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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

GRAVAÇÃO ILÍCITA GRAVAÇÃO LÍCITA - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 23.09.2013


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
689/10.2GAPTL.G1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: GRAVAÇÃO ILÍCITA
GRAVAÇÃO LÍCITA

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 23-09-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO

Sumário: I – As gravações realizadas por particulares no âmbito de relações privadas podem ser utilizadas como meio de prova, quando quem a fez está a ser vítima de um crime, ou presencia a prática de um crime, e com a gravação pretende facilitar a sua averiguação e posterior condenação.
II – Pode ser utilizada como meio de prova a gravação, feita por um filho da ofendida, de insultos dirigidos pela arguida à ofendida, na presença de várias pessoas (o que vale por dizer que as palavras proferidas se destinavam ao público).


Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.
I)
Relatório
No processo comum singular do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Ponte de Lima, por sentença de 21.01.2013, foi para além do mais, decidido:
- condenar a arguida Maria F... como autora material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143°, n°.1, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 7 € (sete euros), e pela prática de dois crimes de injúrias p e p. art. ° 181 ° todos do C. Penal , na pena de 70 (noventa) dias de multa, por cada um deles, igualmente à referida taxa diária de 7 € (sete euros).
Efectuado o cúmulo jurídico foi a arguida condenada na pena única de 180 ( cento e oitenta) dias de multa à mesma taxa diária o que dá a multa global de 1260 ( (mil duzentos e sessenta euros) ou, subsidiariamente 120 (cento e vinte) dias de prisão;
- condenar a demandada Maria F... a pagar à ofendida demandante Maria C... a quantia de € 2.010,40 (dois mil e dez euros e quarenta cêntimos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais e patrimoniais por si sofridos, advindos da sua conduta, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido cível e na quantia que vier a liquidar-se em execução da sentença, como indemnização pelos danos em curso e futuros como melhor resulta no art.41 do pedido civil

A arguida Maria F... interpôs recurso da sentença condenatória, terminando a sua motivação com conclusões das quais resulta que as questões a decidir são as seguintes:
Da valoração de prova proibida;
Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
Dos vícios a que alude o artº 410º, nº 2, do CPP;
Saber se o Senhor Juiz a quo errou na apreciação da prova produzida em julgamento, uma vez que na perspectiva da recorrente impunha-se a absolvição, pois que haverá que lançar mão do princípio in dúbio pró reo.
Na perspectiva da recorrente inexiste prova para dar suporte à factualidade dada como provada nos pontos 13 a 26. Ao invés a prova produzida permite concluir pela prática dos factos consubstanciadores do crime de ofensas à integridade física imputado aos arguidos Maria C..., Maria M... e João E...e bem assim do respectivo pedido cível.
Da excessividade da pena fixada.

Às motivações de recurso da arguida os assistentes Maria C..., Maria M... e João E...responderam aduzindo argumentação jurídica tendente a demonstrar a sem razão da recorrente.


O magistrado do Mº Pº junto da 1ª instância respondeu no sentido da manutenção do julgado, não sem antes defender que a gravação efectuada pelo filho da arguida Maria C..., com utilização de um telemóvel deve ter-se como meio de prova licitamente obtido e, portanto não está em causa prova proibida.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer douto parecer argumentando no sentido da improcedência do recurso, já que a seu ver a matéria de facto fixada na 1ª instância deve manter-se intangível.
***

