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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA VINCULAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA - 06/09/2011


Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4537/04.4TVPRT-A.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
CONFISSÃO DE DÍVIDA
INTERPRETAÇÃO DE DOCUMENTO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PROVA TESTEMUNHAL
SOCIEDADE ANÓNIMA
VINCULAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA
ADMINISTRADOR

Data do Acordão: 06-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACCÃO EXECUTIVA
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES ANÓNIMAS
Doutrina: - Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12.ª edição, 2010, págs. 39 a 43; Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, 2006, págs. 244/245.
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume I, 1981, págs. 64-70.
- António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 4.ª edição, 2006, págs. 232 a 235.
- Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, págs. 223, 342, 343.
- Calvão da Silva, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 129, n.º 3873, 1997, pág. 361 (Anotação ao Acórdão do STJ, de 04-06-1996).
- Carolina Cunha, Vinculação Cambiária de Sociedades: Algumas Questões, in Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, Volume I, 2008, pág. 367, 369.
- Galvão Telles, sustenta, aliás – cf. Direito das Obrigações, 7.ª edição, 1997, pág. 230.
- Gonçalves Sampaio – A Prova Por Documentos Particulares, na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, 2.ª edição actualizada e ampliada, 2004, págs. 81, 110, 115.
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código revisto, 1997, 2.ª edição, págs. 49 a 54.
- Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, 1996, II, págs. 344 e seguintes.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, págs. 47/48.
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades – Das Sociedades em especial, II Volume, 2.ª edição, 2007, págs. 783 a 792.
- Mota Pinto, Colectânea de Jurisprudência, Ano X, 1985, Tomo 3, pág. 13.
- Nogueira Serens, Notas Sobre a Sociedade Anónima, 1995, págs. 77 a 80.
- Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 3.ª edição, 2007, págs. 666/667 e 713 a 717.
- Raul Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais – Sociedade por quotas, Volume III, 1991, págs. 157 a 177.
- Remédio Marques, Curso de Processo Executivo à face do Código revisto, 2000, págs. 70 a 74.
- Vaz Serra, Vaz Serra, Provas (Direito probatório material), BMJ n.º 111, Dezembro de 1961, pág. 155; BMJ n.º 112, pág. 199; Revista de Legislação e Jurisprudência, 104.º, pág. 63.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 220.º, 237.º, 238.º, 364.º, N.º 2, 373.º, N.º 1, 374.º, N.º 1, 376.º, 392.º, 393.º, 394.º, 767.º, N.º1.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 171.º, N.º1, 260.º, N.º 4, 278.º, N.º 1, AL. A), 390.º, N.º 2, 407.º, 408.º NºS 1 E 2, 409.º, NºS 1 E 4.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 46.º, AL. C), 655.º, N.º 1, 664.º, 721.º, 722.º, 729.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 06-02-2007, PROCESSO N.º 06A4240;
-DE 16-04-2009, PROCESSO N.º 08B2346;
-DE 04-11-2010, PROCESSO N.º 2916/05.9TBVCD.P1.S1;
-DE 03-02-2011, PROCESSO N.º 6041/05.4TVLSB.L1.S1;
-DE 14-06-2011, PROCESSO N.º 3222/05.4TBVCT, TODOS NO ITIJ.
-DE 31-03-2011, PROCESSO N.º 4004/03.3TJVNF.P1.S1, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/2002, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE, N.º 20, DE 24-01-2002.

Sumário :

I - Para proceder à interpretação de um documento particular, é permitido o recurso a prova extrínseca ao documento, designadamente à prova testemunhal.

II - No que tange à vinculação da sociedade, o regime estabelecido no art. 409.º, n.º 4, para as sociedades anónimas, não é substancialmente diferente do estabelecido no art. 260.º, n.º 4, ambos do CSC, para as sociedades por quotas: as sociedades ficam vinculadas com a assinatura do representante, com indicação dessa qualidade.

III - O objectivo das normas indicadas – arts. 260.º, n.º 4, e 409.º, n.º 4, do CSC – é o de conseguir uma distinção clara entre os actos escritos que vinculem as pessoas a título individual e aqueles que vinculem a sociedade em nome de quem porventura essas pessoas intervenham, permitindo destrinçar as esferas jurídicas dos sujeitos em que os efeitos jurídicos dos actos praticados se vão repercutir.

IV - Sempre que a intervenção da pessoa em concreto permita percepcionar, com segurança bastante, que o acto praticado é da sociedade, e não da pessoa singular, esse acto efectivamente repercutir-se-á naquela, vinculando-a, não exigindo a lei um procedimento estandardizado para se concluir por essa vinculação, a qual, aliás, se pode inferir tacitamente.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO

AA veio deduzir oposição à acção executiva para pagamento de quantia certa que BB e CC lhe movem para dele obter o pagamento da quantia de 183 603,59€ (cento e oitenta e três mil seiscentos e três euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros legais vincendos.

Invoca, em síntese, que é parte ilegítima e que nada deve aos exequentes, porquanto subscreveu o documento dado à execução na qualidade de administrador da sociedade Petrocávado – Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A., e não em nome pessoal.

Alegou ainda que o documento exequendo não é um título executivo, pois apesar de erradamente estar designado de Confissão de Dívida, não se destinou a reconhecer qualquer dívida da Petrocávado, sendo apenas uma declaração acessória de um cheque emitido que se destinava ao pagamento, pela Petrocávado, da última prestação do preço da cessão de quotas das sociedades SICL, Competro, e Pacsol. O diferimento do pagamento de parte do preço destinava-se a salvaguardar a possibilidade de vir a ser descoberto algum passivo ou serem exigidas obrigações fiscais não previstas na altura da celebração do contrato. Como este condicionalismo se verificou foi cancelado o cheque, correndo entretanto termos uma execução em que figurou como título executivo, e em que o opoente deduziu oposição que veio a ser julgada procedente. Nesse processo a própria embargada reconheceu que o documento aqui dado em execução mais não é do que uma declaração complementar ao cheque e explicativa da sua emissão.

Os exequentes contestaram, impugnando as razões aduzidas pelo opoente, sustentando a existência da dívida a que se refere o título executivo.

Saneado e instruído o processo, efectuou-se julgamento após o que foi proferida sentença na qual se decidiu:

“Pelo exposto, considero a oposição procedente por ilegitimidade processual passiva do opoente e julgo extinta a execução.

Custas pelos exequentes”.

Irresignados, os exequentes apelaram da sentença, tendo a Relação do Porto, por razões não totalmente coincidentes, confirmado a decisão da 1.ª Instância.

Mantendo-se inconformados, os exequentes interpõem, agora, recurso de revista, para este Supremo Tribunal, concluindo, assim, as suas alegações:

“1. A decisão recorrida não pode manter-se, porque fez uma errada aplicação e interpretação do direito aos factos dos autos.

2. Com efeito, os factos provados pelos documentos juntos aos autos demonstram, de forma inequívoca, que o executado é devedor da quantia constante do título dado à execução, pelo que a sua oposição deveria ter sido julgada improcedente.

