Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

UNIÃO DE FACTO, DEVERES CONJUGAIS, DISSOLUÇÃO, DIREITO À INDEMNIZAÇÃO, DANOS NÃO PATRIMONIAIS, ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, ECONOMIA COMUM - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 06/07/2011

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3084/07.7TBPTM.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SÉRGIO POÇAS
Descritores: UNIÃO DE FACTO
DEVERES CONJUGAIS
DISSOLUÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ECONOMIA COMUM

Data do Acordão: 06-07-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Jurisprudência Nacional: LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: ARTIGOS 483º, 473º, 1576º E 1672º DO CC E LEI 7/2001 DE 11 DE MAIO

Sumário :

I - Não estando, como não está, o unido de facto vinculado juridicamente ao cumprimento dos deveres conjugais previstos nos arts 1672.º e segs. do CC, e porque o regime da união de facto nada prevê nesse sentido, necessariamente, não existe o direito a indemnização pela ruptura daquela união nem pelos eventuais danos não patrimoniais que a dissolução daquela tenha causado.
II - Em caso de dissolução da união de facto, o trabalho doméstico que a autora fez enquanto viveu naquela situação com o réu, porque constitui uma participação livre para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos, não lhe confere o direito de restituição do respectivo valor.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório
No Tribunal de Portimão foi proposta por AA acção de processo ordinário contra BB para que se declarasse que:
- ela e o Réu viveram, entre si, em união de facto, pelo menos entre 1994 e Fevereiro de 2007;
- tal união de facto se encontra dissolvida;
- o Réu foi o único culpado da rotura dessa relação;
- o Réu enriqueceu directamente à custa da Autora e sem causa justificativa e, em consequência, a Autora empobreceu em face de tal enriquecimento;
e para que se condene o Réu a pagar à Autora, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 33.852,00 euros e a título de danos morais, a quantia de € 50.000,00 euros, bem como juros de mora, desde a citação, sobre as referidas quantias.
Subsidiariamente, pede a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de € 83.852,00 euros, a título de enriquecimento sem causa.
Alegou, para tanto e em resumo que durante mais de 12 anos viveu com o Réu como se fossem marido e mulher sem que tenham casado, mas que sem se justificar à Autora, em Fevereiro de 2006, começou a viajar sozinho para Fortaleza-Brasil onde permanecia durante vários dias sem contactar a Autora, vindo a Autora a saber que tais deslocações eram efectuadas para ele se encontrar com uma namorada brasileira para quem, a partir de Portugal, passou a falar frequentemente através da INTERNET; o relacionamento com a Autora alterou-se radicalmente, deixando de sair com ela, passando as noites em bailes e em outros locais fora de casa aonde regressava altas horas da madrugada até que em Fevereiro de 2007, mais uma vez regressado do Brasil, disse à Autora que saísse da casa, o que ela fez.
O Réu defendeu-se por impugnação e a Autora replicou.
No despacho saneador foi julgada procedente a excepção dilatória oficiosamente conhecida da falta de interesse em agir relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a), b) e c) da petição inicial e, em consequência, foi o Réu absolvido da instância e quanto aos pedidos formulados nas alíneas d) a h) e ao pedido subsidiário, foi a acção julgada improcedente e o Réu absolvido dos mesmos.
Esta Relação, porém, em acórdão de 13-11-2008, revogou tal saneador e ordenou o prosseguimento do processo.
Em cumprimento de tal acórdão, foram discriminados os factos assentes dos controvertidos e, realizada a audiência de julgamento, foi decidida a matéria de facto controvertida, após o que foi proferida sentença que absolveu o réu.
Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal da Relação de Évora.

Neste Tribunal foi confirmada a decisão da 1ª instância

Ainda inconformada a autora recorre agora para o STJ, concluindo da forma seguinte

- Autora e Réu viveram em união de facto, estável e duradoura por mais de 12 anos ininterruptamente;

- Durante aquele período a Autora e Réu viveram juntos, em comunhão de leito, mesa e habitação, passeando por todo o lado e sendo vistos e tidos pelos amigos e por toda a gente como se de marido e mulher se tratassem.

