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sábado, 23 de julho de 2011

PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL,LITISPENDÊNCIA,RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS,CAUSA DE PEDIR,ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 22/06/2011

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
378/05.0TALSD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MELO LIMA
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
LITISPENDÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CAUSA DE PEDIR
ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL

Nº do Documento: RP20110622378/05.0TALSD.P1
Data do Acordão: 22-06-2011
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO; E PROVIDO O RECURSO DO DEMANDANTE CIVIL.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - O facto de o Instituto de Segurança Social, I.P., ter apresentado reclamação de créditos no processo de insolvência da sociedade aqui arguida não é impeditivo da procedência do pedido de indemnização civil contra ela deduzido no processo criminal nem é determinativo da condenação condicional dos restantes demandados civis – sócios gerentes.
II – A qualificação como crime do acto do agente confere uma substancial especificidade à causa de pedir do enxerto cível: o facto jurídico concreto que a enforma não se identifica com o mero incumprimento de uma obrigação fiscal, mas com o incumprimento portador dos elementos objectivo-subjectivos do crime de Abuso de confiança contra a Segurança Social.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 378/05.0TALSD.P1

RELATOR: MELO LIMA

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

1. Em processo comum (Nº378/05.0TALSD.P1), Tribunal Singular, pelo 1ºJuízo do tribunal Judicial de Lousada, foi deduzida acusação contra: “B…, C…, D…, pela prática
1.1. Pelos arguidos C… e D…, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, sob a forma continuada, previsto e punido no 27°- B do Decreto-Lei n.º 20-A190, de 15/1, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 140/95, de 14/6, e artigo 24° n.º 1 do referido Decreto-Lei n.º 20-A!90, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24/11 e 300, n.º 2 e 79°, ambos do Código Penal, actualmente previstos e punidos nos termos do Art. 105°, n.º 1 “ex vi” do Art. 107°, n.º 1 e 2 da Lei n.º 15/2001 de 5/6 (RGIT);
1.2. Pela arguida “B…, do mesmo crime de abuso de confiança, sob a forma continuada, face ao disposto no artigo 7° do RJ.I.F.N.A. e 30°, n.º 2 e 79°, ambos do Código Penal, actualmente art. 7° da Lei n.º 15/200 1 de 5/6 (RGIT).
2. O instituto da Segurança Social deduziu pedido de indemnização Civil contra os arguidos requerendo a sua condenação no pagamento ao Requerente da quantia global de € 225.008,29 [€ 136.556,82 (Valor das cotizações, respeitantes aos meses de Janeiro de 2001 a Outubro de 2004, em que o ISS, I.P. foi ilicitamente lesado) + € 88.451,47 (Juros de mora calculados até à dedução do pedido)], acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de € 136.556,82, calculados de acordo com o disposto no artigo 16º do DL 411/91 de 17 de Outubro e artº 3º do DL 73/99, até efectivo e integral pagamento. (2ºVol. Fls.403 > 406)
3. Realizado o julgamento, foi, a final, proferida a seguinte DELIBERAÇÃO:
3.1. Condenar a sociedade arguida “B…. LDA, pela autoria material de um crime, na forma continuada, de abuso contra a segurança social, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 70, n.º 1 e 107.°, este último remissivo ao art. 105.°, n.°s 1 e 4, todos do R.G.LT., e no art. 30.°, n.º 2 do Código Penal, na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros).
3.2. Condenar os arguidos C… e D…, pela co-autoria material de um crime, na forma continuada, de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts 6.°, n.º 1, 7.°, n.º 3, e 107.°, este último remissivo ao art. 105.°, n.°s 1, todos do R.G.1.T., e no art. 30.°, n.º 2 do Código Penal, cada um dos arguidos na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 20,00 (vinte euros) para o arguido D… e 10,00 € (dez euros) o arguido C….
3.3. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante cível Instituto de Segurança Social, parcialmente provado e parcialmente procedente e, em consequência, condenar solidariamente os demandados cíveis C… e D…, a pagarem-lhe a quantia de 225.008,29€ (duzentos e vinte e cinco mil e oito euros e vinte e nove cêntimos) acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de 136.556,82 e respectivos encargos legais calculada nos termos do artigo 16° do Decreto-Lei nº 41 1/91, de 17 de Outubro, e artigo 3° do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março, caso a mencionada quantia não venha a ser paga, total ou parcialmente, no âmbito do processo de insolvência nº 793/07.3TBLSD do 2° Juízo do TJ Lousada.
4. Inconformados, recorrem:
4.1.O Arguido D…, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
4.1.1.Foi condenado pelo crime de abuso de confiança fiscal consubstanciado na não entrega de verbas mensais não superiores a €7.500,00.
4.1.2.Nessa medida, tais condutas encontram-se descriminalizadas por força da alteração da redacção do artº 105° nº 1 do RGIT e revogado o seu nº 6, em termos de tornar punível a conduta do agente decorrente da falta de entrega de prestação de valor superior a 7.500,00€.
4.1.3.Neste mesmo sentido, e a par da abundante jurisprudência referenciada pelo arguido no seu recurso interposto da decisão que decidiu submeter o arguido a julgamento e cujo conhecimento agora se requer, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 106/01.9IDPRT.Sl - 3 secção de 04/02/2010.
4.1.4.Termos em que, conhecendo-se agora, se não antes, o recurso interposto pelo arguido, deve a decisão de condenação ser revogada por outra que declare extinto o procedimento criminal.
4.2. O requerente cível INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., recurso que remata com as seguintes Conclusões:
4.2.1. Os arguidos/demandados sociedade “B…, L.da”, C… e D… foram condenados, na parte criminal, pela prática de um crime, na forma continuada, de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artº 6°, nº 1, 7°, nº 1 e 3, 107° nº i, da Lei n° 15/2001, de 05 de Junho, e artº 30° n° 2 do Código Penal,
4.2.2. Na parte cível, os arguidos/demandados C… e D… foram condenados a pagar a quantia de 225.008,29€ acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de 136.556,82€ e respectivos encargos legais calculados nos termos do artº 16° do Dec. Lei nº 41 1/91 de 17 de Outubro e art° 3 do Dec. Lei 73/99 de 16 de Março, apenas caso a mencionada quantia não venha a ser paga, total ou parcialmente, no âmbito do processo de insolvência n° 793/07.3TBLSD do 2° Juízo do TJ Lousada.
4.2.3. A arguida/demandada sociedade “B…, L.da” foi absolvida da instância do pedido de indemnização civil contra ela deduzido, pelos motivos invocados na douta sentença, que se passam a transcrever: “...O facto de a demandante ter apresentado reclamação de créditos no processo de insolvência da sociedade arguida, como resulta da matéria de facto por contribuições em falta, é impeditivo da procedência do pedido quanto a Sociedade demandada. Com efeito, estando em causa contribuições, estas estão compreendidas nos períodos das contribuições em que foram reclamados créditos, pelo que a sentença de verificação e graduação de créditos irá reconhecer o crédito da demandante pelo que não poderá novamente o Tribunal condenar a demandada. Há repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso (art° 497 do CPC.)
4.2.4. Assim, existe litispendência, porquanto, o crédito do ofendido foi reclamado e reconhecido no processo de insolvência, que correu termos no 2° Juízo deste Tribunal. Consequentemente terá a arguida sociedade de ser absolvida da instância (art° 493 e ss CPC). O mesmo já não sucede quanto aos demais arguidos, pois que são juridicamente responsáveis.”
4.2.5. Assim, foi a sociedade “B…, L.da” absolvida da instância relativamente ao Pedido de Indemnização Civil formulado pelo recorrente, por o tribunal a quo entender julgar-se verificada a excepção dilatória de litispendência relativamente ao referido Pedido de Indemnização Civil.
4.2.6. Para tal, considerou o tribunal a quo que o facto de a demandante ter apresentado reclamação de créditos no processo de insolvência da sociedade arguida, como resulta da matéria de facto por contribuições em falta, é impeditivo da procedência do pedido quanto à sociedade demandada, pois estando em causa contribuições que estão compreendidas nos períodos das contribuições em que foram reclamados créditos, a sentença de verificação e graduação de créditos irá reconhecer o crédito da demandante, pelo que não poderá novamente o Tribunal condenar a demandada. Considerou ainda o Tribunal a quo que há a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso, existe litispendência porquanto o crédito do ofendido foi reclamado e reconhecido no processo de insolvência que correu termos no 2° juízo daquele Tribunal.
4.2.7. Com base em tal argumento decidiu ainda a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que os demandados cíveis C… e D… só terão de pagar à demandante a quantia na qual foram condenados “caso a mencionada quantia não venha a ser paga, total ou parcialmente, no âmbito do processo de insolvência n° 793/07.3TBLSD do 2° juízo do TJ Lousada”,
4.2.8. Salvo melhor opinião, tal não é assim.
4.2.9. Dispõe o art° 129° do Código Penal que “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
4.2.10. Aplicando-se por força do referido normativo o art° 483° do Código Civil que estatui que a obrigação de indemnizar resulta da responsabilidade civil por factos ilícitos.