3. A decisão recorrida, tal como a decisão de primeira instância, viola a lei em duas vertentes: por um lado, viola lei substantiva no que concerne às regras de interpretação da declaração negocial; por outro lado, viola as regras que, de forma imperativa, ordenam a produção dos diversos meios de prova, sua admissibilidade e/ou valoração.

4. Recorrendo aos critérios legais de interpretação, previstos nos artigos 236° e 238° do Código Civil, temos que concluir que o executado se confessou devedor em nome pessoal, uma vez que emitiu e assinou um cheque da sua conta pessoal para titular a dívida constante do título executivo.

5. O comportamento do declarante, em especial o facto de na mesma data em que assinou a confissão de dívida, ter emitido e entregue um cheque da sua conta pessoal para titular essa dívida, reforça que o mesmo se confessou devedor, em nome pessoal, impondo-se que nos termos do artigo 236° do Código Civil se interprete tal documento nesse sentido.

6. O teor do cheque junto a fls. 29 do Apenso A, deveria ter sido dado como integralmente reproduzido, o que ora se impõe.

7. Com efeito, no texto da confissão de dívida consta que para titular essa dívida o executado entregaria aos Exequentes um cheque do mesmo valor, cheque esse que foi identificado através do número, Banco e balcão.

8. A cópia desse cheque, não impugnada, foi junta aos autos e permite concluir que o cheque foi sacado de conta pessoal do executado.

9. Pelo que o Acórdão recorrido deveria ter alterado a matéria de facto constante das alíneas A., B e C. dos factos provados.

10. Não o tendo feito, impõe-se que este Tribunal reconsidere essa decisão, nos termos do artigo 722° do CPC, porque se trata de matéria de direito uma vez que o Tribunal a quo violou os artigos 236° e 238° do Código Civil.

11. Deve, nestes termos, alterar-se a redacção das alíneas A e C dos Factos provados devendo considerar-se provado apenas o seguinte:

- O executado assinou o documento dado em execução, nos termos e com o conteúdo constante a fls. 17 da execução apensa.

- dar-se como reproduzido o teor do cheque de fls.

- A quantia titulada por este cheque destinava-se ao pagamento da última prestação do preço da cessão das quotas das sociedades Sicl - Sociedade de Investimento Combustíveis e Lubrificantes, Lda., e Pacsol- Posto de Abastecimento de Combustíveis de Soalhães, Lda.

12. Isto posto, embora conste do texto da confissão de dívida que o executado outorgou esse documento na qualidade de administrador da sociedade Petrocávado, resulta provado através desse mesmo documento que nessa mesma data o mesmo emitiu, assinou e entregou aos Exequentes um cheque para titular essa dívida.

13. Ora, complementado o teor do título executivo dos autos com o teor do cheque junto aos autos, é pacífico que o executado se confessou devedor dessa quantia em nome pessoal, assumindo pessoalmente a dívida da sociedade que representava.

14. Se assim não fosse, o cheque emitido para titular a dívida teria sido sacado de uma conta da sociedade e não de uma conta pessoal da titularidade do executado.

15. Nesta conformidade, os factos dos autos provados (por documentos com força probatória plena) implicam decidir que o Executado assumiu pessoalmente a dívida da sociedade Petrocávado que representava. E, embora estivesse previsto na promessa celebrada em Novembro que seria esta sociedade a pagar o preço em falta e a assinar um cheque e uma confissão de dívida, verificou-se que, afinal, em 9 de Janeiro, foi o executado que assinou a confissão de dívida e emitiu o cheque que titulava essa dívida - vide documentos juntos a fls. 17 da execução apensa e 29 do Volume I da Oposição.

16. Tais factos permitem concluir sem margem para dúvida que o executado assumiu a dívida nos termos do disposto na alínea b) do artigo 585° do Código Civil, norma que por não ter sido aplicada pelo tribunal recorrido foi violada tacitamente.

17. Acresce que a assinatura constante da confissão de dívida é a assinatura do executado, que não assinou sobre carimbo da sociedade, nem fez menção da sua qualidade de administrador.

18. Ora, é sabido que face do disposto nos artigos 260° n°4, 409° n°3, 474° e 478° do CSC, os gerentes, administradores ou directores de sociedades comerciais devem assinar sempre com a sua própria assinatura (correspondente ao seu nome civil) e indicar a sua qualidade, nomeadamente referindo a expressão da firma e a palavra gerente ou administrador ou director, respectivamente escrita à mão ou mecanicamente (v.g. por carimbo).

19. Sucede que, ao lado da assinatura do executado aposta na confissão de dívida, não consta a firma da sociedade, nem a palavra administrador, pelo que o Acórdão recorrido interpretou de forma incorrecta o disposto no artigo 409° do CSC que, assim, foi violado.

20. Acresce que, a confissão de dívida dos autos integra título executivo válido, nos termos da alínea c) do artigo 46° do CPC, pelo que não tendo sido declarada nula ou anulada a confissão de dívida ou invocado qualquer vício formal que lhe retirasse o seu efeito de título executivo válido, nunca poderia a oposição proceder.

21. Alterada assim em conformidade a matéria de facto das alíneas A, B e C dos factos provados, teremos forçosamente de concluir: que o título dado à execução consubstancia uma declaração/confissão de dívida assumida pessoalmente pelo executado perante os Exequentes, dívida essa certa, exequível e com vencimento determinado - trata-se pois inequivocamente de título executivo válido contra o executado (artigo 46° do CPC); que o executado, porque assumiu tal dívida, a título pessoal perante os Exequentes, deve a estes a quantia exequenda; de tudo resultando que a oposição tem de ser julgada improcedente.

22.[1] Em suma, impõe-se a revogação do Acórdão recorrido uma vez que violou os artigos 236°, 238°, 376°, 394°, 585° do C.C., 409° do C.S.C, e os artigos 55° e 814° do CPC.

Não foram oferecidas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil[2] - CPC daqui por diante) – consubstanciam as seguintes questões:

a) Admissibilidade (ou não) da produção de prova testemunhal para prova dos factos indicados nas alíneas A) e C);

b) Interpretação da declaração negocial constante do título executivo;

c) Vinculação da sociedade com a assinatura do administrador.

II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Vêm dados como provados, pelas instâncias, os seguintes factos:

1) O executado assinou o documento dado em execução, nos termos e com o conteúdo constante a fls. 17 da execução apensa, enquanto representante legal da sociedade Petrocávado - Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A. (A).

2) Como consta do referido documento, para titular o pagamento dos € 174.579,26 foi entregue aos exequentes o cheque daquela importância sacado sobre o Finibanco, com o n.° 0000000000, datado de 30 de Abril de 2002 (B).

3) A quantia titulada por este cheque destinava-se ao pagamento pela Petrocávado da última prestação do preço da cessão das quotas das sociedades Sicl - Sociedade de Investimento Combustíveis e Lubrificantes, Lda., Competro Comércio de Petróleos, Lda., e Pacsol - Posto, de Abastecimento de Combustíveis de Soalhães, Lda. (C).

4) O diferimento do pagamento desta prestação destinava-se a permitir a verificação e confirmação dos pressupostos garantidos pelos cedentes, relativos aos valores atribuídos para a venda das quotas dessas sociedades, pois caso viesse a ser detectado algum passivo ou exigido o cumprimento de alguma obrigação ou responsabilidade para além das fixadas contratualmente, seria utilizada esta importância para garantia do seu pagamento (D).

