devedora.
5. Em Março de 2009, o Autor formalizou junto de um balcão da Ré o pedido de cessação antecipada das taxas de base fixa para poder prevalecer-se das taxas de base variável.
6. A Ré continuou a aplicar aos dois contratos as taxas de juro de base fixa até Agosto de 2010.
7. O Autor pagou mais de juros do que teria pago se a Ré tivesse procedido à alteração das taxas de base fixa para variável.
8. O valor do saldo devedor dos empréstimos em 31 de Dezembro de 2008 era de € 169.764,91 e de € 44.937,79.
*
A Recorrente entende que deve constar da matéria de facto provada a que foi alegada pelo Autor no art.º 19 da p.i, e expressamente aceite pela Ré no art.º 27 da contestação.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539).
Não havendo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões de recurso, seja pelas questões enunciadas em

a) Saber se ocorre omissão de pronúncia quanto a questão suscitada na contestação;
Tem essa nulidade a ver com a violação do dever que ao juiz é imposto de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o seu conhecimento oficioso (cfr. art.º 660, n.º 2 do CPC). Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos, que, segundo as várias vias, à partida plausíveis de resolução do pleito as partes tenha deduzido ou o próprio juiz tenha inicialmente admitido (cfr. Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol V, pág. 143, Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra editora, 2001, pág. 646); em sentido contrário se pronunciou Anselmo de castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pág. 142, para quem o conceito “questões” deve ser tomado em sentido amplo abrangendo tudo o que diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir, fundabilidade ou infundabilidade de umas e outras, às controvérsias que as partes sobre elas suscitem, a menos que o exame de uma só parte imponha necessariamente a decisão da causa.
Na jurisprudência o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender uniformemente, na esteira de Alberto dos Reis, que o conceito questões não abrange as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes; a determinação da norma aplicável e a sua correcta interpretação não integra o conceito de questão a resolver mencionado art.º 660 do CPC (cfr. Ac do STJ de 18/12/2002, Revista n.º 3921/02-2.ª Sumários. Uma fundamentação pobre ou medíocre da sentença não constitui vício susceptível de conduzir à sua nulidade.

Também o eventual erro da apreciação das provas carreadas não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia (cfr. entre outros o Ac STJ de 22/01/1998 in BMJ n.º 473-427).
Como se disse no despacho de relator que considerou recorrível a decisão dos autos, não ocorre, nos autos, verdadeiro pedido reconvencional, não obstante a fórmula final utilizada na contestação, pelas seguintes razões:
· Em primeiro lugar por não estar formalmente deduzido um pedido reconvencional, com indicação da forma de processo nos termos dos art.ºs 501, 467/1 c), d) e e);
· também não foi indicado o valor da reconvenção em conformidade com o disposto no art.º 501/2 para efeitos, designadamente, do art.º 308/2, nem tinha que ser visto que o que a Ré pretende é ver ressarcida de um valor de comissões que sendo inferior ao valor pedido pelo Autor, leva à extinção da obrigação da Ré até ao valor do crédito da Ré sobre o Autor em conformidade com o disposto nos art.º847, 848, 854 do CCiv.
O Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido analisou a matéria exceptiva deduzida pela Ré nos art.ºs 5 a 33, 39 a 45, conforme se pode ler nos parágrafos 3 a 7 de pág 138 e os dois primeiros de página 139. Apelante não concorda com tal apreciação do diploma, interpretação da norma e aplicação ao caso concreto, o que constituindo eventualmente, erro na indagação, interpretação e aplicação do direito não constitui, como o entende a doutrina e a jurisprudência qualquer nulidade.

b) Saber se deve considerar admitida por acordo a que foi alegada pelo Autor no art.º 19 da p.i, e expressamente aceite pela Ré no art.º 27 da contestação.
Alega o autor no art.º 19 da petição inicial: “Ainda que esta alteração seja unilateral, tem por base um acordo bilateral que a legitima” e, prossegue o mesmo no art.º 20: “Integra o conceito de renegociação previsto no n.º 1 do art.º 3.º do DL 171/2008 de 26/08, pelo que a Ré não poderá cobrar qualquer montante ao Autor pela operação de alteração de taxas.”
Diz a Ré no art.º 27 da contestação: “Aliás o próprio Autor reconhece que o que pretende é uma alteração unilateral do contrato (cfr. art.º 19 da p.i.) declaração esta que a “CAIXA...” desde já aceita para que irretratável fique.”
O que o Autor alega no art.º 19 é matéria conclusiva, juízo de valor que não sendo juízo de valor de facto é já um juízo de valor de direito, pois é matéria de direito concluir se determinada declaração negocial (essa sim matéria de facto), constitui ou não uma alteração unilateral de um acordo bilateral, já que para assim se conclui impõe-se a indagação, interpretação e aplicação de normas jurídicas.
Não há assim qualquer facto que deva ser considerado admitido por acordo e que esteja ínsito no art.º 19 da p.i.

