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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO PLANO DE RECUPERAÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 10.10.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4183/12.9TBPRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO

Nº do Documento: RP20134183/12.9TBPRD.P1
Data do Acordão: 10-10-2013
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - Com a alteração introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12 ao artigo 30º da LGT, designadamente com o aditamento do seu nº3, deixou de ser legalmente admissível a homologação de plano de revitalização, que não haja sido votado favoravelmente pelo Estado, quando tal plano contemple redução, extinção ou moratória de créditos fiscais.
II - Um plano com esse conteúdo comporta violação de normas legais de natureza imperativa, que se sobrepõem ao complexo normativo do CIRE, devendo por isso a sua homologação ser recusada oficiosamente nos termos do artigo 215º deste último diploma, por força do disposto nos artigos 17º-F, nº5 e 17º-I, nº4.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo nº 4183/12.9TBPRD.P1
Tribunal Judicial de Paredes
1º Juízo Cível

Relatora: Judite Pires
1ª Adjunta: Des. Teresa Santos
2º Adjunto: Des. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. No âmbito do processo especial de revitalização instaurado em 18 de Dezembro de 2012, em que são requerentes B… e C…, residentes na Rua …, nº …, ….-… …, concelho de Paredes, entre outros credores, reclamou a Fazenda Nacional os seus créditos (fiscais), os quais, reconhecidos, constam da lista definitiva de créditos.
Remeteu o Sr. Administrador Judicial Provisório aos autos plano de recuperação que, no que respeita à Fazenda Nacional, propõe o pagamento dos créditos desta em 60 prestações mensais e iguais, com juros vincendos à taxa de 4% ao ano, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença que venha a homologá-lo, oferecendo-se como “garantia hipotecária (2ª) o prédio constante da verba 1”.
Apesar da Fazenda Nacional ter votado desfavoravelmente esse plano de revitalização, o mesmo foi homologado por decisão judicial datada de 14.05.2013.
2. Discordando dessa decisão que homologou o plano de recuperação apresentado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, o Ministério veio interpor recurso de apelação para esta Relação, findando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1.º Foi declarado aberto o presente processo de revitalização de B… e C….
2º Os créditos da Fazenda Nacional foram reclamados e reconhecidos, constando da lista definitiva de créditos.
3º Pelo Senhor Administrador Judicial Provisório foi remetido ao Tribunal o plano de recuperação que prevê no que à Fazenda Nacional diz respeito o pagamento dos seus créditos em 60 prestações mensais e iguais com juros vincendos à taxa de 4% ao ano, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória, oferecendo-se como garantia hipotecária (2ª) o prédio constante da verba 1.
4º A Fazenda Nacional tinha votado desfavoravelmente esse plano de recuperação que veio a ser homologado pelo Tribunal a “quo”.
5º Quanto aos créditos do Estado vigora o princípio da indisponibilidade, não podendo o Estado aderir a medidas e planos que impliquem uma redução dos créditos fiscais, apenas lhe sendo possível aceitar moratórias no pagamento nos termos da lei, de acordo com esta e dentro dos seus limites.
6º É a lei que define as formas de pagamento, eventuais alterações, reduções ou mesmo extinção parcial da obrigação contributiva.
7º Não é permitido que uma maioria, em sede de acordo de recuperação, consiga moratórias e benefícios não previstos na lei.
8º Tal a acontecer, constitui violação dos princípios da igualdade e da legalidade.
9º O plano de recuperação homologado não está de acordo com as normas que regem as dívidas fiscais, nomeadamente, os artigos 196º do C.P.P.T (pagamento em prestações) que não permite o pagamento para além de 36 prestações.
10º O plano aprovado (no que ao caso importa com os votos contra da Fazenda Nacional) comporta não só a redução dos juros da Fazenda Nacional, como o pagamento de tais créditos em prestações em termos que a administração (em obediência à lei) não pode conceder, nos termos do disposto nos art.s 61º e 196º n.s 1 e 5 do C.P.P.T., além de não precaver a constituição de garantia idónea, em contrário do disposto no art.º 199º do C.P.P.T.
11º Tal plano deveria ter sido oficiosamente recusado, nos termos do disposto no art.º 215º (por remissão do artigo 17.º-I nº4) do CIRE.