5) Porque nessas sociedades - Sicl, Competro e Pacsol - foi entretanto detectado um passivo de valor superior ao indicado pelo exequente e foi exigido pelo Estado o cumprimento de obrigações fiscais, a quantia titulada pelo cheque foi utilizada para enfrentar esses pagamentos (E).

6) Por esse facto foram dadas instruções ao banco sacado para não efectuar o pagamento do cheque sacado (F).

7) O referido cheque foi entretanto endossado à sociedade Petro-Reiros, Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, Lda., que o apresentou a pagamento (G).

8) O referido cheque foi dado em execução, a qual correu termos na 6.ª Vara, 2ª secção, das Varas Cíveis do Porto, sob o n.° 147/2002, tendo sido julgada extinta a execução na sequência de embargos de executado ai deduzidos (H).

9) O opoente negociou com os exequentes para a sua representada Petrocávado - Investimentos Mobiliários e Imobiliários, Lda., a venda das sociedades Competro, Sicl e Pacsol, através do contrato promessa, nos termos e com o conteúdo de fls. 68 a 76 dos autos (I).

10) Em 9 de Janeiro de 2002 foram outorgadas as escrituras públicas de cessão de quotas que titularam o negócio prometido, nos termos e com o conteúdo constante 97 a 118 (J).

11) A partir de Janeiro de 2002, na sequência de pedido da nova gerência, que pediu ao contabilista que com o fecho das contas de 2001 fosse elaborado um relatório relativo às sociedades Sicl, Competro e Pacsol, o contabilista não fechou as contas mas apresentou o relatório nos termos e com o conteúdo de fls. 119 a 124 (K).

12) Na sequência do referido relatório o opoente reuniu-se com os exequentes, nomeadamente para lhes dar conta do relatório do contabilista, tendo sido acordado que o cheque não seria apresentado a pagamento enquanto não ficassem esclarecidas as questões levantadas pelo contabilista no seu relatório (L).

13) Na sequência da referida reunião o opoente enviou aos cedentes uma carta nos termos e com o conteúdo de fIs. 125 e 127 (M).

14) As sociedades Sicl, Competro e Pacsol receberam notificações da Direcção Geral de Impostos com vista a obter pagamentos de valores respeitantes a IVA, IRC e IRS relativos a 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, nos termos constantes de fls. 129 a 172 (N).

15) A Pacsol foi notificada para efectuar o pagamento de liquidações oficiosas de IRC dos anos de 1997 e 1998 no montante de € 2037,48 (O).

16) A Pacsol efectuou liquidações oficiosas de IVA no montante de € 6.231,53 (P).

17) A Sicl foi notificada para efectuar o pagamento de € 6.998,66 de IRC relativo a 1988 e 2000, bem como € 1.939,07 de IVA referente a 2000 e 2001 (Q).

18) A Competro foi notificada para efectuar o pagamento de € 10.783,60 relativos a liquidação de IRC referentes a 1997, 1998 e 1999, bem como € 3201,27 relativos a IVA referente a 1999, 2000 e 2001 (R).

19) Desde Janeiro de 1997 a Outubro de 2001 inexistiu contabilidade organizada nas sociedades Sicl, Competro e Pacsol (S)

20) Os elementos contabilísticos referentes às sociedades Sicl, Competro e Pacsol relativos a 1997 e 1998 (T).

21) O IRS referente às três sociedades, Sicl, Competro e Pacsol, relativo a 1999, 2000 e 2001 não tinha sido pago (U).

22) Na sociedade Competro não foram apresentados ao fisco os modelos 33 referentes aos anos económicos de 1997, 1998 e 2000, bem como não foram apresentadas as declarações trimestrais de IVA relativas a 2000 e 2001, nem apurado ou pago o respectivo imposto, bem como juros e multas (V).

23) Na sociedade Pacsol desde 1997os modelos 22 têm sido apresentados em branco (W).

24) Na sociedade Pacsol não foram apresentadas as declarações de IVA de Junho e Dezembro de 2000, nem pago o respectivo imposto, juros e multa (X).

25) Na sociedade Sicl não foram apresentadas as declarações de IVA de 1999, os 2.º, 3.º e 4.º trimestre de 2000 e os 2.º e 3.º trimestres de 2001 (Y).

26) O opoente efectuou um pagamento relativo a IVA de 811.172$00 referente ao 3.º pagamento por conta de 1998 (Z).

27) A título de IRS em dívida referente ao período de Maio de 1999 a 31 de Dezembro de 2001, na sociedade Competro foi paga a quantia de € 17.539,34 nos termos de fls. 183 a 217 dos autos (AA).

28) Na Sicl foram pagos os impostos relativos ao período de Maio de 1999 a Dezembro de 2001, relativos a IRS, no valor de € 2.810,20 nos termos de fls. 218 a 251 dos autos (BB).

29) Foi paga a quantia de € 2350,19 relativa a IRC de 2000 da sociedade Competro, nos termos, de fls. 252 dos autos (CC).

30) Foi ainda paga a quantia de € 4.132,78 referentes a IVA e IRC nos termos constantes de fls. 253 a 260 dos autos (DD).

31) No final de 2003, a Pacsol recebeu novas notificações da Direcção Geral de Impostos para proceder aos seguintes pagamentos: € 374,10 referentes a IVA de 2001, € 127,26 referentes a IVA, € 209,82 referentes a Contribuição autárquica, nos termos constantes de fls. 261 a 265 (EE).

32) No mesmo período a sociedade Sicl recebeu novas notificações para proceder ao pagamento de € 748,20 de IVA referente a 2000, igual quantia referente a IVA de 2001 e € 853,08 de juros referente a € 2001, nos termos constantes de fls. 266 a 268 dos autos (FF).

33) A sociedade Competro foi notificada para efectuar o pagamento de € 1.957,69 de IRS relativo a 1997 e € 748,20 de IVA relativo a 2001, nos termos constantes de fls. 269 a 271 dos autos (GG).

34) Na sequência de auditoria efectuada pela contabilista da Petrocávado foi verificado continuarem por pagar e serem de cobrança duvidosa, créditos no valor de 7.717.984$00 (HH).

35) Em 31 de Outubro de 2001 a Sicl devia à Esso 25.055.272$00 (II).

36) Em 31 de Outubro de 2001 a Competro devia à Esso 76.733.156$00 (JJ).

37) No período que mediou entre 30 de Outubro de 2001 e 4 de Janeiro de 2002, os exequentes, a título de remunerações, emitiram e cobraram cheques no valor de 9.388.240$00 (KK).

38) Os exequentes emitiram em Dezembro de 2001 um cheque da Competro, no valor de 1.125.482$00 a favor de BB (LL).

39) Entre 31 de Outubro e 31 de Dezembro de 2001 as despesas com ofertas a clientes, nas sociedades Sicl e Competro, totalizaram 3.569.931$00 (MM).

40) Foram emitidas facturas pelas firmas DD, ....., lda., e EE, no montante de 5.651.100$00 pagos pela Sicl e 13.373.100$00 pagos pela Competro (NN).