- Durante o mesmo período foi a Autora quem tratou das roupas do Réu, das roupas da casa, das refeições do Réu, da limpeza da casa e dos móveis, efectuando todas as tarefas domésticas de um casal de família;

- Também a Autora em tal período contribuiu para as despesas domésticas e investiu trabalho, energia e esforço para proporcionar a ambos bom ambiente e conforto no lar comum;

- A Autora tudo fazia e fez, na convicção de que trabalhava em prol da comunhão de vida estável e duradoura que havia estabelecido com o réu;

- Havia fortes laços de solidariedade recíproca entre ambos;

- A autora tudo fazia para que nada faltasse à volta do réu quanto a conforto e bem-estar no plano dos sentimentos, da amizade, da dedicação e da afeição, da colaboração e da assistência;

- Com tal vivência não se podia falar em simples namoro, mas antes de um "casamento não registado";

- Ao fim dos falados 12 anos, o réu passou a viajar sozinho para a cidade de Fortaleza, no Brasil, o que fazia várias vezes num ano e chegando a permanecer ali duas e três semanas de cada vez, sem dar notícias à autora, o que aconteceu em 2006 e 2007;

- Descobriu a A. que o réu ia-se avistar com uma brasileira, de nome CC, de 21 anos, que conheceu através da Internet, com quem passou a falar diversas vezes, a partir de Portugal, por via da mesma Internet;

- A partir daquele convívio do réu com a CC o relacionamento com dela com a autora alterou-se profundamente;

- Deixou de sair com a autora e passou a ir a bailes e a chegar tarde a casa, ficando a autora sozinha na residência de ambos;

- A autora não tolerava aqueles comportamentos do réu e viu-se obrigada a sair de casa, pois que se sentiu abandonada;

- Após a saída da autora de casa onde residira com o réu, para ali entrou a referida CC que passou a viver com o mesmo réu, que com ela casou;

- A autora sofreu enorme vexame, sentiu-se trocada por outra mulher pelo homem a quem dedicou uma vida;

- A autora ficou ferida na sua dignidade de mulher e companheira e fortemente humilhada e traumatizada;

- Tal situação provocou-lhe enorme mágoa, desgosto, depressão, angústia, desestabilização emocional e perda de convívio e de assistência;

- Foi, assim, por terra a legítima expectativa de uma união saudável, estável e duradoura em comum com o réu tal como alimentou, projectou e desenvolveu e que ele bem conhecia;

- O réu feriu em demasia a honra, consideração e orgulho da autora;

- Não havia justificação para o réu proceder daquela forma;

- A autora é uma pessoa sensível e educada que muito sofreu com a separação;

- O réu foi o único culpado na dissolução desta União de Facto, isto só aconteceu por sua exclusiva vontade;

- Numa união de facto estável e duradoura os companheiros, para o efeito, estão sujeitos a regras de respeito mútuo, de fidelidade, de coabitação, de assistência e de cooperação, ainda que não sejam casados;

- Se não fosse tão séria a união de facto, que pode ser geradora de filhos e de família, passava a ser tão simples como qualquer associação precária;

- Os companheiros, em tais circunstâncias, não devem ser considerados coisa descartável, que se usa e se joga fora depois quando "já não presta", sem quaisquer consequências;

- Com o descrito comportamento do réu a autora sofreu danos patrimoniais, assentes no trabalho doméstico que desenvolveu durante a vivência com o réu e no custeio de despesas com a manutenção do lar de ambos;

- Também a autora sofreu danos não patrimoniais com todo o sofrimento espiritual e psíquico a que o réu deu causa;

- Os danos sofridos pela autora são indemnizáveis e merecem a tutela do direito;

- O réu enriqueceu sem justa causa à custa da autora, enquanto esta empobreceu na mesma medida daquele enriquecimento;

