Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

sexta-feira, 8 de julho de 2011

ALIMENTOS, MENORES - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 15/06/ 2004

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0422369
Nº Convencional: JTRP00037006
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: ALIMENTOS
MENORES

Nº do Documento: RP200406150422369
Data do Acordão: 15-06-2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .

Sumário: I - A pensão alimentar a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não se destina a substituir o crédito de pensões anteriores não pagas pelo progenitor condenado.
II - Só a partir da verificação da impossibilidade de o progenitor devedor satisfazer a obrigação de alimentos a que se encontra vinculado, nascerá a pensão social a pagar pelo dito Fundo.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

RELATÓRIO

A................................. divorciada, residente na Rua ...................., n.º .., r/c, Vila Nova de Famalicão, na qualidade de legal representante de seus filhos menores B........... e C..........., deduziu, por apenso aos autos de divórcio n.º ......./99, nos termos do art. 181º da OTM, o incidente de incumprimento da obrigação de prestar alimentos aos referidos menores, contra D................, residente na Rua ..................., n.º ....., Porto, pedindo que, caso se verifique a impossibilidade de o requerido prestar os alimentos aos ditos menores, seja fixada uma prestação de alimentos a pagar pelo Estado, em substituição do devedor, cujo montante não deverá ser inferior ao já fixado na acção de divórcio.

O requerido foi notificado mas nada disse.

Foi, então, proferida decisão que condenou o requerido a pagar a requerente, na qualidade de legal representante dos seus dois filhos menores, as prestações vencidas, no montante de 150.000$00/€ 748,20, devidas desde Junho de 2002 até Novembro (inclusíve) do mesmo ano.

Em 21.02.2003, a requerente pediu ao tribunal a fixação de alimentos pelo Estado em substituição do devedor, desde Junho de 2002, alegando que o requerido, por se encontrar desempregado, está impossibilitado de cumprir a obrigação alimentar a que está obrigado.

O CRSS realizou a fez juntar relatório sobre as necessidades dos menores e as suas condições de vida, após o que se proferiu decisão a:
“Julgar procedente, por provado, o requerimento de fls. 20 e, em consequência, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei n.º 75/98 de 19/11 e 1º, 2º, 3º e 4º do Dec. Lei n.º 164/99 de 13.05, fixo a prestação alimentar devida aos menores B..................... e C............... no montante mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) - sendo € 125,00 pelas prestações em dívida (vencidas) desde Junho de 2002 até à presente data e € 125,00 pelas prestações vincendas - a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Notifique nos termos e para os efeitos do disposto no art. 4º, n.º 3 do Dec. Lei n.º 164/99 de 13.05, sendo ainda o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para efeitos do disposto no art. 4º, n.º 4 do citado diploma e a mãe dos menores com a advertência prevista no art. 9º, n.º 4 e 10º, nºs 1 e 2 do mesmo diploma”.

Desta decisão interpôs recurso o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
Tal recurso foi admitido como sendo de agravo, subindo imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 60).

Nas respectivas alegações, o agravante formula as seguintes conclusões:

1. Não foi intenção do legislador da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, prever o pagamento pelo Estado do débito acumulado pelo obrigado a alimentos.
2. Foi preocupação dominante, nomeadamente do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de diploma, evitar o agravamento excessivo da despesa pública, um aumento do peso do Estado na sociedade portuguesa.
3. Tendo presente o disposto no artigo 9º do CC, ressalta ter sido intenção do legislador, expressamente consagrada, ficar a cargo do Estado apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos a fixar pelo tribunal dentro de determinados parâmetros - art. 3º, n.º 3 e art. 4º, n.º 1 do DL 164/99 de 13/5 e art. 2º da Lei 75/98, de 19/11.
4. O débito acumulado do devedor não será assim da responsabilidade do Estado.
5. O legislador não teve em vista uma situação que a médio prazo se tornasse insustentável para a despesa pública, face à conjuntura sócio-económica já então perfeitamente delineada.
6. A decisão violou, assim, o art. 2º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e o art. 3º e 4º do DL n.º 164/99, de 13 de Maio.
7. Os diplomas em apreço só se aplicam para o futuro, não tendo eficácia retroactiva - cf. art. 12º do CC.
8. E isto, independentemente de os seus efeitos se produzirem na data da entrada em vigor da Lei do Orçamento para o ano de 2000.
9. Na verdade, o pagamento de prestações de alimentos sai das verbas do orçamento.
10. O pagamento das prestações de alimentos terá início no mês seguinte à notificação ao organismo da Segurança Social - cf. n.º 5 do art. 4º do DL 164/99, de 13 de Maio.
11. O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - Acórdão 1386/01, de 26-06-01, que bem decidiu no sentido de o Estado não responder pelo débito acumulado do obrigado a alimentos, tratando-se de prestações de diversa natureza.
12. No mesmo sentido, os Acórdãos:
- TRP n.º 599/02, de 30.04.02, 2ª secção
- TRP n.º 905/02, de 11.06.02, 2ª secção
- TRE n.º 1144/02, de 23-05.02, 3ª secção
- TRL n.º 7742/01, de 25.10.01, 2ª secção
- TRC n.º 1386/01, de 26.06.01
- TRP n.º 657/02, de 04.07.02, 3ª secção
- TRE n.º 638/02, de 23.05.02, 3ª secção
- TRP n.º 2094/02, de 28.11.02, 3ª secção
- TRP n.º 871/03, de 13.03.03, 3ª secção
13. Não poderá aplicar-se por analogia o regime do artigo 2006º do CC