c) Saber se ocorre erro de julgamento de direito na decisão recorrida ao considerar que as cláusulas constantes dos n.ºs 3 e 4 dos pontos 11 dos dois contratos estão sujeitas ao regime jurídico a que se reporta o DL 171/2008 de 26/08, tendo o apelante direito a cobrar do cliente a comissão de 2% sobre o valor do capital em dívida à data de 31/12/2008.
Considerou-se na decisão recorrida entre o mais:
· O Autor pediu a cessação antecipada das taxas de base fixa para poder prevalecer-se das taxas de base variável, pedido que não foi atendido pela Ré senão em Agosto de 2010, o que fez com que o Autor pagasse nesse período de tempo mais juros do que teria pago se a Ré tivesse logo procedido à peticionada alteração;
· O DL 171/08 de 26/08 pretendeu assegurar um nível elevado de protecção ao consumidor, num contexto de agravamento das taxas de juro, relativamente às renegociações das condições dos empréstimos e respectiva mobilidade, vedando às instituições de crédito a cobrança de qualquer montantes para esse efeito;
· Os contratos prevêem, na hipótese de alteração, antes do prazo de dois anos, das taxas de juro de base fixa para variável, o pagamento de uma comissão e a indexação à Euribor a 3 meses, se não for convencionado outro período e tal constitui uma renegociação, uma vez que no doc. apresentado pela Ré das contas referentes ao valor da diferença paga a mais pelo Autor, vem referir que a alteração da taxa fixa para variável implicaria sempre uma revisão do spread aplicado, ou seja uma renegociação, não obstante tal não vir referido na contestação.
Diz em suma a Ré nas alegações:
· A ratio legis do DL 171/08 foi a de assegurar a efectiva tutela do consumidor no âmbito da renegociação das condições do empréstimo à habitação;
· Dela pretendeu o legislador excluir as situações em que não seja necessário ao consumidor negociar ou renegociar com as instituições de crédito;
· Negociar ou renegociar é discutir para chegar a um acordo, e é este o sentido que tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal (art.º 9/2 do CCiv)
· No caso dos autos não se verificou nenhuma renegociação do crédito ou das condições em que o mesmo foi prestado, ou seja não foi discutido nada para chegar a um acordo, houve comunicação unilateral, potestativa, não cabendo à aqui Ré discutir se aceitava ou não tal nova aplicação da taxa de juro, variável, como seguramente se verificaria caso se estivesse perante uma situação de renegociação.
· Não é aplicável o DL 171/2008 sendo devida a comissão contratual.

Vejamos o que dizem os art.ºs 1 e 3 do citado DL 171/08.
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto -lei aprova medidas de tutela do mutuário no crédito à habitação respeitantes à renegociação das condições dos empréstimos e à respectiva mobilidade.

Artigo 3.º
Garantias no âmbito da renegociação das condições do crédito
1 — Às instituições de crédito está vedada a cobrança de qualquer comissão pela análise da renegociação das condições do crédito, nomeadamente do spread ou do prazo da duração do contrato de mútuo.
2 — Às instituições de crédito está vedado fazer depender a renegociação do crédito da aquisição de outros
produtos ou serviços financeiros.

O art.º 3/1 assume, claramente, a natureza de norma imperativa que se impõe aos contratos de mútuo bancário já existentes, como são os contratos dos autos.
Não deve a interpretação da lei cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (art.º 9/1 do CCiv).
Quer isto dizer que o intérprete deve ter em conta o elemento teleológico, o sistemático e o elemento histórico na interpretação que fizer dos textos legais, com o limite previsto no n.º 2 do art.º 9 do Cciv, ou seja deverá desconsiderar-se o pensamento legislativo que na letra da lei não tenha um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
E qual foi o pensamento legislativo, a mens legis?
Precioso auxiliar neste domínio é o preâmbulo do diploma.
“Tendo em vista erigir um enquadramento jurídico em matéria de crédito hipotecário à habitação em que, sem prejudicar a eficiência e competitividade deste sector, seja assegurado um nível elevado de protecção do consumidor, vem o presente decreto -lei eliminar obstáculos comerciais à renegociação das condições dos empréstimos, nomeadamente do spread ou do prazo da duração do contrato de mútuo, e reforçar as condições de mobilidade destes empréstimos.
No contexto recente de agravamento das taxas de juro, urge a adopção de medidas legislativas que possam resultar numa efectiva diminuição do peso deste encargo no orçamento familiar, nomeadamente através da eliminação de barreiras económicas ou legais que ainda subsistam quer à renegociação das condições dos empréstimos quer à respectiva mobilidade, num quadro de promoção da concorrência no sistema financeiro.
Neste sentido, o presente decreto -lei para assegurar a efectiva tutela do consumidor no âmbito da renegociação das condições do empréstimo à habitação vem, por um lado, vedar às instituições de crédito a cobrança de qualquer montante para esse efeito, nomeadamente a título de análise do processo, e, por outro, clarificar a aplicação neste domínio da proibição da prática de tying, já em vigor no âmbito da celebração dos contratos de empréstimo. Nesta medida, passa a constituir uma prática comercial vedada fazer depender a renegociação do crédito de exigências adicionais, nomeadamente, do investimento em produtos
financeiros ou da observância de determinadas condições de utilização de cartão de crédito.(… )O presente decreto -lei concentra -se, assim, especificamente, na eliminação de barreiras injustificadas que dificultavam a efectiva mobilidade dos consumidores no domínio do crédito hipotecário à habitação.(…)