4.2.11. Isto é, estão em causa prejuízos provocados pelos arguidos/demandados, enquanto autores de factos ilícitos integradores de crime, pelo que são directamente responsáveis pelo pagamento de tais prejuízos, os quais, manifestamente, poderão ser peticionados nos autos em epígrafe, a título de pedido de indemnização civil.
4.2.12. Desde logo, considerando o preceituado nos art°s 71° e 72° do Código de Processo Penal, que consagra o sistema de adesão da acção civil à acção penal.
12 - Esta responsabilidade civil refere-se tão-somente àquela que emerge da violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos, excluindo, liminarmente a responsabilidade contratual.
4.2.13. Com o devido respeito, o Tribunal “a quo” confunde duas realidades distintas: a da reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência e a da indemnização civil de perdas e danos emergentes de crime, a que se refere o art° 129° e seguintes do Código Penal e cujo procedimento vem regulado nos artigos 71° e seguintes do Código de Processo Penal.
4.2.14. Tratam-se de duas realidades completamente diferentes, quer quanto à natureza e origem dos respectivos objectos quer quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir das respectivas acções.
4.2.15. Efectivamente, enquanto o que titula a reclamação de créditos num processo de insolvência é a relação obrigacional existente entre a entidade empregadora e a dívida nele titulada, no pedido de indemnização civil formulado, a causa de pedir é o facto ilícito consubstanciador de um crime e o prejuízo por ele produzido, podendo haver incumprimento da obrigação de pagamento da dívida e, portanto, fundamento para a execução, sem que haja facto ilícito e, por conseguinte, fundamento para o pedido de indemnização civil no processo penal.
4.2.16. Isto é, a reclamação de créditos emerge da violação de uma relação contratual de pagar contribuições devidas à Segurança Social, enquanto que a titulo de pedido de indemnização civil, a sua dedução emerge do prejuízo patrimonial que a segurança social sofreu pela prática do facto ilícito extracontratual.
4.2.17. Estamos, assim, no domínio da responsabilidade civil extra-contratual por oposição à responsabilidade civil contratual, o que manifestamente legitima a formulação do pedido cível pela Recorrente.
4.2.18. Os arguidos, enquanto agentes do crime estão obrigados a indemnizar a Segurança Social pelo prejuízo por esta sofrido em consequência de tal conduta ilícita.
4.2.19. Estão em causa prejuízos provocados pelos próprios arguidos/demandados, enquanto autores de factos ilícitos integradores de crime, pelo que são directamente responsáveis pelo pagamento de tais prejuízos.
4.2.20. Ora, independentemente das reclamações de créditos apresentadas no processo de insolvência para pagamento dos créditos através do património da insolvente, nada impede a condenação da arguida Sociedade B…, no Pedido de Indemnização Civil.
4.2.21. Relativamente aos arguidos C… e D…, mais uma vez se diz que, estão em causa prejuízos provocados pelos próprios arguidos/demandados, enquanto autores de factos ilícitos integradores de crime, pelo que são directamente responsáveis pelo pagamento de tais prejuízos, não podendo a condenação dos arguidos C… e D… no pedido de indemnização civil ficar condicionada ao pagamento, total ou parcial, das quantias em causa no âmbito do processo de insolvência.
4.2.22. Tanto mais, que no presente caso, não houve ainda pagamento efectivo de qualquer quantia, nem tão pouco a condenação no pedido de indemnização civil.
4.2.23. Sempre se dirá que situação diferente tem a ver com o pagamento efectivo de tais quantias, na medida em que não pode o Estado fazer-se pagar em duplicado, o que certamente não ocorrerá, quer por iniciativa do próprio Estado, quer por iniciativa dos arguidos, uma vez que não deixará de se realizar a compensação dos créditos que entretanto vierem a ser pagos.
4.2.24. Por tudo isto, claramente, não se encontram preenchidos os requisitos da excepção de litispendência, conforme previsto nos art°s 497º e 498° do C. P Civil, pelo que não pode a demandada Sociedade B…, L.da ser absolvida da instância cível.
4.2.25. Os arguidos/demandados violaram ilicitamente o direito de crédito da Recorrente, constituindo-se na obrigação de indemnizar, nos termos do preceituado no art° 129° do Código Penal, art° 483° e seguintes do Código Civil, art°s 5°, n° 3 e 6° do Dec. Lei 103/80 de 9 de Maio, art° 3° do Dec. Lei n° 327/93, de 25 de Setembro, art° 5° do Dec. Lei n° 103/94 de 20 de Abril, art° 10° do Dec-Lei n° 199/99, de 8 de Junho e art°s 30° e 47° da Lei n° 32/2002, de 20 de Dezembro.
4.2.26. Não se encontram preenchidos todos os requisitos da litispendência para a sua verificação no presente caso, conforme previsto nos art°s 497° e 498 do C. P. Civil, pelo que não foram violados os referidos preceitos legais, não podendo ser invocados nem tão pouco proceder no presente caso.
4.2.27. Foram, por isso, violados os Arts. 497° e 498° do CPC e Arts. 24° n.º 1 e 27°-B do D.L. n.° 20-A190, de 15.Jan., na redacção dada pelo D.L. n.º 140/95, de 14.Junho, actualmente punido pelo Art. 105° n.º 1 e Art. 107° do RGIT e Art. 300 n.° 2 do Cód. Penal.
4.2.28. Nestes termos e pelo mais que V. Ex.as. suprirão esta motivação de recurso, deverá a douta sentença ser revogada na parte cível em que julga o pedido de indemnização civil parcialmente provado e procedente e condena solidariamente os demandados cíveis C… e D… a pagar a quantia de 225.008,29€ apenas caso a mencionada quantia não venha a ser paga, total ou parcialmente no âmbito do processo de insolvência nº 793/07.3TBLSD do 2° do TJ Lousada, devendo ser substituída por outra que condene nos mesmos e exactos termos, sem condicionar tal decisão ao pagamento, total ou parcial, no âmbito do processo de insolvência n° 793/07.3TBLSD do 20 Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, devendo ainda a douta sentença ser revogada na sua parte cível em que absolve a sociedade arguida B…, Lda da instância civil, devendo ser substituída por outra que condene a referida Sociedade no pedido de indemnização civil nos precisos termos em que foi deduzido
4.3.Respondeu, no Tribunal recorrido, ao Recurso interposto pelo arguido D…, o Exmo. Procurador da República dizendo, em síntese:
4.3.1. 1.° O Orçamento de Estado para 2009, aprovado pela Lei n° 64-A/2008, de 31.12, embora introduzindo alterações ao Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n°. 15/2001, de 5 de Junho, quanto ao crime de abuso de confiança fiscal, que passou a ser punível apenas quando o valor de cada declaração (mensal ou trimestral no I.V.A.) seja superior a 7.500€, não operou nenhuma alteração ao crime de abuso de confiança à Segurança Social.
4.3.2.Assim é que o art°. 113° da Lei n°. 64-A12009, de 31.12, sob a epígrafe “Alteração ao Regime Geral das Infracções Tributárias”, estabeleceu “os artigos 18°, 25. °, 98. O 105. O 109° e 114° do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n. ° 15/2001, de 5 de Junho, passam a ter a seguinte redacção “, não prevendo, assim, nenhuma alteração para os crimes contra a Segurança Social.
4.3.3.Continuando a conduta imputada ao arguido a constituir a prática de crime, bem julgou o Tribunal a quo a não extinção do procedimento criminal.
4.3.4.Pelo que, deverá negar-se provimento ao recurso e manter-se o douto despacho recorrido.
4.3.5.Neste Tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer onde conclui, de igual modo, no sentido da improcedência do Recurso interposto pelo arguido D….
Colhidos os Vistos, realizada a Conferência, cumpre conhecer e decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO
1 É a seguinte a decisão de facto em termos de “FACTOS PROVADOS”, FACTOS NÃO PROVADOS” e “MOTIVAÇÃO”:
1.1 FACTOS PROVADOS
1.1.1 A sociedade arguida foi constituída por escritura pública e matriculada sob o nome de “E…” em 09/12/1986, tendo alterado a sua denominação para “B…, Ld.a em 27/12/1 990 na Conservatória do Registo Comercial de Lousada — cfr. fis. 72 a 77-, e tem por objecto societário o exercício da indústria de metalurgia e mecânica, tendo a sua sede … desta Vila de Lousada e inscreveu-se na Segurança Social em 01 de Janeiro de 1987.
1.1.2 Desde o ano de 1990 que são sócios e gerentes da empresa arguida, os arguidos C…, D… e F…, sendo que o arguido D… renunciou à gerência em 13/06/2003 e a arguida F… renunciou à gerência em 02/09/2003, embora actualmente sejam novamente sócios e gerentes da sociedade arguida — cfr. certidão de fls. 72 a 77.
1.1.3 Nos meses de Janeiro de 2001 a Outubro de 2004, a sociedade arguida tinha sob a sua ordem direcção e fiscalização os trabalhadores constantes das folhas de remuneração juntas a fls. 52 a 66, 80 a 123, 125 a 132, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
1.1.4 Trabalhadores estes a quem pagou os salários com retenção das contribuições descontadas sobre os mesmos, bem como com retenção das contribuições dos membros dos órgãos estatutários, ou seja, os arguidos C… e D…, conforme dispõe o artigo 5° n.° 2 do Decreto-Lei n.° 103/80, de 9/5, artigo 24° da Lei n.º 24/84, de 14/8, Art. 62° da Lei n.° 17/2000 de 8/8 e artigos 30°, 45°, n.° 1, 47°, n.° 1 e 81° da Lei n.º 32/2002 de 20/12 (Lei de Bases da Segurança Social).
1.1.5 Assim, a sociedade arguida, através dos arguidos C… e D…, nos períodos de gerência de cada um destes e no decurso da sua actividade, procedeu à retenção das contribuições descontadas aos seus trabalhadores e membros de órgãos estatutários e enviou as respectivas declarações de remunerações, mas não enviou os correspondentes meios de pagamento como deveria, nos termos do disposto no artigo 5°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 103/80, de 9 de Maio e art. 18° do DL. n.º 140-D/86 de 14/6, e nos seguintes valores:


