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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

PRISÃO PREVENTIVA REEXAME DOS PRESSUPOSTOS ESTRANGEIRO EM SITUAÇÃO IRREGULAR CRIMINALIDADE ALTAMENTE ORGANIZADA - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 26/06/2012


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
506/11.6GFLLE-A-E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS
ESTRANGEIRO EM SITUAÇÃO IRREGULAR
CRIMINALIDADE ALTAMENTE ORGANIZADA

Data do Acordão: 26-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO

Sumário:
1. Da decisão de reexame da prisão preventiva cabe sempre recurso nos termos gerais, tenha ou não sido precedida de requerimento ou audição do arguido, com fundamento em alteração das circunstâncias (que pode resultar do mero decurso do tempo e/ou da ausência de novos atos no processo), mas não pode o recurso limitar-se a pôr em causa a verificação dos pressupostos no momento de aplicação da medida.

2. Isto não significa que se forme caso julgado formal sobre a decisão que julgou verificados os pressupostos de ordem forma e material de que depende a aplicação da medida de coação, pois tanto o juiz de 1ª instância como o tribunal de recurso podem decidir revogar ou substituir a medida anterior, a todo o tempo, por força do favor libertatis que predomina em matéria de medidas privativas da liberdade.

3. No caso de processo penal instaurado contra estrangeiro indiciado pela prática de um crime em Portugal, que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, o juiz pode aplicar-lhe a medida de prisão preventiva, nos termos da al. f.) do art.202, nº1, do CPP, independentemente do limite máximo da pena aplicável ao crime indiciado, ou, pelo menos, em casos (como o presente) em que um dos crimes é punível com prisão superior a 3 anos.

4. Ao prever a aplicabilidade da prisão preventiva por crime que corresponda a criminalidade altamente organizada (al. m) do art. 1º do CPP) a al. c) do nº1 do art. 202º do CPP não abrange o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º do Decreto-lei n.º 15/93


Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório

1. Nos autos de inquérito em epígrafe que correm termos nos Serviços do MP junto do Tribunal Judicial de Loulé em que, entre outros, é arguido G, foi proferido em 21.03.2012 despacho de reexame dos pressupostos da prisão preventiva que decidiu manter a medida de coação de Prisão Preventiva que lhe fora antes aplicada em 23.12.2011, na sequência de 1º interrogatório judicial.

2. É daquele despacho de reexame da prisão preventiva que o arguido vem interpor o presente recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis :

«II

CONCLUSÕES

I – O despacho recorrido ao proceder ao reexame dos pressupostos de aplicação de medida de coação, considera que se mantêm os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a sua aplicação, não se encontrando esgotado o respetivo prazo de duração máxima, pelo que determina que o Recorrente aguarde os ulteriores termos dos autos sujeito à medida de coação prisão preventiva.

II – Remetendo desta forma para as razões alegadas no despacho datado de 24 de Dezembro de 2011.

III – O referido despacho fundamenta a aplicação da medida de coação prisão preventiva por considerar que “São fortíssimos os perigos de continuação de actividade criminosa e de perturbação do inquérito e subversão da prova, caso este arguido continue em liberdade e a usar a documentação falsa e a dedicar-se ao tráfico de estupefacientes…”

IV – O Arguido reconheceu como verdade a utilização do documento de identificação do seu primo para entrar em Portugal bem como admitiu também ter violado a medida de interdição de entrada em Portugal.

V – O Arguido negou e nega qualquer atividade de tráfico de estupefacientes e pelo facto de ter antecedentes criminais por este crime isso por si só não resulta que o mesmo tenha cometido tal crime.

VI – Pelo que, o Arguido não sabe que elementos dos autos determinaram que esteja indiciado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, não tendo sido apreendida qualquer droga consigo, desconhecendo a existência do produto apreendido.

VII – O Arguido não tem acesso a todos os elementos do processo nem sabe se existem ou não depoimentos que tenham sido colhidos.

VII – O Arguido colaborou com a Justiça, esclarecendo todos os factos com interesse para os autos, nomeadamente confessou todos os factos relacionados com o uso do documento do seu primo para entrar em Portugal bem como da violação da medida de interdição em Portugal.

VIII – O despacho que manteve a prisão preventiva apresenta como pressupostos o perigo de continuação da atividade criminal, de perturbação do inquérito e subversão da prova e de fuga.

