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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL MÉDICO PROVA PERICIAL - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 19/06/2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1212/08.4TBBCL.G1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
MÉDICO
PROVA PERICIAL

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 19-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário: 1º- Apesar da prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação dos factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, isso não significa que, perante este tipo de prova, o juiz se apresente despido da sua veste de julgador.
2º- A força probatória reconhecida à prova pericial, no sentido de que este tipo de prova está sujeita à livre apreciação do Tribunal, está directamente ligada à velha máxima de que o juiz é “o perito dos peritos”.
3º- Quer isto dizer que, não obstante os conhecimentos especiais dos peritos, o julgador está apto a efectuar o controlo do raciocínio do perito, cabendo-lhe analisar e escrutinar os dados de facto que serviram de base ao parecer científico exarado pelo perito, de modo a ficar habilitado a poder sindicar o juízo pericial.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

V.. e M.. por si e na qualidade de legais representantes do seu filho menor R.., intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra M.., F.., R.., J.., todos por si e na qualidade de legais representantes da sociedade "C.., Lda" e Dr. F.., pedindo que os réus sejam condenados a pagarem-lhe uma indemnização não inferior a € 380.000,00 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela sua conduta.
Alegaram, para tanto e em síntese, que, na sequência de uma gravidez da autora, da qual resultou o nascimento do menor R.., os autores contrataram por três vezes os serviços da ré "C.., Lda" para realização de exames de ecografia obstetrícia, tendo a primeira ré assinado o relatório da ecografia realizada às 21 semanas de gestação e o sexto réu os relatórios realizados às 8ª e 30ª semanas. Acontece que apesar de os referidos relatórios atestarem não haver qualquer deformação no feto, o menor R.. nasceu no dia 7/4/05 com gravíssimas malformações dos membros superiores e inferiores.
Mais alegaram que estas malformações só não foram detectadas por descuido e negligência grosseira imputável a todos os réus e isso impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez ou sujeitar o feto a tratamento, diminuindo significativamente as malformações existentes.

Os réus contestaram, excepcionando a prescrição e a ilegitimidade dos réus F.., R.. e "C.., Lda".
Mais impugnaram os factos alegados pelos autores, sustentando, em síntese, que as malformações apresentadas pelo autor R.. ficaram a dever-se à síndrome das bandas amnióticas, que podem desenvolver-se tardiamente no decurso da gestação e implica que as lesões tenham sido causadas numa fase tardia, posterior à execução dos exames ecográficos.

Os autores replicaram, pugnando pela improcedência das excepções e refutando os argumentos de defesa alegados na contestação.

No despacho saneador, julgou-se procedente a excepção da ilegitimidade dos réus F.., R.. e J.., que foram absolvidos da instância, e julgada improcedente a excepção de prescrição.
Foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto pela forma constante de fls. 230 a 240.
A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) condenou as rés "C.. Lda" e M.. a pagarem, solidariamente, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a cada um dos autores e a quantia que se vier a liquidar no competente incidente de liquidação quanto às despesas que os autores vão ter de suportar com a substituição das próteses do filho até este atingir os 18 anos de idade;
b) absolveu o réu F.. do pedido.
As custas ficaram a cargo dos autores e rés "C.., Lda" e M.., na proporção do respectivo decaimento.