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
Com relevância para a decisão do presente recurso, importa que se transcreva agora a matéria de facto que foi dada como provada na 1ª instância:
1.As arguidas Maria F... e Maria C... residem no Lugar N..., na freguesia de R... do Lima, concelho de Ponte de Lima, sendo as suas residências contíguas, cuja divisão é feita por um muro e árvores de fruto, estas pertencentes à primeira arguida.
Pelo menos desde 2009, entre as arguidas Maria F... e Maria C... têm-se verificado alguns conflitos de vizinhança relacionados com aquelas árvores, que, segundo a primeira, têm aparecido secas/queimadas, o que atribui a acção da arguida Maria C....
3. No dia 11/09/2010, pelas 11,55 horas, nesse Lugar N..., da freguesia de R..., a arguida Maria C... chegou a casa conduzindo o seu automóvel, no qual transportava consigo o pai, João E..., a mãe, Maria M..., o filho Nuno R... e o filho Tiago R..., estacionou o automóvel na via pública, apeou-se e dirigiu-se ao portão de sua casa, para ir ao interior buscar umas chaves, enquanto aqueles outros familiares ficaram dentro do carro.
4.Quando a Maria C... se preparava para meter a chave no seu portão, aproximou-se a arguida Maria F..., a correr, com as mãos erguidas, vinda da sua casa, cujo portão de saída se situa a cerca de vinte metros do local onde se encontrava a Maria C....
5. Uma vez chegada junto da Maria C..., a Maria F... disse-lhe em tom alto e exaltado "anda minha puta, minha vaca, secaste-me tudo, agora vais pagá-las" e chamou-lhe de novo "puta" e "vaca".
6. Acto contínuo a Maria F... agarrou os cabelos da Maria C..., puxou com violência, de modo que a requerente caiu e a requerida "amarfanhou-a" no chão, presa pelos cabelos.
7. A Maria C... esbracejou para tentar libertar-se Maria F..., mas esta deu-lhe socos, pontapés além de lhe puxar os cabelos.
8. Entretanto chegaram ao local uma senhora chamada Maria C... e o marido, que tomaram o partido da Maria Conceição, agarraram os braços da Maria C... e puxaram-na para trás numa altura em que esta estava presa pelos cabelos pela Maria F....
9. Até que a Maria F... libertou a Maria C..., que se levantou, foi para junto dos filhos e dos pais e sentou-se no chão, com dores fortes, atordoada e a chorar.
10. Por sua vez a Maria F... saiu do local e foi refugiar-se em sua casa com a ajuda da Maria C... e do marido.
11. De seguida a mãe e os filhos da Maria C... ficaram em sua casa, a requerente foi de carro com o pai buscar o irmão, regressou a casa para deixar o pai e seguiu depois com o irmão para o Hospital de Ponte de Lima, onde foi atendida no serviço de urgência.
12. Como consequência directa, necessária e adequada da agressão da Maria F... e por ter batido e rebolado no chão, a Maria C... sofreu para além de dores e mal-estar físico, uma contusão ocular bilateral; equimose de 2X2cm na omoplata esquerda; escoriação de 3X2 cm na face lateral do cotovelo direito; equimose de 1X1 cm na face interna do braço direito; equimose de 2X 1 cm na face interna do braço esquerdo, que segundo o relatório da perícia médico-legal, em condições normais lhe poderiam determinar cinco dias de doença — v. p. f. documentos de folhas 17. e seguintes e documento de folhas 45, que aqui se dão por reproduzidos na íntegra.
13. A Maria C... sofreu ainda dores muito fortes na nuca e no pescoço, sofreu um sindroma depressivo, pelo que esteve de baixa médica por doença, com incapacidade para a sua actividade profissional, exigindo cuidados inadiáveis e só podendo ausentar-se do domicilio para tratamento, durante doze dias, como se comprova com os certificados médicos juntos como documentos com os n.°s 10 e 13 com o pedido civil
13. A Maria C... teve de fazer várias consultas médicas e fazer tratamento medicamentoso.
14. Além disso no dia 30/10/2010, cerca das 13,00 horas no mesmo Lugar N..., da freguesia de R..., do concelho de Ponte de Lima, encontrando-se a assistente Maria C... na cozinha da sua casa e a arguida Maria F... no quintal da sua casa, dirigindo-se à assistente Maria C... disse repetidamente:
- És uma feiticeira, uma bruxa! - É uma bruxa, uma feiticeira que anda a caralho! - É uma bruxa, é uma feiticeira! - Oh bruxa! - Oh feiticeira! - Bruxa! - És uma bruxa que andas mas é com bruxedos essa bruxa! - És uma bruxa que me tens feito às portas da morte por causa dessa bruxa! - És uma bruxa, és uma feiticeira! - É uma feiticeirona! Botai a cabeleira fora que ela é uma feiticeira! - Filha da puta que te pariu urso! - Bruxa! - Feiticeira! - Que é uma feiticeira! - Que é uma feiticeira! - Uma feiticeira! - Uma feiticeira que provoca e dança à frente do meu homem porque o homem dela está para Espanha e ela deve querer peso! - O homem dela está para Espanha e ela deve querer peso! - Borrachona! - Grava! - Quereis gravar! - Grava agora!
- Grava! - Grava feiticeira! - Grava bruxa! - Grava! - Grava o caralho que te foda! - O caralho que te foda! - És uma bruxa! - Feiticeira! - Num vês ela a dançar à minha frente!
- Num vês ela a dançar! - Num vês o mal que me tem feito, que eia me tem feito! - Num vês o mal que me vai nos ossos, caralho! - Num vês o mal que me tem feito! - Ameaçou-me que me secava tudo e tem- me secado tudo? - E secou! - Conseguiu e consegue! - Até já conseguiu! Expressões estas que se acham gravadas em registo áudio (CD) junto aos presentes autos.
16. Quer estas expressões, quer as que constam acima no facto 5, foram proferidas em alta voz, num tom insultuoso, na presença de várias pessoas, sem que nada as justificasse por parte de quem as proferiu.
17. A arguida Maria F... agiu desse modo com o único propósito de atacar e ofender a assistente Maria C... na sua honra dignidade e consideração como, de facto, ofendeu gravemente.
18. Assim como agrediu corporalmente a Maria C... com o único propósito de a maltratar fisicamente.
19. A arguida Maria F... agiu de forma livre consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era ilegítima e criminalmente punida.
20. Com a agressão de que foi vítima, as lesões consequentes, a assistente Maria C... que teve de receber, o tratamento que teve de fazer, as consultas médicas, a requerente temeu pela sua integridade, sofreu dores, incómodos, limitações na sua vida e vexame.
21. Com essa agressão e as expressões verbais que lhe foram dirigidas pela Maria F... a assistente Maria C... sentiu sofrimento moral, desgosto, desonra, desconsideração, violação da sua dignidade e bem nome e vexame, profundos, agravados pelo facto da ocorrência ter sido divulgada e ter-se tornado pública na freguesia.
22. A assistente Maria C... é uma pessoa decente, pacífica, ordeira, respeitadora, que vive essencialmente para a família, a casa e o trabalho, estimada e considerada por quem a conhece e que na sua vida anterior nunca passou por episódios semelhantes.
23. Além disso, como consequência directa, necessária e adequada das agressões verbais e físicas de que foi alvo e acima descritas a requerente Maria C... suportou ainda as seguintes despesas e prejuízos:
Taxa Moderadora do Episódio de Urgência — Unidade Local de Saúde do Alto Minho - € 8,40 - conf. doc. n.° 1 junto com o pedido civil.
Consulta médicas - € 4.40 — conf. docs. n.°s 2 e 3 juntos com o pedido civil
Farmácia - € 45,72 — conf. docs. n.°s 4,5,6,7 e 8 juntos com o pedido civil
Perda de vencimentos (diferença entre os proventos do trabalho não recebidos e o subsídio de doença recebido) — € 172,95 — conf. docs n.°s 9,10,11,12 el, juntos com o pedido civil
Sandálias que trazia calçadas e ficaram inutilizadas - € 15,00;
O Calças de ganga que trazia vestidas e ficaram rotas - € 20,00 o que perfaz a soma de € 266,47.
Para tratar de assuntos relacionados com a sua doença e com o presente processo a requerente até este momento, teve de efectuar as seguintes deslocações (ida e volta) da sua residência, em Refoios e do seu local de trabalho nos Arcos de Valdevez, a Ponte de Lima e a Viana do Castelo:
- Uma de Refoios ao Hospital de Ponte de Lima
- Duas de Refoios ao Tribunal
- Uma de Refoios a Viana do Castelo para realização de exame médico-legal
- Três de Refoios ao médico
- Seis dos Arcos de Valdevez à GNR em Ponte de Lima
- Dez dos Arcos de Valdevez ao Advogado em Ponte de Lima tendo dispendido nessas deslocações, pelo menos a quantia de € 244,00 (ao preço de € 0,361Km)
25. Até conclusão do presente processo a requerente vai ter necessidade de fazer mais despesas, com deslocações ao Tribunal e ao Advogado, com as deslocações e dias de trabalho perdidos das testemunhas, com o pagamento ao Advogado e outras.
26. Todavia essas despesas estão ainda em curso e são futuras, pelo que não é possível estimá-las neste momento devendo liquidar-se em execução da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos.
27. A Maria C... no exercício da sua profissão aufere o salário de 620 E.
28.Vive em casa própria e tem dois filhos menores a sue cargo.
29.Encontra-se a amortizar um empréstimo que contraiu pagando prestação mensal do montante 150€.
30. Possui o 6° ano de escolaridade,
31. Não tem antecedentes criminais, encontra-se integrado socialmente é pessoa estimada no meio e por quem a conhece onde vive.
32. O João E...encontra-se reformado, auferindo uma pensão de reforma do montante de 303€.
33. Vive em casa própria e não tem encargos de maior monta.
34. Não tem antecedentes criminais, encontra-se integrado socialmente, é pessoa estimada e considerada no meio onde vive.
35. Possui a 4° classe.
36. A Maria M... encontra-se reformada, auferindo uma pensão de reforma do montante de 270 E.
37. Vive em casa própria e não tem encargos de maior monta.