DE DIREITO

A) Admissibilidade, ou não, da produção de prova testemunhal para prova dos factos indicados nas alíneas A) e C)

Sustentam os recorrentes nas conclusões de recurso, além do mais, que a decisão recorrida viola as regras que, de forma imperativa, ordenam a produção dos diversos meios de prova, sua admissibilidade e/ou valoração. E, concretizam, no corpo das alegações respectivas, que as instâncias admitiram prova que não deveriam ter admitido, especificamente prova testemunhal, sobre os termos da declaração negocial, em especial nas respostas aos factos constantes das sobreditas alíneas[3].

Já está escrito, rescrito e mais que pacificado que ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, incumbe fiscalizar a aplicação do direito aos factos e não controlar a matéria de facto fixada pelas instâncias.

Como ensina Amâncio Ferreira: “Tanto na apreciação do recurso de revista como no de agravo, o STJ só conhece de questões de direito (art. 26° da LOFTJ). Não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (arts. 722.°, n.º 2, 729.°, n.ºs l e 2 e 755.°, n.º 2). Daí dizer-se que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3ª instância (art. 210.°, n.º 5 da C.R.P.)”[4].

Esta regra, porém, comporta as duas excepções referidas no art. 722.º, n.º 2, do CPC: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Em consonância com este dispositivo, o art. 729.º, n.º 2, do CPC estabelece que: “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º”.

Esse “caso excepcional”, que abarca as duas assinaladas excepções, corporiza uma violação das regras do direito probatório material: compreende-se, por isso, a sua sindicância pelo STJ, uma vez que as mesmas se reconduzem à violação de normas de direito substantivo, sendo que essa violação constitui, afinal o fundamento específico do recurso de revista - art. 721.º, n.º 2, do mesmo Código[5].

Já o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador excede o âmbito do recurso de revista – art. 655.º, n.º 1, do CPC.

Vejamos, então, o caso dos autos.

É de todo inegável que o documento que aqui se debate, e que corporiza o título executivo apresentado pelos exequentes, constitui um documento particular que, por não ter sido impugnado pelas partes, goza de força probatória plena, nos termos constantes do art. 376.º do Código Civil – de ora avante CC[6].

A assinatura (ou subscrição) é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, com que confere ao documento sua autoridade e que justifica a força probatória do mesmo, constituindo “requisito essencial do verdadeiro e próprio documento particular” – cf. art. 373.º, n.º 1[7].

Lendo o art. 374.º, n.º 1, para o qual remete aquele art. 376.º, nele consigna-se que: “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (...)”. E, “o documento particular, cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento” – n.º 1 do citado art. 376.º.

Por outro lado, “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos previstos para a prova por confissão” – n.º 2[8].

Finalmente, dispõe o art. 394.º, n.º 1, que: “É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.

Apegando-se aos dispositivos legais transcritos, sustentam os recorrentes que estava vedada a produção e valoração de qualquer prova, mormente testemunhal, que pudesse eventualmente contrariar o texto do título executivo, cuja interpretação devia ser efectuada, apenas, em conjugação com o teor do cheque da conta pessoal de AA emitido e entregue na mesma data daquela confissão de dívida.

Mas será que assim é?

As provas, conforme ensina Manuel de Andrade, são os meios a utilizar para o apuramento dos factos deduzidos pelas partes, podendo as normas relativas a esta matéria constituir direito probatório material ou direito probatório formal: o direito probatório material regula principalmente a admissibilidade das provas que poderão ser utilizadas, determinando quais os meios de prova que poderão ser utilizados e o seu valor; o direito probatório formal regula o modo da produção das provas em juízo, determinando quais os actos a praticar para a utilização dos diversos meios de prova[9].

Harmonicamente, para Anselmo de Castro, as provas são os meios de que o juiz se serve para proceder à averiguação da exactidão das afirmações que as partes perante ele formularam, consistindo a instrução da causa no apuramento dos factos deduzidos pelas partes, através desses meios. Esses meios são objecto de determinado sector de normas – o direito probatório –, em parte relativas à admissibilidade das provas (direito probatório material), indicando os meios de prova que poderão ser utilizados e o seu valor; e noutra parte respeitantes ao modo da sua produção em juízo (direito probatório formal), determinando os actos a praticar em juízo para a utilização dos diversos meios probatórios[10].

Há casos em que, na realidade, a lei expressamente afasta a prova testemunhal e outros em que a lei exige que a prova se faça por outros meios, designadamente por documentos.

É o que resulta do disposto no art. 392.º do CC, onde se prevê, a contrario, que a prova testemunhal possa ser directa ou indirectamente afastada. A razão deste afastamento, como refere a doutrina, radica-se na particular falibilidade deste meio de prova[11].

Destarte, se a lei impõe que a declaração negocial revista a forma escrita e essa forma não foi observada, é irrelevante a prova testemunhal, porque o acto é nulo – art. 220.º do CC. Já se a lei exige que a declaração se prove por documento – parte final do n.º 1 do art. 393.º e art. 364.º, n.º 2, do CC –, o recurso à prova testemunhal fica arredado (para prova daquela declaração).

Esta prova é igualmente inadmissível, ainda que a lei não exija documento para prova da declaração, se ele foi lavrado e tem força probatória plena – n.º 2 do art. 393.º.

Todavia, como indicam Antunes Varela e Pires de Lima[12], embora o documento prove que o seu autor fez a declaração dele constante e se considerem provados os factos compreendidos na declaração, se desfavoráveis ao seu autor, “o documento não prova nem garante, nem podia garantir, que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo ou coacção ou simuladas”; por isso, “nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou os vícios da vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada”.

Em todo o caso, a inadmissibilidade da prova testemunhal, plasmada no art. 394.º, só “se refere apenas às convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, não excluindo, por conseguinte, a possibilidade de se provar por testemunhas qualquer elemento, como o fim ou o motivo por que a dívida documentada foi contraída (…), que nem é contrário ao conteúdo do documento, nem constitui uma cláusula adicional à declaração”[13].

Mota Pinto, por sua vez – em parecer sobre a arguição da simulação pelos simuladores -, defende alguma maleabilidade na interpretação do art. 394.º do CC, para evitar que a rigidez na sua interpretação conduza a graves iniquidades[14].

Segundo este autor, existindo prova documental susceptível de formar a convicção de verificação do facto alegado, é de admitir a prova testemunhal, a fim de: 1.º Interpretar o contexto dos documentos, conforme expressamente prescreve o art. 393.º, n.º 3; 2º Completar a prova documental, desde que esta, a existir, constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação.

Em suma, segundo Mota Pinto, constitui excepção à regra do art. 394.º, e, por isso, deve ser permitida, a prova por testemunhas, no caso do facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito ou de existir já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado, quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental.