IX – Ora, a lei exige que, em concreto, se indique em que termos se regista os mencionados perigos. Quais os factos, tendo em conta as circunstâncias do crime e a personalidade do agente, que impõem a que os direitos fundamentais ao arguido cedam perante exigências cautelares do processo.

X – A verdade é que nada nos autos indicia concretamente que o Arguido venha a dar continuidade à alegada conduta criminosa que lhe é imputada, não se mostrando suficiente apenas a menção aos seus antecedentes criminais por tráfico.

XI – Assim como também não se demonstram quaisquer circunstâncias concretas que indiciem a atuação do Arguido com o objetivo de perturbar o decurso do inquérito e de fugir.

XII – Mesmo que se considere a existência de tais indícios, não se anteveem, no presente caso, finalidades estritamente processuais que imponham única e exclusivamente a medida de coação prisão preventiva.

XIII – É também referido que pelo facto do arguido se encontrar interdito de entrar em Portugal até 27 de Outubro de 2013, só por si justificaria a aplicação da medida de coação prisão preventiva, ao abrigo do artigo 202, nº1, alínea c), do C.P.P..

XIV – Contudo, segundo o artigo 202º, nº1, do C.P.P. “ Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos números anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventivas…”.

XV – Logo, mesmo que se considere verificado o previsto na alínea c) do supra mencionado artigo, a aplicação da medida de coação da prisão preventiva não é de aplicação automática como parece resultar do douto despacho de 24 de Dezembro de 2011.

XVI – Pois, havendo outra medida que se demonstre adequada e suficiente deverá ser esta a se aplicar.

XVII – Ora, face ao exposto, bastará e garantirá as exigências processuais a aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201º, do C.P.P., através de vigilância eletrónica.

XVIII – Pois, esta medida será bastante para acautelar os perigos que o douto Tribunal entende se encontrar verificados.

XIX – Uma vez que, o ora Recorrente estando com obrigação de permanência de habitação, com vigilância eletrónica, não tem possibilidades de praticar as alegadas atividades criminosas por que responde neste processo nem tão pouco de perturbar o inquérito ou de fugir porque se encontra fortemente controlado pelo sistema de vigilância eletrónica.

XX – E sendo a prisão preventiva a mais gravosa das medidas de coação, deve a necessidade da sua aplicação ser ponderada pela exigência de inequívoca prova dos seus pressupostos de aplicação e da impossibilidade de através de outras medidas menos gravosas assegurar os fins processuais a seguir.

XXI – Deste modo, resulta claro que as exigências cautelares do processo podem ser salvaguardadas com os mesmos níveis de eficácia através da aplicação da medida que ora se propõe em prol da prisão preventiva.

XXII – Sendo certo que resulta do próprio artigo 193º, nº 3, do C.P.P. que caso o Meritíssimo Juiz entenda de aplicar uma medida de coação privativa da liberdade deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que esta se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.

XXIII – Pelo que, ponderados todos os elementos que aqui se explanaram, atendendo a que outra medida menos gravosa acautela as exigências processuais a que se urge atender e, tendo em conta que no nosso ordenamento a prisão preventiva é absolutamente excecional, residual, subsidiária e atentos os princípios da proporcionalidade e adequação, deverá ser aplicada ao ora Recorrente a medida de coação ora proposta.

Nestes termos e nos demais de direito, deverão V. Exas. julgar procedente o presente recurso, devendo ser revogado o douto despacho e substituída a medida de coacção prisão preventiva pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, com o que farão V. Exas a costumada Justiça.

Para efeitos de aplicação da supra mencionada medida de coação, deverá ser ordenada a audição do Arguido a fim do mesmo prestar o seu consentimento à utilização dos meios de vigilância eletrónica e oficiar junto do Instituto de Reinserção Social de forma a ser elaborada a respectiva informação social prévia quanto à possibilidade do Arguido cumprir aquela medida de coacção na residência da sua esposa e filhos, a qual se situa na Rua...,, Almada.»

3. Na resposta à motivação do recorrente, entende o MP na 1ª instância que deve ser negado provimento ao recurso.

4. Nesta Relação, o senhor Procurador Geral Adjunto a quem o processo foi com vista nos termos do art. 416º do CPP, emitiu Parecer no mesmo sentido.