1.1.6 Tudo como resulta do mapa de fls. 142 a 148 e demais documentos juntos aos autos de fls. 134 a 141, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
1.1.7 Nos termos do disposto nos artigos 5° 11.0 3 e 6°, ambos do Decreto-Lei n.° 103/80, de 9/5, e artigo 18° do Decreto-Lei n.° 140-D/86, de 14/6, as quantias retidas deveriam ter sido entregues nos cofres da Segurança Social Portuguesa até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições respeitavam, ou nos noventa dias subsequentes a cada uma dessas datas.
1.1.8 Porém, os arguidos, no período de gerência de cada um deles, não o fizeram, fazendo da sociedade arguida tais quantias e utilizando as mesmas para efectuar compras e pagamentos a fornecedores e entidades bancárias e satisfazer outros compromissos relacionados com a actividade normal da sociedade arguida.
1.1.9 A sociedade arguida, e cada um dos gerentes, os arguidos C…, D…, foram devidamente notificados nestes autos para proceder ao pagamento das quantias em divida e acima descriminadas, acrescidas dos acréscimos legais, no prazo de 30 dias e nos termos do Art. 105°, n.° 4, ai. b) do RGIT, na redacção da Lei n.º 50-A12006 de 29/12, tendo decorrido tal prazo sem que estes tivessem pago qualquer quantia.
1.1. 10 Os arguidos C… e D… agiram livre, voluntária e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços e intenções, relativamente às contribuições efectivamente retidas e não entregues nos Cofres da Segurança Social (I.S.S.), nos meses e quantias supra mencionados e enquanto exerciam funções de gerentes da empresa arguida.
1.1.11 Os arguidos C… e D… agiram sempre aproveitando a oportunidade favorável à prática dos ilícitos descritos, dado que após a prática dos primeiros factos, não foi a empresa arguida alvo de qualquer fiscalização ou penalização e terem verificado persistirem as possibilidades de repetir a sua actividade delituosa.
1.1.12 Os arguidos C… e D… actuaram sempre como legais representantes ou gerentes da sociedade arguida, em nome e no interesse desta, agindo livre, voluntária e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços, nos períodos de gerência de cada um, querendo e sabendo que, ao actuarem da forma supra-descrita, se apropriavam de prestações tributárias liquidadas e recebidas nos termos da lei e que estavam legalmente obrigados a entregarem à Segurança Social, visando desta forma obterem para si e para a sociedade comercial de que são legais representantes a correspondente vantagem patrimonial indevida.
1.1.13 Sabiam ainda os arguidos C… e D… que toda a sua conduta era proibida e punida por lei.
1.114 A B…, sociedade arguida, dedicava-se ao exercício da indústria metalúrgica” e mecânica, mais concretamente ao fabrico de Recuperadores de Calor e Salamandras a lenha. No ano 2000 vê-se confrontada com uma dívida de 80.000 contos (quatrocentos mil euros) resultante da construção do seu pavilhão industrial em Penafiel.
1.1.15 Nessa altura, e como aposta de mercado em desenvolvimento, enveredou pelo privilegiar a sua actividade na construção de aparelhos a gás. (Recuperadores de Calor).
1.1.16 Com esse objectivo e porque cada vez mais era necessário a competitividade e inovação, investiu na homologação e certificação deste equipamento com a marca CE de forma a poder comercializá-lo em todos os países da Comunidade Económica Europeia. Contratou a firma italiana G….
1.1.17 Esta Certificação e Homologação custou cerca de 25.000 contos.
1.1.18 Por sua vez, a H… influenciou e incentivou o fabrico deste equipamento. Porém, e quando já havia condições para a sua comercialização, a H… desistiu de comercializar o equipamento.
1.1.19 Com o objectivo de alargamento do mercado nacional de Norte a Sul, cria a B1… e a B2… que se revelaram um fracasso.
1.1.20 A B2… pagava rendas elevadíssimas e havia na área outras empresas que faziam enormes descontos o que também implicou que a B… também os tivesse que fazer.
1.1.21 A B1… abriu bem, mas a funcionária que aí trabalhava criou a sua própria loja o que veio prejudicar a empresa.
1.1.22 A par disso, investiu no licenciamento industrial a que obrigou o dispêndio de largas quantias em extracção de fumos, cabine de pintura, controle de qualidade, etc.
1.1.23 Por influência da H… investiu no fabrico e homologação de um recuperador de calor que acabou por constituir um fracasso.
1.1.24 Atendendo a que o mercado do gás estava em expansão, decidiu criar o Departamento de Gás, para efectuar obras de infraestrutura (rede primária) e para isso investiu dezenas de milhares de contos em Viaturas, Máquinas de Soldadura, Geradores, contratação de pessoal altamente especializado, etc.
1.1.25 O certo é que, o investimento nessa área de mercado revelou-se numa má aposta já que as expectativas criadas com a grande quantidade de obras que as concessionárias tinham para lançar a concurso, iam-no fazendo muito lentamente.
1.1.26 A tudo isto não foi alheio, a própria conjuntura de mercado que originava dificuldades na cobrança dos seus créditos ou, em muitos casos, na ausência do seu recebimento.
Clientes como a I…, J…, K…, ficaram a dever à sociedade arguida, B…, milhares de euros.
1.1.27 Os trabalhadores nunca deixam de receber.
1.1.28 O arguido é reputado como bom pai, amigo leal e pessoa de princípios.
Este processo tem perturbado o equilíbrio psico-emotivo do arguido que recorreu a acompanhamento psiquiátrico.
1.1.29 O desaire económico da empresa teve também repercussões ao nível familiar que motivou uma separação conjugal subsequente.
1.1.30 O arguido C… está profissionalmente inactivo desde que a B… fechou, mas socialmente integrado, contando com o apoio dos seus familiares.
1.1.31 O Fecho da B… provocou no arguido desânimo e desestruturação pessoal.
Foi sempre da responsabilidade dos arguidos C… e D…, nos respectivos períodos, a efectiva gerência de direito e de facto, da sociedade.
1.1.32 Os arguidos não procederam até à data ao pagamento das referidas cotizações à segurança social.
1.1.33 A Sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença datada de 18.06.2007, transitada em julgado.
1.1.34 A demandante civil INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I. P. reclamou o seu crédito no valor de 293.918,64 € o qual foi verificado e graduado.
1.1.35 Do CRC do arguido C… consta um crime de abuso de confiança na forma continuada nos termos do art° 105 do RGIT, praticado em 2000.
1.1.36 Do CRC do arguido D… consta um crime de abuso de confiança na forma continuada nos termos do art° 105 do RGIT, praticado em 2000.
1.2 FACTOS NÃO PROVADOS
1.2.1 No “caixa”, dos valores a pagar e a reter, apenas dispunha dos exactos montantes que tinha que entregar aos trabalhadores.
1.2.2 A B… não era sequer possuidora das verbas ilíquidas relativas aos pagamentos dos seus trabalhadoras.
1.2.3 Para pagaram aos trabalhadores os arguidos tiveram de recorrer e contrair empréstimos bancários.
1.2.4 O arguido D… é pessoa considerada honesta.
1.2.5 Pautou sempre a sua vida pela correcção, seriedade e verticalidade de princípios, habituado a cumprir com os seus deveres.
1.2.6 A situação de ter perdido muito do que investiu na sociedade arguida e de se encontrar a responder perante a Justiça por montantes devidos ao Estado, trá-lo angustiado, deprimido e envergonhado.
1.3 Motivação da DECISÃO DE FACTO:
«O tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, conjugado com os documentos juntos aos autos.
O arguido C… remeteu-se ao silêncio.
O arguido D… não compareceu justificadamente, em sede de julgamento.
A falta de pagamento das contribuições devidas foram não só conferidas documentalmente pelas análise das folhas de remunerações remetidas à segurança Social de fls. 80 a 123 do apenso 1, da conta corrente e mapa de valores deduzidos e não entregues que constam igualmente do apenso 1 e que foram confirmados pela técnica Dr.a L… que fez o apuramento.
Também o TOC da sociedade M… confirmou essa não entrega dizendo contudo que a sociedade fez acordos com administração tributária (adesão ao plano Mateus e Catroga) e sempre os cumpriu até à insolvência que ocorreu em 2008. Esta testemunhe relatou o percurso da sociedade ao longo dos anos (cerca de 10 anos entre 1994 a 2004) em que aí exerceu funções e nesta parte mereceu credibilidade tendo relatado e forma consistente e desinteressada os factos que constam das contestações do arguidos, designadamente a construção do … em Penafiel, a abertura de lojas em Vila Real e Lisboa, a criação de uma empresa de gás, a produção de modelo de salamandras a gás e a homologação, o fracasso da operação etc... que pela forma espontânea mereceu credibilidade por parte do Tribunal.
Disse contudo esta testemunha que o arguido C… também recebia ordens do arguido D… e que ele era o sócio capitalista. O arguido C… dava orientações na linha de produção.
Nesta parte o Tribunal vislumbrou um favorecimento ao arguido C… e que a testemunha como TOC deveria saber que assim não poderia ser.
É que como consta da certidão comercial o arguido C… durante algum período de Agosto de 2003 até 2005 foi sócio e gerente único e como tal a testemunha teria de saber tal facto.
É um facto que a testemunha N… referiu “achar que “acima do arguido C… havia o Eng.° D… e a testemunha O… referiu mesmo que o Eng.° D… é que mandava, o que motivou nossa convicção que efectivamente o Eng.° D… era o sócio investidor, mas dado que o arguido C… durante algum tempo esteve sozinho na gerência cremos que ele tinha uma participação activa na vida da sociedade e exercia funções de gerência. Como referiu a testemunha N… o arguido C… tinha o seu escritório nas instalações e a testemunha P… referiu que nas reuniões que tinha com a D: Q… e Eng° D… um vez o arguido C… assistiu, o que revela a sua participação na chefia da empresa quanto a nós.
Se é um facto que ficamos convencidos que o arguido C… teria uma intervenção mais activa na direcção da linha de produção enquanto o arguido D… teria mais a qualidade de gestor, a verdade é que as decisões seriam tomadas pelos gerentes e o arguido C… tinha um intervenção activa.
A testemunha S… disse mesmo que o arguido era “um pau mandado”, todavia cremos que essa seria uma mera aparência pois o arguido C… tendo sido sócio único e gerente durante cerca de 2 anos revela que o arguido tinha o domínio da empresa e não era um mero assalariado como estas testemunhas fizeram crer.
O arguido C… no pacto social tinha funções de gerência e dado que tinha uma participação social e era sócio, este participava activamente na gestão da empresa, daí que face à evidência da certidão da CR Comercial e face às regras da experiência o arguido C… tinha uma participação activa na gestão da empresa. De resto, tão pouco o arguido arguiu na sua contestação que não exercia a gestão de facto, o que revela a sua participação activa.
Quanto à sua situação pessoal e económica relevaram-se os depoimentos das testemunhas Dr. T…, presidente da CM …, U… e V… que demonstraram ter conhecimento da real situação do arguido e como este é bem considerado socialmente e a angústia que os presentes autos lhe causam e a desestruturação familiar que causou.
As testemunhas W… e X… indicadas pelo arguido D… de relevo nada disseram e não revelaram saber a real situação pessoal e económica do arguido.
O tribunal teve ainda em conta os documentos juntos as autos, bem como os certificados de registo criminal dos arguidos juntos.»
*
2. Delimitação objectiva dos Recursos.