Não se conformando com esta decisão, dela apelaram os réus, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1º - O Laudo Pericial não permite dar uma resposta de provado ao quesito 1º.
2º - Os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito sobre aquele seu laudo, visam esclarecê-lo ou complementá-lo, mas não o podem nem devem contradizer, sob pena de se tornarem numa perícia “ex novo”, coartando-se às partes os direitos que resultam dos artºs. 587 e 589 do Cód. de Proc. Civil.
3º - Para além de que se os esclarecimentos forem contraditórios com o laudo, nem este nem aqueles merecem credibilidade, já que incidem sobre factos onde é imperioso presidir um conhecimento científico.
4º - Não basta a mera convicção do Julgador para responder a este quesito 1º, pois para dar uma resposta de provado ao mesmo é necessário a demonstração científica de que esse facto ocorreu, conhecimento que o Julgador não tem nem lhe foi facultado pelo Senhor Perito.
5º - Mas o mesmo Senhor Perito em sede de esclarecimentos não deu ao Tribunal qualquer certeza sobre se as deformações ocorriam ou não à data em que foram realizadas as ecografias pela recorrente.
6º - O Parecer do Colégio da Especialidade radiodiagnóstico da Ordem dos Médicos, enquanto parecer e laudo científico realizado sobre os mesmos elementos que serviram de base ao Laudo do Perito Dr. N.., expressamente exclui qualquer possibilidade do Tribunal a quo responder provado ao quesito 1º.
7º - Este parecer, elaborado por especialistas, demonstra que as deformidades poderiam ter sido causadas pelas bandas amnióticas, e que poderiam ter aparecido após a ré recorrente ter realizado as ecografias à mãe do menor R...
8º - O mesmo Parecer, de fls. 243, é um Laudo científico, não impugnado pelos autores nem posto em causa por ninguém, não tendo o Tribunal a quo conhecimento científico nenhum para rejeitar, sub-avaliar, ou desprezar o que nele se descreve.
Assim,
9º - A convicção do Ilustre Julgador a quo não tem o mínimo de suporte razoável na prova produzida, antes é contrariada por prova científica que consta dos autos, como seja o Laudo de fls. 178 e 179 e o parecer de fls. 243, bem como os esclarecimentos do Dr. N.. e o depoimento do Dr. P...
10º - Assim a resposta dada ao quesito 1º é incorrecta, sem sustentação na prova que impunha e impõe que a tal quesito se responda “não provado”.
11º - Quanto ao Quesito 31º ninguém poderia, em boa verdade, e pelas razões já acima expostas, desmentir o que a autora colocou nos relatórios que acompanharam as ecografias.
12º - O Senhor Perito Dr. N.. não assegurou, nem poderia assegurar, que a recorrente não tivesse visto que o feto possuía ambas as mãos e ambos os pés.
13º - Ao respectivo quesito no seu laudo de fls. 180, limitou-se a responder: “não se poderá extrair tal conclusão do relatório do exame ecografico respectivo”.
14º - Mas esta resposta não exclui a possibilidade da ré ter visto aqueles segmentos dos membros.
15º - Os esclarecimentos que prestou em audiência não excluem essa possibilidade, como acima vimos, e para os quais remetemos e aqui se dão como reproduzidos.
16º - Porém, outra prova existe nos autos que permitia ao Tribunal a quo responder provado a este quesito.
Esta prova é o laudo científico constante do citado Parecer do Colégio da Especialidade de Radiodiagnóstico da Ordem dos Médicos, e o depoimento prestado pela testemunha Dr. P... (adiante Dr. P..). 17º - Face ao depoimento da testemunha Dr. P.. e ao parecer do Colégio de Especialidade da Ordem dos Médicos, (respectivamente registo 20110516131922-133400-64178; 20110516134717-133400-64178 e fls. 243 e segs., fotografia de fls. 210) e à ausência de qualquer prova em contrário, haveria que dar como provados os factos sobre que interrogam os quesitos 31º e 32º.
18º - A resposta dada ao quesito 35º tem uma leitura equívoca, ora permitindo concluir que as deformidades existiam desde o inicio da gravidez, ora permitindo a interpretação de que elas só são detectáveis quando ocorrem, e podem ocorrer a qualquer momento da gravidez.
19º - Porém nem uma nem outra interpretação é admissível, face à prova produzida, designadamente a que decorre da resposta dada ao quesito 35º no laudo de fls. 178 e seguintes, face ao Parecer da Ordem dos Médicos de fls. 243 e seguintes, face aos esclarecimentos do Perito e ao depoimento do médico especialista Dr. P...
