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domingo, 26 de agosto de 2012

MENORES PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS REGIME DE VISITAS RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES REGULAMENTO CE - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 05/06/2012


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
773/08.2TBLNH.L1-7
Relator: LUÍS ESPRÍTO SANTO
Descritores: MENORES
PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS
REGIME DE VISITAS
RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
REGULAMENTO CE

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I – A simples ausência de produção de prova – considerada desnecessária pelo julgador - não inquina a validade formal da decisão que ordenou o regresso do menor a Portugal.
Com efeito,
II - Tendo o Tribunal a quo considerado que os elementos constantes dos autos o habilitavam a proferir, conscienciosamente e com toda a segurança, decisão a ordenar o regresso imediato do menor ao Estado-Membro da sua residência habitual ( ao tempo da deslocação ilícita ), não tinha cabimento – nesse pressuposto – a realização de qualquer diligência instrutória, que apenas serviria para protelar desnecessariamente o efeito útil do decidido no âmbito de um processo que reveste, compreensivelmente, a natureza de urgente.
III – Está fundamentalmente em causa, pela consagração do regime jurídico constante no Regulamento (CE ) nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003, e em primeiro linha, a protecção dos interesses da criança, no plano internacional, contra os efeitos prejudiciais que resultam de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita, garantindo o seu regresso, em tempo breve e de forma expedita, ao Estado da sua residência habitual.
IV - O objectivo fulcral do regulamento prende-se com a necessidade de dissuadir a deslocação ou a retenção ilícita de crianças entre Estados Membros e, caso tal se verifique, provocar o seu regresso sem demoras, procurando-se obstar ao benefício do infractor daquele que, actuando em violação do regime legal existente no Estado da residência habitual do menor, o desloca para outro país ou aí o retém, privando ilegitimamente o outro progenitor do seu convívio, esperando que o facto consumado que assim gerou se vá sedimentando pela adaptação da criança à nova realidade, quiçá para invocar a posteriori o superior interesse do menor em não perder o espaço e tempo de integração que entretanto foi adquirindo e de que porventura terá beneficiado.
V – Tendo o pai do menor aproveitado o cumprimento do regime de visitas para o manter em França e não o entregar à mãe, conforme se previa no regime legal vigente quanto às responsabilidades parentais, nada comunicando à entidade jurisdicional competente, impõe-se o seu regresso imediato, por via do recurso ao disposto no artº 11º, nº 8 do Regulamento (CE ) nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003 – sendo certo que não se encontra pendente qualquer processo de promoção e protecção do menor em Portugal, nem existe, por ora, fundamento algum para a alteração do regime das responsabilidades parentais relativamente à guarda da criança.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
A Direcção-Geral de Reinserção Social (Autoridade Central Nacional), deu conhecimento nos autos que o Tribunal de Grenoble, em França, proferiu, em 23 de Novembro de 2010, decisão de não regresso do menor F. a Portugal, na sequência de um pedido de regresso intentado pela respectiva progenitora por alegada deslocação e retenção ilícita perpetuada pelo progenitor.
Procedeu-se à notificação das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º, n.ºs 6 a 8 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003, tendo as partes apresentado as respectivas alegações.
Com o intuito de se apurar se o eventual regresso do menor poderia implicar o risco estatuído na alínea b) do artigo 13.º da Convenção de Haia de 1980, foi oficiada a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ..., a fim de informar sobre se existe/existiu processo de promoção e protecção a favor daquele e, na afirmativa, qual a medida aplicada.
Através da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da ... houve a informação que, de facto, ali correu termos a favor do menor F o respectivo processo de promoção e protecção, tendo o mesmo sido encaminhado para os Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal.
A fls. 423/425 mostra-se junta a certidão extraída dos autos de processo administrativo com o número .../10.8TALNH que correu termos nestes Serviços do Ministério Público, no sentido de se averiguar da existência de eventual situação de perigo em que o menor F. se encontrasse, tendo o mesmo merecido despacho de arquivamento em 11 de Março de 2011.
O Ministério Público emitiu o correspondente parecer, no sentido de ser considerada ilícita a deslocação do menor para França, devendo ordenar-se o seu regresso.
Foi proferida decisão determinando o regresso imediato do menor a Portugal, onde deverá ser entregue à progenitora, devendo o requerido:
a) Proceder à entrega do menor à mãe em Portugal, no prazo de 10 dias a contar da notificação pessoal que para o efeito lhe será efectuada, com a cominação de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência; e
b) No prazo de 30 dias contados da mesma notificação, fazer chegar ao processo documento assinado pela progenitora comprovativo da entrega do menor.
( cfr. fls. 430 a 434 ).
Apresentou o requerido recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 464 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 442 a 451, formulou o requerido apelante, as seguintes conclusões :
1ª – A sentença em causa é nula, dado que a mesma não observou nem se ateve na consideração do princípio basilar de toda a sistemática normativa e processual que impõe a produção de prova ainda que mínima, tanto mais considerando as implicações de tal decisão na vida familiar e escolar e de saúde do menor.
2ª – A sentença foi proferida sem que fosse produzida qualquer prova, para se apurar em que situação e circunstâncias a mãe prestou a sua autorização para o menor se deslocar para a residência do pai em França no ano de 2008, bem como as condições em que se encontrava o menor aquando da sua deslocação para França no ano de 2010, contrapostas às condições económico-sociais de cada um dos progenitores e o eventual perigo inerente à entrega do menor à progenitora.