A agravada contra-alegou defendendo a manutenção do despacho recorrido.

A fls. 105, o Mmº Juiz manteve o decidido.

Foram colhidos os vistos legais.
*
Como se sabe, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões do recorrente - arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC.
Por isso, a única questão em debate é a de saber se o agravante é responsável pelo pagamento das prestações de alimentos acumuladas.
*
FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Além dos factos constantes do antecedente relatório, estão ainda provados os seguintes:

1. Por sentença proferida nos autos de divórcio litigioso apensos, já transitada em julgado, foi homologado o exercício do poder paternal quanto aos menores B............. e C...................., nascidos, respectivamente, em 02.05.1988 e 13.11.1989, os quais ficaram entregues à guarda e cuidados da mãe, passando esta a exercer o poder paternal.
2. Em tal sentença ficou ainda estipulado que o pai contribuiria com a quantia mensal de Esc. 25.000$00 (€ 124,70) a título de alimentos para aqueles seus filhos.
3. O requerido não entregou à requerente, desde há 6 meses a esta parte - por referência a Novembro de 2002 - qualquer quantia de alimentos.
4. Não foi possível obter a sua satisfação pelos meios coercitivos.
5. Os menores vivem exclusivamente a encargo da mãe.
6. O menor B....................., nascido a 02.05.88, frequentou no ano lectivo transacto o 7º ano de escolaridade, com insucesso, na escola Júlio Brandão.
7. O menor C.............., nascido a 13/11/89, frequentou com aproveitamento o 6º ano na mesma escola.
8. Ambos os menores têm dificuldades de aprendizagem.
9. O pai, D..............., visita de forma irregular os filhos, tendo deixado de contribuir com o estipulado judicialmente, cerca de 125 euros mensais, a título de Pensão de Alimentos há cerca de um ano, por se encontrar desempregado.
10. A família vive em casa arrendada, sendo esta constituída por quatro quartos, sala, uma casa de banho e cozinha.
11. A A.................. trabalha como mulher a dias, em casas particulares, auferindo mensalmente cerca de 250 euros.
12. Com despesas mensais fixas suporta, para além das respeitantes com o seu sustento e dos seus filhos com alimentação e vestuário, as relacionadas com água, luz e gás, no valor total de 60 euros, a renda de habitação no valor de 210 euros (tendo os últimos quatro meses em atraso), a acrescer algumas despesas extraordinárias de saúde, nomeadamente, uma consulta no dentista, para o filho mais velho, no valor de 37 euros.

O DIREITO

O art. 1º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, estabelece que:
Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189º do DL n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem, a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação (...).
O art. 2º prescreve que:
1. As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 Uc.
2. Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
Para concretização desse escopo legal, foi constituído o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, cujas dotações são anualmente inscritas no Orçamento do Estado, em rubrica própria - art. 6º da referida Lei.

Essa lei foi depois regulamentada pelo DL n.º 164/99, de 13 de Maio, em cujo preâmbulo se escreveu, a dado passo:
Este direito (direito a alimentos) traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento (da criança, enquanto pessoa em formação) e a uma vida digna (...).
E, mais à frente:
De entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais.
Visou-se, com esses diplomas, a introdução de um sistema de substituição do devedor de alimentos, para que os menores deles carenciados não ficassem irremediavelmente desprotegidos.
Assim, sempre que o devedor de alimentos não possa satisfazer as prestações de alimentos, é o Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que assegura o pagamento das prestações de alimentos devidos a menores residentes em território nacional - v. art. 2º, nºs 1 e 2 do DL 164/99.
A questão que se coloca é a de saber quando se inicia a obrigação do Estado no cumprimento da obrigação alimentar, em substituição do devedor originário.
A resposta vai no sentido propugnado pelo agravante, pelas razões que a seguir exporemos.

