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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

INSOLVÊNCIA QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA ALIMENTOS A FILHOS MAIORES - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 03/07/2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1966/11.0TBGMR-C.G1
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
ALIMENTOS A FILHOS MAIORES

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03-07-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário: I – Dado que a qualidade de sócio ou gerente de uma sociedade comercial não equivale à titularidade de qualquer empresa, o devedor singular – ainda que sócio gerente de uma sociedade comercial – não sendo titular de qualquer empresa, não está sujeito ao dever de apresentação à insolvência e, como tal, a omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da sua situação económica, não tem relevância para efeitos de qualificação da insolvência (art. 186º, nº 5, do CIRE).
II – Os alimentos devidos aos filhos menores do insolvente ou o valor necessário para o seu sustento têm que ser ponderados e fixados no processo de insolvência, em função dos critérios aqui definidos – seja por aplicação do art. 93º do CIRE; seja pela fixação do valor ou despesas que se consideram excluídas do rendimento disponível, em caso de exoneração do passivo restante (art. 239º, nº 3, i) e iii) do CIRE); seja pela determinação da parcela de rendimentos do trabalho que não é apreendida por ser impenhorável e necessária ao sustento do agregado familiar (art. 824º do C.P.C.) ou seja pela sua inclusão, quando for o caso, nos alimentos devidos ao próprio insolvente, a fixar nos termos do art. 84º do CIRE – e sem qualquer vinculação ao valor que havia sido fixado anteriormente e, designadamente, ao valor que o próprio insolvente se obrigou a pagar.
III – Consequentemente, o facto de o insolvente ter assumido a obrigação de pagar uma determinada prestação de alimentos (450,00€) ao seu filho menor – não correspondendo, em rigor, a nenhum dos actos que estão previstos no art. 186º, nº 2, a), do CIRE e não sendo uma obrigação cujo cumprimento se imponha no processo de insolvência, nos exactos termos em que foi assumida – não assume qualquer relevância para efeitos de qualificação de insolvência.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I.
Nos autos de insolvência referentes a J.., o Administrador de Insolvência veio apresentar o seu parecer relativamente à qualificação da insolvência, propondo que a mesma seja qualificada como fortuita, sendo que idêntica posição foi adoptada pelo Ministério Público.
Por despacho de 18/11/2011, considerou-se que havia indícios de que agravamento culposo da situação da insolvência, o que determinaria a sua qualificação como culposa e, nessa medida, determinou-se a notificação do Administrador da Insolvência para prestar esclarecimentos, o que, efectivamente, sucedeu.
Na sequência desse facto, o Ministério Público veio emitir parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa em virtude de o Insolvente ter contraído novos empréstimos que agravaram o seu estado de insolvência.
O Insolvente – após citação – veio deduzir oposição, sustentando que a insolvência deve ser qualificada como fortuita.
Foi proferido despacho saneador e foi elaborada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.
Após realização da audiência de discussão e julgamento – onde apenas foi ouvido o Administrador da Insolvência – foi proferida decisão que qualificou a insolvência como culposa, decretando a inibição do Insolvente, J.., para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa durante um período de 5 (cinco) anos.

Inconformado com tal decisão, o Insolvente veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
I. A douta sentença recorrida sofre do vício de erro de julgamento quanto à apreciação e valoração da prova, ferindo assim o disposto no art.º 712.º do Código do Processo Civil e a prova produzida é insuficiente para a matéria dada como provada e não provada.
II. A douta sentença recorrida é nula porque deixa de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar - alínea d) do art.º 668.º do Código de Processo Civil.
III. Entende, porém, o recorrente que a matéria de facto provada é insuficiente para aquele efeito, e daí o presente recurso.
IV. Em primeiro lugar, não resultou provada qualquer destruição, danificação, inutilização, ocultação ou desaparecimento no todo ou parte considerável do património das empresas em que o recorrente foi sócio - gerente (C.., Lda. e A.., Lda.
V. O recorrente foi entre 28.09.2005 e 16.02.2011, sócio - gerente da C.., Lda.
VI. Mas, apesar de todas as condicionantes externas, constata-se que a actividade da gerência se pautou pela tentativa de satisfazer todas as obrigações assumidas, não havendo exploração deficitária ou em proveito alheio aos interesses da sociedade ou do recorrente.