38. Não tem antecedentes criminais, encontra-se integrada socialmente, é pessoa estimada e considerada no meio onde vive.
39. Possui a 4° classe.
40. A Maria F... no exercício da sua profissão aufere o salário de 485 E. 41.Vive em casa própria e tem três filhos a seu cargo dois de menor idade,
41. Possui o 12° ano de escolaridade,
42. Não tem antecedentes criminais, encontra-se integrado socialmente é pessoa estimada no meio e por quem a conhece onde vive.
Factos não provados
Sem prejuízo da matéria de facto dada como provada no que tange às agressões resultou não provado que a arguida Maria C... agrediu a Maria F....
No momento em que a Maria F... iniciou a agressão, abeiraram-se daquelas os arguidos Maria M... e João E..., bem como o Nuno, respectivamente pais e filho da Maria C...,
Que desferiram pontapés em várias partes do corpo da Maria F..., nomeadamente nas costas, ombros e braços, apenas parando de o fazer por acção de terceiros que entretanto aí acorreram.
Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos Maria C..., Maria M... e João E..., para além de dores e mal-estar fisicos, a Maria F... sofreu as seguintes lesões: equimose peri-orbitária esquerda; equimose de 3xlcm no ombro esquerdo e escoriação de 8x4cm na face posterior do ombro; equimose de 3xlcm na face lateral dorsal direita; equimose de 6x4cm com três escoriações de 1 x 0,5cm na face lateral do antebraço esquerdo e equimose de 3x3cm na face anterior mediana da perna direita.
As arguidas Maria F... e Maria C..., com as condutas supra descritas, quiseram lesar a integridade física uma da outra, o que conseguiram.
Os arguidos Maria M... e João E..., com a conduta supra referidas agiram com o propósito concretizado de lesar a integridade física da Maria F..., fazendo-o em comunhão de esforços com a arguida Maria C... e aderindo ao plano desta.
- Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei, bem sabiam que com tal conduta a ofendiam fisicamente, provocando dores, mal-estar e lesões.
A prática dos actos que se atribuem aos demandados Maria C..., Maria M... e João E...contundiu profundamente a demandante, ficou emocionalmente ferida, insuportável angústia, dores e lesões.
Se viu involuntariamente e contra a sua vontade, confrontada com sentimentos desagradáveis, designadamente, sentindo-se humilhada, ultrajada, ofendida, embaraçada, insegura e temerosa por se ver agredida de tal forma e perante a vizinhança
Sente-se, ainda hoje, a demandante, insegura e receosa, de cada vez que sai de casa.
Finalmente, a prática dos factos descritos pelos arguidos/demandados obrigou a demandante Maria F... à constituição de Mandatária, pelo que aqueles devem, de igual forma, ser responsabilizados pelo pagamento dos respectivos honorários.
MOTIVACÃO:
Para formar a sua convicção relativamente aos factos provados e não provados, baseou-se o tribunal, nos depoimentos prestados em audiência de julgamento, por todas as testemunhas arroladas na acusação pública e pela defesa as quais parte delas presenciaram os factos, assistiram ao inicio da contenda. As referidas testemunhas por serem conhecidas dos arguidos/ofendidos e por morarem muito perto do local onde ocorreram os factos, face ao barulho que se gerou, umas ocorreram ao local de imediato e outras puderam presenciar os factos no local em que se encontravam.
Assim merecem, destaque os depoimentos das testemunhas Joaquim Figueiredo de Amorim, id. a fls. 142 e Heitor António Fernandes da Silva, id. a 117 que se encontravam a executar obra de reparação na moradia do Joaquim, a cerca de 50 metros do local onde os factos ocorreram, vizinho das arguida Maria F... e Maria C..., viram como tudo aconteceu, da forma como resultou dos factos dados como provados. Estes depoimentos foram prestados de forma coerente, coincidentes um com o outro com perfeito conhecimento dos factos e foram prestados de forma livre e isenta, ou seja, que foi a Maria F... que agrediu a Maria C... e de que o João E...e a Maria M... não agrediram a Maria F.... Dada a veemência destes depoimentos como foram prestados o Tribunal acreditou na versão apresentada pela Maria C... a qual foi a que correspondeu à verdade. Por sua vez e dado que a testemunha Joaquim é vizinho da Maria C... e da Maria F... ouviu também as expressões injuriosas proferidas pela Maria F... nos dois dias em que estas foram proferidas nomeadamente a que consta da gravação feita pelo filho da Maria C....
Também, no que diz respeito às expressões proferidas pela arguida Maria F... levou-se em conta o depoimento da testemunha Joaquim como acima se disse e do Heitor, no que tange às proferidas no dia da agressão, já que no que diz respeito às expressões constantes da gravação o Tribunal para além do que já disse no que diz respeito à testemunha Joaquim, valorou o depoimento da testemunha Rui R..., filho da Maria C... que procedeu à gravação, as quais foram confirmadas em sede de julgamento pelos depoimentos prestados e com pleno conhecimento da realidade dos factos. O depoimento da testemunha José R..., marido da Maria C..., que por se encontrar no interior da sua habitação pode também ouvir as expressões proferida pela Maria F... e que se encontram gravadas.
No que diz respeito às agressões também se valorou o depoimento Rui, filho da Maria C... cujo depoimento coincidiu com os depoimentos das testemunhas Joaquim e Heitor, dado o facto de ter presenciado as agressões na medida em que seguia no veículo conduzido pela sua mãe e na companhia dos seus avós maternos João E...e Maria M.... Dada a sua juventude e ser um jovem com boa formação académica para a idade que tem, o seu depoimento foi prestado sem vacilações, com discernimento, sem contradições e de forma firme e convicta, demonstrando ter uma personalidade bem formada e vontade e conhecimento do que estava a relatar.
Por sua vez, dos depoimentos arguidos Maria M... e João e Evangelista resultaram dos mesmos de que não agrediram a Maria F.... O tribunal valorou em grande parte estes depoimentos na medida em que dadas a avançadas idades nomeadamente o João E...ter já sido acometido de um AVC, o seu estado de saúde não permitia levar a cabo a agressão de que foi acusado e o mesmo acontecendo com a Maria M... dado que tinha dificuldades em locomover-se muito menos perpetrar qualquer agressão.
Os depoimentos das arguidas Maria C... e Maria F... são o que são na medida em que são antagónicos um em relação ao outro.
Finalmente no que tange aos depoimentos das testemunhas arroladas na acusação e defesa da Maria F... estes não foram valorados no sentido de que os arguidos Maria C..., João E...e Maria M... a agrediram.
Na verdade os depoimentos das testemunhas Maria C... e seu marido Manuel G... enfermam de contradições. Do depoimento da testemunha Maria C... resultou, logo no momento em que chegou ao local da contenda, diz que a Maria F... ficou inanimada, sem sentidos e de que neste estado com a ajuda do seu marido, levaram a Maria F... em charolas para junto do quintal da sua residência, ao passo que do depoimento da testemunha Manuel L..., marido da Maria C..., resultou que a Maria F... se deslocou pelo seu próprio pé mas amparada pelas testemunhas Maria C... e por ele. Por sua vez resultou do depoimento da testemunha da Maria C... ter chegado ao local da agressão primeiro que o seu marido, ao passo que o depoimento da testemunha Joaquim que presenciou os factos disse que foi o marido que chegou em primeiro lugar. Face a esta contradição foi ordenado ao marido da Maria C... para prestar os esclarecimentos devidos sobre o facto, o qual acabou por testemunhar de quem chegou ao local em primeiro lugar foi a sua esposa Maria C.... Como ambas as testemunhas não assistiram ao início da contenda só chegando ao local, quando a Maria C... e Maria F... se encontravam caídas no chão, não se vislumbrou que o João E..., a Maria M... tivessem agredido a Maria F..., tanto mais que a testemunha Maria C... se encontra de relações cortadas com a Maria C..., sendo que este depoimento foi prestado em favor da Maria F..., faltando em parte à verdade.
Por sua vez os depoimentos das restantes testemunhas arroladas por todos os arguidos foi levado em conta, só no que diz respeito à sua situação, económica, social e comportamento.
O depoimento da testemunha João M..., marido da Maria F..., também não foi valorado, na medida em que não assistiu aos factos, e tudo o que sabe foi porque lhe foi dito pela arguida Maria F..., sendo que tal depoimento foi prestado, favorecendo a sua mulher.
Quanto à situação social, económica, familiar e comportamento dos arguidos levou-se em atenção o depoimento das testemunhas arroladas para o efeito e as suas próprias declarações.
Quanto aos pedidos civis levou-se em consideração o depoimento das testemunhas arroladas para o efeito as quais por serem conhecidos da demandante e demandados demonstraram ter conhecimento dos factos, depondo todos de forma séria.
Tiveram-se ainda em consideração os documentos juntos aos autos para o efeito nomeadamente os relatórios médicos que atestam as lesões sofrida pelos ofendidos e despesas feitas em consequência da agressão, fls. 2/3 (auto de denúncia); fls. 8 a 10 (fotografias); fls. 16/17 (auto de denúncia); fls. 23 a 27 (fotografias); fls. 30 a 33 (relatório médico-legal); fls. 34 a 37 (relatório médico legal); fls. 45 e 46 (episódios de urgência); e fls. 148 e 149 (auto de transcrição e registo áudio em formato digital).
Documentos juntos com o pedido civil pela Maria C..., que atestam os prejuízos que sofreu em consequência da agressão de que foi vitima.
II)