3ª – Ouvindo as testemunhas residentes em Portugal, o que se ditava ao Tribunal, apesar de se tratar de um processo de entrega judicial de menor que tem a natureza de jurisdição voluntária, sob pena de decidir, como decidiu, em detrimento dos verdadeiros e ponderosos interesses do menor.
4ª – Este ao deixar a escola francesa, a meio do ano lectivo, não terá aproveitamento escolar, nem em França, nem em Portugal, no eventual regresso a este país.
5ª – Certo é que o Tribunal a quo também não apontou as razões pelas quais não produziu a prova requerida pelo requerido.
6ª – Todavia, perante a vasta documentação constante dos autos, mesmo sem perda de tempo com a inquirição, outros factos e de máxima importância com interesse para a boa decisão da causa deveriam ter sido igualmente dados como provados, nomeadamente e em especial :
7ª – Em 28 de Agosto de 2008, a progenitora autorizou “ …o menor a deslocar-se com o pai…para França, saindo de Portugal a 30 de Agosto de 2008 “, por tempo indeterminado.
8ª – Em 17 de Novembro de 2008, vieram os progenitores do menor requerer a homologação de uma alteração da regulação das responsabilidades parentais, com base na referida declaração de autorização.
9ª – Por decisão datada de 7 de Setembro de 2009, já transitada em julgado, foi determinado o arquivamento dos autos, por razões exclusivamente processuais ( artigo 182º, nº 5, da OTM ).
10ª – O menor foi viver para casa do pai em França, no final de Agosto de 2008, tendo frequentado o ensino escolar no ano de 2008/2009 e sido assistido medicamente a nível dos seus graves problemas de saúde.
11ª – Em 31 de Julho de 2009, o requerido autorizou o menor a passar férias com a mãe, todavia esta não deixou o filho regressar a França com o pai, depois das férias não por sua vontade, mas por imposição dos avós do menor, segundo a progenitora declara publicamente.
12ª – O requerido diligenciou junto da CPCJ da ... e do Tribunal a quo em Setembro de 2010, para que o menor pudesse regressar a França.
13ª – E, na falta de decisão das referidas entidades e apercebendo-se que a progenitora, no mínimo, negligenciava os cuidados básicos do menor e dado que a declaração desta se mantinha em vigor, regressou com o seu filho a França.
14ª – A situação de perigo em que o menor se encontrava, aquando da sua deslocação para França em Setembro de 2010, originou o processo administrativo com o nº .../10.8TALNH, o qual veio a merecer despacho de arquivamento em 11 de Março de 2011, devido ao menor já não se encontrar à data em Portugal.
15ª – O menor em França reúne um conjunto de condições a nível familiar, habitacional, escolar e de saúde, que lhe proporcionam um crescimento harmonioso e integral, contrapostas às da progenitora em Portugal.
16ª – O menor, ouvido no processo que ditou o não regresso do mesmo a Portugal, manifestou claramente vontade de continuar com o pai, uma vez que já se encontra totalmente integrado no ambiente familiar, social e escolar da sua residência em França.
17ª – O requerido está convicto do perigo grave na deslocação do menor para Portugal ao nível da sua saúde física e psicológica, na medida em que regressará aos cuidados dos avós, uma vez que a progenitora não quer, nem tem condições para tanto, segundo declara publicamente.
18ª – O progenitor nunca recusou qualquer contacto do menor com a mãe, bem pelo contrário sempre diligenciou a sua efectivação por todos os meios desejando que tal situação ainda mais se reforce e fortaleça.
19ª – Assim, nos termos dos artsº 13º, alíneas a) e b) e 20º da Convenção, resultam comprovados os factos necessários à determinação da rejeição do pedido de entrega imediata do menor à progenitora, por inexistência de qualquer fundamento e muito menos facto que o legitime.
20ª – Sendo que a sentença ora recorrida viola o intuito normativo da OTM, da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980, em especial o seu artigo 13º e o Regulamento 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003, bem como os mais elementares princípios constitucionais.
Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso.

II – FACTOS PROVADOS.
Foi consignado como provado em 1ª instância :
1. O menor F. nasceu em 26 de Junho de 2004 e é filho de A. e de P..
2. O menor é natural da freguesia de …, concelho de … e tem nacionalidade portuguesa.
3. Os progenitores foram casados entre si, tendo sido decretado o divórcio por mútuo consentimento no dia 10 de Novembro de 2005, na Conservatória do Registo Civil de ….
4. Pelos progenitores foi acordado, entre o mais, que o menor ficaria entregue à guarda e cuidados da mãe.
5. Em 17 de Novembro de 2008, vieram os progenitores do menor requerer a homologação de uma alteração da regulação das responsabilidades parentais.
6. Por decisão datada de 7 de Setembro de 2009, já transitada em julgado, foi determinado o arquivamento dos autos, por manifesta falta de fundamento legal, nos termos do disposto no artigo 182.º, n.º 5 da O.T.M.
7. O menor reside em França, com o pai, desde finais de Agosto de 2008.
8. Em 23 de Novembro de 2010, pelo Tribunal de …, França, foi proferida decisão de não regresso do menor, F., a Portugal, na sequência de um pedido de regresso intentado pela respectiva progenitora por alegada deslocação e retenção ilícita perpetuada pelo progenitor.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
1 – Alegada nulidade da sentença.
