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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 14/06/2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4269/07.1TBGMR.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 14-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário: I - Resultando demonstrado nos autos, que o obrigado, à prestação alimentícia a menores, tem dois veículos automóveis e reside na Suíça, onde desenvolve uma actividade remunerada por conta de entidade empregadora devidamente identificada, cumpre à pessoa, a quem a prestação alimentícia deveria ser entregue, recorrer ao expediente legal previsto no artigo 189º da OTM, mais propriamente à alínea b) do nº 2, não lhe sendo lícito requerer a condenação do FGADM sem, previamente, se dar cumprimento ao disposto naquele normativo, por força do referido no artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19/11.
II – Para que o FGADM seja condenado a suportar o pagamento das prestações alimentícias devidas a menores é necessário mostrar-se verificada, através dos actos praticados para o efeito, a impossibilidade de obter o pagamento através do expediente referido nas alíneas do artigo 189º da OTM, não bastando a alegação de que se tornou inviável a obtenção coerciva das prestações alimentícias fixadas a cargo do devedor originário.
III- Só após, se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios estabelecidos pelo artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro (OTM), é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM, já que a obrigação que lhe é imposta, de assegurar as prestações a que se refere a Lei nº 75/98, de 19/11, é subsidiária e autónoma relativamente às situações previstas naquele artigo.


Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
Maria..., por si e em representação dos seus filhos menores, Helder e Soraya, veio requerer que seja fixada a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) o montante da prestação alimentícia no valor de € 100,00, a favor de cada um dos menores, com fundamento no incumprimento do progenitor, Francisco, que deixou de liquidar as prestações a que ficou obrigado em conferência de pais realizada em 13.12.2007.

Por despacho de fls. 280 a 281, foi indeferida essa pretensão, do pagamento das prestações alimentícias a cargo do Fundo, com base no facto de o requerido prosseguir actividade profissional remunerada na Suíça.
Desse despacho foi interposto recurso de agravo, o qual foi provido, por douto Acórdão desta Relação de 22.3.2011, tendo sido ordenado o prosseguimento dos autos, “… de modo a apurar-se, designadamente, qual a residência do devedor de alimentos, na Suíça, o seu local de trabalho e respectiva entidade patronal e qual o montante da remuneração por ele recebida, decidindo-se, depois, em conformidade.”.
Em cumprimento do decidido, o Tribunal, no âmbito da acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, determinou a notificação do requerido para indicar a respectiva entidade patronal e o vencimento auferido, ao que o mesmo não correspondeu, tendo tal comportamento sido objecto de sanção processual (cfr. fls. 25, 41 e 54, do apenso «A»).
Não tendo essa informação sido voluntariamente prestada, e uma vez que a requerente confessou desconhecer a realidade laboral do requerido, na sequência de dar cumprimento ao doutamente ordenado naquele Acórdão, a fls. 298 a 299, determinou-se:
a) Se solicitasse os bons ofícios do Consulado Português na Suíça (mais próximo ao local de residência do requerido) no sentido de apurar se o progenitor Francisco é trabalhador dependente, indicando, se possível, a entidade patronal e o vencimento respectivos;
b) Se solicitasse os bons ofícios do organismo da Segurança Social congénere no sentido de elaborar inquérito sumário acerca das condições de vida do progenitor, no qual seja informado a situação laboral daquele, a respectiva actividade profissional e entidade patronal, bem como o vencimento respectivo.
Foram juntas as informações solicitadas e, a fls. 327 foi proferido despacho, no qual se decidiu: “Considerando o que consta de fls. 69, dos autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais, na qual está identificada a entidade patronal do progenitor, tendo sido inclusive junto um recibo de vencimento (cuja tradução ali foi ordenada), determino a notificação da progenitora para esclarecer se vai desencadear procedimento de cobrança de alimentos no estrangeiro, e, no caso negativo, os fundamentos para o não fazer.”.
A fls. 330 a requerente respondeu expondo os motivos porque não tenciona desencadear qualquer procedimento no sentido da obtenção da cobrança de alimentos no estrangeiro, invocando, por um lado, desconhecer se as declarações prestadas correspondem à verdade, por outro lado, por concluir que as despesas do requerido consomem os seus proventos e, por último, invocando a demora desse processo, cerca de três anos, segundo as informações que colheu.
O Ministério Público emitiu o parecer que consta de fls. 333 a 334, no qual consigna a sua discordância quanto ao exposto pela requerente.