a) A responsabilidade do Fundo de Garantia pelo pagamento das prestações alimentares é residual. É aos pais que cabe, em primeira linha, a satisfação desse encargo. Só quando tal se mostre inviável, devido a insuficiência económica ou ausência do obrigado a alimentos, é que o Estado, através desse Fundo, assume o pagamento dessas prestações.
b) De acordo com o disposto no art. 4º, n.ºs 1, 3, 4 e 5, o pagamento das prestações, por conta do Fundo, apenas se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal que as fixar. E essa decisão só ocorre na sequência do incidente de incumprimento do devedor originário, tramitado nos termos do art. 3º da Lei 75/98. A impossibilidade de o devedor cumprir as prestações de alimentos e a necessidade de, por via disso, o Estado a ele se substituir, só nesse momento é aferida.
c) A decisão do incidente é precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do(s) menor(es) - art. 4º do DL 164/99 - podendo o tribunal, a final, fixar um montante de alimentos diverso do anteriormente fixado no âmbito da regulação do poder paternal ou da acção de alimentos - v. art. 2º da lei 75/98.
d) As dotações orçamentais do Fundo são feitas anualmente (art. 6º, n.º 4, da Lei 75/98), sendo natural que elas obedeçam a uma avaliação prévia, por parte da tutela, das responsabilidades comunicadas pelos tribunais, em cada ano, ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

São, fundamentalmente, estas as razões porque entendemos que o Estado só deve garantir o pagamento das prestações alimentares a partir da verificação da impossibilidade de o progenitor devedor satisfazer a obrigação de alimentos a que se encontre vinculado. O momento dessa verificação é o da decisão que julgue procedente o incidente de fixação de alimentos pelo Estado em substituição do devedor.
A seguir-se o entendimento vertido na sentença, uma situação de incumprimento do progenitor obrigado à prestação alimentar que se arrastasse por vários anos, sem que o progenitor encarregue da guarda dos menores reclamasse, nesse período, qualquer intervenção do tribunal no sentido de substituir o devedor pelo Estado, ficaria acobertada por este em relação ao pagamento de todo o passivo alimentar acumulado nesse mesmo período.
Obviamente que nos parece não ter sido isto o que o legislador quis.
Como se diz no Acórdão desta Relação de 04.07.2002, no processo n.º 0230657, relatado pelo Exº Desembargador Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt “o pagamento das prestações relativas ao período anterior não visaria propriamente satisfazer as necessidades presentes de alimentos do menor, constituindo antes um crédito de quem, na ausência (ou durante o incumprimento) do requerido, custeou unilateralmente, ao longo de anos, a satisfação dessas necessidades” - v. neste mesmo sentido os acórdãos desta Relação de 30.04.2002, no processo n.º 0220599 (Exº Desembargador Cândido Lemos), de 28.11.2002, no processo 0232094 (Exº Desembargador Gonçalo Silvano) e de 23.04.2002, no processo n.º 0220305 (Exª Desembargadora Teresa Montenegro), todos no citado endereço electrónico.

Os supracitados diplomas pretendem, numa louvável atitude de solidariedade social orientada para a protecção das crianças, garantir o direito a alimentos de menores que, não dispondo na actualidade de outras fontes de subsistência, deles careçam. A instituição dessa prestação social, que traduz - segundo o preâmbulo do DL 164/99 - um avanço qualitativo inovador da política social desenvolvida pelo Estado, tem de ser vista como mais um passo na concretização do direito constitucional da protecção das crianças (art. 69º), operando sempre que os progenitores não se encontrem em condições de satisfazer as necessidades básicas de subsistência e desenvolvimento de seus filhos.
Repete-se, pois, a ideia de que só a verificação judicial dessa impossibilidade parental faz funcionar o mecanismo da substituição do devedor pelo Estado no cumprimento das prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais a uma vida digna e ao desenvolvimento das crianças e jovens.

Nesta conformidade, procede o agravo.
*
DECISÃO

No provimento do agravo, revoga-se o despacho recorrido na parte em que condenou o agravante a pagar à agravada as prestações alimentares vencidas desde Junho de 2002 até à data da sentença, mantendo-se o demais decidido.

Sem custas - art.º 3º, n.º 1, al. b), do CCJ.
*
PORTO, 15 de Junho de 2004
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões
Alziro Antunes Cardoso

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/cba14382f0fedad180256ebb004be375?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

Pesquisar neste blogue