São questões a conhecer, respectivamente:
2.1 Recurso interposto pelo Arguido D…: Descriminalização quanto às prestações da Segurança Social?
2.2 Recurso interposto pelo INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P: O facto deste INSTITUTO ter apresentado reclamação de créditos no processo de insolvência da sociedade arguida, por contribuições em falta, é, por verificação de litispendência, impeditivo da procedência do pedido quanto à mesma Sociedade, como ainda determinativo da condenação condicional dos demandados cíveis C… e D…?
3 CONHECENDO
3.1 Descriminalização quanto às prestações da Segurança Social

No caso, a questão suscitada reconduz-se a determinar se a alteração introduzida pelo art. 113º da Lei nº 64-A/2008 de 31/12 ao nº 1 do art. 105º do RGIT, restringindo a punibilidade da conduta ali prevista como crime de abuso de confiança fiscal aos casos em que a falta de entrega de prestação tributária seja superior a 7.500 €, se aplica, ou não, ao crime de abuso de confiança contra a segurança social previsto no art. 107º daquele diploma legal.

É sobejamente conhecida a controvérsia gerada em torno desta questão, que deu lugar a que a jurisprudência, nomeadamente a dos tribunais superiores, se dividisse em duas correntes opostas, representada pelos acórdãos das Relações e do STJ.
Tivemos ocasião de nos perfilar com aquela que entende que a referida alteração não se aplica ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, sustentando-nos em argumentos que, por serem por demais conhecidos, nos dispensamos de aqui repetir. [1]
Sucede que, entretanto, a questão veio a ser objecto do Ac. STJ nº 8/2010 (pub. no D.R., Iª s., nº 186, de 23/9/10) que decidiu:
“Fixar jurisprudência, no sentido de que, a exigência do montante mínimo de 7500 euros, de que o nº 1 do art. 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias - RGIT (aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, e alterado, além do mais, pelo art. 113º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no art. 107º nº 1 do mesmo diploma.”

Inexistindo razões para nos afastarmos da jurisprudência ali fixada, com a qual, aliás, concordamos, só nos resta concluir no sentido da confirmação da decisão recorrida e, assim, pela improcedência do recurso.

3.2 A questão da litispendência

Da sentença sub specie, é o seguinte o recorte da fundamentação jurídica que subjaz ao recurso interposto pelo Instituto:
«O Código de Processo Penal estabelece, como regra, que a responsabilidade civil emergente da prática de um crime deve ser conhecida no processo em que se aprecia a responsabilidade penal do agente, consagrando o que a doutrina designa por modelo da interdependência, na modalidade de adesão obrigatória. Nos termos do artigo 71º do mesmo Código, o pedido de indemnização civil tem de fundar-se na mesma causa de pedir da responsabilidade criminal, isto é, tem de basear-se nos mesmos factos que consubstanciam a prática do crime que constitui objecto do processo criminal.
Conforme resulta da factualidade assente, terá de ser considerado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Instituto de Segurança Social.
O facto de a demandante ter apresentado reclamação de créditos no processo de insolvência da sociedade arguida, como resulta da matéria de facto por contribuições em falta, é impeditivo da procedência do pedido quanto à Sociedade demandada.
Com efeito, estando em causa contribuições, estas estão compreendidas nos períodos das contribuições em que foram reclamados créditos, pelo que a sentença de verificação e graduação de créditos irá reconhecer o crédito da demandante pelo que não poderá novamente o Tribunal condenar a demandada.
Há a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso (Artigo 497.° do CPC).
Assim, existe litispendência, porquanto, o crédito do ofendido foi reclamado e reconhecido no processo de insolvência, que correu termos no 2.° Juízo deste Tribunal. Consequentemente terá a arguida sociedade arguidos de ser absolvida da instância (Artigo 493.° e ss. CPC).
O mesmo não sucede quanto aos demais arguidos, pois que são juridicamente responsáveis.
A taxa dos juros de mora é a fixada no art. 3º do Dec.-Lei n.° 73/99, de 16 de Março.»

Com o objectivo de uma melhor compreensão das coisas procuremos definir algumas linhas mestras que nos possam servir de arrimo na solução dos problemas suscitados: seja, num primeiro momento, com referência ao quadro normativo (penal / tributário); seja, num segundo momento, com referência à exceptio da litispendência com apelo ao quadro jusprocessual civil.