VII. O recorrente aplicou os valores das dívidas contraídas, para manter a sociedade a laborar de forma a obviar o desemprego dos funcionários. O recorrente apenas assumiu nos créditos uma posição de garante.
VIII. Não pode o Tribunal a quo ignorar que, as instituições financeiras credíveis como o são, seguramente fizeram um estudo prévio de capacidade do esforço financeiro da sociedade e dos avalistas, antes de lhe conceder o crédito, e concluíram que os mesmos eram capazes de cumprir a obrigação assumida, e como tal revelaram-se honestos nas suas declarações que entenderam por bem solicitar ás referidas instituições financeiras.
IX. O recorrente e a sociedade só não cumpriram alguns dos contratos financeiros assumidos, porque a sociedade não conseguia cobrar dos seus clientes, fruto da crise instalada.
X. A crise não foi nem é imputável ao recorrente, nem pode ser usada como elemento que este tivesse de considerar, ainda mais porque a crise económica que o país e o mundo atravessam, era inimaginável que tivesse o alcance obtido.
XI. Apesar da crise, a sociedade está a cumprir acordos de pagamentos outorgados com algumas entidades financeiras.
XII. Também, não podia ignorar o Tribunal a quo, que os créditos são contraídos por quem não possui meios para pagar a "pronto" uma determinada obrigação, e que só o facto de ter contraído um crédito numa situação de incapacidade financeira, não significa que tenha actuado com culpa grave.
XIII. No limite há culpa do lesado nos termos do art.º 570.º do Código Civil, o que desde logo elimina a culpa grave do recorrente, pois ao ter sido concedido o crédito, mesmo na qualidade de avalista, o Recorrente ficou impedido de considerar, do ponto de vista objectivo, critério de estima do Tribunal a quo, estava insolvente, excepção que se arguí para todos os efeitos legais.
XIV. Também a douta decisão judicial, altera a posição inicial do parecer do Exmo. Administrador, que qualificou a insolvência de fortuita, em virtude da obrigação legal do pagamento da prestação alimentícia por parte do aqui recorrente.
XV. O recorrente é solteiro, maior, e pai de um filho menor.
XVI. Não seria admissível prejudicar o filho do recorrente, por ter este sido declarado insolvente, sob pena de grande injustiça e desprotecção jurídica.
XVII. É a obrigação geral de alimentos consignada no art.º 2009.º do Código Civil a que o art.º 93.º do C.I.R.E. se reporta, integrando-se a obrigação de sustento de filhos menores nos termos decorrentes das "Responsabilidades Parentais” na previsibilidade do art.º 239.º, n.º 3 al. b) i) do C.I.R.E.
XVIII. Estando fixada, por sentença proferida em autos de Regulação de Responsabilidades Parentais, do 4º juízo do Tribunal Judicial de Guimarães, no Processo nº .., que regulou as responsabilidades parentais referente ao filho menor do Apelante/insolvente, a prestação alimentícia mensal de € 450,00 euros, para o menor, entendemos que este valor deverá integrar-se no conceito de despesas de sustento do “agregado familiar”, nos termos do art.º 239º, nº 3 al. b) i) do C.I.R.E., tratando-se, ainda, de valor a cujo pagamento o insolvente se encontra adstrito, e que é prevalecente.
XIX. Pelas razões aduzidas, entende o recorrente, que o Tribunal a quo, não podia nem devia considerar o valor da prestação alimentícia mensal de argumento para tentar provar a culpa do Apelante.
XX. De facto, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 173/2009, publicado no D.R., I Série, de 04/05/2009, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do citado art.º 189.º, n.º 2, alínea b), por violação dos art.º 26.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República portuguesa.
XXI. A verdade, porém, é que, tendo em atenção a fundamentação do referido acórdão - e não obstante a existência de opiniões discordantes (cfr. designadamente, a decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 651/07, proferida pelo Conselheiro João Cura Mariano) - não se vislumbra qualquer razão que justifique um tratamento diverso das demais pessoas que possam ser afectadas pela qualificação da insolvência, como é o caso da pessoa singular que foi declarada em situação de insolvência.