20º - O Tribunal a quo não tem, assim, onde alicerçar esta resposta ao quesito 35º, já que ninguém o afirmou nem escreveu, tratando-se de um outro facto científico para a prova do qual a fundamentação da convicção do julgador terá de assentar em dados e elementos objectivos e também científicos.
21º - Existe, sim, prova, que impõe uma resposta de provado ao quesito 35º, qual seja o parecer da Ordem dos Médicos – fls. 243 e sgs. – e o depoimento da testemunha Dr. P.. citados e identificados no corpo destas alegações. (registo 20110516131922-133400-64178).
Por outro lado,
22º - A condenação dos réus visa o ressarcimento do choque ou comoção que os autores sofreram aquando do nascimento do menor.
23º - Na verdade, ainda que as deformidades existissem à data da realização das ecografias feitas pela Dr.ª. M.., e que fossem visíveis ou percepcionáveis por esta, não se provou que esta as tivesse visto, ou que não as tivesse visto por negligência.
24º - Fosse como fosse, num caso ou noutro, a verdade é que não se provou que os autores tivessem sofrido mais por ignorarem logo as deformidades do feto do que se as tivessem conhecido logo após as ecografias.
25º - Ou melhor não se provou que o momento concreto, e em si mesmo, do conhecimento fosse causa do sofrimento.
26º - Não está alegado, nem quesitado, nem provado que por não saberem logo das deformidades os autores fossem sofrer mais ou menos, que o seu dano moral fosse maior ou menor.
27º - O que em bom rigor se sabe e se tem por certo, por ser elementar e da experiência comum, é que a tomada de conhecimento dum facto como este – (a mãe que leva no seu ventre um filho deficiente e com estas deformidades) -, causa por si só um dano moral.
28º - Mas esse dano decorre do facto em si mesmo, não do momento em que dele toma conhecimento.
29º - Não existe nexo de causalidade entre aquele sofrimento e a actuação da recorrente, qualquer que ela fosse, nem esse nexo está quesitado e muito menos provado.
30º - Ora, a obrigação de ressarcir no caso concreto tem que emergir da prática de um acto ilícito - que não se provou ter sido cometido – que tenha dado causa ao dano.
31º - O instituto do ressarcimento na nossa lei tem como pressuposto um nexo de causalidade entre o facto e o evento danoso, nos termos do art. 563º e seguintes do Código Civil, que a douta sentença violou.
32º - Por outro lado na douta sentença aborda-se a questão de que se soubessem logo da existência das deformidades, durante a gestação, os autores poderiam ter decidido abortar.
33º - Estando provado que estas deformidades, ainda que detectadas não são corrigíveis por via intra-uterina, durante a gestação. (Resposta ao quesito 3º).
34º - A sentença não podia equacionar aquela opção e partir dela para quantificar uma indemnização.
35º - Desde logo porque não está provado um único facto do qual decorra sequer que os autores equacionassem essa hipótese de opção e se vissem privados dela.
36º - E sem factos não é possível aplicar o direito.
37º - Não se provou que a opção de abortar fosse equacionada pelos autores, e se não se provou, a sentença não poderia pronunciar-se sobre isso. Está para além do conhecimento e dos factos que são dados ao julgador tomar em consideração para elaborar a sentença.
38º - Por outro lado, está provado “que apesar da sua limitação motora grave, o R.. é uma criança inteligente e saudável”. Resposta ao quesito 28.
39º - “… tem condições para ingressar no sistema de ensino e obter uma licenciatura”. Resposta ao quesito 29.
40º - Estas deformidades não eram incompatíveis com a vida, tal como se veio a verificar.
41º - Assim a potestativa impossibilidade dos autores ponderarem da possibilidade de recorrerem à interrupção voluntária da gravidez não está em causa.
42º - Sobre ela não se formulou qualquer quesito nem foi dada qualquer resposta aos restantes que contivesse algum esclarecimento a esse respeito.
43º - Pelo que esse facto tem que estar arredado da sentença, e não poderá contribuir para nenhuma métrica valorativa de qualquer indemnização.
44º - A douta sentença recorrida violou entre outros o disposto no art.º 264, n.º 2 e 661º, n.º 1, ambos do C.P.C., assim como o disposto no art.º 563º do Cód. Civil.”