3.2.1 Tomemos, então, em primeira linha de consideração, o quadro legal aplicável.
i. Com referência ao RGIT (REGULAMENTO GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS):

● Constitui infracção tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. [Artigo 2º/1]
● As infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido, sem prejuízo do disposto no nº3.
As infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários. [Artigo 5º/ 1 e 2]
● Quem agir voluntariamente como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido mesmo quando o tipo legal de crime exija: a) Determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado; b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado [Artigo 6º/1]

ii. Com referência à LGT (LEI GERAL TRIBUTÁRIA):
● Salvo disposição da lei em contrário, quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária. [Artigo 21º/1]
● A responsabilidade tributária abrange, nos termos fixados na lei, a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais. / Para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas. / A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária. / As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais. [Artigo 22º/1, 2, 3,e 4]
● A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal. / A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão. / Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei. [Artigo 23º/ 1, 2, e 3]
● Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. [Artigo 24º /1]

●As pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo.
A responsabilidade criminal das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes.[Artigo 7º/1 e 3]

Ressuma dos quadros legais deixados expostos:
● Posto que, por princípio, sejam apenas susceptíveis de responsabilidade criminal as pessoas singulares, excepcionalmente – ou seja, nos casos especialmente previstos, nomeadamente os casos expressamente consignados no item 2 do artigo 11º do Código Penal – também as pessoas colectivas e entidades equiparadas são susceptíveis de responsabilidade criminal, de uma responsabilidade criminal específica.
Específica, no sentido, desde logo, de que a responsabilidade dos entes colectivos concorre com a responsabilidade individual dos respectivos agentes:
«A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes …» (Artigo 11º/7 do Código Penal) e, assim, é que «É punível quem age voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando o respectivo tipo de crime exigir: a)….; b) que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado» (Artigo 12º/1 C. Penal), como assim é, igualmente, que «sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou equiparada for condenada, relativamente aos crimes: a) praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa» (Artigo 11º/9 C.Penal)
Distinção na responsabilidade criminal de uns (entes colectivos) e outros (agentes dos entes colectivos) que tem a sua compreensão na ideia de que se, de uma parte, (i) não há uma representação para delinquir, antes são os representantes que delinqúem no desempenho do seu encargo (princípio da responsabilidade do membro ou representante por actuação através de facto pessoal próprio), originando o comportamento voluntário e desviante da pessoa física ou singular a responsabilidade criminal do ente colectivo, também é certo, de outra parte, (ii) que a responsabilidade da pessoa colectiva exige, além dos elementos essenciais do facto típico, comuns aos agentes e à pessoa colectiva, que o facto seja praticado em seu nome e no seu interesse (seu, dela pessoa colectiva), bem assim exige se comprove a culpa própria da pessoa colectiva, culpa própria no sentido de que a vontade do acto seja a vontade da pessoa colectiva e não a do agente, ainda que titular de órgão ou representante. [2]
● A responsabilidade dos entes colectivos concorre com a responsabilidade individual dos respectivos agentes, deixou-se referido.
Dizer, por isso, agora na específica referência ao RGIT: «A responsabilidade criminal das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes» [Artigo 7º/1 e 3, supra]
● Responsabilidade criminal e civil, entenda-se.
O incumprimento da obrigação legal por parte do agente (pessoa singular) que – posto que agindo como gerente, em nome e no interesse da sociedade – não entrega as quantia percebidas a título de IVA e/ou de IRS e delas passa a dispor ut dominus, para fins diferentes daqueles aos quais se destinavam (entrega nos cofres do Estado/ entrega nos cofres da Segurança Social), do mesmo passo que acarreta - verificados que, assim, se mostrem os elementos objectivo-subjectivos do tipo-do-ilícito – uma responsabilidade criminal, importa, de igual passo, ipso facto (dizer, por força da prática do ilícito penal > responsabilidade aquiliana ou responsabilidade subjectiva ou por facto ilícito –Artigo 483º do Código Civil) a correspectiva responsabilidade civil pelos danos causados, desde logo quanto aos valores em falta. [3][4]
● Acontece que por força Lei Geral Tributária (Supra), a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas além dos sujeitos passivos originários, sendo que a responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo disposição em contrário, apenas subsidiária.
Na responsabilidade solidária a cobrança do imposto (voluntária ou coerciva) actua directa ou imediatamente sobre qualquer dos sujeitos passivos - contribuinte directo ou responsável (artº 21º, supra)
Na responsabilidade subsidiária a cobrança do imposto só actua sobre o responsável por forma mediata e coerciva, e por reversão em processo de execução fiscal, [5] ou seja, primeiro haverá que envidar a cobrança da dívida sobre o devedor do imposto (contribuinte directo ou o substituto) e só após exauridos ou esgotados esses mecanismos será possível reverter, cobrar a dívida aos responsáveis, administradores e gerentes das sociedades comerciais.

Ressalvou-se: “salvo disposição em contrário”.
Importa, então ter em conta que, se na responsabilidade tributária pelas dívidas de outrem, a regra é a responsabilidade subsidiária e conjunta, impõe-se de igual passo a responsabilidade solidária nos casos em que a lei expressamente o determine (cfr. Artº 513º do Código Civil).

O que acontece, exactamente, com referência à responsabilidade civil por facto ilícito.

Vale dizer: estando em causa responsabilidade civil emergente da prática de crime, verificados os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos (facto> dano > nexo de causalidade facto-dano > ilicitude > culpa), quando o crime não tenha sido praticado por um único agente, todos os co-autores são solidariamente responsáveis, por força do disposto no Art. 497º, n.º 1, do Código Civil, de sorte que qualquer um deles responde pelo cumprimento unitário da prestação, (sem prejuízo do direito de regresso) podendo o credor optar por exigir a totalidade da prestação a todos os devedores solidários, ou exigir a qualquer um deles a prestação, total ou parcial.

3.2.2 Deixemos, agora, uns traços breves sobre a excepção da litispendência.

Litispendência pressupõe a repetição de uma causa. A qual ocorre “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. [Artigo 498ºnº1 do C. Processo Civil]
Nestes três elementos, pois, os elementos essenciais que, por um lado, caracterizam e individualizam as acções e, por outro, permitem o juízo de identidade: quem pretende – as pessoas, “easdem personas”; o que pretendem – os bens ou as coisas que se pretendem, ‘eadem res’; porquê pretendem – o fundamento ou a causa por que se pretende, ‘eadem causa petendi’.

In casu, assumem específico significado a causa petendi e o petitum.

“Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico” [Artigo 498ºnº4 CPC]
Daqui decorre o conceito legal de causa de pedir, como o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão deduzida em juízo”, “donde o Autor pretende ter derivado o direito a tutelar; o acto ou facto jurídico que ele aduz como título aquisitivo desse direito [M. Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, Coimbra Edit. 1963, Pág. 297]
“Quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o Autor se propõe fazer valer, tem-se em vista não o facto jurídico abstracto tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal.”
Causa de pedir é assim, o facto material e concreto que, em cada caso se alega para justificar o pedido. Por isso que,
“O tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos, quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos é que constituem a causa de pedir.” [A.Reis, C.P.C. Anotado III, 121ss]
O nosso legislador optou, assim, na referência ao facto jurídico, pela teoria da substanciação [M.Andrade, ob.cit. pág. 295] segundo a qual “a causa de pedir será o facto gerador de direito, divergindo a acção sempre que seja diferente o facto constitutivo invocado (diferente como acontecimento concreto): o que substancia (daqui a designação ‘teoria da substanciação’) ou fundamenta a acção (a pretensão) igualmente a individualiza” [Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra 1981, I, 206]
Vale dizer: a causa de pedir é o próprio facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer fattispecie jurídica que a lei admita como criadora de direito, abstracção feita da relação jurídica que lhe corresponda. [Anselmo de Castro ob. cit. III, 205]

Sobre a identidade do pedido.
“Há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” [Artigo 498º nº3 CPC]
Baudry e Barde, citados por A. Reis, faziam corresponder o objecto duma acção – que A. Reis identifica com o pedido, com o efeito jurídico concreto que se pretende – ao benefício jurídico imediato que se pretende obter pela acção, ao direito cuja efectivação se pede” [ob. cit. III, 105]. Assim, identidade de pedido quer dizer identidade de providência jurisdicional solicitada pelo autor [Neste sentido, M.Andrade, ob.cit., pág. 106]
Anselmo de Castro distinguia entre objecto imediato e objecto mediato:
“Por pedido (…..) tanto se pode entender as providências concedidas pelo juiz através das quais é actuada determinada forma de tutela jurídica (condenação, declaração, etc), ou seja, a providência que se pretende obter com a acção; como os meios através dos quais se obtém a satisfação do interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser reconhecida. O primeiro, é o objecto imediato; o segundo, é o objecto mediato.”
E acrescentava que para determinar o petitum concorrem ambos os aspectos, posto que o objecto imediato contribua em menor escala que o objecto mediato, explicitando a tal propósito que «… o que interessará não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar; o objecto mediato deve entender-se como o efeito prático que o Autor pretende obter …” [ob. cit. vol. I, págs. 201 a 204]

3.2.3 Descendo, agora, ao caso concreto.
Não está em causa – visto a ausência de impugnação da matéria de facto (412º/3 do C.P.P.) e não se vislumbrarem, ex officio, vícios da decisão (410º/2 CPP) - a validade dos factos comprovados.
Pari passu, não está em causa a conformação juspenal daqueles assumida pelo Tribunal recorrido. Dizer: a prática de um crime, na forma continuada, de abuso de confiança contra a segurança social pelos arguidos “B…. LDA, C… e D… e respectiva condenação.
Verdade, ainda, que não está em causa, como decorre da primeira asserção relativa ao quadro fáctico que, “A Sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença datada de 18.06.2007, transitada em julgado”, bem assim que “A demandante civil INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I. P. reclamou o seu crédito no valor de € 293.918,64 o qual foi verificado e graduado”. [Supra II, 1.1.33 e 1.1.34]

Então a questão: litispendência em face da insolvência – e subsequente graduação de créditos - de uma parte e o enxerto cível de outra?
Entende-se que não.
Mesmo olvidando a diferença subjectiva - porquanto, sujeito da insolvência foi (apenas) a sociedade, aqui arguida e demandada cível, enquanto no peticionado cível são requeridos além da sociedade, os arguidos - impropriamente se poderá ter por certa a identidade de pedido e de causa de pedir.
Assim, nomeadamente, quando se considere a existência de regímenes diferentes para situações/causas diferentes.