Por seu turno, Calvão da Silva[15] tece os seguintes considerandos sobre a admissibilidade da prova testemunhal em caso de existir documento autêntico: “Nenhuma restrição específica decorre do disposto no n.º 2 do artigo 393.º. Muito pelo contrário: o referido preceito tão-só impede o recurso a prova por testemunhas quanto aos factos abrangidos pela força probatória plena do documento, ficando assim aberta a possibilidade de o interessado demonstrar, dessa maneira, a falta ou os vícios da vontade com fundamento nos quais pretende impugnar a declaração. De igual modo, semelhante demonstração não resulta precludida pelo que dispõe o artigo 394.º do Código Civil. Com efeito, os vícios do consentimento, bem como qualquer divergência, não convencionada, entre a vontade real e a vontade declarada, «não são convenções ou pactos contrários ou adicionais ao conteúdo do documento, mas simples factos estranhos a esse conteúdo» (cf. Vaz Serra, BMJ n.º 112, pág. 199). Conclui-se, em síntese, que as disposições legais analisadas não impedem o recurso à prova testemunhal para impugnar a eficácia das declarações constantes de documento autêntico com base em vício da vontade ou em divergência não convencionada entre a vontade e a declaração”.

Porém, e sem prejuízo do que estabelece o art. 394.º do CC, nada impede a prova testemunhal para a interpretação do conteúdo do documento, tal como decorre de modo cristalino do disposto no n.º 3 do art. 393.º do CC.

Deste modo, é insofismável a admissibilidade de prova testemunhal para a interpretação do contexto de um documento, como foi o caso, nada impedindo o recurso a elementos extrínsecos para interpretação de documento escrito, mesmo até à prova testemunhal.

Aqui chegados, não temos quaisquer dúvidas em concluir, como o fez o tribunal recorrido, pela inexistência de qualquer impedimento legal (substantivo ou adjectivo) do recurso à prova testemunhal para fundamentar a decisão do tribunal recorrido nas respostas aos factos constantes das alíneas A) e C).

É totalmente correcto e desprovido de quaisquer dúvidas o entendimento da Relação, ao assinalar, de modo inequívoco que: “(…) em primeiro lugar, nada obstava a que o julgador da I.ª instância se baseasse, além do mais, na prova testemunhal para interpretar, pois que é disso que se trata, o conteúdo da «confissão de divida» que constitui o título executivo ou indagar a vontade real do declarante (opoente). Depois, não vem ao caso a proibição de prova testemunhal estabelecida no art. 394.°, n.° 1 e 2, do CC, visto que não está em apreciação determinar o conteúdo de qualquer alegada convenção contrária ou adicional da mencionada declaração de divida”[16].

No fundo e concluindo, é permitido o recurso a prova extrínseca ao documento para proceder à interpretação de um documento particular e nada o impede na lei, designadamente recorrendo-se à prova testemunhal como fizeram, e bem, as instâncias.

E, assim sendo, improcede este fundamento do recurso.


B) Interpretação da declaração negocial constante do título executivo


A respeito desta questão (que, de algum modo, se concatena com a anteriormente apreciada), dissentem os recorrentes do entendimento cristalizado no acórdão recorrido – tal como constava da decisão da 1.ª instância – de que, após o julgamento, ficou explicitamente provado que o executado assinou o documento dado em execução, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 17 da execução apensa – e certificado a fls. 903 destes autos – enquanto representante legal da sociedade Petrocávado – Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A..

Recorda-se que o título executivo a que se reportam estes autos se enquadra na alínea c) do art. 46.º do CPC, que confere exequibilidade aos documentos particulares, assinados pelo devedor, constitutivos ou recognitivos de obrigações, designadamente de obrigações pecuniárias, cujo valor já esteja quantitativamente fixado ou seja susceptível de o vir a ser[17].

A questão que se suscita é precisamente indagar quem é o devedor: se é o executadoAA ou se é a sociedade Petrocávado – Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A..

Os recorrentes ponderam, diversamente das instâncias, que “recorrendo aos critérios legais de interpretação, previstos nos artigos 236° e 238° do Código Civil, temos que concluir que o executado se confessou devedor em nome pessoal, uma vez que emitiu e assinou um cheque da sua conta pessoal para titular a dívida constante do título executivo”, considerando que “o comportamento do declarante, em especial o facto de na mesma data em que assinou a confissão de dívida, ter emitido e entregue um cheque da sua conta pessoal para titular essa dívida, reforça que o mesmo se confessou devedor, em nome pessoal, impondo-se que nos termos do artigo 236° do Código Civil se interprete tal documento nesse sentido” (conclusões 4ª e 5ª).

Concludentemente, aspiram a que o STJ, com base no disposto no art. 722.º do CPC, repondere a decisão das instâncias, sustentando que o que está aqui em causa é uma questão de direito, uma vez que o tribunal a quo violou os critérios legais de interpretação previstos nos arts. 236.º e 238.º do CC.

O STJ, já antes se relatou, não pode modificar a decisão da matéria de facto, vinda das instâncias, que não tenha infringido alguma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de algum facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, estando subtraídos à sua apreciação os meios de prova sem valor tabelado, relativamente aos quais a derradeira palavra pertence à 2.ª instância.

Mas também o controlo da interpretação de declarações negociais, no que tange à determinação do sentido da vontade real dos intervenientes, por se tratar de questão ainda situada no domínio dos factos, escapa à sindicância do STJ, como repetidamente tem sido salientado por este tribunal, apenas lhe sendo permitido avaliar a aplicação dos critérios legais de interpretação[18].

Ou seja, ao STJ não cabe sindicar o entendimento das instâncias sobre qual é a vontade real dos contraentes, subjacente às respectivas declarações negociais, apenas lhe cumprindo, em sede de recurso de revista, verificar se se mostram respeitados os critérios normativos consagrados, no CC, como parâmetros para essa actividade interpretativa. Assim, averiguar se a vontade estabelecida dos contraentes não afronta o quadro normativo substantivo pertinente, constante dos arts. 236.º a 238.º do CC, já constitui matéria de direito que o STJ, por força do disposto nos arts. 721.º e 722.º do CPC, está obrigado a conhecer[19].

A qualificação de um negócio jurídico é matéria de direito sobre a qual o tribunal se pode pronunciar livremente, sem estar vinculado à denominação que os declarantes tenham empregue – art. 664.º do CPC[20]: o nome com que as partes catalogaram uma declaração negocial ou acordo firmado poderá, quando muito, servir como um elemento auxiliar, entre outros, a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, nada garantindo que a conclusão atingida coincida com o nomen utilizado pelas partes.

Gonçalves Sampaio[21], debruçando-se sobre a interpretação da declaração concretizada em documento escrito, escreve: “Em sede de interpretação regulam os artigos 236.º a 238.º. Do normativo do n.º 2 do artigo 238.º, parece poder concluir-se que a declaração negocial reduzida a escrito situar-se-á no campo interpretativo quando as expressões da declaração inseridas no texto do documento não tenham um sentido claro e inequívoco, ou, ainda que objectivamente o tenham, possa, no entanto, ser outro o significado que lhes foi atribuído pela vontade concordante das partes, desde que não se oponham à respectiva validade, as razões determinantes da forma do negócio. Em qualquer dos casos, porém, compete às partes alegar e provar os factos indispensáveis ao esclarecimento do sentido que quiseram dar às respectivas declarações negociais, podendo até, para o efeito, recorrer à prova testemunhal como expressamente o permite o artigo 393.º, n.º 3 [do CC]”.