- Se não fosse o trabalho da autora o réu teria de suportar despesas com a alimentação e com todo o trabalho doméstico efectuado por ela na casa, nos móveis e nas roupas;

- O enriquecimento do réu processou-se de forma indirecta, já que se manifestou de forma reflexa ou por efeito das prestações efectuadas pela autora;

- A autora tem direito às indemnizações apontadas na p.i., que mais não seja a título de enriquecimento sem causa (Ac. do STJ de 15/11/95 e 31/05/2005 acima referenciados);

- O Tribunal "a quo" não fez bom aproveitamento da prova gravada produzida em julgamento, nem da matéria que ele próprio deu como provada na decisão que proferiu;

- A matéria de facto dada como provada contém discrepâncias em relação aos depoimentos gravados produzidos pelas testemunhas;

- Foram violadas as regras dos artigos 473 e sgts e 496, todos do C. Civil e art.° 668º n.°1 alíneas c) e d) do C.P.C.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e condenando-se o réu em conformidade com os pedidos deduzidos pela autora.

Não houve contra-alegações

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinadas situações se impõe ao tribunal, o objecto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).

Nas conclusões, o recorrente deve - de forma clara e sintética, mas completa – resumir os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto.

Face ao exposto e às conclusões formuladas importa resolver:
a) se se verificam as nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 668ºdo CPC;
b) se se verificam os requisitos para a alteração da decisão da matéria de facto;
c) se se verificam os requisitos para ser arbitrada a indemnização reclamada pela autora/ recorrente.

II. Fundamentação
II.I. Dos Factos
Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:
a) a Autora, que era casada com DD, o qual veio a falecer em 22.09.1991, é actualmente viúva;
b) o Réu é casado com CC;
c) Autora e Réu mantiveram um relacionamento pelo menos durante 12 anos;
d) ao fim dos referidos pelo menos doze anos de relacionamento, o Réu, sem nenhuma justificação, começou a fazer, com frequência, viagens para o Brasil, sempre com destino à cidade de Fortaleza, para ali se ausentando por períodos que chegaram a durar 10 dias, 15 dias e 1 mês;
e) o que aconteceu pelo menos três vezes em 2006 e uma vez em Fevereiro de 2007;
f) sem nunca, durante aquele tempo, ter contactado a Autora de qualquer forma;
g) questionado pela Autora sobre as suas deslocações ao Brasil, respondia o Réu que ia para onde queria porque o dinheiro que gastava era dele;
h) no entanto, soube a Autora depois que o Réu deslocava-se para aquele país e para aquela cidade para se encontrar com uma namorada brasileira que ali arranjou e com cerca de 21 anos de idade, de nome CC (com quem veio a casar) e para quem, a partir de Portugal, passou rapidamente a falar através da Internet, com frequência e ansiosamente;
i) durante pelo menos cerca de 10 anos, Autora e Réu viveram juntos, como se marido e mulher se tratassem, sem nunca ter havido casamento entre eles;
j) era a Autora quem, ao longo do período referido supra, cuidava da roupa do Réu, lhe preparava e cozinhava as refeições; procedia à limpeza da casa, das roupas da mesma e dos móveis;
l) era a Autora quem do Réu tratava e era com ela que ele compartilhava os bons e os maus momentos;
m) era notório por todos os amigos de ambos que havia uma vida em comum, entre Autora e Réu, que abrangia laços de solidariedade recíproca;
n) a Autora tudo fazia, e fez, na convicção de que trabalhava em prol da comunhão de vida que havia estabelecido com o Réu;
o) assim, ainda em tal comunhão investiu trabalho, energia e esforço para proporcionar a si própria e ao Réu um bom ambiente no lar comum;
p) ao longo dos cerca de 10 anos, a Autora dedicava ao Réu um amor e um carinho especial;
q) passeando assiduamente juntos e por todo o lado, sempre sendo vistos por toda a gente como se de marido e mulher se tratassem;
r) após o referido em h) o Réu mudou o seu comportamento para com a Autora, deixando de sair com esta, antes passando a ir a bailes;
s) enquanto que a Autora, que não tolerava tais comportamentos, ficava sozinha na residência de ambos;
t) em consequência do referido em r) e s), a Autora saiu da casa onde residiu com o Réu;
u) algum tempo depois da Autora ter saído daquela casa, ali entrou a aludida namorada brasileira;
v) o descrito comportamento do Réu constitui para a Autora um grande vexame, que ficou ferida na sua dignidade de mulher e de companheira;
x) aquela separação provocou na Autora mágoa, desgosto, angústia, desestabilização emocional e perda de convívio, deitando por terra a expectativa de uma união estável e duradoura em comum, tal como projectou, alimentou e desenvolveu;
z) a Autora é uma pessoa sensível e educada que sofreu com a separação;
aa) a Autora recebia uma pensão por morte do seu marido e, em data que concretamente não foi possível apurar, a Autora pretendeu arrendar a sua casa durante uma quinzena de Julho;
ab) durante o período referido em i), a Autora saiu da casa em que vivia com o Réu, duas ou três vezes, e em cada uma das vezes por um período não superior a um mês;
ac) o Réu tem um irmão no Brasil e a Autora foi uma vez ao Brasil com o Réu;
ad) depois do referido em t), a Autora foi viver para sua casa.

