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domingo, 10 de julho de 2011

ALIMENTOS MAIORIDADE INCIDENTE DE ALTERAÇÃO OU CESSAÇÃO - Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra - 03/05/2011

Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
223/06.9TMCBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: ALIMENTOS
MAIORIDADE
INCIDENTE DE ALTERAÇÃO OU CESSAÇÃO

Data do Acordão: 03-05-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA 2º J
Texto Integral: S

Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: N.º 2 DO ART.º 1412.º DO CPC

Sumário: I – A maioridade não determina a cessação automática da obrigação de os pais prestarem os alimentos fixados aos filhos no decurso da menoridade, a qual se mantém até estes completarem a sua formação profissional;
II – Não podendo ser oficiosamente declarada a cessação, é sobre o obrigado devedor que incide o ónus de promover a cessação da obrigação, mediante o incidente referido no n.º 2 do art.º 1412.º do CPC.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:



1. Relatório

No âmbito dos presentes autos de Incumprimento da Regulação do Poder Paternal em que foi requerente A... e requerido B..., respectivamente mãe e pai do então menor C..., face ao incumprimento por parte do progenitor do que fora ordenado quanto ao pagamento da prestação mensal de € 200,00 a título de alimentos ao filho, a Caixa Geral de Aposentações estava a proceder ao desconto dessa quantia na pensão de reforma percebida pelo requerido.

Entretanto, porque o menor atingiu a maioridade, com data de 30.7.10 a Ex.ma Juíza proferiu o seguinte despacho:

- “ Atento o disposto nos art.ºs 122.º, 123.º. 1877.º e 1878.º, n.º 1, do CC, tendo C... atingido a maioridade já, determino a cessação dos descontos ordenados a fls. 27.

Notifique e informe a CGA.”

Foi deste despacho que o já maior de idade C... agravou, com vista à sua revogação, em cujas alegações fez verter as seguintes conclusões:

a) – O tribunal a quo ordenou a cessação dos descontos e com esta os alimentos devidos ao recorrente sem que tenha fundamentado tal decisão, o que enferma de falta de fundamentação e ofende os art.ºs 158.º do CPC e 205.º da CRP, por isso sendo nula e de nenhum efeito;

b) – A obrigação de prestar alimentos dos pais aos filhos não decorre da idade destes, mas apenas da relação de filiação existente entre ambos, tal como preceitua o n.º 5 do art.º 36.º da CRP e da desnecessidade concreta, podendo até ser menor;

c) – A prestação de alimentos jamais cessa automaticamente seja pela maioridade dos filhos, seja pela conclusão da respectiva formação profissional, visto que sobre o progenitor incide sempre a obrigação processual de recorrer aos tribunais para ver declarada a cessação dos alimentos, efectuadas que sejam as diligências necessárias a demonstrar a falta de necessidade e, no caso, não se levaram a cabo esses trâmites;

d) – Nem mesmo a interpretação do art.º 1880.º do CC permite declarar cessados aqueles descontos, de outra forma tem de ser considerada materialmente inconstitucional esta norma, por violação do referido n.º 6 do art.º 36.º da Lei Fundamental;

e) – A cessação dos alimentos apenas pode ser declarada quando se demonstre, através de factos considerados assentes, a desnecessidade de receber alimentos por parte dos filhos e/ou a indisponibilidade total ou parcial de os prestar por parte dos pais, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 2013.º do CC;

f) – O tribunal a quo não efectuou as diligências atinentes nem considerou provados os factos necessários para oferecer respaldo a qualquer das situações previstas na alín. b) do n.º 1 do art.º 2013.º do CC;

g) – A decisão violou nomeadamente o n.º 5 do art.º 36.º da CRP e fez errada interpretação dos art.ºs 1877.º, 1878.º, 1879.º 1880.º, 2003.º, 2012.º e 2013.º, todos do CC.

Não houve contra-alegações.

O tribunal a quo manteve tabelarmente a decisão recorrida.

Foram dispensados os vistos.

Cumpre apreciar e decidir, sendo 2 as questões que nos vêm colocadas:

1.ª – A nulidade de decisão por falta de fundamentação;

2.ª – Saber se a obrigação da prestação de alimentos fixados a favor de menor não emancipado cessa automaticamente com a maioridade deste, ou se tal obrigação se mantém e só cessa quando o obrigado a fizer cessar pelo meio processual azado.


*

2. Fundamentos
2.1. De facto

Com relevo para a apreciação do mérito do recurso pode elencar-se como assente a seguinte factualidade:

a) – C... nasceu no dia 30 de Janeiro de 1992 e é filho de B... e de A... (certidão de fls. 156 dos autos de Reg. Poder Pat.);

b) – No apenso A) desses autos foi homologado por sentença o acordo dos pais, datado de 19.6.08, do então menor C..., no sentido de o progenitor ficar obrigado a pagar mensalmente a este, a título de alimentos, a quantia de € 200,00;

c) – Quanto às despesas com a saúde e os livros escolares ficaram ambos os pais obrigados a garantir o seu pagamento em partes iguais;

d) – De acordo com o Relatório Social datado de 3.11.06 o então menor C... frequentava o 9.º ano na escola oficial de Arganil e, para além de nunca ter tido qualquer reprovação, sempre foi bom aluno (com notas de nível 4 e 5), sendo considerado um jovem responsável, empenhado, bem comportado e pretendia, então, tirar o curso de Direito;

e) – Porque o pai deixou de pagar a quantia acima referida, foi notificada a Caixa Geral de Aposentações para proceder ao seu desconto na pensão de reforma do mesmo.