Com mais detalhe, os critérios interpretativos legais, emergentes do art. 236.º a 238.º do CC, podem-se condensar da seguinte forma:

Em concordância com a doutrina da impressão do destinatário, consagrada no art. 236.º, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (n.º 1), acrescentando o respectivo n.º 2 que “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

Para tal, o declaratário, devendo proceder de boa fé, é obrigado a investigar, tendo em consideração todas as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis, o que o declarante quis; este, por seu lado, é também obrigado pela boa fé a deixar valer a declaração no sentido que o declaratário, mediante cuidadosa verificação, tinha de atribuir-lhe[22].

A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante[23].

Pode assim dizer-se que são elementos essenciais da interpretação: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas; a finalidade prática visada pelas partes; o próprio tipo negocial; a lei e os usos e os costumes por ela recebidos. Para além destes elementos, também releva a posição assumida pelas partes na execução do negócio. Esta não pode, na verdade, deixar de, razoavelmente, corresponder ao que as partes entendem ser os direitos e as vinculações que para cada uma delas emergem do negócio[24].

Nos negócios onerosos, em caso de dúvida, deve prevalecer o sentido que conduza ao maior equilíbrio das prestações – cf. art. 237.º do CC - e nos negócios formais, apenas se exige que o sentido da declaração tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – cf. art. 238.º.

Feitos estes considerandos e regressando ao caso sub judicio, não se alcança que a decisão do tribunal a quo tenha, de alguma maneira, ultrapassado os critérios balizados na lei para a interpretação da declaração negocial traduzida no título executivo que se mostra assinado pelo executado.

Desde logo, olvidam os recorrentes, que do teor do contrato-promessa de compra e venda de cessão de quotas, assinado por eles e pelo ora executado, na qualidade de presidente do conselho de administração da sociedade Petrocávado – Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A., com data de 19-11-2001, que subjaz à emissão do título executivo que aqui se debate, especialmente do vertido na cláusula segunda, alíneas c) e d), consta, textualmente:

“A título de pagamento pela compra de todas as quotas mencionadas na cláusula primeira, bem como de todos os direitos e créditos que os Cedentes e demais sócios detenham perante as Sociedades, a Petrocávado pagará a quantia de Esc. 125.000.000$00 (cento e vinte e cinco milhões de escudos) (o “Preço”) quantia que será paga da seguinte forma: (…)

c)Esc. 35.000.000$00 (trinta e cinco milhões de escudos) serão pagos até 30 de Abril de 2002, para garantia do bom pagamento da última parcela em dívida, o terceiro contraente (a Petrocávado) entregará aos beneficiários (Cedentes) na data da celebração da escritura pública das cessões de quotas, uma declaração de confissão de dívida no valor de 35.000.000$00 (trinta e cinco milhões de escudos) a qual se manterá na posse dos cedentes até à conclusão do total pagamento prescrito na declaração;

d) Junto desta declaração de dívida será entregue nesta data um cheque do mesmo valor para dar entrada no respectivo banco em data imposta na declaração de dívida (…) – cf. fls. 70.

Não há qualquer tipo de dúvidas, nos termos daquele contrato-promessa, que ficou expressamente acordado que “…o terceiro contraente (a Petrocávado) entregará aos beneficiários (Cedentes) na data da celebração da escritura pública das cessões de quotas, uma declaração de confissão de dívida no valor de 35.000.000$00…” (sic).

Por outro lado, quanto ao famigerado cheque firmado pelo executado e sacado sobre Finibanco, da sua conta n.º 0000000000, datado de 30-04-2002 (cf. fls. 29 destes autos), entregue aquando da subscrição da Confissão de dívida, o facto do mesmo ter sido sacado de uma conta pessoal do executado não permite daí retirar que a “confissão de dívida” era do próprio executado, que teria assumido pessoalmente a dívida da sociedade Petrocávado, e não desta, sua representada, tal como entenderam as instâncias.

Com efeito, nos termos do art. 767.º, n.º 1, do CC, “a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”, sendo ostensivo que aqui sempre seria de presumir esse interesse dada a qualidade de AA na sociedade Petrocávado[25].

Ou seja, é irrelevante que o cheque tenha provindo de uma conta pessoal do executado, porquanto, nesta sede, o que se discute é um título executivo diverso, no qual se consignou expressamente, convém recordar:

“Confissão de Dívida

AA, casado, natural da freguesia de......... (Pico dos Regalados) da cidade de........., na qualidade de administrador da sociedade Petrocávado – Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A., com sede no lugar de Entre Pontes, freguesia de Lago, concelho de Amares, registada na Conservatória do Registo Comercial de Amares sob o número duzentos e oitenta e dois, com o NIPC 000000, confessa-se devedor da importância de 35.000.000$00 (…)

A importância atrás referida deverá ser totalmente paga até ao dia trinta de Abril de dois mil e dois, inclusive. Para titular este pagamento o senhor AA entrega nesta data aos senhores BB e CC um cheque da importância atrás referida, sacado sobre o Banco Finibanco (Palmeira), com o n.º 0000000000, datado de 30 de Abril de 2002, que estes se comprometem a apresentar a pagamento somente na data nele aposta (…)” – cf. fls. 903.

Quer dizer, os credores/exequentes anuíram, no próprio documento de Confissão de Dívida, que consolida o título executivo junto ao processo – no qual AA (...) na qualidade de administrador da sociedade Petrocávado – Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A., com sede no lugar de Entre Pontes, freguesia de Lago, concelho de Amares, registada na Conservatória do Registo Comercial de Amares sob o número duzentos e oitenta e dois, com o NIPC 000000, confessa-se devedor da importância de 35.000.000$00 –, a que o pagamento da dívida fosse realizado mediante cheque pessoal dele.

Aliás, aquele texto da “confissão de divida” é literalmente o mesmo texto que consta da identificação da Petrocávado, na escritura pública de cessão de quotas, aumento de capital e alteração do pacto social, que veio a ser celebrada em 9 de Janeiro de 2002, conforme se alcança do documento anexo a fls. 97 e seguintes (em especial, fls. 99).

Finalmente, e antes de entrarmos na análise da 3.ª questão suscitada neste recurso, assinala-se que a sociedade aparece identificada na Confissão de Dívida segundo o vertido no art. 171.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), o que inculca a convicção de que o vínculo estabelecido era com a sociedade e não com o seu administrador, a título pessoal.

Mantêm-se assim, por absolutamente conformes aos respectivos critérios legais, as considerações do tribunal a quo relativamente à interpretação da declaração negocial constante do título executivo intitulado “Confissão de dívida”.

Improcedem, assim, as diversas conclusões dos recorrentes atinentes a tal questão.

C) Vinculação da sociedade com a assinatura do administrador

Resta analisar, para terminar, qual a consequência decorrente do facto da assinatura do executado não ter sido aposta sobre o carimbo da sociedade, nem fazer menção expressa da sua qualidade de administrador da sociedade Petrocávado, atendendo ao estatuído no art. 409.º do CSC.