5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do C. P. P., o arguido nada acrescentou.

6. – O despacho recorrido (transcrição integral e ipsis verbis):

«Fls. 754 e 794:

Tomei conhecimento de que o arguido P, que se encontrava em prisão preventiva, faleceu, tendo o Ministério Público declarado extinto o procedimento criminal contra este arguido.

***
Compulsando o ulterior desenvolvimento que tiveram os autos, desde a aplicação da medida de prisão preventiva aos arguidos A, G, e W, e até ao momento, deles não resulta qualquer circunstância modificativa dos fundamentos em que assentou tal decisão e de que resulte ser insubsistente tal medida.

De igual modo, não se vislumbram nem vêm suscitadas circunstâncias supervenientes que, para efeitos do reexame do seu estatuto, justifiquem seja determinada ex oficio a sua nova audição.

Permanecem inalterados os pressupostos de facto e de direitos que fundamentaram a sua aplicação, não se encontrando esgotado o respectivo prazo de duração máxima.

Assim, procedendo ao reexame dos seus pressupostos, ao abrigo do disposto no art. 213º do Cód. P. Penal, determino que os arguidos A, G, e W, aguardem os ulteriores termos dos autos sujeitos à medida de coacção prisão preventiva.

Notifique, o M. Público, os arguidos e os seus Ilustres defensores (atente-se também na procuração de fls. 700).»

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Questão a decidir

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões da motivação do recorrente, a questão por ele suscitada no presente recurso é, essencialmente, a de saber se o despacho, que reexaminou e manteve a prisão preventiva antes aplicada ao arguido deve ser revogado, decidindo-se em substituição que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de Obrigação de Permanência na Habitação (OPH), fiscalizada através de meios técnicos de controlo à distância.

2. Decidindo.

2.1. - Como referido supra, o tribunal a quo aplicara em 24 de Dezembro de 2011 a medida de prisão preventiva, considerando então que se mostrava suficientemente indiciada a prática pelo arguido G, “em autoria material e concurso efetivo, um crime de uso de documento falso, p. e p. pelo artigo 261º do Código Penal (pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias), um crime de Tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º al. a), e 21º ambos do DL 15/93, de 22/01 e tabela I-B anexa ao mesmo diploma (prisão de um a cinco anos), e ainda, um crime de violação de medida de interdição de entrada e permanência ilegal p. e p. pelo artigo 187º, n.º 1 da Lei n.º 23/07, de 04/07, pena de prisão até dois anos ou multa até 100 dias.”

O tribunal a quo considerou ainda, no que respeita a necessidades cautelares, que eram …fortíssimos os perigos de continuação de atividade criminosa e de perturbação do inquérito e subversão da prova, caso este arguido continue em liberdade e a usar a documentação falsa e a dedicar-se ao tráfico de estupefacientes…”.

No despacho de aplicação da prisão preventiva diz-se ainda que “Existe em concreto perigo de continuação da atividade criminal de perturbação do inquérito e de fuga o que justifica a aplicação da prisão preventiva sendo certo que resulta do expediente remetido para os autos pelo SEF que o arguido estava impedido de entrar em Portugal até 27.10.2013, o que por si só justificaria a aplicação de tal medida de coacção ao abrigo do disposto no art. 202º nº 1 al. f) do CPP.” Cfr fls 514(485) dos presentes autos.

O despacho ora recorrido mantem a prisão preventiva por não resultar dos autos qualquer circunstância modificativa dos fundamentos em que assentou tal decisão e de que resulte ser insubsistente tal medida.

Por sua vez, o arguido recorrente assenta o seu recurso, essencialmente nas considerações seguintes:

- Nega qualquer atividade de tráfico de estupefacientes, alegando não saber quais os elementos dos autos que o indiciam;

- Colaborou com a justiça, nomeadamente confessando os factos relativos ao crime de uso de documento falso e à violação da medida de interdição;

- Os autos não indiciam em concreto as necessidades cautelares invocadas para aplicação da medida de coação;

- A situação prevista na al. f) do nº1 do art. 202º (certamente por lapso, o arguido refere-se à al. c) ) não justifica automaticamente a aplicação da prisão preventiva, contrariamente ao que parece resultar do despacho que inicialmente aplicara a prisão preventiva;

- Mesmo a considerarem-se verificadas as necessidades cautelares invocadas, a medida de OPH mediante vigilância eletrónica é bastante para fazer face às mesmas, pelo que esta medida deve substituir a prisão preventiva aplicada.