A responsabilidade civil emergente para os demandados cíveis deriva, tem sua causa petendi, na prática de um facto penalmente ilícito.

Se o inadimplemento da obrigação tributária pode preencher e ficar-se pelo mero incumprimento da obrigação fiscal, certo é também que este mesmo incumprimento pode assumir, verificados que se mostrem os respectivos elementos do tipo-do-ilícito, a natureza de facto penalmente ilícito.
Assim: uma coisa é a responsabilidade meramente tributária pelo cumprimento da dívida tributária – responsabilidade que, como se deixa referido, pode, nos termos da LGT (supra) abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas –; outra coisa, diferente, é a responsabilidade subjectiva, aquiliana ou por facto ilícito, por cujos danos são solidariamente responsáveis os co-autores da prática do crime.

A qualificação como crime do acto do agente - que, não cumprindo a obrigação da entrega à Segurança Social dos valores apurados e efectivamente percebidos, desvia e passa a agir uti dominus relativamente ao que recebera uti alieno -, confere uma substancial especificidade à causa de pedir do enxerto cível: o facto jurídico concreto que enforma esta não se identifica com o mero incumprimento de uma obrigação fiscal, antes com o incumprimento enquanto portador dos elementos objectivo-subjectivos de um determinado tipo-do-ilícito, o abuso de confiança contra a Segurança Social.

Substanciais diferenças extensíveis, de igual passo, ao efeito jurídico prático/concreto, ao benefício jurídico imediato e/ou à consequência jurídica material que se pretende obter com o enxerto cível deduzido: se da decretada insolvência poderá advir para os arguidos-demandados apenas uma responsabilidade (civil) subsidiária – responsabilidade subsidiária onde, como vai referido, a cobrança do imposto só actua sobre o responsável por forma mediata e coerciva, e por reversão em processo de execução fiscal, dizer, primeiro haverá que envidar a cobrança da dívida sobre o devedor do imposto (contribuinte directo ou o substituto) e só após exauridos ou esgotados esses mecanismos será possível reverter, cobrar a dívida aos responsáveis, administradores e gerentes das sociedades comerciais -, diferentemente, estando em causa a responsabilidade civil emergente da prática de crime, uma vez verificados os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito (facto> dano > nexo de causalidade facto-dano > ilicitude > culpa), quando o crime não tenha sido praticado por um único agente, todos os co-autores são solidariamente responsáveis, por força do disposto no Art. 497º, n.º 1, do Código Civil, de sorte que qualquer um deles responde pelo cumprimento unitário da prestação, (sem prejuízo do direito de regresso) podendo o credor optar por exigir a totalidade da prestação a todos os devedores solidários, ou exigir a qualquer um deles a prestação, total ou parcial.

Destarte: que o Estado se acautele providenciando pela forma mais adequada à realização do seu desiderato (direito/dever) de ver integrado no seu património - Segurança Social, incluída - o que lhe é devido, não há repetição de causa e de efeito jurídico pretendido, há diversidade de meios por que pode optar.

Com eventual justaposição de uma execução tributária de par com um procedimento criminal onde ora enxerta pedido cível, ora impõe como condição da suspensão da pena de prisão cominada, o pagamento da prestação tributária e acréscimos legais?

Por certo.

Seguramente, porém: nem é suposto que o Estado vá cobrar duas vezes o que lhe é devido (é de presumir o Estado como pessoa de bem), muito menos é suposto que os demandados neste processo, se disponham a pagar o que está pago e que, sabendo estar pago, deixem de invocar a exceptio adimpleti – aqui ou ali, tanto faz - do que era devido ao Fisco ou à Segurança Social.

Nesta conformidade, na insubsistência da fundamentação jurídica assente na litispendência, emprestada à decisão sob recurso, julgar-se-á este procedente.

III DECISÃO
São termos em que:
i. Na improcedência do recurso interposto pelo arguido D…, se confirma a decisão recorrida na parte em que o mesmo foi condenado como co-autor material de um crime, na forma continuada, de abuso de confiança contra a segurança social;
ii. Na procedência do recurso interposto pelo INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., altera-se a decisão recorrida, na parte relativa ao pedido cível, nos seguintes termos:
«Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante cível Instituto de Segurança Social, provado e procedente e, em consequência, condenar solidariamente os demandados B…, C… e D…, a pagarem-lhe a quantia de 225.008,29€ (duzentos e vinte e cinco mil e oito euros e vinte e nove cêntimos) acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de 136.556,82 e respectivos encargos legais calculados nos termos do artigo 16° do Decreto-Lei n° 41 1/91, de 17 de Outubro, e artigo 3° do Decreto-Lei n° 73/99, de 16 de Março.
iii. Da responsabilidade do recorrente D…, pelo decaimento no recurso, a taxa de justiça de 3UC.

Porto, 22 de Junho de 2011
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima
José Manuel de Araújo Barros (voto vencido)
José Manuel Baião Papão (Presidente da Secção)
_______________
[1] Ex.g: No Processo 7310/02.0TDPRT.P1, Ac. de 21.10.2009
[2] Vide: Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette – Código Penal Anotado e Comentado, Quid júris, Sociedade Editora/2008, Pág.90. Ainda: Germano Marques da Silva, ob cit. 793,794
[3] De GERMANO MARQUES DA SILVA transcreve-se a este propósito:
“(…) se o crime não é o facto gerador da dívida de imposto (da prestação tributária não paga) pode ser causa do não pagamento e nessa medida é causa do dano para a administração tributária. A generalidade dos crimes tributários são susceptíveis de causar dano à administração tributária, frustrando o pagamento da prestação tributária em falta, mas a sua causa é autónoma. A dívida tributária existe e o seu fundamento, a sua causa, é autónoma do crime, mas o prejuízo resultante do não pagamento foi causado pela perpetração do crime. Por isso que os agentes do crime devem responder pelos prejuízos causados com o seu acto.
(…) O valor do dano causado à administração tributária corresponde, em regra, ao valor da prestação tributária em falta, mas a causa do dano é outra, é a prática do crime. Pode até suceder que o crime não tenha causado prejuízo equivalente ao da prestação tributária em dívida, ou porque não existe qualquer prestação tributária em dívida ou porque o prejuízo causado pelo crime foi inferior ao do valor da prestação tributária devida. Nem o RGIT nem a LGT afastam a regra geral constante dos arts. 483.º a 498.º do Código Civil, aplicáveis por remissão do art. 129.º do Código Penal, porque nunca se referem aos danos emergentes do crime, salvo quando o art. 3.º, al. c), do RGIT manda aplicar subsidiariamente as disposições do Código Civil.
(…) A dívida tributária existe e mantém-se independentemente da prática do crime tributário, mas se o crime causar danos os seus agentes são responsáveis pela indemnização dos danos dele emergentes nos termos gerais.” [“Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes”, págs. 453-456]
[4] “A responsabilidade civil que pode ser feita valer no processo penal não emerge do incumprimento das obrigações contributivas, mas apenas do facto de a falta de entrega das mesmas constituir um facto ilícito” Ac. TRP de 20.04.2009, Processo 7625/08 - Relatora Leonor Esteves
[5] Entenda-se por reversão, o chamamento à execução do responsável subsidiário.
Importa ter presente a distinção:
a) No âmbito da responsabilidade subsidiária, a cobrança do imposto só actua sobre o responsável por forma mediata e coerciva, o que é dizer: primeiro haverá que envidar a cobrança da dívida sobre o devedor do imposto (contribuinte directo ou o substituto) e só após exauridos ou esgotados esses mecanismos será possível reverter, cobrar a dívida aos responsáveis, administradores e gerentes das sociedades comerciais.
b) No âmbito da responsabilidade solidária, a cobrança do imposto (voluntária ou coerciva) actua directa ou imediatamente sobre qualquer dos sujeitos passivos - contribuinte directo ou responsável - por força do disposto no artº 21º da LGT (Supra)
___________________
1ª SECÇÃO CRIMINAL – Processo nº 378/05.0TALSD.P1
Tribunal Judicial de Lousada – 1º Juízo