Fundamentação:
a) Da omissão de pronúncia e da valoração de prova proibida:
Alega a recorrente que o senhor juiz a quo não se pronunciou sobre a questão da nulidade de prova que lhe foi suscitada pela recorrente em sede de contestação (cfr. 301-302).
Pois bem, é um facto que o Senhor juiz a quo não tomou posição sobre tal questão no início da audiência de julgamento, como lhe competia, vindo apenas a fazê-lo já em sede de sentença, ao considerar que “nesta fase não faz sentido falar em tal nulidade em virtude de que o constante da referida gravação foi testemunhado e confirmado em sede de audiência de julgamento pelo autor da mesma o filho da Maria C..., Nuno R..., e pelo marido desta José R... e pela testemunha Joaquim A..., o que de deste modo a gravação de per si não foi valorada na sua totalidade como meio de prova, a não ser servir de complemento aos testemunhos ora referidos”.
Na perspectiva da recorrente impõe-se considerar a sentença ferida de nulidade, uma vez que estamos em presença de prova legalmente proibida.
E o que desde já se dirá é que, salvo o devido respeito, não assiste razão à recorrente, uma vez que é nosso entendimento de que tal prova, mesmo que obtida sem o consentimento da arguida, pode e deve ser valorada no processo penal não configurando prova proibida nos termos do artº 125º do CPP.
Em causa está uma discussão na qual os insultos proferidos pela arguida tiveram como única destinatária a ofendida Maria C.... E o teor dos insultos dirigidos à ofendida pôde ser ouvido por várias pessoas, entre as quais o seu filho Rui que procedeu à questionada gravação. Significa isto que a arguida não se preocupou em evitar que as suas palavras não fossem audíveis por outras pessoas, o que vale por dizer que tais palavras se destinavam ao público.
Muñoz Conde Revista Penal – nº14 – Janeiro de 2009 Prueba prohibida y valoración de las grabaciones audiovisuales en el proceso penal - , referindo-se concretamente a gravações realizadas por particulares no âmbito das relações privadas, entende que a chave para saber em que casos, excepcionalmente, a gravação pode ser utilizada como prova é dada pela situação em que se encontra o particular que a faz - se é alguém que está a ser vítima de um crime e com a gravação pretende facilitar a sua averiguação e posterior condenação, ou se é alguém que não seja a vítima mas antes co-autor desse delito ou queira utilizar a gravação para chantagear a pessoa que a grava, ameaçando denuncia-la.
No caso, é manifesto que a ofendida estava a ser vítima de um crime de injúrias.
Daí que estejamos em presença de uma gravação que deve ser tida por lícita.
Assim e para concluir, nada obsta a que a referida gravação seja valorada pelo tribunal em conjugação com depoimentos das testemunhas Rui e José Luís nos termos do artº127º do C.P.P., pois não constitui prova proibida.
Mesmo, porém, que assim se não entendesse, o tribunal a quo não deu como provados esses factos apenas com base nos depoimentos das testemunhas mas considerou também o depoimento da ofendida que relata o teor dessa discussão.
Improcede, pois, o recurso neste particular.