12. A homologação do plano produz resultados não permitidos por lei (como sejam a moratória, perdão de juros, falta de constituição de garantia idónea) dado que essas alterações teriam de ser feitas nos precisos termos em que a lei o permite e, com a anuência do órgão de execução fiscal competente, pelo que foi violado o disposto no art.º 192, nº2 do C.I.R.E. (por remissão do art.º 17º-F, nº5).
13º A decisão que o homologou violou o disposto nos art.s 215º, 192º, nº2 (por remissão do artigo 17º-I nº4 do C.I.R.E., artigo 30º nº2 e 3º da L.G.T., artigos 60º, nº 1, 196º, 198º, nº2 e 199º do C.P.P.T., Aviso 17289 de 2012, publicado no Diário da República de 28/12/2012 e art.º 125º da Lei 55-A/2010, de 31/12.
(…)
Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências não deixarão de, proficientemente, suprir, deve o presente recurso de apelação ser provido, e, em consequência, ser revogada a decisão proferida, por outra que recuse a homologação do plano de recuperação conducente à revitalização dos devedores”.
Não foram apresentadas as contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
2. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se o plano de recuperação podia legalmente ser homologado.

III. FUNDAMENTOS DE FACTO
A factualidade e incidências processuais relevantes ao conhecimento do objecto do recurso são, além dos descritos no antecedente relatório, os seguintes:
1.O Ministério Público reclamou os seguintes créditos que, reconhecidos pelo Administrador Judicial Provisório, integram a lista por este elaborada nos termos do artigo 17º-D, nº 4 do CIRE, com a redacção introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril:
a) Crédito (privilegiado) no valor global de € 13.930,61 (capital: € 13.278,15; juros: € 652,46), de IVA (€ 12.419,82) e IMI (€858,33);
b) Crédito (comum) no valor total de € 7.598,14 (capital: € 7.302,30; juros: € 295,849), de coimas e custas.
2. Consta do plano de revitalização apresentado pelo Administrador Judicial Provisório, entre o mais e no que se refere aos créditos das finanças, o seguinte:
- “Os créditos das Finanças serão pagos em 60 prestações mensais e iguais com juros vincendos à taxa de 4% ao ano, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória” – ponto 1.
- “Às Finanças e ISS oferece-se como garantia hipotecária (2ª) o prédio constante da verba nº1” – ponto 4.
3. Votaram o plano 83,5% dos credores constantes da lista definitiva, tendo votado a favor do mesmo 80,2% e contra 3,3%.
4. Em 11.03.2013, data anterior à votação do plano de revitalização, o Ministério formulou o requerimento de fls. 199, nele constando que “…em representação da Fazenda Nacional, vem por este meio juntar aos autos a posição da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários no eventual acordo, que é aquela assumida por escrito no ofício que junta, e para o qual se remete”.
5. A acompanhar tal requerimento juntou um ofício Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, remetido por fax em 11.03.2003 ao Magistrado do Ministério Público junto do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes, e referente ao presente processo de revitalização, do qual consta designadamente:
“Assim e em observância daqueles normativos legais [nºs 2 e 3 do artigo 30º e nº3 do artigo 36ºda LGT e artigos 196º e 199º do CPPT], especificam-se as condições, cumulativas, de participação do credor Fazenda Nacional em eventual acordo a celebrar, ou sejam:
● Pagamento em regime prestacional, nos termos do art.º 196 do CPPT, designadamente, o disposto na parte final do seu nº 5, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao términus do prazo previsto no nº5 do artigo 17º-D do CIRE;
● A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99, de 16/03, face à renúncia dos demais credores;
● Não haverá lugar a redução de coimas e custas;
● Constituição de garantias idóneas – hipoteca voluntária e/ou garantia bancária – e suficiente nos termos do disposto no art.º 199º do CPPT, a prestar pela devedora ou por terceiro, junto do órgão de execução fiscal, as quais são aferidas nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 197º e nº 9 do artigo 199º do CPPT, dentro do mês seguinte ao términus do prazo previsto no nº5 do artigo 17º-D do Cire (…)”.
6. O plano de recuperação foi judicialmente homologado por decisão de 14.05.2013.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A Lei nº 16/2012, de 20/4 veio aditar um Capítulo II ao Título I do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/03 e alterado pelo Decreto-Lei nº 200/2004, de 18 de Agosto, no qual, aglutinados nos artigos 17º-A a 17º-I, prevê e disciplina o designado “Processo Especial de Revitalização”.