2 – Correcção e esclarecimento quanto aos factos provados nestes autos.
3 – Enquadramento geral. Âmbito da previsão do artº 11º, nº 8, do Regulamento ( CE ) nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003.
4 - Do ordenado regresso do menor a Portugal.
Passemos à sua análise :
1 – Alegada nulidade da sentença.
Referiu o progenitor apelante :
A sentença em causa é nula, dado que a mesma não observou nem se ateve na consideração do princípio basilar de toda a sistemática normativa e processual que impõe a produção de prova ainda que mínima, tanto mais considerando as implicações de tal decisão na vida familiar e escolar e de saúde do menor.
A sentença foi proferida sem que fosse produzida qualquer prova, para se apurar em que situação e circunstâncias a mãe prestou a sua autorização para o menor se deslocar para a residência do pai em França no ano de 2008, bem como as condições em que se encontrava o menor aquando da sua deslocação para França no ano de 2010, contrapostas às condições económico-sociais de cada um dos progenitores e o eventual perigo inerente à entrega do menor à progenitora.
Ouvindo as testemunhas residentes em Portugal, o que se ditava ao Tribunal, apesar de se tratar de um processo de entrega judicial de menor que tem a natureza de jurisdição voluntária, sob pena de decidir, como decidiu, em detrimento dos verdadeiros e ponderosos interesses do menor.
Este ao deixar a escola francesa, a meio do ano lectivo, não terá aproveitamento escolar, nem em França, nem em Portugal, no eventual regresso a este país.
Certo é que o Tribunal a quo também não apontou as razões pelas quais não produziu a prova requerida pelo requerido.
Apreciando :
A simples ausência de produção de prova – considerada desnecessária pelo julgador - não inquina a validade formal da decisão que ordenou o regresso do menor a Portugal.
Com efeito,
Tendo o Tribunal a quo considerado que os elementos constantes dos autos o habilitavam a proferir, conscienciosamente e com toda a segurança, decisão a ordenar o regresso imediato do menor ao Estado-Membro da sua residência habitual ( ao tempo da deslocação ilícita ), não tinha cabimento – nesse pressuposto – a realização de qualquer diligência instrutória, que apenas serviria para protelar desnecessariamente o efeito útil do decidido no âmbito de um processo que reveste, compreensivelmente, a natureza de urgente.
Conforme se salienta no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2010 ( relator Emídio José da Costa ), publicitado in www.jusnet.pt, onde esta mesma questão foi suscitada : “ …o tribunal deve adoptar procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança. ( … ) esse pedido ( de regresso ) tinha carácter muito urgente e, como tal, o tribunal pode dispensar a realização de diligências que não se enquadrassem naquele espírito de urgência do procedimento. “.
A não realização das diligências instrutórias solicitadas pelas partes apenas poderia, abstractamente e em tese, justificar a revogação da decisão com vista ao apuramento de factos cuja dilucidação se considerasse relevante.
Não constitui, todavia, motivo de nulidade da decisão.
2 – Correcção e esclarecimento quanto aos factos provados nestes autos.
Foi dado como provado nos autos que o menor reside em França, com o pai, desde finais de Agosto de 2008.
Ora,
Da análise, atenta e rigorosa, do processado verifica-se que tal afirmação não é verídica.
A sequência dos acontecimentos relevantes para a decisão do presente recurso é a seguinte :
Tendo sido decretado o divórcio por mútuo consentimento entre A. e P., no dia 10 de Novembro de 2005, na Conservatória do Registo Civil de …, foi acordado entre os progenitores que o menor F. , nascido em 26 de Junho de 2004, ficaria entregue à guarda e cuidados da mãe.
Em Agosto de 2008, o progenitor levou consigo o menor para França, para ficar a residir na sua companhia, com o acordo e autorização da progenitora.
Em 17 de Novembro de 2008, entrou em juízo um requerimento, assinado por ambos os progenitores do menor em que é pedida a alteração da regulação das responsabilidades parentais.
Do mesmo consta que : “ O menor passará a ficar à guarda e cuidados do progenitor, passando a residir com o progenitor em França, cabendo o exercício do poder paternal a ambos os progenitores. “.
Foram, então, os progenitores notificados para juntarem diversas certidões ( cfr. despacho de fls. 5 ).
Nada fizeram nesse sentido, ficando os autos a aguardar nos termos do artigo 285º do Cod. Proc. Civil ( cfr. despacho de fls. 7 ).
Através de requerimento entrado em juízo em 25 de Agosto de 2009 – isto é, um ano mais tarde -, veio o progenitor juntar as certidões solicitadas ( cfr. fls. 9 a 19 ).
Nesse mês de Agosto de 2009, o menor - que havia passado cerca de um ano com o pai, em França - foi entregue à mãe, tal como se previa no requerimento para a alteração do regime de responsabilidades parentais.
A mãe do menor fez entrar em juízo, em 28 de Agosto de 2009, um requerimento em que referiu : “ …apresentou, conjuntamente com o pai, A., o pedido de alteração da regulação do poder paternal.
Sucede que a requerente actualmente encontra-se a residir em Portugal, aqui no concelho da ..., e o menor está à sua guarda e cuidados.
Assim, não pretende a alteração da regulação do poder paternal.