De seguida, a fls. 337 e ss., foi proferida a seguinte decisão que se transcreve, em síntese: ”Da leitura conjugada dos artigos 1º, da Lei nº 75/98, de 19/11, e 3º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13/05, resulta que a responsabilidade do Estado pelo pagamento das prestações devidas a menores tem natureza autónoma e subsidiária em relação à anteriormente fixada ao progenitor devedor, sendo o seu pressuposto a não realização coactiva da prestação através de alguma das formas previstas no artigo 189º, da OTM, ou através de acção executiva ou procedimento contemplado em instrumento de direito internacional ao qual o Estado Português se tenha vinculado, ou seja, pressupõe a fixação prévia da obrigação de alimentos e a inviabilidade da sua cobrança coerciva (cfr. Acórdãos do TRC, de 03-05-2006 e 24- 06-2008, in www.dgsi.pt).
No entanto, na situação em análise, no auto de fls. 69 dos autos de alteração e sobretudo do recibo de vencimento de fls. 72 (cujo teor não foi impugnado), consta que o progenitor reside na Suíça, país onde prossegue actividade remunerada, auferindo o vencimento no montante líquido de CHF € 3.721,05, estando identificada naquele recibo a entidade patronal e a sede da mesma.
Deste modo, não tendo sido despoletado qualquer mecanismo para cobrança das prestações alimentícias declaradas vencidas a fls. 262 a 263, apesar da notificação dos elementos atinentes à capacidade económica do progenitor, não se verifica, no presente, o pressuposto relativo à inviabilidade de obtenção coactiva do pagamento daquelas, até porque, na pirâmide de obrigações dos progenitores, pontificam as atinentes aos alimentos devidos aos filhos menores (sendo imperativo para o requerido reorganizar as suas despesas, em função dos seus deveres parentais para com os filhos residentes em Portugal).
Neste seguimento, indefiro o pagamento das prestações alimentícias a cargo do FGDAM.
Notifique.”.
Inconformada com o decidido interpôs recurso a requerente, terminando as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
1ª – Ao presente processo são aplicáveis as disposições da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, relativa à Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, e do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que regula a Garantia de Alimentos Devidos a Menores prevista na referida lei e, ainda, subsidiariamente, as disposições gerais e comuns do processo civil.
2ª – Da leitura conjugada dos artigos 1º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, resulta que a lei faz depender o dever de prestar do Estado da observância cumulativa de vários requisitos:
a) Existência de uma sentença que fixe os alimentos devidos a menores;
b) Residência do alimentado em território nacional;
c) Inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional;
d) Que o alimentado não beneficie, na mesma quantidade, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre; e
e) Não pagamento, total ou parcial, por parte do devedor, das quantias em dívida, através de uma das formas previstas no art. 189º da OTM.
3ª – Prevê o art. 189º da OTM que quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida, ser-lhe-ão deduzidas no vencimento/salário/ordenado as respectivas quantias.
4ª – No caso em apreço nos presentes autos, não foi possível proceder aos referidos descontos, apesar das várias diligências efectuadas nesse sentido, visto não ser conhecida a entidade patronal do pai dos menores, o que, por si só, demonstra nos autos encontrarem-se preenchidas todas as condições previstas no artigo 189º da OTM que fazem depender a atribuição da prestação de alimentos a cargo do FGADM.
5ª – Na verdade, após várias diligências frustradas no sentido de apurar se o progenitor se encontra empregado e aufere um salário, aquele veio a prestar declarações, juntando para o efeito um recibo de vencimento.
6ª – Não se sabe se as declarações prestadas pelo pai dos menores correspondem, de facto, à verdade, não se encontrando provado em parte alguma do processo por meio seguro qual a sua entidade patronal e qual o valor que aquele recebe mensalmente.
7ª – Para que não restassem dúvidas quanto ao incumprimento do pai dos menores, a Recorrente suscitou o incidente de incumprimento do pagamento das prestações alimentícias pelo Recorrido, o que foi julgado verificado pelo Tribunal.
8ª – Segundo resulta da decisão em crise, a responsabilidade do Estado tem como pressuposto a não realização coactiva da prestação através de alguma das formas previstas no artigo 189º da OTM ou acção executiva ou procedimento contemplado em instrumento de direito internacional ao qual o Estado Português se tenha vinculado.
9ª – Porém, não resulta da lei, designadamente dos artigos 1º da Lei n.º 75/98, de 19/11, e 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05, que seja pressuposto da responsabilidade do Estado pelo pagamento das prestações devidas a menores a impossibilidade de os cobrar através de procedimento contemplado em instrumento de direito internacional.