b) Da impugnação da matéria de facto dada como provada, dos vícios previstos no artigo 410°, n° 2, ais a), b) e c) do CPP e o princípio in dubio pro reo:
Começamos por fazer a clarificação de duas questões, que são distintas, e que, segundo nos parece, os recorrentes confundem, a saber, o erro de julgamento na matéria de facto e os vícios previstos nas ais. a), b) e c) do n° 2, do art° 410°, do Cód. Proc. Penal.
Assim, há erro de julgamento na matéria de facto quando o tribunal dá como «provado» certo facto em relação ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ter sido considerado «não provado», ou, então, o contrário, isto é, quando o tribunal considera «não provado» algum facto que, perante a prova produzida, deveria ter sido considerado «provado».
Acresce que a lei prevê a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência (cfr. art°s 363° e 364°, do CPP) para permitir que, no recurso, se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Porém, no caso de pretender impugnar a matéria de facto, o recorrente deverá especificar, os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – cfr. art° 412°, n°s 1 e 3, als a) e b) do CPP. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações de prova previstas na alínea b) daquele preceito, fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (vd. n° 4 do mesmo preceito).
Pelo contrário, e no tocante a todos os vícios previstos no n° 2 do art° 410º do CPP, já a respectiva existência tem que forçosamente resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo permitido, para a demonstração de que existem, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida. — cfr., por todos, ac. do STJ, de 19/12/90, citado por Maia Gonçalves em anotação a este preceito.
Por último, importa classificar os vícios invocados pelos recorrentes para se poder concluir se os mesmos ocorrem.
Assim:
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando o tribunal não dá como «provado» nem como «não provado» algum facto necessário para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, ou que seja relevante para a medida concreta da pena.
"Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do n° 2), constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras de experiência." - M. Simas Santos e M. Leal Henriques, " Código de Processo Penal", 2a ed., II vol., pág. 739.
E, por último, como se escreveu em acórdão do STJ de 15/04/98, "o erro notório na apreciação da prova previsto no art° 490°, n° 2, al. c) do Código de Processo Penal, como se vem reafirmando constantemente, não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente (carecendo esta de qualquer relevância jurídica, é obvio que aquela desconformidade não pode deixar de ser, também ela, juridicamente irrelevante), e só existe quando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal"- cfr. BMJ 476, pág. 91.
Classificados os vícios em causa, logo se constata que eles não se verificam in casu.
Com efeito, e conforme decorre da motivação de recurso, a recorrente invoca os vícios prevenidos nas diversas alíneas do n° 2 do artigo 410° do CPP fora das condições legais.
Assim, relativamente à invocação do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do citado n° 2, a recorrente não alega, e muito menos demonstra, a existência de qualquer vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão recorrida.
Por outro lado, não ocorre o vício previsto na al. b) do n° 2, do art° 410° do CPP, na medida em que existe plena compatibilidade entre os factos provados e entre estes e a fundamentação constante da sentença recorrida.
Finalmente também não há que falar na existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n° 2 do citado artigo 410°, do CPP, uma vez que os factos apurados são suficientes para justificar a decisão assumida:
Acresce que argumentação trazida à colação pela recorrente com vista à pretendida alteração da matéria de facto (que no essencial se traduz na ausência de prova consistente para o juízo condenatório) também não tem quaisquer virtualidades para impor decisão diversa da recorrida.
Convém desde já notar que, como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, "o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância " — Fórum Justitiae, Maio/99 (negrito nosso).
Por isso, é que o citado art° 412°, n°s 3 e 4 do CPP impõe ao recorrente o ónus de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Note-se, porém, que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» solução diversa, pois haverá casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Daí que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção (vd. art° 127° do CPP).
Na verdade, como elucidativamente se escreveu no acórdão do STJ de 21/03/2003, proc. 02a4324, relator Conselheiro Afonso Paiva:
"A admissibilidade da respectiva alteração (referência à matéria de facto) por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depõs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado.
c) Apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas."
Ora, conforme decorre da motivação do recurso e respectivas conclusões, o ataque à decisão da matéria de facto é feito pela via da credibilidade que o Sr. Juiz conferiu ou não conferiu aos diversos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, fazendo a recorrente a sua própria análise crítica da prova para concluir que a facticidade dada como provada nos pontos 3 a 26 devia ter sido considerada não provada, sem efectivamente apontar qualquer crítica definitiva sobre o processo criativo da livre convicção do julgador.
Porém, lida a motivação fáctica da sentença recorrida, impõe-se sublinhar de novo, que não estamos perante uma convicção arbitrária, mas, ao invés, de uma convicção racionalmente objectivada e em que não se detecta qualquer violação ao princípio da livre apreciação da prova contido no artigo 127° do CPP.
Com efeito, a afirmação quanto à existência história dos factos impugnados consubstanciadores dos ilícitos em causa tem plena sustentabilidade na prova que é invocada na motivação fáctica da sentença, conforme, aliás, se constatou através da audição de toda a prova produzida em audiência de julgamento efectuada ao abrigo do disposto no art° 412°, n° 6, do CPP.
Na verdade, a assistente Maria C... que sentiu na pele as agressões e os insultos descreve de forma clara e credível a forma como a arguida Maria F... perpetrou os insultos e a agressão (…) quando estava a abrir o portão, já ela (a recorrente) falou de lado com as mãos a olhar para mim… não estava à espera mesmo… deita-me as mãos aos cabelos e diz anda cá minha puta minha vaca secaste-me tudo agora vais pagá-las”(…) “deita-me as mãos ao cabelo e arrasta-me entre o meu muro e o carro” (…) “ela amarfanha-me a cabeça no chão… tentei por tudo libertar-me”, deitou-me as mãos ao cabelo e nunca mais me deixou o cabelo”.(…) o Sr. Manuel agarrou-me as mãos para trás puxou-me ainda ela estava com os meus cabelos agarrados e puxou-me”.; a mãe da ofendida Maria M... (…) ao chegar (referindo-se à recorrente) à beira do carro, botou as mãos aos cabelos da minha filha e disse sua puta, sua vaca, secaste-me tudo, agora vais pagá-las, sua puta, sua vaca”. e o seu pai João E... (…) vem essa senhora e botou-lhe as mãos ao cabelo, à minha filha… essa Conceição botou a mão aos cabelos, a minha filha foi de bruços e ela conseguiu depois arrastarem-se, uma por cima e outra por baixo, aos tombos… mas ela nunca deixou os cabelos da minha filha.. quer dizer saiu cabelos das mãos, então depois começaram a defenderem-se uma à outra”, e bem assim o seu filho Nuno (…) deitou as mãos ao cabelo da minha mãe”.. “a minha mãe estava a meter a chave quando reparou já estava a meter as mãos”.. “ a minha mãe nunca a viu, botou-lhe as mãos ao cabelo e puxou-a para trás do carro”.. depois aparece uma senhora chamada Carmo mais o marido e essa senhora tirou-nos de lá a mim e á minha avó que estávamos a tentar separar as mãos, e o senhor agarrou os braços à minha mãe e puxou-a enquanto ela ainda estava pelos cabelos agarrados… entretanto a senhora largou os cabelos à minha mãe…”quando foi botar as mãos ao cabelo à minha mãe disse vaca secaste-me tudo agora vais pagá-las” também deram um contributo para o esclarecimento dos factos, ao confirmarem alguns aspectos essenciais dos mesmos, apesar dos laços familiares em causa.
Acrescem os importantes testemunhos de Joaquim Amorim (…) eu estou em cima do telhado… eu tinha lá um funcionário que está aqui, também é testemunha o Sr. Heitor… “vejo a Conceição com a mangueira na mão, mandou-lhe um soco… deitou-lhe a mão”.. “botou-lhe as mãos aos cabelos”, deu-lhe um soco”.. “a Conceição chegou lá e chamou anda minha puta, minha vaca”. e de Heitor Silva (…) eu andava a pintar uma casa… vi a D. Conceição a sair do portão dela e a correr pela estrada acima… quando chegou chegou a D. Clara a sair do carro”… “a D. Conceição chegou à beira da d. Clara deu-lhe um murro e disse anda cá minha grande puta minha vaca… depois botou-lhe as mãos ao cabelo e como aquilo o terreno é um bocado ladeiro caíram as duas, depois não vi quem ficou por baixo ou quem ficou por cima”. que se encontravam a efectuar obras de reparação numa moradia situada a cerca de 50 metros do local onde os factos ocorreram e, por isso puderam assistir aos factos, e também não deixam dúvidas sobre a matéria em discussão ao confirmarem no essencial os insultos e as agressões e o modo como foram cometidas pela arguida.
Daí que este tribunal não tenha encontrado qualquer motivo para divergir do juízo de credibilidade atribuído a tais testemunhos.
De resto, tais testemunhos ganham consistência quando devidamente conjugados com os registos fotográficos de fls.8 a 10, auto de denúncia de fls. 2/3, episódio de urgência de fls.45-46 e em particular do relatório médico-legal de fls 30 a 33, onde constam descritas as seguintes lesões: na face contusão ocular bilateral, no tórax equimose de 2x2 cm na omoplata esquerda, no membro superior direito, escoriação de 3x2 cm na face lateral do cotovelo, equimose de 1x1 cm na face interna no braço, no membro superior esquerdo, sinais de tentativa de mordedura no antebraço e equimose de 2x1 cm na face interna no braço) que são compatíveis, à luz das regras da experiência, com a agressão que foi relatada pelas indicadas testemunhas.
É natural que o relacionamento familiar, o interesse individual na condenação e o intenso desentendimento com a arguida Maria F... em virtude dos conflitos existentes quanto à questão da rega constituam circunstâncias que podem toldar o discernimento dos declarantes Maria M... e João E...(pais da ofendida) e do Miguel (filho da ofendida). Todavia e tanto quanto se pode apreender através do registo de prova, a fidedignidade e a credibilidade da narração, resiste a eventuais dúvidas criadas a partir de um interesse directo na condenação da arguida e da verificação de sentimentos de profunda desavença.
E no que concerne às críticas que a recorrente dirige ao tribunal que têm a ver com as apontadas incongruências, discrepâncias e até mesmo contradições nos vários testemunhos prestados em julgamento (que se revelaram decisivos para sustentar a condenação da recorrente e para absolver os demais arguidos), designadamente quanto ao circunstancialismo e ao modo como se desenrolaram os factos e também quanto às concretas agressões e insultos, importa dizer que são compreensíveis algumas imprecisões ou mesmo discordâncias em aspectos secundários, tendo em conta a natureza dos factos em causa, ocorridos num espaço de tempo de alguns minutos, há cerca de dois anos, a carga psicológica da própria audiência e, mesmo, de alguma dificuldade de raciocínio e de entendimento por quem presta declarações e o depoimento.
De resto, o facto de os aludidos testemunhos não serem completamente coincidentes entre si nada tem de estranho. Se o fossem, é que seria de estranhar. É que não estamos perante um relato de um acontecimento estático, mas, ao invés, de um evento dinâmico. E daqui decorre, como é óbvio, que o desenrolar deste tipo de acontecimentos não pode necessariamente ser captado da mesma maneira, como se de uma fotografia se tratasse, por todos aqueles que o presenciaram.
E não pode porque, por exemplo, nem todas as testemunhas observaram o acontecimento desde o seu início: porque uns focalizam a sua atenção num determinado aspecto do acontecimento (dinâmico), enquanto outras a focalizam noutro, porque as testemunhas não estavam à mesma distância do palco dos acontecimentos, porque eram diferentes os ângulos de visão; porque as testemunhas, quando estavam a presenciar os acontecimentos, não estavam com a preocupação de reterem na memória todos os aspectos que os envolvem, porque os pormenores facilmente são apagados da memória, retendo-se apenas os aspectos relevantes, etc, etc, etc…
Ou seja, é um facto que os testemunhos prestados em julgamento pela ofendida Maria C..., e pelos seus pais e filho não são de todo coincidentes em vários aspectos relacionados com a forma como ocorreram as agressões e os insultos. O mesmo se diga relativamente aos testemunhos do Joaquim Amorim e do Heitor Silva. No entanto uma coisa é certa, todos confirmaram que a arguida/recorrente não só insultou como agrediu a assistente Maria C....
De referir ainda que a recorrente Maria F... sofreu lesões cujo teor consta dos relatórios médicos juntos aos autos, fls. 35, 36 e 46. Todavia se é certo que tais lesões resultam apuradas, nos exactos termos constantes dos citados registos médicos, não é menos certo que não foi produzida prova suficiente que permita concluir terem sido os arguidos Maria C..., Maria M... e João E...os autores das agressões que lhe vinham imputadas na acusação. Também quanto a esta matéria e depois de ouvida a prova gravada nada temos a censurar à decisão impugnada face à forma como apreciou a prova. A fundamentação exibida na sentença está de harmonia com a prova produzida. Dela constam de forma clara as razões pelas quais foram desconsiderados os testemunhos da Maria C... e do seu marido Manuel Barros.