XXII. E isso mesmo é reconhecido pelo relator do referido acórdão (Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro) que, em declaração de voto, escreve: " ... entendo que o pedido poderia ter ido mais longe, facultando uma decisão de âmbito subjectivo não circunscrito a esses sujeitos, antes coincidente com o universo dos afectados com a medida (os identificados no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE), para o que, aliás, já dispunha de decisões em processos de fiscalização concreta em número bastante. Partindo, como parto, da convicção firme de que uma medida restritiva da capacidade civil, mesmo da capacidade de agir negocial, está, também por imperativo constitucional, vinculada ao fim de tutela do próprio incapaz, e de que não é essa a teleologia da norma em questão, não descortino qualquer razão para circunscrever o alcance da decisão àquela categoria de inabilitados".
XXIII. Com efeito, aceitando-se, como se refere na fundamentação do citado Acórdão que a privação ou restrição da capacidade será sempre uma medida de carácter excepcional que só se justifica, pelo menos em primeira linha, pela necessidade de protecção do próprio incapaz.
XXIV. E que, para além do disposto no n.º 4 do art.º 26.º da Constituição, as restrições à capacidade civil, incluindo a capacidade de agir, só são legítimas quando os seus motivos forem "pertinentes e relevantes sob o ponto de vista da capacidade da pessoa", não podendo também a restrição "servir de pena ou de efeito de pena" (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 180).
XXV. E, nessa perspectiva, impõe-se concluir que a citada norma é inconstitucional, não só nas situações directamente abrangidas pela declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral (em que o visado é o administrador de sociedade comercial declarada insolvente), mas também nas situações em que, como acontece no caso “sub-judice”, o sujeito visado é a pessoa singular que foi declarada insolvente - cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 15.07.2009, Processo 7462/07.3TBVNG-B.P1.
XXVI. Deve assim, revogar-se a douta decisão judicial em virtude das razões de facto e de direito por violação das normas acima e razões aduzidas.
Com estes fundamentos, conclui pela revogação da decisão recorrida, qualificando-se como fortuita a sua insolvência.

Não foram apresentadas contra-alegações.
/////
II.
Questão a apreciar:
Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se estão ou não reunidos os pressupostos para que a insolvência possa ser qualificada como culposa.
/////
III.
Na 1ª instância, foi fixada a seguinte matéria de facto:
a) Por sentença datada de 15.07.2011, a fls. 108ss dos autos principais, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de J.., no seguimento da apresentação à insolvência efectuada pelo próprio em 14.05.2011 – alínea A) dos factos assentes;
b) O insolvente é técnico administrativo, auferindo mensalmente €800 – alínea B) dos factos assentes;
c) O insolvente foi entre 28.09.2005 e 16.02.2011, sócio-gerente da C.. Lda., sociedade comercial por quotas que se dedica à indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas, preparação dos locais de construção, nomeadamente demolições e terraplanagens e compra e venda de imóveis – alínea C) dos factos assentes;
d) Em 17.02.2011 o insolvente alienou ao pai a quota que detinha da C.. e simultaneamente cessou as suas funções enquanto gerente da sociedade, tendo o pai assumido a gestão da empresa – alínea D) dos factos assentes;
e) O insolvente é desde 22.01.2001 sócio da A.. Lda., sociedade comercial por quotas que se dedica à construção civil e à compra e venda de imóveis – alínea E) dos factos assentes;
f) Não se logrou a apreensão ao insolvente de qualquer bem de sua pertença – alínea F) dos factos assentes;
g) Foram reconhecidos créditos cujo valor global ascende a €101.801,20 – alínea G) dos factos assentes;
h) Dos créditos reconhecidos:
i. €6.189,97 foi reclamado pelo Banco.., referentes a um contrato de mútuo celebrado com a C.. em 23.10.2008, no qual o insolvente figura como avalista, e incumprido desde 25.02.2010;
ii. €12.152,59 foi reclamado pelo .., estando titulado por livrança à qual foi aposta a data de subscrição de 28.07.2011, livrança essa subscrita pela C.. e avalizada pelo insolvente e vencida em 26.08.2011;
iii. €6.071,93 foi reclamado pelo .., reportado a um contrato para aquisição de veículo celebrado em momento anterior a Janeiro de 2005 e incumprido desde 21.04.2009;
iv. €58.475,29 foi reclamado pela ..e é relativo a:
− €12.988,09 a um contrato de mútuo celebrado em 12.11.2009 com a A..Lda. e na qual o insolvente figura como fiador, contrato esse incumprido desde 12.04.2010;
− €12.243,03 encontra-se titulado por uma livrança subscrita pela C.. e avalizada pelo insolvente, vencida desde 15.07.2011;
− €31.251,79 a um contrato de mútuo celebrado em 15.09.2010 e incumprido desde 15.10.2010;
− O remanescente, ao saldo em dívida decorrente da utilização de dois cartões de crédito, cuja utilização foi contratada em 09.07.2009 e 20.11.2009 – alínea H) dos factos assentes.