A sua origem emana do programa “Revitalizar”, criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3 de Fevereiro, propondo-se constituir solução no âmbito da reestruturação empresarial, permitindo a revitalização de empresas que se achem em situação económica difícil, mas ainda com viabilidade.
De acordo com o nº1 do primeiro daqueles apontados preceitos, “o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.
Pode a ele recorrer qualquer devedor que “…por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação” – nº2 do mencionado normativo.
Como a própria designação aponta, o processo especial de revitalização consiste num instrumento processual, de índole marcadamente extrajudicial e negocial, criado num contexto económico reconhecidamente problemático, para ser colocado à disposição de todos aqueles que se confrontem com uma situação económica difícil ou na iminência de situação de insolvência, mas ainda passível de recuperação, visando, com a interacção dos seus credores, uma solução negocial que, evitando a concretização da situação efectiva de insolvência do devedor, consiga promover a sua reabilitação.
Após reclamação dos créditos pelos credores, na falta de impugnação e reconhecidos os mesmos, é elaborada pelo Administrador Judicial Provisório lista definitiva dos créditos reclamados, fazendo dela constar o valor de cada crédito (capital e juros) e respectiva natureza, identificando, naturalmente, os titulares dos mesmos.
Findo o prazo para impugnações, haverão de prosseguir as negociações já encetadas, que devem estar concluídas no prazo de dois meses, apenas se admitindo prorrogação por uma vez e por um mês, estando essa prorrogação, todavia, condicionada a prévio acordo escrito entre o administrador judicial provisório e o devedor.
No termo das negociações é elaborado pelo administrador judicial provisório plano de revitalização, o qual é submetido à votação dos credores.
Em caso de aprovação unânime em acto em que intervenham todos os credores, “…este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos”.
Não se verificando essa unanimidade, mas tendo o plano sido aprovado[1], o devedor remete o mesmo a tribunal, sendo o mesmo submetido à apreciação do juiz, que o homologará ou recusará essa homologação.
Após esta breve incursão ao ritualismo do processo especial de revitalização, importa, tendo, no caso aqui em discussão, sido alcançado acordo quanto ao plano de recuperação, que foi aprovado, mas sem unanimidade, deter-nos no momento em que ele é sujeito a sindicância judicial.
A decisão sobre a homologação ou a recusa da mesma constitui neste especial procedimento a principal manifestação da actuação jurisdicional.
Segundo o nº5 do artigo 17º-F do CIRE, “O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação (…) aplicando, com as necessárias, adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º.”
Determina, por sua vez, o artigo 215º, nº 1 do mesmo diploma legal, em conformidade com o citado dispositivo, que “o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano [de recuperação] aprovado [pelos credores] no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza…”.
No caso em discussão, o plano de recuperação, aprovado pela maioria dos credores, mas sem voto favorável do representante da Fazenda Nacional, foi submetido à apreciação do juiz do processo, que se decidiu pela sua homologação.
É contra essa decisão que se insurge, através da via recursiva que acciona, o Ministério Público, defendendo que ao invés da sua homologação, deveria a senhora juiz ter oficiosamente recusado tal homologação, por, no seu entender, o plano aprovado, comportando redução dos juros, permitindo o pagamento do crédito da Fazenda Nacional em prestações, e não acautelando a constituição de uma garantia idónea, contrariar normas imperativas consignadas na Lei Geral Tributária (L.G.T.), nomeadamente, o seu artigo 30º, nº2 e 3, Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), designadamente, os seus artigos 60º, nº1, 196º, 198º, nº2 e 199º.
Vejamos, pois, se o plano aprovado pela maioria dos credores e judicialmente homologado ofende alguma norma de direito tributário que, de forma imperativa, imponha solução contrária a algum do seu conteúdo.
Recorde-se que antes da aprovação da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 alinhava a jurisprudência[2], de forma concordante, no entendimento de que não constituía obstáculo à homologação do plano de insolvência o facto dele prever uma redução, ou mesmo perdão, de dívidas ao Estado, de natureza fiscal, ou o seu pagamento fraccionado, ainda que sem assentimento da administração fiscal.