Da violação do princípio in dúbio pró reo:
Na perspectiva da recorrente, o tribunal a quo violou o principio da presunção de inocência e o «in dúbio pró reo» ao dar como provada a matéria de facto constante nos pontos 3 a 26, sem qualquer suporte probatório.
Vejamos:
O princípio de presunção de inocência está consagrado no art°32° n°2 da CRP, que dispõe:
Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa, 3ª Ed. Revista – Coimbra editora, em anotação ao artº 32º, pág. 203., que integra o conteúdo deste princípio, designadamente, a proibição de inversão do ónus de prova em detrimento do arguido. Para estes autores: "O princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa."
O princípio do "in dubio pro reo" funciona, assim, na hipótese da incerteza dos factos que constituem o pressuposto da decisão.
Para que se impusesse ao tribunal a aplicação deste princípio era necessário que perante a prova produzida restasse no espírito do julgador uma dúvida sobre os factos.
Mas não bastaria uma qualquer dúvida. Teria que ser uma dúvida razoável, invencível (a doubt for wich reasons can be given), tanto mais que nunca é possível obter uma certeza absoluta quando estão em causa comportamentos humanos.
A este propósito, escreve o Exmo Conselheiro Carmona da Mota In Ac. do STJ de 4.10.01, Col. Jur. STJ Ano IX, pág. 182.: "a dúvida, que no sistema da íntima convicção era resolvida no foro íntimo do julgador – em regra um tribunal de júri - pretende ver-se agora objectivamente ultrapassada. Dito de outro modo, a certeza necessária para condenar não deve ser uma certeza moral, subjectiva: exige-se-lhe que convença no seu próprio enunciado, que seja – em expressão consagrada – objectivável e motivável (...) Não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido".
Ora, no caso, o Mmºº Juiz não manifestou a existência de qualquer dúvida razoável acerca dos factos provados e quanto aos não provados e muito menos que perante alguma dúvida tenha escolhido a tese desfavorável à arguida Maria F....
Da fundamentação da decisão não se descortina qualquer necessidade de deitar mão a este princípio nem da decisão resulta que o seu não uso seja censurável.
Assim, improcede, também, neste parte, o recurso.