Por conseguinte um dos objectivos do diploma foi o de permitir uma efectiva diminuição do peso do encargo resultante da taxa de juro acordada com o banco aquando da contratação, numa assumida perspectiva de defesa do consumidor, no caso de haver renegociação dos contratos. Tendo o diploma entrado em vigor em 26/09/08 (art.º 7) e aplicando-se aos contratos existentes (art.º 12/2, parte final do CCiv).

Diz a “CAIXA...” que o exercício do direito previsto nas cláusulas 4/11 do crédito à habitação e 3/11 do crédito multiopções cujas redacção são idênticas é um direito potestativo e unilateral que não se integra no conceito de renegociação, previsto no art.º 3.º
Ora, a conclusão tirada parece-nos precipitada. Sendo verdade que o Autor enquanto mutuário, tem essa faculdade a que a Ré enquanto mutuante se não pode opor porque foi assim que ambas as partes acordaram (e os contratos devem ser pontualmente cumpridos, sem entraves, nem demoras injustificadas), o certo é que a taxa variável, por antecipação aos 2 anos (cláusulas 4/1 e 2), não é algo que seja imediatamente calculado, dado que existem a referência à média aritmética simples das taxas Euribor a 3 meses com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de vigência do contrato, a que acresce o diferencial que então vigorar do spread calculado em conformidade com o disposto nos pontos 7, 8, 9 das cláusulas 4.ª e 3.ª dos contratos, com idêntica redacção. O cálculo da nova taxa (que integra o spread) depende, assim, de inúmeros factores, tanto assim é que o spread de 0,5 (4/1 e 3/1 dos contratos), no caso de alteração da taxa fixa para taxa variável poderia ser revisto.
No caso que nos ocupa, a Ré nada disse em relação ao exercício do direito de cessação antecipada da taxa fixa, o que significaria nada ter a opor ou a acrescentar ao seu exercício, de resto em conformidade com o acordo entre ambos firmado, o que, significa, inequivocamente, o acordo a essa antecipação (art.º 217/1 do CCiv).
O termo renegociação previsto no art.ºs 1 do citado DL 171/08 que, literalmente, significa negociar de novo, tem de ser entendido de modo a abarcar aquelas situações em que as partes acordaram em que uma delas, no futuro, pudesse introduzir uma alteração contratual, sem que a outra parte se lhe pudesse opor, isto, porque, ainda assim, a alteração unilateral do contrato sem oposição da outra parte, contratualmente prevista, constitui uma forma de cumprir o acordado (art.sº 405 e 406/1 do CCiv).
Concluindo, o exercício do direito de cessação antecipada de taxa fixa, implica uma renegociação contratual, inserindo-se, patentemente, no âmbito da proibição da cobrança de comissão por essa renegociação prevista no art.º 3 do diploma em análise. E, inserindo-se no âmbito da proibição do artigo, não pode a Ré, como pretendeu e pretende, fazer-se cobrar da comissão do preçário divulgado pelas Agências, que contratualmente foi acordada mas que, por força do diploma que lhe é aplicável, se deve ter por excluída.

IV- DECISÃO

Tudo visto, acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Regime de Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade da Ré que decai e porque decai (art.º 446, n.ºs 1 e 2).

Lisboa, 16 de Junho de 2011

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Henrique Antunes
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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pelo DL 303/2007 de 24/08, entrado em vigor a 1/1/08, atenta a circunstância de acção ter entrado em juízo em 17/11/2009 e ter sido distribuindo ao 5.º Juízo Cível, 1.ª secção do Tribunal da Comarca de Lisboa, como resulta dos autos e o disposto no art.º 11 e 12 do mencionado diploma; ao Código referido pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/3fd59643ab5c2ba1802578cc0047fd37?OpenDocument

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