Tal orientação sustentava-se no entendimento, quase pacífico, de que o âmbito de aplicação dos artigos 30º, nº2 e 36º, nº3 da LGT, e artigo 85º do CPPT se restringia às relações tributárias, em sentido próprio, ficando o processo (especial) de insolvência fora do alcance das referidas normas. E tendo em conta o regime específico previsto nos artigos 192º, 194º e 196º do CIRE para o plano de insolvência, e o princípio da especialidade das normas do CIRE em relação aos regimes normativos reguladores das dívidas fiscais e parafiscais, sustentava-se não haver fundamento para recusar a homologação do plano de insolvência aprovado ainda que com voto desfavorável do Estado enquanto credor.
Entretanto, a Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2011, aditou, no seu artigo 123º, um nº3 ao artigo 30º da LGT (Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17/12, e subsequentes alterações), com entrada em vigor em 01/01/2011[3], com a seguinte redacção: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.
Especificou expressamente o artigo 125º da referida Lei que: “o disposto no nº 3 do artº 30º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontram pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstas no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos”.
Enquanto isso, o nº2 do artigo 30º da LGT estabelece: “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
Com o aditamento do nº3 ao artigo 30º da LGT, pretendeu o legislador, de forma expressa, arredar, quanto aos créditos tributários, qualquer possibilidade de acordo quanto à sua redução, ou moratória, ainda que as mesmas possam estar previstas ou serem consentidas por outros diplomas, incluindo o CIRE.
Ou seja, o novel nº3 do artigo 30º da LGT, consagrando o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, constitui afirmação clara do primado do complexo normativo tributário sobre a demais legislação, ainda que natureza especial, sobrepondo-se a esta em situação de colisão de interesses.
Da sua natureza imperativa decorre a vinculação dos tribunais ao comando nele contido, como se faz notar no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.05.2012[4], ao afirmar que “…é por demais evidente que não podem os Tribunais deixar de cumprir este comando legal, posto que nos termos do artº 3º da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) incumbe-lhes assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, sendo certo que, nos termos do artº 8º/2 do Código Civil o tribunal está vinculado ao dever de obediência à lei, não podendo tal dever ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”[5]. Como salienta o mesmo acórdão, “a opção legislativa assim tomada pelo legislador - o poder legislativo do Estado é indivisível e só assume as preferências valorativas que expressa, formal e legalmente consigna - tem em vista o plano financeiro estratégico que no orçamento prevê para o ano de 2011; e neste político circunstancialismo não tem o Julgador que se imiscuir”.
Assente a natureza imperativa que deriva do referido nº3 do artigo 30º da LGT para procedimentos de natureza especial como os regulados pelo CIRE, designadamente, plano de insolvência e plano de revitalização, importa, revertendo ao caso concreto, indagar se o plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores, mas sem o voto favorável da Fazenda Nacional, contraria por alguma forma preceitos de natureza tributária cuja primazia, no contexto do restante ordenamento jurídico, seja assegurada pelo nº3 do artigo 30º da LGT.
Para tanto haverá que atentar no regime fixado no artigo 36º do mesmo diploma legal, que procede à regulamentação da constituição e alteração da relação tributária, especificando o seu nº 1 que “a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário”, decorrendo dos nºs 2 e 3 do mesmo normativo que “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes”, sendo vedado à administração tributária “…conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”.
Por sua vez, o artigo 85º do CPPT estabelece, nos seus nºs 1 e 3, que os prazos de pagamento dos tributos são os regulados nas leis tributárias, constituindo a concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, fundamento de responsabilidade tributária.
O pagamento da dívida fiscal ou parafiscal em prestações, traduzindo-se em concessão de moratória, constitui regime de excepção, só permitido nos casos autorizados por lei[6].
O artigo 196º do mesmo diploma, na redacção conferida pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, define os termos e as condições a que o pagamento fraccionado das dívidas tributárias se acha sujeito, dispondo o seu nº6 que, quando no âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto, se demonstre a indispensabilidade da medida e, ainda, quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, acrescentando, todavia, o nº7 do mesmo normativo que “a importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação”.
Finalmente, também com relevo para a situação em debate, importa ter em conta o regime fixado pelo nº1 do artigo 199º do referido CPPT: “Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente“, podendo ainda a garantia idónea consistir, de acordo com o nº2 do mesmo dispositivo, “(…) em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações (Redacção da Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro), a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária”.