Em conclusão, o tribunal a quo avaliou as provas segundo a sua livre convicção, sem que tivessem sido violadas quaisquer regras da experiência comum ou sido utilizados meios de prova proibidos. E a prova não foi apreciada de forma discricionária, pois, repete-se, a decisão impugnada mostra-se devidamente fundamentada - contém a especificação dos factos provados e não provados, a indicação dos meios de prova produzidos, com especial relevo, para aqueles em que assentou a convicção do tribunal e o seu exame crítico.
Nessa fundamentação, repete-se, o MM° Juiz a quo justifica a sua decisão expondo o raciocínio feito para a ela chegar e os motivos por que privilegiou determinados elementos probatórios em detrimento de outros. Através dessa "explicação" demonstra que ponderou correctamente as provas
Não tem, pois, razão a recorrente quando defende que a prova produzida em julgamento não permite sustentar a prática dos factos delituosos dados como provados.
Acresce que ao contrário do que parece entender a recorrente, o julgador não tem que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe a missão – difícil – de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito. Como aliás, já há muito ensinava o prof. Enriço Altavilla “o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras Psicologia Judiciária, vol. II, 3ª ed. pág. 12.”.
Ou seja, o tribunal não se encontra adstrito a uma desvalorização absoluta dos meios de prova que sustentaram a versão acolhida na decisão impugnada, só pelo facto de terem existido algumas discrepâncias não significativas, nos vários relatos produzidos em julgamento, como acima sublinhámos.
Em conclusão: o que verdadeiramente está em causa nos presentes autos é saber se a arguida proferiu expressões de teor injurioso e com o propósito de ofender a honra e a consideração da ofendida e se praticou as concretas agressões que lhe eram imputas. E tal facticidade como acima salientámos, resultou inequivocamente provada.
Daí que, não se detectando nenhum erro de julgamento ou qualquer um dos vícios prevenidos nas alíneas do nº 2 do artº 410º, do CPP, se tenha por definitivamente estabilizada a matéria de facto provada, a qual permite o juízo subsuntivo operado na decisão impugnada.