Voto vencido, na parte relativa ao recurso do Instituto de Segurança Social, IP

1. Compulsada a questão que é suscitada nos autos e tal como em uma primeira abordagem ela se nos deparou, inclinámo-nos imediatamente para aceitar a bondade da visão que subjaz à sentença recorrida, no que concerne à absolvição da instância da requerida B…, por litispendência, em prejuízo do que se sustenta no recurso.[1]
Efectivamente, há litispendência quando se repete uma causa que está a decorrer, estabelecendo-se esta excepção a fim de evitar contradição ou repetição de decisões – ver os nºs 1 e 2 do artigo 497º do Código de Processo Civil. No artigo 498º do mesmo código, define-se o que caracteriza a repetição de acções – identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. Sendo que, no nº 4 deste preceito se consigna que «há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico». Exemplificando que «nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».
A nossa lei consagrou a teoria da substanciação, nos termos da qual a causa de pedir compreenderá o facto ou o conjunto de factos de onde se extraiu a consequência constante do pedido formulado na petição inicial. À qual se contrapõe a chamada teoria da individuação, segundo a qual a causa de pedir seria a relação jurídica afirmada pelo autor em apoio da sua pretensão.[2]
Explicitando aquele conceito legal, diz Vaz Serra que a “causa de pedir é o facto jurídico concreto ou específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão”.[3] Já no acórdão da Relação de Lisboa de 24.06.97[4] refere-se que “a causa de pedir juridicamente relevante é o facto ou complexo de factos idóneos à produção de efeitos jurídicos, alegados pelo autor e em que este radica o seu invocado direito, e não a qualificação jurídica dos mesmos operada pelas partes ou pelo julgador”. No acórdão da Relação de Évora de 4.03.2004 (Pereira Baptista) [5], diz-se que “a causa de pedir é constituída por factos juridicamente relevantes que não pela qualificação jurídica dos mesmos”. E o acórdão do STJ de 25.03.2004 (Lopes Pinto)[6] refere que a “causa de pedir não é o facto jurídico como categoria abstracta mas o facto jurídico concretamente invocado, aquele de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente o seu pedido”.
Assim equacionada a questão, não poderíamos deixar de aprovar o decidido pela senhora juiz recorrida.
Na verdade, a causa de pedir a considerar é o vínculo do qual decorre a obrigação de pagamento das prestações, que a arguida B… não respeitou. Com base na qual o Instituto de Solidariedade e Segurança Social formulou o pedido de pagamento do respectivo valor no processo de insolvência da sociedade arguida.
Acontece que tal omissão também consubstancia a prática de um crime. Será possível, à luz do conceito de causa de pedir que supra se analisou, formular novamente o pedido de pagamento das prestações em falta, com tal fundamento?
A resposta é óbvia, já que o facto com relevância jurídica a considerar é o vínculo do qual decorre para a sociedade arguida a obrigação de pagar as prestações em falta e não a conclusão jurídica de que sobre ela impende legalmente essa obrigação. Como também não o é a outra consequência jurídica que daquele se extrai, a nível penal, ao classificar o desrespeito do mesmo como crime.
Ou seja, não é correcto defender que a causa de pedir em um e outro caso seja diferente, conquanto o pedido formulado no processo de falência se estriba na obrigação legal do pagamento das prestações que sobre a sociedade impende e no processo penal se baseia na prática de um crime, consubstanciando responsabilidade civil extracontratual. Efectivamente, a causa de pedir é tão só o facto naturalístico do qual se extraem as consequências jurídicas por referência ao pedido - o facto jurídico concreto ou específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão; o facto alegado idóneo à produção de efeitos jurídicos; o facto jurídico concretamente invocado, de que emerge o direito em que se fundamenta o pedido.
Aliás, no presente caso, como adiante mais aprofundadamente se verá, não se autonomiza sequer uma consequência específica indemnizatória decorrente da punição criminal. Não sendo verdadeira a afirmação de que o pedido (o pretenso dano) possa não coincidir com o montante em dívida, acrescido dos respectivos juros de mora.
Lembra-se o que o legislador muito claramente fez questão de esclarecer no nº 2 do artigo 497º do Código de Processo Civil - a excepção da litispendência tem por fim evitar que o tribunal reproduza uma decisão anterior. E deixa-se a pergunta que tal singela afirmação sugere – para quê repetir (que daí não passa) neste processo penal a condenação da arguida a pagar as prestações em falta à Segurança Social?
A outra questão que é objecto de recurso, relativa à condenação dos arguidos C… e D… ao pagamento do montante do pedido cível, caso a mencionada quantia não venha a ser paga no âmbito do processo de insolvência da arguida B…, merecer-nos-ia também apriorística concordância. Na verdade, se é certo que o pedido cível é conexo com a acção penal, o direito que com ele se visa realizar não emerge todavia do crime, mas sim da conduta omissiva que, independentemente de ser criminalmente sancionada, implicava já a responsabilização pessoal dos arguidos C… e D…. E esta responsabilidade é subsidiária, nos termos previstos no artigo 24º, nº 1, da Lei Geral Tributária.
2. Analisada, porém, a questão com um pouco mais de atenção, concluímos que ela deveria ser encarada em outros moldes.
Desde já se frisando, em nota prévia, que este voto no sentido da improcedência do recurso apenas traduz adesão aos efeitos da decisão recorrida, que não aos seus fundamentos e ao que nela concretamente se decidiu.
Na verdade, como adiante será mais bem explanado, parece-nos que os requeridos do pedido cível deveriam ter sido absolvidos da instância, por incompetência absoluta (em razão da matéria) do tribunal. Nesse pressuposto, porque a eficácia do recurso nunca poderia extravasar o seu âmbito, deveria permanecer intocada a decisão recorrida. O que, aliás, não ofende a ordem das coisas, já que, mesmo a condenação dos arguidos C… e D… no pagamento do pedido cível (correspondendo este ao montante da obrigação em dívida), apenas caso a mencionada quantia não viesse a ser paga no âmbito do processo de insolvência da sociedade, não contenderia com a natureza subsidiária da obrigação tributária que sobre eles já impendia. Assim, em nada resultando alterada a ordem jurídica, as consequências da sentença não extravasavam o que resultaria da absolvição da instância desses requeridos.
3. A essência da discordância em relação à opinião que obteve vencimento reporta-se ao facto de se entender que esta, aliás na esteira da jurisprudência corrente deste tribunal, incorre em equívoco, ao pretender que o acto ilícito pelo qual os arguidos são sancionados (omissão do cumprimento de obrigação fiscal – à qual é equiparada a obrigação de entrega de prestações à segurança social, como decorre do disposto no artigo 3º, alínea a), do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, que prevê a aplicação da Lei Geral Tributária à relação jurídica contributiva) no processo penal tenha por consequência típica ou normal um dano, desse modo legitimando a sua condenação com fundamento em responsabilidade civil aquiliana decorrente da prática do crime. Esquecendo que, como muito bem anota Jorge dos Reis Bravo[7], “a regra de que a cada crime cometido corresponde um dano indemnizável tem óbvias excepções”, como, por exemplo, os casos dos “ilícitos cujo preenchimento, ele próprio, seja já implicação do incumprimento de uma obrigação a cuja prestação o agente estivesse vinculado”.
E, na verdade, compulsando o pedido cível conexo com a acção penal que nos autos é formulado, o direito que com ele se visa realizar não emerge do acto criminoso, enquanto tal, mas sim da obrigação omitida pelos arguidos que, independentemente da sanção penal, implicava já a responsabilização destes. Nem se autonomiza nenhuma consequência específica de cariz indemnizatório decorrente da punição criminal. Não sendo, nesse aspecto, de aceitar a afirmação de que o pedido (o pretenso dano) possa não coincidir com o montante em dívida, acrescido dos respectivos juros de mora.
Anotemos, em reforço do que se sustenta, que o RGIT não estabelece nenhuma especificidade quanto à responsabilização dos arguidos que devam ser punidos nos termos nele previstos. Muito pelo contrário, no nº 1 do seu artigo 14º, condiciona a suspensão da execução da pena ao pagamento “da prestação tributária e acréscimos legais” ou dos “benefícios indevidamente obtidos”. Como é óbvio, se fosse de admitir uma condenação por danos decorrentes dos actos punidos nos termos do diploma, a condição de pagamento teria de se reportar a esta condenação e não ao cumprimento da obrigação tributária que lhe pré-existia.
O mesmo se diga do teor do artigo 9º daquele diploma, que afasta implicitamente do horizonte deste a admissibilidade de uma tal condenação, ao referir que o cumprimento da sanção aplicada não exonera do pagamento da “prestação tributária devida e acréscimos legais”.
Em suma. A obrigação de pagamento das prestações em falta decorre directamente de vínculo imposto por lei. A verdade é que esta também pune criminalmente a conduta. Mas nada daqui se extrai que modifique aqueloutra obrigação ou que faça nascer na esfera jurídica do credor dessa prestação um paralelo direito a ser indemnizado.[8]
Assim sendo, não caberá tampouco alterar a hierarquia que a lei fiscal determina quanto à estruturação da responsabilização das pessoas colectivas e dos seus órgãos pelas dívidas fiscais daquelas. O que está plasmado no artigo 24º, nº 1, da Lei Geral Tributária - «os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si».
Tanto assim deverá ser que o próprio RGIT, no artigo 8º, veio a consagrar este princípio geral na responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes, quanto às multas e coimas em que as pessoas colectivas forem condenadas. Ora, se o legislador não quis alterar a hierarquia de responsabilização entre as sociedades e os seus representantes que a lei fiscal já estabelecia, no que concerne às próprias multas e coimas que prevê como sanção, seria de todo desajustado que o intérprete o pretendesse fazer relativamente às dívidas cuja falta de pagamento é sancionada e precisamente por força dessa conexão.[9]
Não esqueçamos que uma das regras basilares de interpretação consagradas no artigo 9º do Código Civil manda ter em conta a “unidade do sistema jurídico”. Que resultaria seriamente abalada se se admitisse que a responsabilidade dos administradores e gerentes, pelas multas e coimas das sociedades que administram e gerem, fosse subsidiária da destas, enquanto a responsabilidade pelas dívidas fiscais cujo não pagamento ditou essas sanções, originariamente subsidiária, passasse a ser solidária, precisamente por força dessa conexão.
4. Tendo concluído que não existe uma autónoma responsabilização civil dos arguidos, deveremos questionar da possibilidade de conhecimento da obrigação fiscal (ou da equiparada obrigação de entrega de prestações à segurança social) no processo penal.
No que voltamos a seguir Jorge Reis Bravo,[10] quando discorda da afirmação de que o princípio da adesão obrigatória seja uma projecção do princípio da suficiência em processo penal. Sustentando outrossim que “o que se passa aqui é a admissibilidade – por razões de economia processual e de inconveniência na eventualidade da contradição de julgados – do conhecimento de uma questão dependente da causa penal, ou cujo facto que desta for objecto é igualmente o fundamento da causa civil”. Assim, “a apreciação do objecto da questão civil não é prejudicial, mas concomitante à do objecto da acção penal”. Realçando que “o princípio da adesão se restringe, por outro lado, ao âmbito civil das consequências dos factos com relevância penal”. Sendo que “do princípio da adesão está excluída, como se sabe, a efectivação da responsabilidade disciplinar, administrativa, financeira e, em princípio, tributária, havendo aqui uma independência de acções”.
Tal possibilidade sempre contenderia, aliás, com o disposto nos artigos 211º, nº 1, e 212º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, que deferem aos tribunais administrativos e fiscais a competência para «o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais», preceito que veio aliás a ser vertido nos artigos 1º, 4º, nº 1, alínea a), e 49º do Estatuto dos Tribunais Administrativos. Sendo o processo tributário o indicado para em sede própria se apurar, cobrar e, eventualmente, discutir a obrigação tributária, no âmbito da execução fiscal regulada nos artigos 148º de seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Não deixa de ser curioso compulsar, a esse propósito e em sentido convergente, o parecer Jurídico nº 82 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, de 12.12.2002:[11]
“1 – Sempre que em processo de averiguações por indícios de crime penal tributário forem apurados rendimentos sujeitos a imposto ou forem detectados impostos liquidados e não pagos, incumbe, de imediato, à Administração Tributária diligenciar pelas respectivas liquidações ou apuramento, com as subsequentes notificações aos sujeitos passivos de molde a prevenir o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da L.G.T.
2 – Caso tais liquidações venham a ser objecto de impugnação judicial ou os executados/revertidos venham opor-se à execução, haverá, então, que suspender o processo penal tributário até à prolação da sentença devidamente transitada, já que o processo penal tributário depende, essencialmente da existência de impostos devidos, mas não liquidados ou de impostos liquidados e devidos pelo sujeito passivo, mas não entregues nos prazos legais nos cofres do Estado.
3 – Não obstante o processo penal ser suficiente para nele serem resolvidas todas as questões que interessem à decisão da causa, é certo, porém, que no caso do processo penal tributário tal não acontece, já que há uma questão prejudicial necessária não penal que impõe que a sua resolução seja anterior à decisão do próprio processo penal e que visa o apuramento de um elemento constitutivo da infracção.
4 – Daí, entender, também, que o processo penal tributário é o meio impróprio para a Administração Tributária liquidar qualquer contribuição ou imposto ao arguido, devendo tal liquidação seguir as regras e os trâmites próprios impostos por lei à administração fiscal”.
5. Extrai-se do que supra se expõe, em resenha final que:
- da prática do crime de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p e p pelo 107º do RGIT, tal como sucede com todos os crimes previstos neste diploma, não decorre nenhum dano específico que extravase o que já resulta do incumprimento da obrigação fiscal ou equiparada que concomitantemente implica aquela responsabilidade criminal
- por força desta criminalização da conduta, não é alterada a estrutura de responsabilização pela dívida tributária, em termos subsidiários, dos administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam essas funções de administração ou gestão, em relação aos seus representados, estabelecida no artigo 24º, nº 1, da Lei Geral Tributária
- a qual, continuando a ter natureza tributária e não se autonomizando da relação jurídica fiscal, só perante os Tribunais Administrativos e Fiscais pode ser efectivada, com o recurso à adequada instância executiva
- o tribunal comum, perante o qual seja formulado pedido cível conexo com a acção penal que tenha por objecto o conhecimento da referida responsabilidade, deverá declarar-se nessa parte absolutamente incompetente, em razão da matéria.
5. Propendemos, assim, para o entendimento de que os requeridos do pedido cível deveriam ter sido absolvidos da instância, por incompetência absoluta (em razão da matéria) do tribunal – artigos 211º, nº 1, e 212º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, 1º, 4º, nº 1, alínea a), e 49º do Estatuto dos Tribunais Administrativos, 62º, 101º, 102º, nº 1, 105º, nº 1, 66º, 493º, nºs 1 e 2, 494º, alínea a), e 495º do Código de Processo Civil, 4º e 7º do Código de Processo Penal.
O que, como supra já anotámos, contendo-nos no âmbito de conhecimento que nos é imposto no presente recurso, nos levaria julgar este improcedente, na parte em análise, mantendo a sentença recorrida.