Do que fica dito, pode desde já concluir-se:
- O crédito tributário tem natureza indisponível, só podendo extinguir-se ou mesmo reduzir-se num quadro de respeito pelos princípios de igualdade e legalidade tributária, o que equivale a dizer que qualquer operação que redunde em extinção ou redução desse crédito só será admissível quando expressamente consentida por norma específica expressa, exigindo-se que o seu processamento obedeça igualmente às regras específicas fixadas para esse fim;
- As disposições legais tributárias, designadamente as atrás convocadas, têm natureza pública e imperativa, não podendo ser afastadas pelo recurso a ouros mecanismos legais, nem pela vontade das partes, não sendo suficiente um resultado consensual alargado (obtido por meio de votação que alcance uma maioria qualificada) para as derrogar;
- O juiz, enquanto aplicador da lei, deve decidir em conformidade com a mesma, zelando ainda para que seja cumprida.
Quer isto dizer, e indo directamente à questão colocada no presente recurso, que o julgador ao emitir decisão sobre a homologação ou não do plano de revitalização sujeito à sua apreciação deve ajuizar se ele se conforma ou não com as normas tributárias de cariz imperativo, designadamente aquelas a que vem fazendo referência.
No caso em apreço, o plano de recuperação aprovado prevê o pagamento em prestações do crédito tributário sem que essa modalidade de pagamento tivesse sido accionada e autorizada nos termos que antes se deixaram assinalados, sendo que o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, não concedeu voto favorável a esse plano.
Ademais, o plano em causa implica uma redução do crédito tributário, no que concerne aos juros moratórios/indemnizatórios.
Como prevêem as alíneas d) e e) do nº1 do artigo 30º da LGT, a relação tributária integra o direito a juros compensatórios e o direito a juros indemnizatórios.
Ora, aos juros vincendos fixados no plano de recuperação para o crédito tributário da Fazenda Nacional, sem o voto favorável desta, repete-se, não pode ser imputada natureza de juros compensatórios e, a enquadrá-los como moratórios, – pelo alargamento do prazo para cumprimento integral do crédito tributário consentido com o pagamento em prestações – a taxa de 4% ao ano[7] fixada para os mesmos é indiscutivelmente de valor inferior à taxa legalmente fixada para os juros moratórios para aquele crédito da Fazenda Nacional[8].
Tem, deste modo, razão o recorrente quando nas suas conclusões recursivas sustenta que o plano aprovado, e que foi objecto da impugnada homologação judicial, comporta redução de juros relativamente ao crédito da Fazenda Nacional, como admite o pagamento do crédito tributário em prestações em termos não autorizados pela administração fiscal e também não consentidos pelas normas tributárias.
Igual razão lhe assiste ao afirmar que o plano não acautela, em relação aos créditos da Fazenda Nacional, a constituição de uma garantia idónea, não respeitando a imposição para o efeito fixada nos nºs 1 e 2 do artigo 199º do CPPT.
Contendo o plano de recuperação medidas cuja aplicabilidade implique violação de normas tributárias de natureza imperativa, que devem sobrepor-se a quaisquer outras normas, ainda que de direito especial, e ao próprio acordo das partes, deve esse plano ser rejeitado na sua totalidade, pela recusa de homologação, independentemente do facto de tal violação apenas incidir sobre créditos fiscais ou parafiscais[9].
No caso aqui em debate, violando o plano de recuperação as nomas fiscais assinaladas, não tendo tido a aprovação do Ministério Público enquanto representante da Fazenda Nacional, deveria ter sido recusada a sua homologação, nos termos do disposto no artigo 215º do CIRE, aplicável ex vi do artigo 17º- I, nº4 do mesmo diploma.
Procedem as conclusões de recurso, com a consequência da revogação da decisão recorrida e sua substituição por decisão que recusa a homologação do plano de recuperação.
*
Síntese conclusiva:
- Com a alteração introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12 ao artigo 30º da LGT, designadamente com o aditamento do seu nº3, deixou de ser legalmente admissível a homologação de plano de revitalização, que não haja sido votado favoravelmente pelo Estado, quando tal plano contemple redução, extinção ou moratória de créditos fiscais.