10ª – O Tribunal a quo notificou a Recorrente para dizer se iria desencadear procedimento de cobrança de alimentos no estrangeiro, e, após aquela ter respondido, e explicado porque o dizia, que não iria desencadear o referido procedimento, o Tribunal indeferiu o pedido de pagamento de prestações pelo FGADM.
11ª – Nessa medida, o Tribunal a quo sujeitou a fixação de uma prestação à verificação de requisitos que não decorrem da lei, do espírito da lei ou da intenção do legislador.
12ª – Nunca o Tribunal poderia ter sujeito a Recorrente à adopção de procedimento de cobrança de alimentos no estrangeiro, nem, muito menos, ter indeferido o pedido de pagamento daqueles pelo FGADM em consequência da sua não prossecução.
13ª – Da legislação aplicável não resulta a obrigação daqueles a quem a prestação deveria ser entregue de esgotar todos os meios, métodos e possibilidades, ainda que remotamente existentes no sistema jurídico para tentar cobrar coactivamente as prestações devidas.
14ª – Do exposto resulta que, para que seja concedido o benefício da prestação a cargo do FGADM, não se torna necessário esgotar todas as vias de cobrança possíveis, mas antes, como diz a lei, basta que “a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não o [faça] por uma das formas previstas no art. 189º da OTM”.
15ª – O que, no caso em apreço nos presentes autos, ficou indubitavelmente provado, ou seja, dúvidas não existem que se tornou inviável a obtenção coerciva das prestações alimentícias pelo devedor originário.
16ª – De tudo quanto vem de se dizer resulta que o Tribunal a quo violou as disposições constantes dos artigos 1º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, bem como dos artigos 24º e 69º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, devendo como tal, ser revogada a decisão proferida.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por o Tribunal a quo ter sujeito a fixação de uma prestação à verificação de requisitos que não decorrem da lei, e, em consequência, a decisão recorrida revogada e julgar-se o pedido procedente, por ser manifesta a inviabilidade da obtenção coerciva das prestações alimentícias pelo devedor faltoso.

O Ministério Público respondeu nos termos que constam a fls. 373 e ss., pugnando pela manutenção da decisão recorrida e negação do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 660º nº 2, 684º nº 2 e 3 e 690º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil).
Assim, a questão única a apreciar consiste em saber se, se mostram verificados os requisitos necessários para que as prestações alimentícias fixadas judicialmente aos menores sejam suportadas pelo FGADM e, por isso, a decisão recorrida deve ser revogada.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Os factos com interesse para a decisão são os enunciados no relatório que antecede, resultado dos trâmites processuais desenvolvidos nos autos.

Refere a apelante que o Tribunal “a quo” sujeitou a fixação de uma prestação à verificação de requisitos que não decorrem da lei, e, em consequência, a decisão recorrida deve ser revogada e julgar-se o pedido procedente, por ser manifesta a inviabilidade da obtenção coerciva das prestações alimentícias pelo devedor faltoso.
Vejamos.
Dispõe a este propósito a Lei nº 75/98, de 19/11, no seu artº 1 que “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.”.
No artº 2, nº 1, que “As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal...”.
No artº 3, nº 1, que “Compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar.”.
O Decreto-Lei nº 164/99, de 13/05 regulamentou aquela Lei nº 75/98 e, no seu artigo 2º dispõe o seguinte:
“1 - É constituído, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
2 - Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1º e 2º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro.
3 - O pagamento das prestações referidas no número anterior é efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente, através dos centros regionais de segurança social da área de residência do alimentado.”
No seu artº 3, este diploma dispõe sobre os pressupostos e requisitos de atribuição, nos seguintes termos:
“1 -O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
3 - As prestações a que se refere o nº 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.”.
Nos termos do disposto no nº 5 do artº 4 do mesmo Decreto Lei, “O centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.”.
Sendo que o pagamento destas prestações pressupõe a prova regular da subsistência dos requisitos da sua atribuição, dispondo o nº 4, do artº 9, “A pessoa que receber a prestação deve, no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação, renovar, perante o tribunal competente, a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição.”.
Os normativos que antecedem surgiram da necessidade imposta ao Estado de criar mecanismos que lhe permitam assegurar aos menores a necessidade básica de sustento na falta de cumprimento da prestação de alimentos pelo devedor, juridicamente obrigado, assim dando cumprimento ao consagrado no artº 69, nº1, da Lei fundamental, onde se dispõe: ”As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.”.