2.2. – Conforme decorre claramente da motivação de recurso e respetivas conclusões, os fundamentos do recurso dirigem-se contra o despacho que inicialmente aplicou prisão preventiva ao arguido e não contra a decisão de manter aquela mesma medida de coação, apesar de ser esta a decisão formalmente recorrida.

Ora, o despacho que procede ao reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva e da OPH tem finalidade e conteúdo próprios, não constituindo mera reedição ou novação do despacho que inicialmente aplicou qualquer daquelas medidas, de tal modo que o recorrente possa discutir a todo o tempo a decisão inicial que julgou verificados aqueles mesmos pressupostos através do recurso da decisão que decidiu manter a medida anteriormente aplicada.

Não queremos dizer com isto que se forma caso julgado formal sobre a decisão que julgou verificados os pressupostos de ordem forma e material de que depende a aplicação da medida de coação, de tal modo que nem o juiz de 1ª instância nem o tribunal de recurso possa contrariar julgamento anterior sobre a verificação daqueles mesmos pressupostos, mesmo que se torne evidente que os mesmos não se verificam, nem se verificavam.

O favor libertatis que predomina em matéria de medidas privativas da liberdade, quer se trate de medidas de coação, quer de mera detenção, implica a libertação do arguido ou a aplicação de medida não privativa da liberdade, logo que se constate não se verificarem os pressupostos legais que a permitem., conforme decorre do art. 28º da CRP e, entre outras disposições legais, dos arts 191º, 192º nº2 e do art. 261º nº1, cuja parte final condensa bem a regra base a seguir em todos estes casos, ao determinar a libertação imediata do detido: “…logo que se tornar manifesto que a detenção foi efetuada por erro sobre a pessoa ou fora dos casos em que era legalmente admissível ou que a medida se tornou desnecessária”.

É, pois, a esta luz, que interpretamos o nº 1 do art. 213º do CPP, quando determina que o juiz proceda oficiosamente ao reexame dos pressupostos da PP e da OPH, “… decidindo [a todo o tempo] se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas”.

2.3. - Em nosso ver há, pois, que distinguir o dever do tribunal de 1ª instância substituir ou revogar medida de coação privativa da liberdade a todo o tempo e independentemente de requerimento, logo que constate não serem as mesmas legalmente admissíveis ou já não serem necessárias, do âmbito do direito de recurso do arguido, que não é tão amplo como o apontado dever de revogação e substituição imposto legalmente ao tribunal.

Na verdade, constituindo os recursos remédios jurídicos para eliminar ou emendar decisão viciada[1], é na decisão recorrida que hão - de encontrar-se os vícios (derivem eles de error in procedendo ou de error in judicando) contra os quais se pretende reagir com o recurso.

Nos casos, como o presente, em que a decisão que aplicou a prisão preventiva já transitou, o arguido pode sempre requerer ao tribunal a alteração da medida por considerar não se verificarem os pressupostos que a justificam, quer no momento do reexame oficioso a que se reporta o art. 213º do CPP, quer em momento anterior. Da decisão de reexame cabe sempre recurso nos termos gerais, tenha ou não sido precedida de requerimento ou audição do arguido, com fundamento em alteração das circunstâncias (que pode resultar do mero decurso do tempo e/ou da ausência de novos atos no processo), mas não pode o recurso limitar-se a pôr em causa a verificação dos pressupostos no momento de aplicação da medida, sem prejuízo dos referidos deveres oficiosos do tribunal, incluindo do tribunal de recurso.

2.4. – Clarificado o quadro normativo pelo qual norteamos a apreciação e decisão do presente recurso, concluímos pela improcedência manifesta dos fundamentos do recurso que apenas respeitam ao despacho de aplicação da medida e não ao despacho de reexame ora recorrido, ou seja, na parte em que nega qualquer atividade de tráfico de estupefacientes, em que alega não saber quais os elementos dos autos que o indiciam, ter colaborado com a justiça, nomeadamente confessando os factos relativos ao crime de uso de documento falso e à violação da medida de interdição e não indiciarem os autos em concreto as necessidades cautelares invocadas para aplicação da medida de coação.