A sentença da 1.ª Instância foi acolhida ipsis verbis, quanto a este específico ponto, pelo acórdão recorrido, nele se tendo exarado que: “(…) ajuizou-se, e bem, com apelo ao estatuído nos arts. 409°, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) (ver ainda o preceituado nos arts. 405°, n° 2 e 408°), que “importa dizer que a matéria de facto dada como provada não permite contrariar a redacção que flui do documento dado em execução, ou seja, a de que a obrigação foi assumida pela sociedade Petrocávado e não pelo opoente qua tale. Flui do supra exposto que o opoente não assumiu individualmente qualquer obrigação de pagamento (...)”.

Os recorrentes pugnam pela incorrecção do assim decidido, defendendo que semelhante entendimento viola o disposto no art. 409.º do CSC.

Quid juris?

A Petrocávado – Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A., é uma sociedade anónima.

A sociedade anónima é representada pelo respectivo conselho de administração – art. 278.º, n.º 1, al. a) –, podendo ter um só administrador – art. 390.º, n.º 2 –, bem como podendo o conselho encarregar especialmente um certo administrador para se ocupar de certas matérias da administração: administrador delegado – art. 407.º -, ficando a sociedade obrigada pelos negócios jurídicos que, nestas condições, sejam concluídos pelo administrador (único ou delegado) – art. 408.º n.ºs 1 e 2 (todos os preceitos são do CSC)[26].

No que tange à vinculação da sociedade, rege o art. 409.º do CSC, estatuindo que os actos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultantes de deliberações dos accionistas, mesmo que tais limitações estejam publicadas (n.º 1); por seu turno, os administradores obrigam a sociedade, apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade (n.º 4).

O regime estabelecido no art. 409.º, n.º 4, para as sociedades anónimas, não é substancialmente diferente do estabelecido no art. 260.º, n.º 4, para as sociedades por quotas: as sociedades ficam vinculadas com a assinatura do representante, com indicação dessa qualidade[27].

O STJ uniformizou jurisprudência, quanto à vinculação das sociedades por quotas, através do acórdão de 06-12-2001 – Acórdão n.º 1/2002[28] – no sentido de que: “A indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do art. 260.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do art. 217.º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”.

Um indivíduo, que possui a qualidade de gerente ou de administrador de uma sociedade comercial, ao subscrever um documento, tanto pode estar a fazê-lo a título pessoal como enquanto representante da sociedade e membro de um órgão societário.

O objectivo das normas indicadas – arts. 260.º, n.º 4, e 409.º, n.º 4, do CSC – é, sem grande margem de dúvida, o de conseguir uma distinção clara entre os actos escritos que vinculem as pessoas a título individual e aqueles que vinculem a sociedade em nome de quem porventura essas pessoas intervenham, permitindo destrinçar as esferas jurídicas dos sujeitos em que os efeitos jurídicos dos actos praticados se vão repercutir.

Para a doutrina tradicional, indispensável para a vinculação da sociedade é a reunião de dois elementos: a assinatura pessoal do gerente ou administrador e a menção da respectiva qualidade, os quais, porém, não têm forçosamente de aparecer reunidos no fim do documento, podendo suceder que a menção da qualidade de gerente ou administrador apareça noutro lugar do documento e no fim figure isoladamente a assinatura[29].

Como exprime Carolina Cunha[30]: “Assim se compreende a necessidade, prescrita pelas referidas normas, de o sujeito que materialmente actua, apondo manualmente a sua assinatura, esclarecer a quem devem ser juridicamente imputados os efeitos da declaração que perfilha – ou melhor, esclarecer quando são esses efeitos juridicamente destinados à pessoa colectiva. Trata-se, em suma, de indicar quando é que a aposição da assinatura de um sujeito significa a perfilhação da declaração de vontade pela sociedade da qual é gerente ou administrador”.

Evidentemente que outorgando a título individual, e não na qualidade de legal representante da sociedade, o sujeito nada dirá de especial, pois o centro de imputação de direitos e deveres será ele próprio.

Porém, se de algum modo, o sujeito jurídico, que seja gerente ou administrador, indicar essa qualidade, já os efeitos se repercutirão na esfera jurídica da sociedade, sua representada.

“Por conseguinte, trata-se, antes de mais, de uma questão de interpretação da declaração negocial emitida (…). Em suma: a indicação de que se age na qualidade de titular do órgão societário é imprescindível para se imputar juridicamente a declaração à sociedade; saber se essa indicação foi ou não efectuada é algo que se há-de apurar interpretando a declaração no seu contexto relevante”[31].

Sempre que a intervenção da pessoa em concreto permita percepcionar, com segurança bastante, que o acto praticado é da sociedade, e não da pessoa singular, esse acto efectivamente repercutir-se-á naquela, vinculando-a, não exigindo a lei um procedimento estandardizado para se concluir por essa vinculação, a qual, aliás, se pode inferir tacitamente, de harmonia com o acima exposto.

Tal como se considerou no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 06-02-2007 [32]: “Trata-se de apelar à declaração tácita, o que parece perfeitamente adequado e razoável, devendo o julgador fazer uma apreciação casuística, perante a realidade do negócio, afastando-se de um formalismo rígido que poderia resultar de uma interpretação literal da lei.

O n.º 2 do artigo 217.º do Código Civil é apodíctico na afirmação de que «o carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz».

No fundo concede-se ao princípio regra da liberdade declarativa que se contrapõe ao excepcional formalismo negocial”.

Vistos estes princípios, e retomando o documento que se analisa, é ostensivo que os dizeres dele constantes – AA (...) na qualidade de administrador da sociedade Petrocávado – Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A., com sede no lugar de Entre Pontes, freguesia de Lago, concelho de Amares, registada na Conservatória do Registo Comercial de Amares sob o número duzentos e oitenta e dois, com o NIPC 000000 – são suficientemente claros, quando analisados de forma concertada com a restante factualidade apurada, quanto ao facto de o executado ter agido, em concreto, em representação da sociedade Petrocávado, S.A., da qual era administrador.

A indicação expressa da firma da sociedade e a menção de que está a actuar na “qualidade de administrador”, é suficientemente sugestiva, num quadro de boa fé negocial e tomando em conta as circunstâncias envolventes do caso concreto, de que AA actuou vinculando aquela sociedade e não ele próprio.

Cai assim por terra tudo quanto os recorrentes carreiam nas suas alegações e conclusões de recurso a propósito desta questão.

E, assim sendo, soçobram in totum as pretensões dos recorrentes, sendo de manter a decisão vinda do Tribunal da Relação do Porto.



III – DECISÃO




Pelos motivos expostos, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 06 de Setembro de 2011


Gregório Silva Jesus (Relator)
Martins de Sousa
Gabriel Catarino
_______________

[1] Por lapso, os recorrentes indicam-na como a 23ª conclusão.
[2] Na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 329-A/95, de 12-12, porquanto a execução foi instaurada em data anterior a 15-09-2003, data da entrada em vigor das alterações ao CPC introduzidas pelo DL n.º 38/2003, de 08-03.