- Um plano com esse conteúdo comporta violação de normas legais de natureza imperativa, que se sobrepõem ao complexo normativo do CIRE, devendo por isso a sua homologação ser recusada oficiosamente nos termos do artigo 215º deste último diploma, por força do disposto nos artigos 17º-F, nº5 e 17º-I, nº4.
*
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a decisão que homologou o plano de recuperação, recusando-se a sua homologação.
Custas pelos apelados.

Porto, 10 de Outubro de 2013
Judite Lima de Oliveira Pires
Teresa Santos
Aristides Manuel da silva Rodrigues de Almeida (voto a decisão)
__________________
[1] “Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º -D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida” – artigo 17º-F, nº3 do CIRE.
[2] Entre muitos outros, cfr. acórdãos do STJ de 04.06.2009 (processo nº 464/07.1TBSJM-L.S1) e de 02.03.2010 (processo nº 4554/08.5TBLRA-F.C1.S1), ambos em www.dgsi.pt.
[3] Artigo 187º da mencionada Lei nº 55-A/2010.
[4] Processo nº 368/10.0TBPVL-D.G1.S1, www.dgsi.pt.
[5] Cfr., em sentido idêntico, os acórdãos do STJ de 15.12.2011 (processo nº 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1) e de 14.06.2012 (processo nº 506/10.3TBPNF-E.P1.S1), ambos em www.dgsi.pt.
[6] O artigo 42º, nº1 da LGT admite que o contribuinte possa requerer o pagamento em prestações da dívida tributária quando não tenha possibilidades de efectuar o pagamento integral, e de uma só vez, dessa dívida, e o artigo 86º do CPPT prevê a possibilidade do pagamento da mesma ser requerido antes de instauração da execução fiscal.
[7] Correspondente à taxa dos juros civis.
[8] 6,112% ao ano, de acordo com os nºs 1 e 2 do artigo 44º da LGT e Aviso nº 17.289/2012, publicado no D.R., 2ª série, de 28 de Dezembro de 2012.
[9] No sentido de não dever ser homologado o plano de recuperação, ou o plano de insolvência, quando estejam em causa créditos da Fazenda Nacional, esta não lhe dê o seu acordo e o mesmo comporte violação de normas tributárias de aplicação imperativa, além dos antes citados acórdãos do STJ, cfr. ainda acórdãos da Relação do Porto de 10.07.2013, processo nº 257/12.4TBMCD.P1, de 13.06.2013, processo nº 349/12.0TBVCD-D.P1, de 17.06.2013, processo nº 2836/12.0TJVNF.P1, de 28.06.2013, processo nº 4944/12.9TBSTS-A.P1; da Relação de Lisboa de 15.11.2012, processo nº 86/11.1TYLSB-G-L1-6; da Relação de Coimbra de 25.06.2013, processo nº 1802/11.8TBPBL-D.C1, de 28.05.2013, processo nº 249/12.3TBGRD-J.C1, de 11.12.2012, processo nº 58/12.0TBMGD.C1, de 17.11.2012, subscrito, enquanto adjunta, pela ora relatora, processo nº 1577/10.8TBPBL-F.C1; da Relação de Guimarães, de 13.06.2012, processo nº 5590/12.TBBRG-C.G1, de 02.05.2013, processo nº 3732/12.7TBBRG-H.G1, entre outros, todos em www.dgsi.pt.
______________
Voto a decisão.
No tocante às condições em que, no âmbito de um processo de insolvência ou de revitalização, os créditos tributários podem ser objecto de modificação, redução ou fixação de um novo regime de pagamento, continuo a defender os argumentos que enquanto relator expus no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 12 de Setembro de 2013, publicado in htp://www.dgsi.pt/jtrp.nsf, motivo pelo qual, com todo o devido respeito pela opinião contrária e pelos argumentos pertinentes que a sustentam, divirjo essencialmente da fundamentação da presente decisão.
Todavia, mesmo observando a fundamentação que ali expusemos, no caso sempre teríamos de concluir que o plano de pagamento dos créditos fiscais concretamente aprovado viola o disposto no artigo 196.º do CPPT, no que concerne ao número e valor das prestações, pelo que se impunha recusar a respectiva homologação por violação do princípio da legalidade tributária.

Aristides Manuel da silva Rodrigues de Almeida
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/b48a674a863689fe80257c0d00471e7e?OpenDocument

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