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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 30/06/2011

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1410/06.5TTLSB.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 30-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO

Sumário: I. Como tem sido assinalado, fala-se em desconsideração da personalidade jurídica, quando a personalidade colectiva é usada de modo ilícito ou abusivo, para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios.
II. A desconsideração da personalidade jurídica só deverá, porém, ser invocada quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar, pois a aplicação desse instituto tem carácter subsidiário.
III. Não existindo da parte dos 2.ºe 3.ª réus, uma actuação que nos permita com segurança concluir que agiram em termos ilícitos “sob o manto” da sociedade, não se deve proceder à desconsideração da personalidade colectiva da sociedade 1ª ré, da qual eram os únicos sócios; e quando, como ocorre no presente caso, o que a autora pretendia obter através da invalidade da conduta da mesma ré (ser contratada por tempo indeterminado), ocorre por via das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, designadamente, as que regulam a contratação a termo que aquela pretendeu contornar.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1 Relatório

A, intentou a presente acção declarativa comum contra “B, Lda.”, e contra C e D, pedindo que seja declarado que os réus são partes legítimas para a presente acção, em virtude de estes terem sido, ao longo da vigência do contrato de trabalho, os empregadores reais da autora; declarar-se o contrato de trabalho celebrado em 01.11.1997 entre autora e réus, como sendo sem termo, e que o mesmo subsistiu entre as partes até 30.04.2005; ser declarada ilícita a cessação unilateral do contrato de trabalho – 30.04.2005 – por parte dos réus; serem os réus condenados, solidariamente, a pagar à autora todos os créditos resultantes do contrato de trabalho celebrado, da sua violação e cessação ilícita, no montante total de € 37.698,29; serem os réus condenados, solidariamente, no pagamento de € 5.000,00 a título de danos morais; serem os réus condenados, solidariamente, no pagamento de juros legais relativos às quantias peticionadas em d) e e), desde a data da citação, até integral pagamento.

Os réus contestaram, invocando a sua ilegitimidade e a prescrição dos créditos peticionados, pugnando pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, foram consignados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo-se respondido à matéria de facto, sem reclamação.

Proferida sentença foi decidido declarar extinta a instância quanto à ré “B, Lda.” por inutilidade superveniente da lide e absolver os réus C e D do pedido.

Inconformada com esta decisão dela recorre de apelação a autora, concluindo, em síntese, as suas alegações de recurso do seguinte modo:
(…)

Os réus não responderam ao recurso.

Foi recebido o recurso, observado o art.º 87.º, n.º 3 do CPT e colhidos os vistos legais.