i) Em 29.02.2008 foi instaurada contra o insolvente, os seus pais e a A..Lda. pelo.. a execução comum para pagamento de quantia certa com vista à cobrança coerciva da quantia de €11.143,15, titulada por livrança subscrita em 08.06.2004 pela pessoa colectiva e avalizada pelas pessoas singulares e vencida em 14.08.2007; o insolvente foi citado para a execução em 22.07.2008; este crédito foi reconhecido pelo Exmo. Sr. AI na listagem a que alude o art. 129.º CIRE, pelo valor de €12.636,25 – alínea I) dos factos assentes;
j) Em 06.06.2011 foi instaurada contra o insolvente pelo .. a execução comum para pagamento de quantia certa com vista à cobrança coerciva da quantia de €5.212,01, reportado a um crédito contraído em 25.03.2009 pelo montante de €6.829,80 e incumprido desde 22.09.2010; este crédito foi reconhecido pelo Exmo. Sr. AI na listagem a que alude o art. 129.º CIRE – alínea J) dos factos assentes;
k) Em 09.06.2011, no âmbito da conferência de pais realizada no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais atinentes ao menor J.., o insolvente vinculou-se ao pagamento de uma prestação de alimentos no valor mensal de €450 – alínea K) dos factos assentes;
l) A livrança referida em H)ii) reporta-se a um contrato de mútuo celebrado em Janeiro de 2008, tendo sido entregue em branco ao .. em Janeiro de 2001 – resposta aos quesitos 1.º e 2.º;
m) Foi o .. que apôs na referida livrança a data de 28.07.2011 como sendo a data de subscrição – resposta ao quesito 3.º.
/////
IV.
Apreciemos, pois, as questões suscitadas no recurso.
O Apelante começa por invocar a nulidade da sentença, nos termos do art. 668º, alínea d) do Código de Processo Civil, por ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
A verdade, porém, é que o Apelante não identifica as questões cuja apreciação teria sido omitida, o que conduz à improcedência dessa alegação.

Analisemos, pois, o mérito do recurso.
A decisão recorrida qualificou a insolvência como culposa por considerar verificadas as situações previstas no art. 186º, nº 2, alínea a) e nº 3, alínea a) do CIRE , importando saber, perante a discordância do Apelante, se a matéria de facto provada permite ou não concluir pela verificação dessas situações.
Dispõe o art. 186º, nº 1:
“A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
Dispõe o nº 2, alínea a):
“Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor”.
E, dispõe o nº 3, alínea a):
“Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência”.
Por outro lado, e tal como preceitua o nº 4 da mesma disposição “O disposto nos n.os 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações”.
Tal como resulta do nº 1 da citada disposição legal, a qualificação da insolvência como culposa exige, além do dolo ou culpa grave, uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Todavia, a prova da culpa e do nexo de causalidade é dispensada quando se verifique alguma das situações previstas no nº 2.
Com efeito, ao estatuir que a insolvência se considera “…sempre culposa…” quando se verifique uma das situações aí previstas, o referido nº 2 veio estabelecer uma presunção “iuris et de iure”, não sendo, por isso, admissível prova em contrário.
Daí que a verificação qualquer uma das situações aí previstas determine necessariamente a qualificação da insolvência como culposa.
A situação é diversa nas situações previstas no nº 3, onde apenas se estabelece uma presunção de culpa grave que, naturalmente, pode ser ilidida.

Comecemos por analisar esta última situação.
Tal como mencionámos, a decisão recorrida considerou verificada a situação a situação prevista na alínea a) do citado nº 3 – por ter sido incumprido o dever de apresentação à insolvência – da qual decorre uma presunção de culpa que não teria sido ilidida.
Não nos parece correcto este entendimento.
É evidente, perante o disposto no nº 5 da norma citada, que a omissão ou retardamento na apresentação à insolvência não implica que a insolvência seja considerada culposa – ainda que daquela situação tenha resultado um agravamento da situação económica do insolvente – se estiver em causa uma pessoa singular não obrigada a apresentar-se à insolvência.