II.II. Do Direito
1. Das alegadas nulidades do acórdão

Segundo a recorrente, no acórdão recorrido verificam-se as nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 668º C.P.C.

Não tem razão.

Em primeiro lugar, não é especificada nenhuma razão para a conclusão formulada. E tinha de ser.

Na verdade, a recorrente nada diz por que é que, onde é que, na decisão os fundamentos estão em oposição com o pedido ou onde é que o tribunal não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar ou tenha conhecido de questões de que não devia tomar conhecimento (com efeito, não identifica nenhuma das questões omitidas nem identifica nenhuma questão que teria sido conhecida, não devendo sê-lo). Ora não expondo/identificando o recorrente as suas razões fica o tribunal de recurso impossibilitado de as apreciar, como se reconhecerá.

Importa ter presente que quando o tribunal não dá razão à pretensão da parte – lhe nega o direito que diz ter – não há qualquer omissão de pronúncia: o tribunal pronuncia-se, só que contrariamente ao pretendido pela parte[1].

Pelo exposto, improcede a alegada nulidade do acórdão.

2. Da decisão sobre a matéria de facto

Como se sabe, o STJ conhece, em regra, somente de matéria de direito, aplicando aos factos provados pelo Tribunal da Relação o regime jurídico que julgue adequado – artigos 26.º da LOFTJ e 729.º, n.º 1, do CPC. Consequentemente, e como resulta nítido dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do CPC, está vedado a este Tribunal apurar eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

De facto, só muito raramente a decisão definitiva da matéria de facto não é uma decisão das instâncias.

Assim não tendo sido questionada a decisão da matéria de facto, nos termos excepcionais acima referidos – a recorrente nada alega sobre a eventual violação de norma de direito material probatório – aquela tem-se como assente, para todos os legais efeitos, tal como foi definida pelo Tribunal da Relação.
3. Do pedido de indemnização
Nas conclusões formuladas, alega, nomeadamente, a recorrente.

Com o descrito comportamento do réu a autora sofreu danos patrimoniais, assentes no trabalho doméstico que desenvolveu durante a vivência com o réu e no custeio de despesas com a manutenção do lar de ambos;

- Também a autora sofreu danos não patrimoniais com todo o sofrimento espiritual e psíquico a que o réu deu causa;