2. Matéria de Facto
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
2.1.1. Os segundos réus, C e D, são os únicos sócios e gerentes das sociedades comerciais “B, Lda.”, “E. Lda.”, “F, Lda.” e “G, Lda.”, que têm, todas, o mesmo objecto social – (A).
2.1.2. A ré “B” remeteu à autora a carta junta a fls. 99 e 100 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, através da qual lhe comunicou a denúncia do “contrato de trabalho a termo certo, operando-se a caducidade do mesmo com efeitos a partir de 30 de Abril de 2005” – (B).
2.1.3. O contrato de trabalho da autora cessou em 30 de Abril de 2005 – (C).
2.1.4. A autora foi contratada pela 1ª ré “B, Lda.” em 01 de Novembro de 1997, para, sob autoridade e direcção da mesma, exercer as funções de empregada de balcão – (1º).
2.1.5. Atribuindo-lhe a 1ª ré, nessa altura, a categoria profissional de segunda caixeira – (2º).
2.1.6. A autora desempenhou as funções referidas no artigo 1º numa loja que a 1ª ré possui, sita no Cascaishoping (loja 30 B, Estrada Nacional, n.º 9, Alcabideche, 2765 Estoril) – (3º).
2.1.7. Desde a data referida no artigo 1º até 30 de Abril de 2005, a autora trabalhou efectiva, ininterrupta e consecutivamente por conta e sob a direcção da 1ª ré – (4º).
2.1.8. A partir de Agosto de 2004, a autora exerceu funções numa loja da “B”, sita no Centro Comercial Colombo, na Av. Lusíada, Lisboa (Loja n.º …) – (5º).
2.1.9. Nos últimos três ou quatro anos, a autora sempre desempenhou as funções de gerente das lojas da “B”, sitas no Cascaishoping e no Centro Comercial do Colombo” – (6º).
2.1.10. A ré “B” apenas inscreveu a autora como sua empregada, no Instituto de Segurança Social do Porto, a partir de 01 de Janeiro de 1998 – (7º).1.11. Desde 01 de Novembro de 1997 até 30 de Abril de 1999, quer os recibos de vencimento da autora, quer dos descontos processados para a Segurança Social foram feitos em nome da 1ª ré – (8º)
2.1.12. Desde 01 de Maio de 1999 até 31 de Dezembro de 1999, a 1ª ré inscreveu a autora na Segurança Social como sendo empregada da “E, Lda.” – (9º).
2.1.13. Sem disso dar conhecimento à autora – (10º).
2.1.14. A partir de 01 de Janeiro de 2000 até 30 de Junho de 2001, os recibos de vencimento da autora e os descontos para a Segurança Social, passaram novamente a ser processados em nome da “B, Lda.” – (11º).
2.1.15. Entre 01 de Julho de 2001 a 30 de Outubro de 2001, a “B, Lda.” não procedeu aos descontos para a Segurança Social relativos à autora – (12º).
2.1.16. Nem emitiu os recibos de vencimento da autora – (13º).
2.1.17. A partir de 01 de Novembro de 2001 e até 30 de Abril de 2003, a 1ª ré e os 2ºs réus passaram a processar os vencimentos da autora, bem como os descontos para a Segurança Social, em nome da “F, Lda.” – (14º).
2.1.18. Desde, pelo menos, 31 de Dezembro de 1999 a 31 de Maio de 2003, parte do vencimento da autora constava de recibos/documentos emitido pela “G, Lda.” e, por vezes, emitidos pela “E” e, outras vezes ainda, pela “B” – (15º).
2.1.19. A partir de 01 de Maio de 2003 até 30 de Abril de 2005, a 1ª ré passou novamente a processar os vencimentos da autora e os respectivos descontos para a Segurança Social, em nome daquela – (16º).
2.1.20. De 01 de Novembro de 1997 em diante os réus foram solicitando à autora que esta assinasse vários documentos denominados “contratos de trabalho a termo certo” – (17º).
2.1.21. Parte desses contratos não foram entregues à autora – (18º).
2.1.22. Em 15 de Abril de 1999, a “B” comunicou à autora a cessação de “contrato de trabalho a termo certo” celebrado com a autora em 01 de Novembro de 1997, dizendo fazê-lo cessar em 30 de Abril de 1999 – (19º).
2.1.23. Em 16 de Abril de 1999, a 1ª ré fez a autora assinar um novo “contrato de trabalho a termo certo”, pelo prazo de 8 meses – (20º).
2.1.24. Em tal documento consta como sendo entidade empregadora da autora a “E, Lda.” – (21º).
2.1.25. E que a contratação da autora a termo certo se justificava pela abertura de mais uma loja B, pelo que se revelava imprescindível a contratação da mesma” – (22º).
2.1.26. Em Setembro de 1999 a “B” exigiu que a autora assinasse um documento denominado “declaração” onde a autora refere nada ter ficado a dever à firma “B, Lda.” – (23º).
2.1.27. E em que declara ter recebido da mesma “todas as remunerações a que tem direito, fruto da caducidade do contrato de trabalho a termo certo” – (24º).
2.1.28. E em que declara ter recebido da mesma “todas as remunerações a que tem direito, fruto da caducidade do contrato de trabalho a termo certo” – (25º).
2.1.29. Tal documento foi emitido pela B, sem data – (26º).
2.1.30. O teor da carta referida em B) foi comunicado à autora cerca de uma semana depois, quando a autora já se encontrava de férias – (27º).
2.1.31. Desde 01 de Novembro de 1997, a autora auferiu, a título de vencimento líquido, a quantia de € 750,00 mensais – (28º).
2.1.32. Desde 01 de Novembro de 1997 foi fixado à autora um período normal de trabalho de quarenta horas semanais – (29º).
2.1.33. Desde, pelo menos, Janeiro de 2000, a autora trabalhou sempre de segunda-feira a sábado, das 10.00 às 19.00 – com uma hora de intervalo para almoço – ou das 14.00 às 23.00 horas – com um intervalo para jantar -, tendo um dia de descanso em cada semana, que era gozado ao Domingo – (30º).
2.1.34. O que aconteceu por exigência das rés – (31º)
2.1.35. Desde Janeiro de 2000 até à cessação do contrato de trabalho, a autora prestou trabalho em 2.016 horas para além das quarenta horas semanais – (32º)
2.1.36. A autora nunca gozou dias de descanso compensatório – (33º)
2.1.37. Desde 01 de Novembro de 1997, a autora sempre desempenhou as mesmas funções – (34º)
2.1.38. E sempre recebeu ordens e instruções do 2º réu C – (35º)
2.1.39. A autora gozou quinze dias de férias vencidas no dia 01 de Janeiro de 2005 – (36º)
2.1.40. Os facos imputados à autora no documento junto a fls. 99 e 100 não correspondem à verdade – (37º)
2.1.41. E foram enunciados com o objectivo de desmobilizar qualquer reacção por parte da autora – (38º)
2.1.41. Provado que a autora se sentiu humilhada e ofendida – (39º e 40º)
2.1.42. Decorridos uns meses sobre a data da cessação do contrato, a autora teve que ser hospitalizada por doença física – (44º)
2.1.43. Por sentença proferida no processo n.º .../09.7TYVNG que correu termos no 2º juízo do Tribunal do Comércio de ..., transitada em julgado em 29.03.2009, foi a ré “B, Lda.” declarada insolvente – (cf. certidão junta a fls. 367 a 370).