Da excessividade da pena:
Não vem questionado o enquadramento penal dos factos.
A recorrente foi condenada em três penas parcelares (60 dias pela prática do crime de injúrias e 150 dias pelo cometimento dos ilícitos de ofensa à integridade física) e numa pena única de 210 dias de multa, resultante do cúmulo jurídico das parcelares.
Não fica claro se impugna as penas parcelares, a única, ou todas – conclui esta parte da motivação ale­gando que “Assim, terá violado a decisão recorrida o disposto nos arts 71º, nºs 1 e 2, al) d) e 77º, todos do CP”.
Vejamos.
Para o crime de ofensa à integridade física, numa moldura de 10 a 360 dias de multa, foram fixados 90 dias de multa. Ou seja, uma pena que se situa sensivelmente ¼ do limite máximo. É uma pena que nenhuma censura merece, dada a inexistência de antecedentes criminais.
Para os crimes de injúria, numa moldura de 10 a 120 dias, foram fixados 70 dias, acima do meio da moldura.
Considerando as circunstâncias agravantes e atenuantes tidas em conta nos dois tipos de ilícitos, justifica-se que estas penas sejam reduzidas para os 30 dias de multa.
E, em cúmulo jurídico das três penas, a pena única de 110 dias de multa.
Quanto à taxa fixada para cada dia de multa, nada há a dizer uma vez que foi fixado o mínimo legal (a cada dia de multa corresponde uma quantia diária entre € 5,00 e € 500,00).
Quanto à taxa fixada para cada dia de multa.
A multa não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas. "É indispensável que a aplicação da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que se não teve a coragem de proferir, impondo-se, pelo contrário, que a aplicação da multa repre­sente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada" – ac. R. C. de 5-4-00, CJ tomo II, pág. 61.
A cada dia de multa corresponde uma quantia diária entre € 5,00 e € 500,00.
Ponderando os referidos critérios, o valor de € 5,00 apenas é aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial ou abaixo dele. Mas, salvo nos casos de situações de miséria, não pode ser fixada em montante tão próximo do limite mínimo que a faça perder a sua eficácia penal.
No caso destes autos, sabe-se apenas que a recorrente aufere o salário de 485 euros, vive em casa própria e tem três filhos a seu cargo de menor de idade.
Assim, não é exagerada uma taxa diária situada no valor pouco acima do mínimo.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em, concedendo provimento parcial ao recurso, fixar em 30 (trinta) dias de multa a pena pela prática de cada um dos crimes de injúria e em 110 (cento e dez) dias de multa a pena única. No mais mantêm a parte decisória da sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/ff947b8a3fda778780257c0000478b5a?OpenDocument

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