José Manuel de Araújo Barros
________________
[1] No sentido defendido pelo recorrente, o acórdão desta Relação do Porto de 12.03.2003 (Manuel Braz), in dgsi.pt – “não há litispendência, por falta de identidade da causa de pedir, entre o pedido de indemnização civil deduzido em processo por crime de abuso de confiança fiscal referente às prestações tributárias apropriadas e processos de execução fiscal anteriormente instaurados relativamente às mesmas quantias”.
[2] Nesse sentido, com algum desenvolvimento: Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. III, págs 121 e seguintes; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Vol. I, págs 204 e seguintes.
[3] RLJ, ano 109º, pág. 313.
[4] BMJ nº 468, pág. 464.
[5] dgsi.pt
[6] dgsi.pt
[7] Prejudicialidade e Adesão em Processo Penal Tributário: Aspectos Particulares, in Revista do Ministério Público, nº 115 (Jul./Set. 2008), p. 116 e nota 44.
[8] Ver, todavia, em sentido contrário ao sustentado, o acórdão desta da Relação do Porto de 20.04.2009 (Maria Leonor Esteves), ibidem – “I - o pedido indemnizatório enxertado no processo penal tem, necessariamente, como causa de pedir a prática de um crime – e não qualquer outra, de natureza contratual; II - a responsabilidade fundada no incumprimento da obrigação legal tributária (descontar nas remunerações dos trabalhadores as respectivas contribuições obrigatórias para a segurança social e entregá-las à respectiva entidade) e a responsabilidade fundada na obrigação de indemnizar os danos causados pela prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social são realidades diferentes, obedecendo a fins e regimes próprios”.
[9] Em sentido contrário, defendendo que a responsabilidade dos administradores e gerentes não é subsidiária, por entroncar na prática de um crime, não sendo aplicável o preceito do artigo 24º da Lei Geral Tributária, o acórdão do STJ de 9.09.2010 (Rodrigues da Costa), in dgsi.pt.
[10] Ibidem, págs 118 e sgs.
[11] Citado por Jorge Reis Bravo, loc. cit., pág. 123, bem como no voto de vencido do desembargador Anselmo Lopes, no acórdão da Relação de Guimarães de 22.06.2005, in dgsi.pt.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/597f8d4d716405f0802578c5004f4dc3?OpenDocument

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