3. O Direito
De acordo com o preceituado nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], aplicáveis ex vi do art.º 1.º, n.º 2, alínea a) e art.º 87.º do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Daí que, as questões que a recorrente coloca à nossa apreciação consistam no seguinte:
1. Nulidade da sentença
2. Impugnação da matéria de facto
3. Desconsideração da personalidade colectiva da ré

3. 1 Da nulidade da sentença
Sustenta a autora que, nos termos do art.º 668.º, n.º 1, alínea c), existe nulidade da sentença, em virtude de os fundamentos de facto estarem em contradição com a decisão.
De acordo com o n.º 4, do art.º 668º, a arguição de nulidades (salvo a respeitante à falta de assinatura do juiz e a omissão quanto a custas) deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão, se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Este é o regime do Código de Processo Civil.
O processo laboral, importa atentar no n.º 1 do art.º 77,º do Código de Processo do Trabalho, segundo o qual a “arguição de nulidades da sentença é feita expressamente e separadamente no requerimento de interposição do recurso”. (sublinhados nossos).
Já antes, a esse respeito, se estabelecia no anterior Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30/9, no seu art.º 72.º, nº 1, o seguinte:
"A arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso ".
Esta regra peculiar de que as nulidades da sentença têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (n.º 3 do art.º 77.º). Para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
E tem sido entendimento pacífico, a nível jurisprudencial, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações - cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ, 1995, III, 279, e de 23/4/98, BMJ, 476, 297.
No caso em apreço, a recorrente não arguiu a nulidade no requerimento de interposição do recurso, deixando-a, bem como à sua fundamentação, para as alegações do recurso e respectivas conclusões, o que torna extemporânea a arguição da referida nulidade e obsta a que dela se conheça. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 28/1/98, Ac. Dout., 436, 558, de 28/5/97, BMJ 467, 412, de 8/02/2001 e 24/06/2003, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt.
Termos em que se decide não conhecer da arguida nulidade.

3. 2 Da impugnação da matéria de facto
Sustenta a autora que deveria ter sido dado como provado o quesito 41.º deveria ter sido dado como provado, por força do depoimento de H, que era colega da autora e teve conhecimento das acusações que lhe foram feitas.
Dispõe o art.º 690.º-A, n.ºs 1 e 2, o seguinte:
“1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (sublinhados nossos).
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C”[2].
Por sua vez, estabelece o n.º 2 do Art.º 522.º-C do mesmo diploma, o seguinte:
“2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento”[3].
No presente caso, a autora limita-se a referir que a testemunha H “tinha conhecimento da aludida missiva em que são feitas acusações”, para dizer que deveria ter sido dado como provado o quesito 41.º da Base Instrutória (onde se perguntava se os colegas da autora souberam das acusações que eram feitas a esta), sem concretizar as especificas passagens do depoimento, em que se fundamenta, para considerar incorrectamente julgada a referida matéria de facto.
O Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto nos termos do disposto no art. 712, n.ºs 1 e 2. Importa, no entanto, que o faça com a parcimónia devida. Na verdade, o contacto directo com os depoentes em audiência permite colher impressões do comportamento de cada um deles que habilitam o Juiz a concluir pela veracidade ou não dos respectivos depoimentos, o que é impossível de transmitir através da reprodução dos registos sonoros. E, mesmo relativamente ao registo vídeo, a sua reprodução não possibilita a interacção da pergunta-resposta, típica do diálogo da audiência, ficando os Juízes numa posição passiva ou estática, tendo de se conformar com o material que lhes é dado, pois não podem pedir esclarecimentos, por exemplo. De qualquer modo, sendo os nossos registos apenas sonoros, a sua falibilidade é muito maior. É por isso que se tem entendido que o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao principío da oralidade, da prova livre e da imediação.
A matéria do quesito 41.º, diz respeito ao facto (da generalidade) dos colegas da autora saberem das acusações que lhe foram feitas pelos réus, tendo-a a autora invocado para justificar os danos não patrimoniais que alegou. Ora, ponderando a globalidade da prova produzida, não pode concluir-se, em termos seguros, no sentido do pretendido pela autora, sendo que a testemunha I, que abordou essa temática, o fez em termos pouco firmes ou consistentes.
Não existem, assim, motivos que nos levem a alterar a decisão da matéria de facto, tal como foi fixada em 1.ª instância, improcedendo, nessa parte, as conclusões de recurso.