*

2.2. De direito
Delimitado o objecto do recurso às questões enunciadas, começando pela nulidade da decisão por alegada falta de fundamentação, cumprirá salientar o seguinte:

- O vício em causa decorre da alín. b) do n.º 1 do art.º 668.º ex vi n.º 3 do art.º 666.º, ambos do CPC, quando dispõe ser nula a decisão quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justifiquem.

Ora, não é isso que ocorre no caso presente.

Da economia do despacho recorrido ressalta que o fundamento de facto se traduz na maioridade atingida pelo beneficiário dos alimentos que, subsumida às normas legais enunciadas, inexoravelmente conduz, de acordo com ele, à cessação da obrigação.

Fundamentação curta, é certo, admite-se que, não pela dificuldade da questão, mas pela divergência de orientações na jurisprudência, talvez se justificasse algum investimento argumentativo!..

É, contudo, fundamentação suficiente e, daí, improceder a nulidade arguida.

A questão relevante não é, porém, essa, mas a da interpretação dos preceitos legais referidos e também dos art.ºs 1879.º e 1880.º, do CC e 1412.º do CPC, o que nos leva à 2.ª questão colocada.

De acordo com o disposto nos art.ºs 1877.º e 1878.º, n.º 1, do CC, os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade (18 anos) ou emancipação (16 anos, com o casamento) e compete aos pais, além do mais, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação.

Consoante o disposto no art.º 1879.º do CC, os pais ficam desobrigados a prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.

Quanto às despesas com os filhos maiores ou emancipados, o art.º 1880.º do CC estipula que “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o art.º anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.

Este preceito foi introduzido pela Reforma do CC de 1977[1] e dele recorre que os alimentos não duram apenas até à maioridade, mas até que o alimentando adquira a sua formação profissional.

A justificação advém não só da baixa da maioridade de 21 para 18 anos, como da massificação do ensino superior, a extensão de alguns dos cursos e a necessidade de estágios e formações complementares, tudo isso a reter os filhos em casa dos pais até mais tarde.[2]

Pode assim concluir-se que o fundamento da obrigação de alimentos dos pais face aos filhos não é apenas a menoridade, mas também a carência económica dos filhos após a maioridade enquanto prosseguem os estudos universitários ou a formação técnico-profissional.

A obrigação de alimentos não cessa, portanto, com a maioridade.

Daí que, se na pendência da acção de regulação do exercício do poder paternal, hoje dita de responsabilidades parentais, ou de qualquer dos incidentes como o de incumprimento, como é o caso, ocorreu a maioridade do filho ou a sua emancipação, tal não faz cessar automaticamente a obrigação alimentar, além de que tais circunstâncias não impedem que os processos prossigam e se concluam, devendo os incidentes de alteração ou de cessação correr por apenso a eles, nos termos do art.º 1412.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Porque nos termos do art.º 1880.º do CC, não completada a formação profissional, “manter-se-á a obrigação” (sic), daqui decorre uma presunção dos pressupostos da obrigação alimentar a favor do filho maior, cuja elisão compete ao obrigado.[3]

Acresce que, pelo facto de o fim da menoridade não constituir uma das causas legais de cessação da obrigação de prestação de alimentos, conforme dispõe o art.º 2013.º do CC, a mesma carece de ser judicialmente declarada a requerimento do devedor e não pode ser declarada oficiosamente pelo juiz por mera decorrência da menoridade do filho.[4]

A não se entender assim e obrigar um filho a propor nova acção cível de alimentos contra o progenitor com vista ao prosseguimento da sua formação profissional, o mesmo ver-se-ia privado dos alimentos até a questão ser decidida, com o que se frustraria a razão de ser da própria lei, que é precisamente o de assegurar a sua formação profissional.



*




3. Concluindo:

I – A maioridade não determina a cessação automática da obrigação de os pais prestarem os alimentos fixados aos filhos no decurso da menoridade, a qual se mantém até estes completarem a sua formação profissional;

II – Não podendo ser oficiosamente declarada a cessação, é sobre o obrigado devedor que incide o ónus de promover a cessação da obrigação, mediante o incidente referido no n.º 2 do art.º 1412.º do CPC.


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4. Decisão
Face a todo o exposto, acordam em conceder provimento ao agravo e revogar a decisão recorrida, devendo ser retomados os descontos na pensão do requerido até este promover e obter a declaração judicial da cessação da sua obrigação, pela via processual adequada.

Sem custas (art.º 2.º, n.º 1, alín. g) do CCJ).


***
Francisco Caetano (Relator)
António Magalhães
Freitas Neto

[1] Até lá o n.º 2 do art.º 2003.º do CC de 1966 fazia cessar com a maioridade a obrigação dos pais suportarem as despesas com a instrução e a educação do alimentando.
[2] V. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil, Anot.”, V, pág. 338.
[3] Neste sentido e no da decisão v. o Ac. RC de 16.1.07, Proc. 45-C/1992.C1, in www.dgsi.pt.
[4] V., neste sentido, Helena Bolieiro e Paulo Guerra, “A Criança e a Família”, pág. 211 que cita, acompanhando, Remédio Marques, “Algumas notas sobre alimentos devidos a menores…”, 2000, pág. 334.
V. também o Ac. RC de 5.4.05, CJ, 2005, III, pág. 16, que se debruçou sobre situação em tudo igual à presente, que seguimos de perto.~

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/27e9d2c8a78e4eed802578b60030c0d9?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

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