A propósito, lê-a-se o consignado no Acórdão do STJ de 07.04.2011, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt “a garantia de alimentos devidos a menor surge como uma prestação social do regime não contributivo, a cargo do Estado, destinada a suprir o incumprimento por parte daquele que se encontre sujeito à obrigação alimentar familiar, traduzindo-se, por isso, numa prestação social de natureza subsidiária, que visa concretizar, no plano legislativo, o direito das crianças à protecção, tal como consagrado no artigo 69.º n.º 1, da Constituição.
É isso mesmo que é reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, em que se faz expressa menção à exigência constitucional do artigo 69º, como implicando, em especial no caso das crianças, «a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna», e em que se caracteriza a garantia de alimentos devidos a menores, instituída pela Lei n.º 75/98, como uma nova prestação social, «que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado» e que «dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores».
Bem se compreende, neste plano, que as prestações sociais assim caracterizadas não constituam um direito subjectivo prima facie dos menores a quem se dirigem (ao contrário do que sucede com todas as demais prestações sociais do regime contributivo), mas representem antes um recurso subsidiário, fundado na solidariedade estadual, que se destina a dar resposta imediata à satisfação de necessidades de menores que se encontrem numa situação de carência, e que, por isso, não pode, desligar-se da concreta situação familiar do titular da prestação (neste sentido, Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 214-215).
Atento o que dispõem o nº 2 do artº 2 daquela Lei nº 75/98 e o nº 3 do artº 3 do DL nº 164/99, a prestação a fixar pelo Tribunal é uma prestação nova e autónoma em relação à anteriormente fixada ao devedor, prestação que tem como limite 4 UC por devedor, mas que não inviabiliza que o Juiz, no respeito por aquele tecto, fixe prestação alimentar diversa da fixada, na medida em que, tal é tão-só um dos índices a ter em conta pelo julgador.
Em suma, existindo um progenitor/incumpridor obrigado à prestação de alimentos a filhos menores, o Estado assume, através do FGADM, subsidiariamente a obrigação de garantir, transitoriamente, os alimentos devidos e previamente fixados, desde que verificados os requisitos legais exigidos por lei.
Pois, devido ao carácter autónomo e subsidiário que a prestação a cargo do Estado assume face à prestação imposta ao devedor principal, que não cumpre, a sua atribuição a cargo do FGADM, atenta a análise dos dispositivos supra enunciados, depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a) Estar uma pessoa, através de uma decisão judicial, obrigada a uma prestação de alimentos a favor de menor que resida em território nacional, artºs 1 da Lei 75/98 e 2, nº 2 e 3, n°1, a), do Dec-Lei n° 164/99;
b) Que a pessoa obrigada não pague a prestação a que está obrigado e não seja possível cobrar essa prestação nos termos previstos no artº 189 da OTM, artºs 1 da Lei 75/98 e 3, n°1, a), do Dec-Lei n° 164/99;
c) Que o menor não disponha de um rendimento liquido superior ao salário minímo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, artºs 1 da Lei 75/98 e 3, n°1, b), do Dec-Lei n° 164/99.
Do exposto resulta que, quem estiver perante situação que se enquadre neste circunstancialismo, deve desencadear o procedimento para que o Estado intervenha em substituição do obrigado/incumpridor.
Refere Tomé d`Almeida Ramião, in “Organização Tutelar de Menores”, 9ª edição, pág 168, que quem estiver nas condições acabadas de referir, podendo ser a pessoa a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue, deve formular o pedido com vista a que seja intentado o procedimento adequado a satisfazer as prestações a cargo do Fundo, juntando a respectiva prova documental, no sentido de que o tribunal fixe o montante da prestação que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar.

No nosso caso, a requerente, pessoa a quem a prestação de alimentos deveria ser paga, desencadeou o presente procedimento, alegando verificarem-se as condições supra enunciadas.
No entanto, realizadas nos autos as diligências instrutórias necessárias, para aferir dessa alegação, o Tribunal “a quo” indeferiu a pretensão da requerente com fundamento em não se verificar, no presente, o pressuposto relativo à inviabilidade de obtenção coactiva do pagamento das prestações alimentícias devidas aos menores.
Assim é, apenas, quanto a este requisito, ou seja, apurar se é ou não possível cobrar essa prestação nos termos previstos no artº 189 da OTM, que temos que nos pronunciar, uma vez que a recorrente alega ser manifesta a inviabilidade da obtenção coerciva das prestações alimentícias. Baseando esta conclusão nos juízos de valor que tece, a fls. 356 das suas alegações sobre o salário e despesas do requerido/obrigado.