3. Da desconsideração da personalidade colectiva da ré
Pretende a autora, que seja desconsiderada a personalidade colectiva da 1.ª ré, que foi usada de modo ilícito para a prejudicar, nomeadamente não lhe facultando contrato sem termo resolutivo.
A matéria da desconsideração da personalidade das pessoas colectivas tem sido abordada em termos doutrinários e jurisprudenciais. Pretende-se com essa figura superar ou ultrapassar a autonomia pessoal e patrimonial das pessoas colectivas quando ela é abusada, o que tem sido sobretudo tratado a nível de direito comercial. Opera-se, designadamente, o levantamento da personalidade colectiva «quando ocorre o aproveitamento ilícito desta autonomia para obter a fuga à imputação pessoal e à responsabilidade patrimonial por parte dos sócios de sociedades comerciais de responsabilidade limitada», Cfr. Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2007, Almedina, 4.ª Edição, pág. 183.
Os contornos da referida figura têm sido abordados pelos nossos tribunais superiores, em termos que se sintetizam através das seguintes passagens: “Fala-se em desconsideração da personalidade jurídica, “[q]uando a personalidade colectiva seja usada de modo ilícito ou abusivo, para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, é possível proceder ao levantamento da personalidade colectiva: é o que a doutrina designa pela desconsideração ou superação da personalidade jurídica colectiva” – Cf. MENEZES CORDEIRO, O Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e Comercial, Almedina, 2000, p. 122 e ss; PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais, p. 77.“Em tese geral, pode dizer-se que a desconsideração da personalidade jurídica da pessoa colectiva, imposta pelos ditames da boa fé, se traduz no desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus membros”. Nos casos de desconsideração, a própria sociedade (pessoa colectiva) desvia-se da rota traçada pelo ordenamento jurídico, optando por um comportamento abusivo e fraudulento que não pode ser tolerado na utilização funcional da sociedade ou de que aquela conduta não é substancialmente da sociedade mas do ou dos seus sócios (ou ao invés).A sociedade é, assim, utilizada para mascarar uma situação; ela serve de véu para encobrir uma realidade – Cf. PEDRO CORDEIRO, ob. cit., p. 73, nota 75.A Desconsideração da personalidade jurídica engloba o abuso da personalidade e o abuso da responsabilidade limitada. Tradicionalmente a desconsideração da pessoa colectiva é construída como técnica que permite subtrair o património (pessoal ou social) dos sócios ao benefício da responsabilidade limitada – v. RICARDO COSTA, Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 30, p. 10 e ss. É neste domínio do abuso da responsabilidade limitada que o instituto da desconsideração da personalidade adquire toda a sua dimensão. Hoje, estão mais ou menos sistematizadas as condutas societárias reprováveis que, nessa vertente, podem conduzir à aplicação do referido instituto. De entre elas, avultam: a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade e dos sócios; a subcapitalização, originária ou superveniente, da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade; as relações de domínio grupal – v. RICARDO COSTA, loc. cit., pp. 13/14 e MENEZES CORDEIRO, Manual do Direito das Sociedades, I, p. 364.Mas, também na vertente do abuso da personalidade se podem perfilar algumas situações em que a sociedade comercial é utilizada pelo(s) sócio(s) para contornar uma obrigação legal ou contratual que ele, individualmente assumiu, ou para encobrir um negócio contrário à lei, funcionando como interposta pessoa. Nessas hipóteses, desde que seja patente um comportamento abusivo e fraudulento por parte de determinado sócio, em prejuízo de terceiros, supera-se a capa da sociedade e passa a ver-se esse sócio, que responderá individualmente perante o lesado, após ser chamado a juízo – v. MENEZES CORDEIRO, Manual, p.369. A desconsideração da personalidade jurídica só deverá, porém, ser invocada quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar. Por isso se diz que a aplicação desse instituto tem carácter subsidiário – v. AMILCAR FERNANDES, “Responsabilidade dos Sócios por Actos da Sociedade”, Textos do CEJ Sociedades Comerciais, 1994/1995, p. 65. Para além disso, é ainda necessário determinar se existe e com que potencialidade uma actuação em fraude à lei” Cfr. Acórdão do STJ de 12.05.2011, processo 280/07.0TBGVA.L1, www.dgsi.pt. (sublinhados nossos).