Pelo exposto, a V. Excia requer que seja dado sem efeito o pedido por si apresentado e que se mantenham os exactos termos do acordo do exercício do poder paternal, homologado pela decisão, de 10 de Novembro de 2005, proferida pela Conservatória do Registo Civil da ..., alterando-se apenas o regime de visitas, tendo em conta que o pai se encontra a residir em França. “ ( cfr. fls. 21 ).
Através de fax entrado em juízo em 1 de Setembro de 2009, o progenitor apresentou um requerimento ao Tribunal no qual referia que :
“ Por acordo celebrado entre os progenitores de F. foi estabelecido que, por reflexo de circunstâncias pessoais na vida de ambos, o menor passaria a ficar à guarda e cuidados do requerente.
Com este passando a residir em França, o que se verificou desde finais de Agosto de 2008, exercendo os progenitores o poder paternal conjuntamente.
O menor passou a frequentar o ensino escolar em França – pré-escola – estando perfeitamente integrado.
Conforme acordado, o menor, em 1 de Agosto último, veio para Portugal para passar as férias de Verão com a progenitora, tendo a viagem de regresso agendada para hoje, dia 1 de Setembro.
Sucede, porém, que inexplicavelmente e sem que nada o fizesse prever, a progenitora informou o pai/requerente que o menor não regressaria a França, ficando, de novo, com ela.
( … ) a vida do menor está estruturada e organizada em França, sendo que esta súbita e unilateral decisão da progenitora não está a ser tomada, certamente, no melhor interesse do menor.
Nesta conformidade, a progenitora está a incumprir o acordado em sede de alteração do pode paternal, retendo o menor e não permitindo o seu regresso.
Pelo que se requer a V. Excia. se digne diligenciar no sentido de o menor ser imediatamente entregue ao pai para que estes possam regressar a França o mais breve possível, atendendo ao início da escola do menino e ao trabalho do pai. “ ( cfr. fls. 25 a 26 ).
Por decisão datada de 7 de Setembro de 2009, já transitada em julgado, foi determinado o arquivamento dos autos, por manifesta falta de fundamento legal, nos termos do disposto no artigo 182.º, n.º 5 da O.T.M., tendo sido, ainda, indeferido o requerimento apresentado pelo progenitor em 1 de Setembro de 2009, por “ …não caber ao Tribunal, pelo menos em sede de processo de alteração do poder paternal – que é o que está em causa – tomar as medidas requeridas pelo requerente, indeferindo-se o requerido por manifesta falta de fundamento legal.” ( cfr. fls. 31 a 32 ).
O progenitor não impugnou esta última decisão de indeferimento, que igualmente transitou em julgado.
O menor passou, então, a residir com a progenitora, a quem estava legalmente confiada a respectiva guarda.
Em Agosto de 2010, quando o menor foi entregue pela progenitora ao pai cumprindo o regime de visitas para o período do Verão, o mesmo, sem qualquer comunicação ao Tribunal, levou-o consigo para França, onde passou a residir, não mais regressando.
Em 3 Setembro de 2010, a progenitora requereu contra A., junto da Autoridade Central – Direcção Geral de Reinserção Social, ao abrigo do regime fixado na Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980 e regulamentado através do Regulamento ( CE ) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, o regresso imediato e urgente da criança a Portugal.
Em 23 de Novembro de 2010, pelo Tribunal de …, França, foi proferida decisão de não regresso do menor F. a Portugal, na sequência do pedido de regresso intentado pela respectiva progenitora por alegada deslocação e retenção ilícita perpetuada pelo progenitor.
Perante tal factualidade, cumpre analisar juridicamente :
3 – Enquadramento geral. Âmbito da previsão do artº 11º, nº 8, do Regulamento ( CE ) nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003.
Dispõe o artº 11º, nº 8, do Regulamento ( CE ) nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003 : “ Não obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13º da Convenção de Haia de 1980, uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III, a fim de garantir o regresso da criança. “.
Está fundamentalmente em causa, pela consagração do regime jurídico constante no Regulamento ( CE ) nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003, e em primeiro linha, a protecção dos interesses da criança, no plano internacional, contra os efeitos prejudiciais que resultam de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita, garantindo o seu regresso, em tempo breve e de forma expedita, ao Estado da sua residência habitual[1].
Esta protecção assenta basicamente na concepção de que os fundamentos do não reconhecimento e execução das decisões proferidas num Estado-membro deverão reduzir-se ao mínimo indispensável.
O objectivo fulcral do regulamento prende-se com a necessidade de dissuadir a deslocação ou a retenção ilícita de crianças entre Estados Membros e, caso tal se verifique, provocar o seu regresso sem demoras.
Redunda, portanto, numa forma de obstar ao benefício do infractor daquele que, actuando em violação do regime legal existente no Estado da residência habitual do menor, o desloca para outro país ou aí o retém, privando ilegitimamente o outro progenitor do seu convívio, esperando que o facto consumado que assim gerou se vá sedimentando pela adaptação da criança à nova realidade, quiçá para invocar a posteriori o superior interesse do menor em não perder o espaço e tempo de integração que entretanto foi adquirindo e de que porventura terá beneficiado.
Por força do respectivo artº 60º, o Regulamento ( CE ) nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003 prevalece sobre a Convenção de Haia de 1980.