O tribunal a quo apreciou estas questões ao decidir aplicar a medida de prisão preventiva e particularmente no que respeita à alegada falta de conhecimento dos elementos indiciadores, autorizou expressamente a consulta dos elementos de prova que serviram para f8undamentar a decisão de aplicação da prisão preventiva ao arguido, conforme requerido por este – despacho que constitui fls 777 (748) dos presentes autos de recurso em separado.

O recurso não se dirige, pois, contra a decisão de manter a prisão preventiva - pois não se alega sequer que o tribunal recorrido tenha deixado de ponderar alterações eventualmente ocorridas -, mas apenas contra a decisão de aplicação da prisão preventiva e respetivos fundamentos, que não pode ser objeto do presente recurso nos termos expostos, pelo que improcede o recurso com tal fundamento, independentemente do respetivo mérito que, no caso presente, sempre conduziria à sua improcedência.

2.5. – Já a invocação de que a situação prevista na al. f) do nº1 do art. 202º (certamente por lapso, o arguido refere-se à al. c)) não justifica automaticamente a aplicação da prisão preventiva, impõe no caso presente apreciação oficiosa do tribunal de recurso por poder estar em causa a falta de verificação dos pressupostos formais de que depende a aplicação da prisão preventiva e, consequentemente, a sua subsistência, conforme deixámos referido.

Confrontemos então o que se decidiu ali sobre os crimes indiciados e as disposições legais pertinentes.

2.5.1. - No que concerne ao arguido recorrente, o tribunal a quo considerou indiciada a prática de factos que consubstanciam a autoria material, em concurso efetivo, de um crime de uso de documento falso, p. e p. pelo artigo 261º do Código Penal (pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias), um crime de Tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º al. a), e 21º ambos do D.L 15/93, de 22/01 e tabela I-B anexa ao mesmo diploma (prisão de um a cinco anos), e ainda, um crime de violação de medida de interdição de entrada e permanência ilegal p. e p. pelo artigo 187º, n.º 1 da Lei n.º 23/07, de 04/07, pena de prisão até dois anos ou multa até 100 dias.”

Nenhum dos crimes indiciados é, pois, punível com pena superior a 5 anos, pelo que não se mostra preenchida a al. a) do nº1 do art. 202º do CPP. Não se mostra igualmente preenchida a previsão da alínea b), por referência ao conceito de criminalidade violenta acolhido no na al. f) do nº1 do art. 1º, bem como das alíneas d) e e ), pois não estamos perante nenhum dos crimes a que se reportam.

Por sua vez, a al. c) do nº1 do art. 202º prevê a aplicabilidade da prisão preventiva por crime que corresponda a criminalidade altamente organizada, mas apesar de a al. m) do art. 1º do CPP incluir aí os crimes de tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, entendemos que não é abrangido o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º do Dec-lei 15/93 que o tribunal a quo considera indiciado, pelas razões que se desenvolvem no acórdão do STJ de 10.10.2007 (acessível em www.d.g.s.i.pt, relator Raúl Borges) e cuja síntese, retirada do respetivo sumário, é a seguinte:

-“ VI. Tendo em conta que esta última definição [ «criminalidade altamente organizada»] surge na sequência das de «terrorismo», «criminalidade violenta» e «criminalidade especialmente violenta», face a este enquadramento e a esta sequência não é de ter por abrangido em tais universos de criminalidade grave o crime de tráfico de menor gravidade, cabendo tão só o crime de tráfico de estupefacientes base e o agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º do Dec-lei 15/93 de 22 de janeiro”.

Assim, uma vez que o despacho recorrido considera apenas indiciada a prática pelo arguido de um crime de tráfico de menor gravidade, como mencionado (o que não nos merece reparo), este crime não admite a aplicação de prisão preventiva, pelo que também por esta via não se mostra preenchido o requisito formal de aplicação da medida, à luz do disposto no art. 202º do CPP.

2.5.2. Assume, assim, toda a relevância, a invocação da al. f) do nº1 do art. 202º do CPP feita no despacho inicial de aplicação da prisão preventiva, como referido supra.

Conforme se diz ali “… resulta do expediente remetido para os autos pelo SEF que o arguido estava impedido de entrar em Portugal até 27.10.2013, o que por si só justificaria a aplicação de tal medida de coacção ao abrigo do disposto no art. 202º nº 1 al. f) do CPP.”