Ora, na nossa perspectiva – e ao contrário do que se considerou na decisão recorrida – é esta a situação dos autos.
Determinando o art. 18º, nº1, que o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos sessenta dias seguintes à data do conhecimento da sua situação de insolvência, logo dispõe o nº 2 da citada norma que não estão sujeitas a esse dever de apresentação à insolvência as pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência.
Ora, o Insolvente – pessoa singular – não era titular de qualquer empresa (pelo menos tal não resulta dos autos) e, portanto, não estava sujeito àquele dever.
Refere-se, a este propósito, na decisão recorrida que o Insolvente foi sócio gerente de uma sociedade por quotas até cerca de dois meses antes de se apresentar à insolvência e, nesse momento, já se encontrava instalada a situação de insolvência, concluindo, por isso, que o mesmo não estava desonerado do dever de apresentação à insolvência.
Mas, salvo o devido respeito, a qualidade de sócio, gerente ou administrador de uma sociedade comercial não equivale à titularidade de qualquer empresa - neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 20/04/2010 e de 06/10/2009, com os n.ºs convencionais JTRP00043876 e JTRP00043002, em http://www.dgsi.pt - (o titular da empresa não é o sócio, gerente ou administrador da sociedade, mas sim a própria sociedade, que é pessoa jurídica diversa dos respectivos sócios, gerentes e administradores) e, portanto, dessa qualidade não decorre qualquer obrigação de apresentação à insolvência, quando o que está em causa é sua própria insolvência e não a insolvência da sociedade da qual é sócio ou gerente.
Assim, não resultando da matéria de facto provada que o Insolvente seja – ou alguma vez tenha sido – titular de qualquer empresa, não estava sujeito ao dever de apresentação à insolvência (cfr. citado art. 18º, nº 2) e, por conseguinte, o retardamento da apresentação à insolvência, ainda que daí tenha resultado um efectivo agravamento da situação económica do insolvente e um efectivo prejuízo para os credores, não implica que a insolvência seja considerada culposa, como decorre expressamente do citado art. 186º, nº 5.
Não ocorre, pois, a situação prevista no nº 3, alínea a) da norma acima citada e, portanto, não pode aqui ser considerada qualquer presunção de culpa grave.

Analisemos agora a situação prevista no art. 186º, nº 2, alínea a).
Para concluir pela verificação desta situação, considerou a decisão recorrida o facto de o Insolvente se ter vinculado voluntariamente ao pagamento de uma prestação de alimentos ao seu filho menor, no valor de 450,00€, circunstância que foi equiparada a uma ocultação do seu património a subsumir no âmbito de previsão da norma citada.
Com efeito, escreve-se na decisão o seguinte:
“Por fim, sempre se dirá ainda que dúvidas se levantam quanto à voluntária vinculação ao pagamento de uma prestação de alimentos no valor mensal de €450 ao filho menor (próximo, portanto, do valor do salário mínimo nacional) já após a sua apresentação à insolvência, sem que resulta da conferência de pais em que tal foi acordado que o menor tenha necessidades especiais que importem gastos daquela importância.
Ora, o cumprimento dessa prestação de alimentos tornaria impossível a liquidação de quaisquer das dívidas vencidas no âmbito de eventual incidente de exoneração do passivo restante, por inexistir qualquer rendimento disponível susceptível de cessão.
Esta atitude do requerido parece enquadrar-se numa tentativa de eximir parte significativa do seu vencimento ao pagamento das dívidas vencidas, salvaguardando desse modo o grosso do seu rendimento. Aliás, em última análise, e porque o requerido exerce conjuntamente com a mãe do menor o exercício das responsabilidades parentais atinentes ao filho, estar-se-á a atribuir ao insolvente o poder de gerir, pelo menos parcialmente, parte do vencimento utilizado no pagamento da referida prestação alimentícia, sem que, repete-se, resulte que o menor careceria de uma prestação alimentícia tão avultada.
Esta atitude do requerido quase que pode ser qualificada como consubstanciando uma ocultação de parte significativa do seu património, aqui interpretado num sentido lato de modo a abranger não sómente as coisas corpóreas existentes mas igualmente créditos futuros como os advenientes de um salário, assim se preenchendo a presunção plasmada no art. 186.º/2/al. a) CIRE”.
Concordamos com o facto de estar em causa uma nítida tentativa de salvaguardar uma parcela significativa do rendimento auferido, com destino ao filho do Insolvente (e, eventualmente, com destino ao próprio Insolvente) e em manifesto prejuízo dos credores.