Por outro lado,
A aplicação do artº 11º, nº 8 do Regulamento ( CE ) nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003 pressupõe precisamente uma decisão que, ao abrigo do artigo 13º, tenha ordenado a retenção da criança no país para que foi deslocada.
A norma legal prevê a prolação de “ uma decisão posterior que exija o regresso da criança “.
Escreve-se a este propósito no acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11 de Julho de 2008[2] :
“ Embora a expressão “ não obstante uma decisão de retenção “ comporte uma certa ambiguidade, a sua articulação com os termos da “ decisão posterior “ indica uma relação cronológica entre uma decisão, concretamente a de retenção, e a decisão posterior, não deixando esta formulação lugar a nenhuma dúvida, no que diz respeito ao carácter prévio da primeira decisão.
O considerando 17 do regulamento[3] confirma esta interpretação esclarecendo que uma decisão de retenção “ deve poder ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas “.
( … )
Estas disposições ( artigos 11º, nº 3 e 6 do regulamento ) destinam-se não só a assegurar o regresso do menor ao Estado membro no qual tinha a residência habitual imediatamente antes da sua retenção ou deslocação ilícita mas também a permitir ao tribunal de origem avaliar a justificação e provas em que assentou a decisão de retenção.
( … )
Se assim não fosse, o regulamento poderia ficar privado de efeito útil, uma vez que o objectivo do regresso imediato do menor ficaria subordinado à condição do esgotamento dos meios processuais admitidos pela legislação nacional do Estado membro em que o menor está ilicitamente retido. Este risco é tanto mais digno de ponderação quanto, no que diz respeito às crianças de tenra idade, o tempo biológico não pode ser medido de acordo com critérios gerais, devido à estrutura intelectual e psicológica dessas crianças e à rapidez com que evoluem.
( … )
Esta interpretação é confortada por dois elementos. O primeiro baseia-se nos termos “ uma decisão posterior que exija o regresso da criança “, utilizados no artigo 11º, nº 8, do regulamento, termos que exprimem a ideia de que o tribunal de origem, depois de ter sido proferida uma decisão de retenção, pode ver-se obrigado a tomar uma ou várias decisões para obter o regresso do menor, incluindo em situações de impasse processual ou factual. O segundo elemento é de ordem sistemática e assenta no facto de, contrariamente ao que acontece no âmbito do processo previsto nos artigos 33º a 35º do regulamento, em relação ao pedido de executoriedade, decisões proferidas em conformidade com o capítulo III, secção 4 ( direito de visita e regresso do menor ), poderem ser declaradas executórias pelo tribunal de origem independentemente de qualquer possibilidade de recurso, quer no Estado membro de origem quer no Estado membro de execução. “.
Sobre esta matéria, veja-se ainda :
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 2009 ( relatora Maria dos Prazeres Beleza )[4], publicitado in www.dgsi.pt onde se alude a que : “ …não está em causa neste processo – nem poderia estar ( artigo 16º da Convenção ) – nenhuma decisão sobre a guarda do menor. Trata-se, diferentemente, de um processo expedito tendente a garantir a eficácia de uma decisão judicial ( adoptada pelo tribunal irlândes em 14 de Abril de 2005 ) que “ decretou uma ordem de residência pela qual o menor ficaria a residir com o pai na Irlanda do Norte “, estando assente que a recorrente a retém em Portugal ilicitamente.
Em tal eventualidade, os tribunais têm de determinar a entrega imediata da criança, sem que possam discutir a bondade da solução, salvo de ocorrerem as circunstâncias ponderosas que a Convenção de Haia e o Regulamento ( CE ) nº 2201/2003 consideram aptas a fundamentar uma decisão de recusa. “.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2003 ( relator Oliveira Barros ), publicitado in www.dgsi.pt onde se sublinha que : “ Essa Convenção ( sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças concluída em 25 de Outubro de 1980 pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado ) teve a finalidade de proscrever o uso de meios de auto-tutela em matéria do exercício do poder paternal. “.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31 de Março de 2011 ( relator Evaristo Freitas Vieira ), publicitado in www.jusnet.pt, onde se refere : “ O que está aqui em causa é a apreciação do requerido reconhecimento de executoriedade da decisão posteriormente proferida pelo Estado de onde a criança foi deslocada, em que se exija o regresso da criança deslocada.
Isso mesmo está previsto no artigo 11º-8º, do Regulamento. Assim, ao mesmo tempo que se reconhece que em determinadas situações, previstas no artigo 13º da Convenção de Haia, o Estado requerido possa recusar o regresso da criança, prevê-se igualmente a possibilidade de essa decisão ser substituída por decisão posterior do Estado-Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. O tribunal de origem terá assim sempre a última palavra sobre esta questão. “.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2010 ( relator Emídio José da Costa ), publicitado in www.jusnet.pt, onde pode ler-se : “ O aludido Regulamento Bruxelas II pretendeu desencorajar o rapto de crianças pelos progenitores entre Estados-Membros e, se tal vier a ocorrer, garantir o regresso um regresso rápido da criança ao seu Estado-Membro de origem. Para efeitos do Regulamento, o rapto da criança abrange tanto a deslocação ilícita como a retenção ilícita ( item 11 do artigo 2º ).