Ora, alega o arguido a este propósito que a medida de coação não é de aplicação automática como parece resultar do douto despacho de 24 de Dezembro de 2011 (conclusão XV), pois, havendo outra medida que se demonstre adequada e suficiente deverá ser esta a se aplicar (conclusão XVI).

No entanto, ainda antes da pretensa aplicação imediata da prisão preventiva em casos como o presente, há que apreciar e decidir se no caso de se indiciar a prática de crime não abrangido por qualquer das alíneas do nº1 do art. 202º do CPP, ainda assim é admissível prisão preventiva de arguido estrangeiro que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, nos termos da al. f) do nº1 do art. 202º do CPP (al. c) antes da Lei 26/2010 de 30 de agosto).

Vejamos.
O art. 202º CPP, que regula os pressupostos formais específicos da prisão preventiva, faz depender a sua aplicabilidade da forte indiciação de prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a três ou cinco anos de prisão, exceto no caso da citada al. f) do nº1. A letra deste preceito exige apenas que o arguido seja pessoa que tivesse penetrado ou permanecido irregularmente em território nacional ou contra o qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão.

Como aludido, encontra-se fortemente indiciado que o arguido entrou irregularmente em território nacional, pois terá violado a interdição de entrada em Portugal, o que o fará incorrer mesmo na prática de um crime de violação de medida de interdição de entrada e permanência ilegal p. e p. pelo artigo 187º, n.º 1 da Lei n.º 23/07, de 04/07 com pena de prisão até dois anos ou multa até 100 dias.”.

Assim, independentemente da pena aplicável ao crime indiciado, é a circunstância da entrada ou permanência irregular ou, em alternativa, a pendência de processo de extradição ou expulsão, que constitui pressuposto da aplicabilidade de prisão preventiva a arguido, ou seja, da pessoa contra quem há indícios da prática de um crime e que se encontra numa das situações processuais a que se reportam os art. 57º e 58º, do CPP.

Desde a sua versão originária que o CPP de 1987 distingue a aplicação de prisão preventiva em função da gravidade do crime indiciado, aferida pela pena máxima aplicável, da sua aplicação em função das necessidades inerentes à especial situação em que se encontra o arguido que tenha entrado ou permanecido irregularmente em território nacional ou contra quem, em todo o caso, pendesse processo de extradição ou expulsão.

Esta especialidade radica na distinção presente no art. 27º da CRP, que dá cobertura constitucional às hipóteses de prisão ou detenção previstos na legislação especial que regula os processos de extradição e expulsão, mas também à aplicação de medida de coação pela prática de crime, mencionando expressamente a prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado em território nacional desde a versão originária de 1976.

Concluímos, pois, que no caso de processo penal instaurado contra estrangeiro indiciado pela prática de um crime em Portugal, que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, o juiz pode aplicar-lhe a medida de prisão preventiva, nos termos da al. f) do art.202, nº1, do CPP, independentemente do limite máximo da pena aplicável ao crime indiciado, ou, pelo menos, em casos como o presente em que um dos crimes é punível com prisão superior a 3 anos. Concordamos, assim, com o entendimento adotado no Ac RL de 20.03.2012 (acessível em www.dgsi.pt, relator José Adriano), onde se apreciou ainda a relação daquela alínea f) com o disposto no art.142, da Lei nº23/07, de 4 de julho (que afasta a possibilidade de decretar prisão preventiva no âmbito de processo de expulsão independentemente da prática de qualquer crime), concluindo que estas normas coexistem sem interferências recíprocas por não terem âmbitos de aplicação distintos, o que é igualmente o nosso entendimento.

A reserva relativa ao limite máximo da pena tem que ver com a articulação entre o art. 202, por um aldo, e os arts 201º e 200º, que apenas admitem as medidas de coação neles previstas (OPH e Proibição e imposição de condutas, receptivamente) para crimes puníveis com prisão superior a 3 anos, pois não podemos deixar de considerar como hipótese interpretativa a confirmar, que, por via sistemática, cheguemos à conclusão de que o crime deve ser punível, no mínimo, com a pena exigida naqueles preceitos para as medidas de coação aí referidas.