Tem a recorrente direito à indemnização que pede?
Em primeiro lugar, importa deixar claro que face à matéria de facto provada (para o que se remete) é inquestionável que a Autora e o Réu viveram em união de facto durante pelo menos 10 anos e que tal união se encontra actualmente dissolvida.
Sobre este ponto, aliás, não há dissenso.
A questão que se coloca agora é:
A união de facto, no ponto que nos ocupa, deve ter o mesmo tratamento do que o casamento e a sua dissolução deve ser equiparada ao divórcio?
Vejamos:
De acordo com o disposto no artigo 1576º do CC, casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão plena de vida nos termos das disposições deste código.
No que diz respeito à união de facto, dispõe o artigo 1º,nº1 da Lei 7/2001 de 11 de Maio (redacção aplicável ao caso) A presente lei regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.
Ou seja, pese embora a legislação que recentemente vem sendo publicada, maxime a Lei nº7/2001 de 11 de Maio; a Lei nº9/2010 de 31de Maio (e mesmo a recente Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto), o facto é que o legislador mantém o regime da união de facto como realidade autónoma e distinta do casamento.
Na verdade, a união de facto distingue-se essencialmente do casamento pela ausência de qualquer vínculo contratual com os correlativos direitos e deveres. Os unidos livremente juntam-se e separam-se sem consequências no domínio do direito. Com efeito, a união de facto, porque é de facto, materializa-se num viver em comunhão de vida sem qualquer vínculo legal[2].
É verdade que a norma do nº 2 do artigo 1º da Lei 7/2001 na sua anterior redacção dispunha: nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum, mas daqui não resulta, de modo nenhum, que possam ser aplicadas, sem lei expressa, às uniões de factos as normas específicas do casamento
Note-se que a norma fala em disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum. (sublinhado nosso).
Ora as normas em vigor sobre o casamento, como se reconhecerá, não são normas tendentes à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum.
Aliás e salvo o devido respeito, não parece que se possa interpretar o preceito no sentido de que “o espírito da norma seja o de possibilitar a aplicação analógica à união de facto de todas as normas que possam proteger os seus membros enquanto tal, se e na medida em que se justifique uma aproximação ou equiparação ao regime estabelecido para o casamento…” [3] .
De facto, tal interpretação seria contraditória com a existência dos dois regimes autónomos e distintos, sendo verdade que se o legislador pretendesse aquela concreta equiparação já o teria feito nos sucessivos diplomas publicados com a expressa finalidade de adoptar mediadas de protecção das uniões de facto.
(Atente-se nomeadamente na específica regulamentação prevista do mencionado artigo 3º da Lei 7/2001 de 11/05)
Em conclusão: à união de facto e à sua dissolução não é aplicável o regime do casamento e do divorcio[4].
Assim não estando, como não está, o unido vinculado juridicamente ao cumprimento dos deveres conjugais previstos nos artigos 1672 º e segs. do CC, e porque o regime da união de facto nada prevê nesse sentido, necessariamente não existe o direito a indemnização pela ruptura da união de facto (artigo 483º do CC)[5].
Do mesmo modo e pelas mesmas razões a autora não tem direito a indemnização
pelos eventuais danos não patrimoniais que a dissolução da união lhe tenha causado.
3.Do enriquecimento sem causa
A autora não tem razão
(Defende a recorrente que se não fora o seu trabalho na casa onde viveram em união de facto, o réu teria de suportar despesas com a alimentação e com todo o trabalho doméstico por ela efectuado nos móveis e nas roupas. O réu teria, assim, enriquecido de forma indirecta ou reflexa por efeito das prestações efectuadas pela autora.)
O que está em causa (não por exemplo, a compra de quaisquer bens com o dinheiro de ambos[6] durante o período da união de facto), mas o trabalho doméstico que a autora fez enquanto viveu (em união de facto, retenha-se) com o réu. Ora esta actividade, como bem se sustenta na decisão recorrida, tem de ser vista, nas circunstâncias concretas, com a sua participação, livre, para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos.
Como se reconhecerá, não está em causa qualquer enriquecimento do réu à custa da autora.
Na verdade, o trabalho da autora era a sua contribuição para a vida em comum, mas da matéria de facto não resulta que só a autora contribuísse para as despesas do lar.
Se a autora cozinhava, naturalmente que os géneros teriam de ser comparados e nada faz presumir que fosse a autora que tudo pagasse.