O juiz deve primeiramente determinar se existiu uma deslocação ou retenção ilícitas na acepção do Regulamento. A definição do ponto 11º do artº 2º é muito semelhante à definição constante da Convenção de Haia de 1980 ( artigo 3º ) e abarnge a deslocação ou retenção da criança em violação dos direitos de guarda reconhecidas na legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes do rapto. Contudo, o Regulamento acrescenta que a guarda é considerada como sendo exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode decidir sobre o local da residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental. Por conseguinte, a deslocação de uma criança de um Estado-Membro para outro sem o consentimento do outro titular constitui um rapto da criança ao abrigo do Regulamento.
O Regulamento reforça o princípio segundo o qual o tribunal deve ordenar o regresso imediato da criança, limitando ao estritamente necessário as excepções previstas na alinea b) do artigo 13º da Convenção. O princípio é que a criança deve sempre regressar se estiver garantida a sua protecção no Estado-Membro de origem. “.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Abril de 2011 ( relator Filipe Caroço ), publicitado in www.jusnet.pt, onde pode ler-se : “A intervenção do Ministério Público ocorre no âmbito particular da acção especial tutelar intentada no Estado-Membro requerido com vista ao eventual regresso da criança ao Estado requerente ( artº 11º do Regulamento ) ; processo que não se destina a obter qualquer decisão sobre a guarda da criança, mas a garantir de forma expedita, a eficácia de uma decisão judicial já tomada sobre essa guarda, correndo o respectivo processado segundo as regras da jurisdição voluntária ( artº 1409º e seguintes do Código de Processo Civil e artsº 146º e 150º da Organização Tutelar de Menores ). “.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Julho de 2011 ( relatora Maria João Areias ), publicitado in www.jusnet.pt, onde pode ler-se : “ … a jurisprudência tem vindo a considerar ilegítima tal deslocação para o estrangeiro sem o consentimento do outro cônjuge, ainda que promovida pelo progenitor que tenha a guarda do menor ( acórdão da Relação do Porto de 7 de Abril de 2011, disponível em www.dgsi.pt e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2010 ).
No caso em apreço, o menor residia com a mãe em Inglaterra, correspondente à sua residência habitual - entendida, para efeitos de aplicação desta e doutras convenções que também usam este elemento de conexão, como o local em que se encontra organizada a vida do menor, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, em suma, onde está radicado – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Novembro de 2008, relatado por Maria Adelaide Domingos, disponível em www.dgsi.pt. – ao tempo da deslocação do menor para Portugal, sendo indiferente que a decisão do High Court de Londres, a declarar que o menor deverá residir com a mãe, seja posterior à retirada do menor.
Sendo aquele o tribunal do Estado-Membro da residência habitual ao tempo da deslocação e retenção ilícitas, continua a ter competência até que a criança disponha de uma outra residência habitual noutro Estado- Membro – artsº 10º e 11º da Convenção. “.
Debruçando-nos sobre a situação sub judice :
4 - Do ordenado regresso do menor a Portugal.
Alegou o recorrente :
O menor foi viver para casa do pai em França, no final de Agosto de 2008, tendo frequentado o ensino escolar no ano de 2008/2009 e sido assistido medicamente a nível dos seus graves problemas de saúde.
Em 31 de Julho de 2009, o requerido autorizou o menor a passar férias com a mãe, todavia esta não deixou o filho regressar a França com o pai, depois das férias não por sua vontade, mas por imposição dos avós do menor, segundo a progenitora declara publicamente.
O requerido diligenciou junto da CPCJ da …e do Tribunal a quo em Setembro de 2010, para que o menor pudesse regressar a França.
E, na falta de decisão das referidas entidades e apercebendo-se que a progenitora, no mínimo, negligenciava os cuidados básicos do menor e dado que a declaração desta se mantinha em vigor, regressou com o seu filho a França.
A situação de perigo em que o menor se encontrava, aquando da sua deslocação para França em Setembro de 2010, originou o processo administrativo com o nº .../10.8TALNH, o qual veio a merecer despacho de arquivamento em 11 de Março de 2011, devido ao menor já não se encontrar à data em Portugal.
O menor em França reúne um conjunto de condições a nível familiar, habitacional, escolar e de saúde, que lhe proporcionam um crescimento harmonioso e integral, contrapostas às da progenitora em Portugal.
O menor, ouvido no processo que ditou o não regresso do mesmo a Portugal, manifestou claramente vontade de continuar com o pai, uma vez que já se encontra totalmente integrado no ambiente familiar, social e escolar da sua residência em França.
O requerido está convicto do perigo grave na deslocação do menor para Portugal ao nível da sua saúde física e psicológica, na medida em que regressará aos cuidados dos avós, uma vez que a progenitora não quer, nem tem condições para tanto, segundo declara publicamente.
O progenitor nunca recusou qualquer contacto do menor com a mãe, bem pelo contrário sempre diligenciou a sua efectivação por todos os meios desejando que tal situação ainda mais se reforce e fortaleça.
Assim, nos termos dos artsº 13º, alíneas a) e b) e 20º da Convenção, resultam comprovados os factos necessários à determinação da rejeição do pedido de entrega imediata do menor à progenitora, por inexistência de qualquer fundamento e muito menos facto que o legitime.
Sendo que a sentença ora recorrida viola o intuito normativo da OTM, da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980, em especial o seu artigo 13º e o Regulamento 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003, bem como os mais elementares princípios constitucionais.