Note-se que não estamos perante uma obrigação de alimentos que tenha sido fixada judicialmente, com efectiva ponderação das necessidades do menor e das possibilidades do progenitor; estamos perante uma obrigação que foi voluntariamente assumida pelo Insolvente – num momento em que já se havia apresentado à insolvência – e relativamente à qual não foi apresentada qualquer justificação.
De facto, uma pensão de 450,00€ mensais – que será, à partida, excessiva, ainda que se desconheçam as efectivas necessidades do menor – é, evidentemente, desproporcionada face às possibilidades do Insolvente que apenas aufere 800,00€ mensais e que se encontra em situação de insolvência. Com o pagamento dessa prestação (que, reafirma-se, foi voluntariamente assumida pelo Insolvente), restam 350,00€ que o Insolvente há-de querer reservar para o seu próprio sustento, nada restando para os credores.
É, para nós, evidente que esta situação não pode ser admitida, sob pena de subverter as finalidades do processo de insolvência, já que, a ser assim, teria sido encontrada a solução para resolver os problemas dos devedores que, mediante a fixação (voluntária) de uma prestação de alimentos, de valor exorbitante, aos filhos menores, conseguiriam salvaguardar todo o seu rendimento (ainda que de valor elevado), nada restando para os credores.
Mas, apesar de essa situação não poder ser admitida, isso não significa que esse comportamento possa ser subsumido à previsão do art. 186º, nº 2, alínea a), já que, ainda que se interprete essa norma num sentido lato (como se refere na decisão recorrida) de modo a abranger, não só as coisas corpóreas, mas também os créditos futuros como os provenientes de um salário, não se poderia concluir pela verificação de qualquer um dos actos que estão previstos na norma em questão. Com efeito, o Insolvente não destruiu, danificou, inutilizou, ocultou ou fez desaparecer o seu património (no caso, o rendimento proveniente do seu salário); o Insolvente limitou-se a contrair mais uma obrigação, onerando, de forma significativa, o único rendimento de que dispõe para fazer face às suas obrigações e esta situação não pode ser subsumida à previsão da norma citada.
Refira-se, aliás, que aquele comportamento, não podendo ser considerado – para os efeitos da norma citada – como ocultação de uma parte do seu rendimento, nem sequer terá a relevância de subtrair aquela parte do rendimento ao cumprimento dos objectivos do processo de insolvência.
De facto, seria intolerável que o devedor em situação de insolvência pudesse – por vontade própria – fixar o valor da prestação de alimentos a que está obrigado e seria incompreensível que um qualquer valor que tivesse assumido pagar tivesse que ser respeitado e cumprido integralmente, no decurso do processo de insolvência, em prejuízo dos credores.
De facto, não é assim.
O credor de alimentos – ainda que seja um filho menor – é um credor do insolvente (ou, eventualmente, da massa insolvente) que, como tal e nos termos do art. 90º, apenas poderá exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE.
Ora, como decorre do art. 93º, o direito a exigir alimentos relativo a período posterior à declaração de insolvência só pode ser exercido contra a massa se nenhuma das pessoas referidas no artigo 2009º do Código Civil estiver em condições de os prestar, sendo que, em qualquer caso, o respectivo montante é fixado pelo juiz, e, portanto, sem qualquer vinculação ao valor que, anteriormente, havia sido estabelecido.
Ainda que se considere – como se faz no Acórdão da Relação de Guimarães de 22/02/2011, processo nº 2115/10.8TBGMR-F.G1, disponível em http://www.dgsi.pt - que o disposto no art. 93º não é aplicável à obrigação de sustento de filhos menores nos termos decorrentes das “Responsabilidades Parentais”, sempre se deverá considerar que o valor necessário ao sustento dos filhos deve ser incluído – sempre que exista exoneração do passivo restante – na quantia que razoavelmente seja necessária para o sustento do devedor e seu agregado familiar e que, nos termos do art. 239º, nº 3, b), i), se exclui do rendimento disponível ou nas despesas expressamente ressalvadas pelo juiz, nos termos da citada alínea b) iii) ou – quando não exista exoneração do passivo restante – na parcela de rendimentos do trabalho que não é apreendida por ser impenhorável e necessária ao sustento do agregado familiar (art. 824º do C.P.C.) ou, quando seja o caso, nos alimentos devidos ao próprio insolvente, a fixar nos termos do art. 84º - cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, pág. 353 .