Como bem se escreve na decisão recorrida e referindo-se ao trabalho prestado pela autora: “com efeito, tal contribuição, envolvendo necessariamente um dispêndio de energias e de força de trabalho – os serviços domésticos – mais não é, afinal, que o cumprimento de uma obrigação natural – a de contribuir para a comunhão de vida (comunhão de cama, mesa e habitação) e para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos.
E mais à frente:
“Nos termos do art. 402º CC, a obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral e social cujo cumprimento não é judicialmente exigível mas corresponde a um dever de justiça.
É o caso da contribuição para a economia comum na união de facto, desde que assente a ausência de vínculos juridicamente relevantes entre os seus membros, designadamente os deveres de coabitação, cooperação e assistência enunciados no art. 1672º CC sobretudo estes dois últimos, na modalidades de socorro e auxílio mútuos e de assunção conjunta das responsabilidades da vida familiar (art. 1674º CC) e na de alimentos e de contribuição para os encargos da vida familiar de harmonia com as possibilidades de cada um através da afectação dos seus recursos àqueles encargos e do trabalho dispendido no lar (art. 1675º nº1 e 1676º nº1 CC).
Ora, não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente – isto é, livre de toda a coacção (art. 403º nº2 CC) - no cumprimento de uma obrigação natural (art. 403º º1 CC) .
Não sendo o trabalho dispendido no lar judicialmente exigível no âmbito da união de facto, a sua prestação como contribuição para a economia comum configura-se como cumprimento espontâneo de obrigação natural, insusceptível de ser repetido, pelo que falece à apelante e autora o direito à restituição do respectivo valor”(sublinhado nosso).
Face ao exposto e tendo em atenção nomeadamente o disposto nos artigos 483ºe 473º do CC, a pretensão da autora improcederá

III. Decisão
Nos termos expostos nega-se a revista e mantém-se a decisão recorrida
Custas pela recorrente

Em Lisboa, 06 de Julho de 2011

Sérgio Poças (Relator)
Granja da Fonseca
Silva Gonçalves


_________________________


[1] Como se sabe, uma questão, no sentido que nos ocupa – a norma do artigo 668º, acima referida, deve aproximar-se do disposto no artigo 660º, nº 2 – constitui um ponto controverso da lide a ser dirimido pelo Tribunal e não as razões que fundamentem a resolução daquela concreta controvérsia.

[2] Escrevem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira in Curso de Direito de Família (2003) ,pág. 118: “Não assumindo compromissos, os membros da união de facto não estão vinculados por qualquer dos deveres pessoais que o artigo 1672º do C Civil impõe aos cônjuges

[3] França Pitão in Uniões de Facto e Economia Comum, pág.120 e121.
[4] Embora a questão não tenha sido colocada expressamente, sempre se dirá que o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) não impõe que deva haver o mesmo regime legal para os cônjuges e para os unidos de facto.
[5]Escrevem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit. pág. 128: “Vimos já que os membros da união de facto não assumem qualquer compromisso; cada um pode romper a relação quando quiser, livremente e sem formalidades, sem que o outro possa pedir uma indemnização pela ruptura .É a solução que resulta dos princípios gerais, pois nenhum deles tem o direito de exigir do outro que mantenha a relação e o seu interesse na manutenção da união de facto não está protegido por qualquer disposição legal destinada a proteger esse interesse….” (sublinhado nosso).

[6] Como a recorrente reconhecerá, a situação presente não é semelhante à relatada no Ac. do STJ de 15/11/95, BMJ 451,38. O que neste acórdão estava em causa era a compra de prédios no período da união de facto como dinheiro da ali autora e réu, o que não se discute nos presentes autos.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5d04627fbb210c72802578cc005428bb?OpenDocument

Pesquisar neste blogue