Apreciando :
É absolutamente irrefutável que o progenitor ao reter consigo o filho em França, não o fazendo regressar ao convívio de sua mãe, com quem residia habitualmente em Agosto de 2010, fazendo-o à completa revelia e contra a vontade desta e sem nenhuma comunicação formal ao Tribunal competente, agiu ilícita e censuravelmente.
Com efeito,
Nessa altura, encontrava-se em vigor o regime de regulação do exercício do poder paternal estabelecido em 21 de Outubro de 2005 ( cfr. fls. 11 ) que dispunha : “ O menor fica entregue à guarda e cuidados da mãe, cabendo o exercício do pode paternal à mãe “.
A alteração da regulação do poder paternal apresentada em 17 de Novembro de 2008, da qual constava, na respectiva cláusula 4ª, alínea a) “ O menor passará a ficar à guarda e cuidados do progenitor em França, cabendo o exercício do poder paternal a ambos os progenitores “, nunca chegou a ser objecto de homologação judicial – tendo antes merecido um despacho de arquivamento, com o qual o requerente se conformou ( cfr. despacho proferido a fls. 31 a 32 que transitou em julgado ).
Neste mesmo sentido se pronunciou o Procurador da República Francesa na audiência que teve lugar no Tribunal de Grenoble, em 23 de Novembro de 2010, ao afirmar que :
“ …a deslocação da criança do lugar que constituía a sua residência habitual é ilícita e que o pai agiu deliberadamente violando os direitos da criança e os da respectiva mãe com a qual mantinha guarda conjunta do menor. Nenhuma das excepções que obstem ao regresso da criança se aplica ao presente caso, dado que a mãe exercia de maneira efectiva a sua guarda no dia em que a deslocação ilícita ocorreu, dado que a criança não dispõe de discernimento suficiente para que a sua opinião possa ser tida em conta e dado que as condições materiais e psicológicas nas quais a criança está a ser educada são satisfatórias. “ ( cfr. fls. 272 ).
No fundo, o que aconteceu foi o progenitor ter, pura e simplesmente, deixado de se sentir vinculado ao regime legal que regia a guarda do menor e, com absoluta indiferença e desconsideração pela instituição jurisdicional competente – à qual nada comunicou –, manteve a criança em França não a entregando à mãe, forçando no plano dos factos uma verdadeira alteração das responsabilidades parentais, unicamente determinada pela sua unilateral e discricionária vontade.
Já no que concerne aos fundamentos substanciais da decisão de não regresso do menor a Portugal consta dos autos :
“ …F. foi viver para casa do seu pai, em França, e foi matriculado num estabelecimento em Ville..., para o ano de 2008/2009.
A 31 de Julho de 2009, A. autorizou o filho a deixar o território francês, de 1 de Agosto de 2009 a 1 de Setembro de 2009, para passar as férias de Verão com a mãe.
A mãe não deixou a criança regressar a França, depois do período das férias de Verão, de 2009.
O representante do senhor… enviou, por fax, um requerimento ao Tribunal da …, em Setembro de 2009 ( por lapso escreveu-se 2010 ), para que a criança pudesse regressar sem demoras ao domicílio do pai.
No Verão de 2010, foi a vez do senhor… se opor a que a criança regressasse a Portugal, invocando a aplicação do acordo firmado com a senhora… , em 2008.
Enquanto que a mãe não consegue provar que ficara previsto, no acordo entre os pais, que a criança regressaria para viver com ela e que, pelo contrário, o pai consegue justificar, através da autorização de saída do território e da reserva dos bilhetes, que a criança deveria regressar ao seu domicílio, no dia 1 de Setembro de 2009, a senhora… não podia rescindir unilateralmente o acordo de transferir a residência do filho do domicílio do pai, sem que para isso tivesse obtido nova decisão judicial que autorizasse a que a residência principal passasse a ser a sua.
Assim, no dia em que a questão foi remetida às autoridades centrais, o senhor… detinha a guarda da criança, no seu domicílio, em virtud do acordo escrito efectuado pela mãe.
A excepção que obsta ao regresso da criança, prevista no artigo 13º da Convenção de Haia, é pois válida, uma vez que a mão tinha consentido a deslocação da criança por um período de tempo indeterminado.
Consequentemente, a deslocação da criança não foi ilícita. “ ( cfr. fls. 275 ).
Acontece que
Esta análise não coincide com a exacta configuração fáctico-jurídica de que os autos dão insofismável notícia.
Vejamos :
1º - O progenitor A. sabia perfeitamente que o Tribunal tinha indeferido o requerimento para a alteração das responsabilidade parentais, entrado em juízo em 17 de Novembro de 2008, pelo que a guarda do menor se encontrava confiada à menor, por força do regime acordado em 10 de Novembro de 2005.
2º - O progenitor A., que na altura se encontrava representado por ilustre advogado, sabia igualmente que tinha sido indeferido pelo Tribunal, na mesma ocasião processual, o seu requerimento de 1 de Setembro de 2009, em que solicitava a entrega do menor para poder regressar com ele para França.
3º - O progenitor A. aceitou e conformou-se com essa situação, tendo o menor vivido em companhia da mãe de Agosto de 2009 a Agosto de 2010 - quando o filho lhe foi entregue para com ele passar as férias de Verão, em França.
4º - O progenitor A., plenamente consciente das suas obrigações legais, incumpri-as decidindo não entregar o filho à progenitora no fim das férias de Verão, como era suposto e resultava do único regime jurídico que sobre as responsabilidades parentais se encontrava vigente.