Postas estas considerações, afigura-se-nos que na presente situação não é caso de proceder ao levantamento da personalidade colectiva da 1.ª ré. Com efeito, nos presentes autos apurou-se que a autora celebrou contrato de trabalho com a 1.ª ré, B, Lda. E, e se é facto que a autora veio a celebrar contrato(s) com outras sociedades pertencentes aos mesmos sócios (2.º e 3.º réus), e que em certos períodos temporais foram processados salários à autora e efectuados os pertinentes descontos para a Segurança Social em nome de outras empresas pertencentes aos mesmos sócios, o que inculca a ideia que a 1.ª ré, se pretendeu eximir às suas responsabilidades enquanto empregadora - em particular no que concerne à aquisição de vínculo definitivo por parte da autora – o que é facto é que os ditos sócios (2.º e 3.ª réus), não agiram na qualidade de entidade patronal da autora. Efectivamente, como resulta da matéria de facto apurada, quem assumiu essa qualidade foi a 1.ª ré, por conta e sob a direcção da qual, desde 1 de Novembro de 1997 até 30 de Abril de 2005, a autora desempenhou as suas funções. A circunstância de o 2.º réu sempre ter dado ordens ou instruções à autora, não tolhe a referida afirmação, porquanto como resulta da natureza das coisas, sendo o empregador uma sociedade, os respectivos poderes têm, naturalmente, de ser exercidos por pessoas físicas, devendo ainda anotar-se que nenhuma intervenção teve a 3.ª ré, no decurso da relação laboral da autora. Deste modo, não existe da parte dos 2.ºe 3.ª réus, uma actuação que nos permita com segurança concluir que agiram em termos ilícitos “sob o manto” da sociedade, B, Lda., aqui 1.ª ré. E se, nos termos referidos, pode concluir-se que a 1.ª ré com o seu comportamento terá pretendido contornar (ou defraudar) a lei laboral, por forma a impedir a autora de adquirir a qualidade de trabalhadora permanente - os factos apurados, a duração do contrato a natureza do tipo de necessidade da empresa, sempre nos levariam a considerar, ao abrigo das regras que regem a contratação a termo, que autora à data da comunicação da cessação do contrato, mantinha com a ré um contrato por tempo indeterminado (artigos 41.º, 42.º, 44.º e 46.º do DL 64-A/89, de 27.02 e artigos 129.º, 130.º, 131.º, 132.º, 139.º, 140.ºe 141.º do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto). Ou seja, o que a autora pretendia obter, através da invalidade da conduta da 1.ª ré, ocorre por via das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, designadamente as que regulam a contratação a termo, não sendo, pois, de operar a desconsideração da personalidade colectiva da 1.ª ré, visto a referida figura assumir, como se viu, carácter subsidiário. Não se olvide, que a autora apesar da tese que sustentou demandou a 1.ª ré, na qualidade de responsável solidária. Improcedem, pois, as conclusões de recurso quanto a esta matéria.


4. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela autora.

Lisboa, 30 de Junho de 2011.

Albertina Pereira
Natalino Bolas
Ferreira Marques
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[1] Serão deste diploma todas as referências normativas sem menção de origem.
[2] Redacção introduzida pelo Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto.
[3] Redacção introduzida pelo diploma referido na nota anterior.

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/c51e3277ab856c17802578d30055c845?OpenDocument

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