[3] Recorda-se que, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, de fls. 815 a 817, o Mmo. Juiz da 1.ª instância, para dar como provados os factos constantes das alíneas A) e C), exarou: “A matéria de facto dada como provada baseia-se no depoimento de FF, contabilista, que referiu que o documento exequendo foi assinado na qualidade de representante legal da Petrocávado e que expôs de forma detalhada e convincente a situação económica das três empresas vendidas, esmiuçando a factualidade relativa à situação das empresas, designadamente os débitos das mesmas, as despesas apresentadas, as discrepâncias entre a situação declarada das mesmas na altura da venda e a real. Ponderei igualmente quanto a esta matéria o depoimento de HH, o qual explicou a auditoria que fez às empresas, relatando a situação das sociedades adquiridas, designadamente a factualidade referida na alínea K).
Quanto ao depoimento de II valorei o mesmo na parte relativa às negociações conducentes à assinatura do título exequendo, que referiu ter sido assinado enquanto representante da Petrocávado, expondo também as negociações relativas à assinatura do contrato promessa de cessão de quotas, bem com quanto aos contratos definitivos. Ponderei igualmente o depoimento de GG, que referiu que o documento exequendo foi assinado pelo executado enquanto representante legal da Petrocávado. Ponderei ainda os diversos documentos juntos aos autos, concretamente o título executivo, de onde resulta que o título foi assinado pelo executado enquanto representante legal da Petrocávado, o contrato promessa de cessão de quotas, as escrituras e os diversos documentos referidos nas alíneas expositivas da matéria de facto provada (...)”. Acrescentou, por fim, que “os documentos juntos pelos exequentes em audiência nada prova quanto a uma alegada intenção de o executado se vincular pessoalmente aquando da assinatura do documento exequendo”.
[4] Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, 2006, págs. 244/245.
[5] Dispõe este preceito legal: “O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; acessoriamente, pode alegar-se, porém, alguma das nulidades previstas nos artigos 668.º e 716.º”.
[6] Tal como resulta do disposto no art. 363.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, são documentos particulares “todos os documentos que não são autênticos”, ou, como refere Gonçalves Sampaio – A Prova Por Documentos Particulares, na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, 2.ª edição actualizada e ampliada, 2004, pág. 81 –, os “que provêm de simples particulares ou, se preferirmos, de pessoas que não exercem actividade pública ou, se a exercerem, não foi no uso dessa faculdade que elaboraram os documentos”.
[7] Cf. Vaz Serra, Provas (Direito probatório material), BMJ n.º 111, Dezembro de 1961, pág. 155.
[8] A este respeito escreve Gonçalves Sampaio – op. cit., pág. 115 –, com inteira propriedade: “(…) tratando-se de declarações documentadas só em parte desfavoráveis ao declarante, por força do princípio da indivisibilidade da confissão (artigo 360.º), a parte contra quem o documento é apresentado se quiser aproveitar-se da parte favorável, terá de aceitar também a parte desfavorável, ou de provar que essa parte não corresponde à verdade”.
[9] Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, págs. 47/48.
[10] Direito Processual Civil Declaratório, Volume I, 1981, págs. 64-70.
[11] Cf. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, pág. 342.
[12] Loc. cit..
[13] Novamente Antunes Varela e Pires de Lima, op. cit., pág. 343.
[14] Na Colectânea de Jurisprudência, Ano X, 1985, Tomo 3, pág. 13.
[15] Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 129, n.º 3873, 1997, pág. 361 (Anotação ao Acórdão do STJ, de 04-06-1996).
[16] Também se concorda, em todo o caso, com o acórdão recorrido quando nele se exarou que: “De todo o modo, sempre poderia, razoavelmente (ver arts. 236.°, e 238.°, do CC) afirmar-se, ao contrário do alegado/concluído pelos apelantes, que do teor do contrato-promessa de cessão de quotas, designadamente do vertido na cláusula segunda, alíneas c) e d), resulta que o executado/opoente, quando assinou e emitiu a declaração de confissão de divida e o cheque (fls. 29), fê-lo enquanto representante legal da sociedade Petrocávado-Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A.. Na verdade, esses documentos (contrato-promessa e cheque) sempre constituiriam, no limite, um princípio de prova escrita de uma eventual convenção contrária ou adicional da mencionada declaração de divida, a completar através da prova testemunhal. Significa isto que, no caso, a concretização da qualidade em que o opoente subscreveu a declaração de divida enquadrar-se-ia nesta excepção à restrição do art. 394° citado”.
[17] A propósito desta categoria de título executivo, vejam-se, entre outros, Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código revisto, 1997, 2.ª edição, págs. 49 a 54; Remédio Marques, Curso de Processo Executivo à face do Código revisto, 2000, págs. 70 a 74; e Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12.ª edição, 2010, págs. 39 a 43.

[18] Cf., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 16-04-2009, Proc. n.º 08B2346; de 04-11-2010, Proc. n.º 2916/05.9TBVCD.P1.S1; de 03-02-2011, Proc. n.º 6041/05.4TVLSB.L1.S1; de 14-06-2011, Proc. n.º 3222/05.4TBVCT, todos no ITIJ.
[19] Cf. Acórdão do STJ, de 31-03-2011, Proc. n.º 4004/03.3TJVNF.P1.S1.
[20] “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º”.
[21] Op. cit, pág. 110.
[22] Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, 104.º, pág. 63
[23] Antunes Varela e Pires de Lima, op. cit., pág.223.
[24] Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, 1996, II, págs. 344 e seguintes.
[25] Galvão Telles, sustenta, aliás – cf. Direito das Obrigações, 7.ª edição, 1997, pág. 230 – que quando a prestação é realizada por um representante, legal ou voluntário, do devedor não há cumprimento por terceiro porque o representante faz juridicamente as vezes do representado.
[26] Sobre a matéria, em especial a propósito da vinculação das sociedades, cf., entre outros: Raul Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais – Sociedade por quotas, Volume III, 1991, págs. 157 a 177; Nogueira Serens, Notas Sobre a Sociedade Anónima, 1995, págs. 77 a 80; António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 4.ª edição, 2006, págs. 232 a 235; Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 3.ª edição, 2007, págs. 666/667 e 713 a 717; e, Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades – Das Sociedades em especial, II Volume, 2.ª edição, 2007, págs. 783 a 792.
[27] Enquanto que nas sociedades por quotas os gerentes as vinculam, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade, como dispõe o art. 260.º, n.º 4, do CSC; correspectivamente estabelece o art. 409.º, n.º 4, do CSC, a respeito das sociedades anónimas, que os administradores as obrigam apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade.
[28] Publicado na íntegra no Diário da República, I Série, n.º 20, de 24-01-2002.
[29] Neste sentido, com que se concorda, Raul Ventura, op. cit., pág. 171.
Em sentido análogo, Paulo Olavo Cunha, op. cit., pág. 714: “No que se refere à indicação da qualidade, considera-se suficiente que os administradores aludam ou invoquem o seu estatuto e, por isso, uma assinatura em local onde eles se identifiquem como tal é suficiente”.
[30] Vinculação Cambiária de Sociedades: Algumas Questões, in Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, Volume I, 2008, pág. 367.
[31] Uma vez mais, Carolina Cunha, op. cit., pág. 369.
[32] Proc. n.º 06A4240, desta Secção, relatado pelo Cons. Sebastião Póvoas, acessível no ITIJ.


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