Mas, em qualquer caso, as quantias necessárias para assegurar o sustento dos filhos menores do devedor insolvente serão sempre objecto de ponderação e decisão – ao abrigo de qualquer uma das citadas disposições legais – no próprio processo de insolvência e em função dos critérios que estão definidos nas normas acima mencionadas, sem qualquer vinculação ao valor que havia sido fixado anteriormente e, designadamente, ao valor que o próprio insolvente se obrigou a pagar.
Daí que se considere que o facto de o Insolvente ter assumido a obrigação de pagar uma determinada prestação de alimentos (450,00€) ao seu filho menor – não correspondendo, em rigor, a nenhum dos actos que estão previstos no art. 186º, nº 2, a) e não sendo uma obrigação cujo cumprimento se imponha no processo de insolvência, nos exactos termos em que foi assumida – não assume qualquer relevância para efeitos de qualificação de insolvência.
Assim, e ao contrário do que se considerou na decisão recorrida, não ocorre a situação prevista no art. 186º, nº 2, alínea a).

Nestes termos, não sendo possível concluir pelo efectivo preenchimento das normas invocadas na decisão recorrida, não ocorrendo nenhuma das demais situações previstas nos nºs 2 e 3 do citado art. 186º e não sendo possível concluir, em face da matéria de facto provada, pela existência de dolo ou culpa grave do Insolvente na criação ou agravamento da situação de insolvência, não estão reunidos os pressupostos para que a insolvência possa ser qualificada como culposa, devendo ser qualificada como fortuita, tal como propunha o Administrador da Insolvência.
De facto, a maior parte do passivo do Insolvente reporta-se a obrigações da sociedade de que o Insolvente era sócio gerente e que este afiançou ou avalizou, situação que pode ser explicada pela tentativa ou expectativa de assegurar o cumprimento dos compromissos da sociedade e manter a sua actividade, sem que daí se possa extrair – necessariamente – a existência de dolo ou culpa grave que são essenciais à qualificação da insolvência como culposa.

Procede, pois, o recurso, revogando-se a decisão recorrida e qualificando-se a insolvência como fortuita.
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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):
I – Dado que a qualidade de sócio ou gerente de uma sociedade comercial não equivale à titularidade de qualquer empresa, o devedor singular – ainda que sócio gerente de uma sociedade comercial – não sendo titular de qualquer empresa, não está sujeito ao dever de apresentação à insolvência e, como tal, a omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da sua situação económica, não tem relevância para efeitos de qualificação da insolvência (art. 186º, nº 5, do CIRE).
II – Os alimentos devidos aos filhos menores do insolvente ou o valor necessário para o seu sustento têm que ser ponderados e fixados no processo de insolvência, em função dos critérios aqui definidos – seja por aplicação do art. 93º do CIRE; seja pela fixação do valor ou despesas que se consideram excluídas do rendimento disponível, em caso de exoneração do passivo restante (art. 239º, nº 3, i) e iii) do CIRE); seja pela determinação da parcela de rendimentos do trabalho que não é apreendida por ser impenhorável e necessária ao sustento do agregado familiar (art. 824º do C.P.C.) ou seja pela sua inclusão, quando for o caso, nos alimentos devidos ao próprio insolvente, a fixar nos termos do art. 84º do CIRE – e sem qualquer vinculação ao valor que havia sido fixado anteriormente e, designadamente, ao valor que o próprio insolvente se obrigou a pagar.
III – Consequentemente, o facto de o insolvente ter assumido a obrigação de pagar uma determinada prestação de alimentos (450,00€) ao seu filho menor – não correspondendo, em rigor, a nenhum dos actos que estão previstos no art. 186º, nº 2, a), do CIRE e não sendo uma obrigação cujo cumprimento se imponha no processo de insolvência, nos exactos termos em que foi assumida – não assume qualquer relevância para efeitos de qualificação de insolvência.
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V.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, qualificando-se como fortuita a insolvência de João Pedro Martins de Castro.
Custas a cargo da massa insolvente.
Notifique.
Guimarães, 03/07/2012
Maria Catarina Ramalho Gonçalves
António M. A. Figueiredo de Almeida
José Manuel Araújo de Barros

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/644be8408864043f80257a45003ae888?OpenDocument

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