5º - O progenitor A. não comunicou rigorosamente nada ao Tribunal competente quanto à transferência da residência do menor, promovido motu proprio em Agosto de 2010 – coincidente com a apresentação da renúncia ao mandato apresentada pelo seu ilustre advogado em 3 de Setembro de 2010 ( cfr. fls. 65 ).
Perante estes factos, não existe o fundamento algum para admitir que no momento em que o progenitor recusa a entrega do menor à progenitora, em Agosto de 2010, estivesse a agir ainda ao abrigo da ( claramente ultrapassada ) autorização concedida pela progenitora no Verão de 2008.
Acresce que não se encontra sequer pendente qualquer procedimento tendente à alteração do poder paternal relativamente ao menor F., não se discutindo a respectiva guarda, nem se justificando, neste preciso momento, a prolação de qualquer nova decisão quanto a essa matéria[5].
A este propósito, cumpre assinalar que, nos termos do artº 16º da Convenção sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças concluída em Haia em 25 de Outubro de 1980 : “ Depois de terem sido informadas da transferência ilícita e da retenção de uma criança no contexto do artigo 3º, as autoridades judiciais e administrativas do Estado Contraente para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de custódia sem que seja provado não estarem reunidas as condições previstas na presente Convenção para regresso da criança, ou sem que tiver decorrido um período razoável de tempo sem que haja sido apresentado qualquer requerimento em aplicação do prescrito na presente Convenção. “.
De notar portanto que, sendo in casu o tribunal português – os pais e o menor cidadãos têm nacionalidade portuguesa, situando-se a residência habitual da criança, à data da sua ilícita retirada, em território português -, o internacionalmente competente para regular a questão da guarda do menor, não existe notícia da pendência de qualquer incidente de alteração da regulação das responsabilidade parentais – no sentido da sua atribuição ao pai – sendo, ao invés, a decisão judicial proferida em 2005 – em que foi confiada, por acordo, a guarda do menor à mãe – a única que é juridicamente relevante para a apreciação da matéria dos autos.
Em suma,
Não se confirma, in casu e a nosso ver, a materialidade prevista no artigo 13º da Convenção sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças concluída em Haia em 25 de Outubro de 2010, aprovada para ratificação através do Decreto-lei nº 33/83, de 11 de Maio, que obste à decisão de regresso imediato do menor ao país onde tinha a sua residência habitual ao tempo da retenção ilícita promovida pelo progenitor.
Com efeito,
Actualmente não existe pendente qualquer processo de promoção e protecção do menor, fundado em situação de perigo para este.
O mesmo fora impulsionado pela actual companheira do progenitor do menor e acabou arquivado por decisão do digno magistrado do Ministério Público em 11 de Março de 2011, uma vez que se constatou que o menor se encontrava a residir em França ( cfr. fls. 425 ).
No âmbito do inquérito que correu termos nos Serviços do Ministério Público da ..., concluiu-se “ …não terem sido apurados quaisquer elementos que indiciem a prática, pela arguida, do denunciado crime de maus tratos “ ( cfr. fls. 488 ).
No relatório social elaborado pelo Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital de Lisboa, elaborado a 4 de Fevereiro de 2011 e junto a fls. 491 a 493, concluiu-se que : “ A Equipa não dispõe de elementos que possam indiciar que o menor se encontre em situação de perigo que legitime a intervenção no âmbito do artigo 3º, nº 1 e 2 da Lei 147/99, de 1 de Setembro.
Estando o menor a residir em França, a audição da sua situação sócio-familiar tem de ser avaliada por entidade competente francesa…”.
Neste contexto,
Não é possível afirmar, objectiva e fundamentadamente, que “ exista um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, a ficar numa situação intolerável “, nos termos e para os efeitos do artº 13º, alínea b), da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto do Governo nº 33/83, de 11 de Maio.
Assim, não obstante o cuidado e a atenção com que a presente situação devará continuar a ser seguida, impõe-se, efectivamente e sem qualquer dúvida, o regresso do menor F. a Portugal.
A apelação improcede.

IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo apelante.

Lisboa, 5 de Junho de 2012.

Luís Espírito Santo
Gouveia Barros
Conceição Saavedra
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[1] Vide, sobre este ponto, acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11 de Julho de 2008, publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XVI, Tomo III, pags. 5 a 13.
[2] Publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XVI, Tomo III, pags. 5 a 13.
[3] Consta deste considerando 17 : “ Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso ; para o efeito, deverá continuar a aplicar-se a Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, completada pelas disposições do presente Regulamento, nomeadamente o artigo 11º. Os tribunais do Estado membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente devem poder opor-se ao seu regresso em casos específicos devidamente justificados. Todavia, tal decisão deve por ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Se esta última decisão implicar o regresso da criança, este deverá ser efectuado e a execução da referida decisão no Estado-Membro onde se encontra a criança raptada. “.
[4] No mesmo sentido vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 2010 ( relatora Maria dos Prazeres Beleza ), publicitado in www.jusnet.pt.
[5] Temática que o pai do menor poderá vir a suscitar no futuro, desde que o faça fundamentadamente e com estreita observância dos trâmites processuais definidos na lei.

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/03f460171b0c3f8180257a380048907b?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

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