Por sua vez, o Ministério Público pugna pela manutenção da decisão recorrida nas suas alegações em resposta ao recurso da recorrente. Sustenta que constando dos autos que o pai das crianças se encontra emigrado, na Suíça e aufere, mensalmente, cerca de 3 721, 05 francos suíços e, possui dois veículos automóveis não deve ser fixado um montante a suportar pelo FGADM sem que antes se utilizem todos os meios legais no sentido de coagir o obrigado a satisfazer a obrigação de contribuir para as despesas com os alimentos dos filhos.
Que dizer?
É sabido, como já dissemos, que a exigibilidade da prestação, por parte do Fundo, é subsidiária relativamente às situações previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro (OTM).
Isto é, só depois de se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios que o referido artigo 189º estabelece é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM.
No nosso caso, resulta demonstrado nos autos, a fls. 222 e 223 que o obrigado a prestar alimentos tem dois veículos automóveis e que reside na Suíça, onde desenvolve uma actividade remunerada por conta de entidade empregadora identificada, bem como a sua sede. Assim sendo, é nosso entendimento, com o devido respeito por opinião contrária, que cumprirá à apelante, em primeiro lugar, recorrer ao expediente legal previsto no artigo 189º da OTM, mais propriamente à alínea b) do nº 2. Não o tendo feito, nem demonstrando a impossibilidade do fazer, não lhe é lícito, neste momento, requerer a condenação do FGADM, sem, previamente, se dar cumprimento ao disposto naquele normativo, por força do referido no artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19/11.
Como é evidente, a situação carreada para os autos alterou-se, após a prolação daquele douto Acórdão desta Relação supra referido e, apesar de terem sido colhidas informações sobre a situação económica e profissional do obrigado a alimentos, a recorrente não desencadeou o mecanismo de cobrança de alimentos e nem pretende fazê-lo conforme informou no seu requerimento de fls. 330 e 331 e reiterou nas suas alegações de recurso, concluindo sob o nº15, “que ficou indubitavelmente provado, ou seja, dúvidas não existem que se tornou inviável a obtenção coerciva das prestações alimentícias pelo devedor originário.”. Alegação que não prova de modo algum.
Logo, tal como o Tribunal recorrido não concordou com a conclusão da recorrente, também nós não a podemos aceitar, desacompanhada que se mostra da prática de qualquer acto por parte da mesma no sentido de obter os alimentos, devidos aos menores a seu cargo, do obrigado a prestá-los. Tudo acrescido, das informações trazidas aos autos com vista a viabilizar o exercício desses procedimentos.
Assim, com segurança, atentos os elementos supra referidos, é de concluir que não se mostra verificado no presente processo aquele requisito, relativo à inviabilidade de obtenção coactiva do pagamento das prestações a cargo do requerido/obrigado, necessário para que se determine a sua atribuição a cargo do FGADM, como bem decidiu o Tribunal “a quo”.
Pelo que a apelação tem de improceder e mantém-se a douta decisão recorrida, que indeferindo a pretensão da recorrente, não violou qualquer dispositivo legal.
Resumindo:
I - Resultando demonstrado nos autos, que o obrigado, à prestação alimentícia a menores, tem dois veículos automóveis e reside na Suíça, onde desenvolve uma actividade remunerada por conta de entidade empregadora devidamente identificada, cumpre à pessoa, a quem a prestação alimentícia deveria ser entregue, recorrer ao expediente legal previsto no artigo 189º da OTM, mais propriamente à alínea b) do nº 2, não lhe sendo lícito requerer a condenação do FGADM sem, previamente, se dar cumprimento ao disposto naquele normativo, por força do referido no artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19/11.
II – Para que o FGADM seja condenado a suportar o pagamento das prestações alimentícias devidas a menores é necessário mostrar-se verificada, através dos actos praticados para o efeito, a impossibilidade de obter o pagamento através do expediente referido nas alíneas do artigo 189º da OTM, não bastando a alegação de que se tornou inviável a obtenção coerciva das prestações alimentícias fixadas a cargo do devedor originário.
III- Só após, se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios estabelecidos pelo artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro (OTM), é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM, já que a obrigação que lhe é imposta, de assegurar as prestações a que se refere a Lei nº 75/98, de 19/11, é subsidiária e autónoma relativamente às situações previstas naquele artigo.
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e, em consequência, mantém-se a douta decisão recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Notifique.

Guimarães, 14 de Junho de 2012
Rita Romeira
Amílcar Andrade
Manso Rainho

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/54ca4c5f36f1e8c580257a33004b08e8?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

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