Em todo o caso, não é questão de que dependa a decisão a proferir, pois sempre o crime de tráfico de menor gravidade é punível com pena até 5 anos de prisão, pelo que no caso presente sempre será admissível a prisão preventiva, tal como o são as medidas de coação de OPH e de Proibição e imposição de condutas.

2.5.3. – Da aplicabilidade da medida de prisão preventiva independentemente da pena máxima aplicável nos casos previstos na al. f) do nº1 do art. 202º do CPP não resulta, porém, que a mesma deixe de ter natureza subsidiária, face ao estabelecido nos nºs 2 e 3 do art. 193º do CPP, pois nada permite essa conclusão. Por outro lado, a sujeição das medidas de coação - que restringem de forma significativa direitos e liberdades fundamentais -, às especiais exigências do princípio da proporcionalidade acolhido no art. 18º da CRP, não permitem outra conclusão que não seja a da plena aplicabilidade do disposto nos arts 193º e 204º, do CPP à prisão preventiva, ou qualquer outra medida de coação, nas situações ora em causa.

Significa isto que, verificados os requisitos previstos na al. f) do nº1 do art. 202º do CPP, a prisão preventiva apenas pode ser aplicada se for necessária e adequada para fazer face a alguma das necessidades cautelares a que se reporta o art. 204º do CPP e, ainda assim, apenas se o juiz considerar inadequadas as demais medidas de coação previstas no CPP.

Isto é, apesar de podermos deduzir que a motivação especial do legislador tem que ver especialmente com a necessidade de evitar o perigo de fuga e prevenir a prática de novos crimes através de medida privativa de liberdade, qualquer outra das necessidades previstas no art. 204º pode justificar aplicação da prisão preventiva (ou outra medida de coação), do mesmo modo que nenhuma medida deve ser aplicada se as necessidades cautelares concretamente verificadas não o tornarem necessário.

2.5.4. – Ora, ao aplicar a prisão preventiva o tribunal a quo julgou verificados os perigos de continuação de atividade criminosa e de perturbação do inquérito e subversão da prova, caso este arguido continue em liberdade e a usar a documentação falsa e a dedicar-se ao tráfico de estupefacientes…”, sem que o recorrente alegue circunstâncias de onde pudesse resultar que tai perigos perderam atualidade e pertinência ou que os mesmos pudessem ser prevenidos com medida menos grave, designadamente a OPH.

Por outro lado, a análise dos autos não permite concluir nesse sentido. Em primeiro lugar a medida de OPH não se mostra ajustada a casos, como o presente, em que se encontra fortemente indiciada a detenção para venda de produto estupefaciente, pois a permanência na habitação não evita contactos por telefone ou meios digitais de comunicação, bem como a visita de terceiros.

Em segundo lugar, é particularmente relevante em matéria de adequação da resposta às necessidades cautelares verificadas, que o arguido tenha sido anteriormente condenado por crime da mesma natureza e que, indiciariamente, tenha falsificado documento para poder penetrar no nosso pais no período de vigência de interdição anterior, o que dá bem imagem da motivação, energia e capacidade do arguido para persistir na continuação d atividade criminosa.

Parafraseando Anabela Rodrigues[2] a propósito de matéria diversa (critério de escolha das penas de substituição), diríamos que a sociedade tolera até certo ponto correr o risco de que o arguido pratique novos crimes e que se furte à efetiva responsabilização pelos seus crimes, mas quando a aplicação de medida coativa ineficaz possa ser entendida pela sociedade como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, não pode deixar de aplicar-se medida privativa da liberdade.

2.6. – Concluímos, pois, que o presente recurso improcede em toda a linha, pelo que se mantem integralmente o despacho recorrido que decidiu manter o arguido em prisão preventiva, ainda que por razões parcialmente diferentes.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido G, confirmando o despacho recorrido.

Custas pela arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4UC – cfr arts. 513º nº1 do CPP, na atual versão introduzida pelo Dec-lei 34/2008 de 26 fevereiro e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) aprovado pelo citado Dec-lei 34/2008, conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Évora, 26 de junho de 2012

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Viana Berguete Coelho)

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[1] Vd, por todos, Cunha Rodrigues, Lugares do direito, Coimbra Editoria-1999 pp 498-9 e Luis Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Q.Juris2009 p. 17 e sgs

[2] Cfr Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41.

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/9942916878c4f88380257a29005b82e7?OpenDocument

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