Os autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:
1. Os réus M.. e F.. exercem as funções de médicos radiologistas, para a ré C.., Lda, sendo ainda a ré M.. sócia-gerente da mesma - al. A) dos Factos Assentes.
2. No ano de 2004, a autora M.. contratou com a 5ª ré a prestação de serviços consistentes em três ecografias obstetrícias, a 1ª em 06/09/2004, a 2ª em 26/11/2004 e a 3ª em 31/01/2005, respectivamente às oito semanas e cinco dias de gestação, às vinte e uma semanas e um dia de gestação e às trinta semanas e quatro dias de gestação - al. B) dos Factos Assentes.
3. Dos exames referidos em 2 resultaram os relatórios que juntos aos autos a fls. 24 a 26 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos - al. C) dos Factos Assentes.
4. O filho dos autores, R.., nasceu em 7/4/2005, com deficiência transversa do punho, mão e pé esquerdo, deficiência longitudinal do pé direito e sindactilia da mão direita - al. D) dos Factos Assentes.
5. Os originais das imagens dos exames referidos em 3 foram todos entregues à autora - al. E) dos Factos Assentes.
6. As deformidades descritas no ponto 4 eram detectáveis numa ecografia realizada às 12 semanas de gestação - resposta ao quesito 1º.
7. Em nenhum dos relatórios das ecografias realizadas pela autora vem referido que foram visualizados os dedos de qualquer dos quatro membros - resposta ao quesito 2º.
8. Não é possível sujeitar o feto a tratamento para correcção das deformidades descritas no ponto 4 - resposta ao quesito 3º.
9. Devido às malformações que o mesmo apresenta, foi o menor protetizado desde os catorze meses com próteses para o membro superior esquerdo, membro inferior direito e membro inferior esquerdo - resposta ao quesito 5º.
10.Existe uma boa adaptação das próteses nos membros inferiores - resposta ao quesito 6º.
11.Tem sido rejeitada a prótese do membro superior direito - resposta ao quesito 7º.
12.Das malformações referidas no ponto 4 resulta para o menor R.. uma incapacidade permanente geral de 95 pontos - resposta ao quesito 8º.
13.A qual é susceptível de variações - resposta ao quesito 9º.
14.O menor tem dificuldade de locomoção na via pública e de acesso aos meios de transporte públicos convencionais - resposta ao quesito 10º.
15.Confrontados no momento do nascimento com as malformações no menor, os autores ficaram chocados - resposta ao quesito 12º.
16.Estado de choque que ainda hoje se mantém - resposta ao quesito 13º.
17.Sempre lhes foi dito pelos réus que realizaram as ecografias que o feto era perfeito e que o bebé estava com excelente saúde - resposta ao quesito 14º.
18.Os AA sofrem muito com esta situação - resposta ao quesito 15º.
19.Que lhes tem causado muitas angústias e incómodos - resposta ao quesito 16º.
20.E que aumenta quando olham para o menor - resposta ao quesito 18º.
21.Constatando que este será totalmente dependente de uma terceira pessoa para o resto da vida - resposta ao quesito 19º.
22.O R.. sofre quando olha para outras crianças da sua idade, que não apresentam as suas limitações - resposta ao quesito 20º.
23.Não conseguindo sequer brincar com elas - resposta ao quesito 21º.
24.Chora sem perceber o porquê da sua deficiência - resposta ao quesito 22º.
25.Agravando o sofrimento de seus pais quando verificam esta situação -resposta ao quesito 23º.
26.O menor necessitará de substituir as próteses para os membros superior e inferior esquerdos e inferior direito pelo menos enquanto não parar de crescer fisicamente - resposta ao quesito 24º.
27.Aquela substituição terá de ser feita quando as próteses se mostrarem desadequadas ao estado de desenvolvimento físico do menor – resposta ao quesito 26º.
28. Apesar da sua limitação motora grave, o R.. é uma criança inteligente e saudável - resposta ao quesito 28º.
29.O menor R.. tem condições para ingressar no sistema de ensino e obter uma licenciatura - resposta ao quesito 29º.
30.E virá a auferir um salário nunca inferior a € 750,00 - resposta ao quesito 30º.
31.As ecografias realizadas pelo réu Dr. F.., não visaram nem visam na prática a verificação dos membros do feto - resposta ao quesito 33º.
32.As malformações em causa foram provocadas pelo síndroma de bandas amnióticas - resposta ao quesito 34º.
33.As bandas amnióticas são de génese precoce e os seus efeitos, como os referidos no ponto 34 é que podem ser detectáveis em qualquer altura da gravidez - resposta ao quesito 35º.
34.E podem provocar garrotagens e originar a amputação de membros ou o desenvolvimento anormal destes por falta de vascularização - resposta ao quesito 36º.
35.Tais bandas amnióticas podem ou não ser detectáveis nas ecografias, não o sendo designadamente nas situações em que a mesma se encontra encostada ao feto ou a parede do útero - resposta ao quesito 37º.
36.Nas ecografias em causa nem as bandas amnióticas foram detectadas, nem foram detectadas as deformidades que provocaram - resposta ao quesito 38º.
37.Na ecografia das 30 semanas já é difícil verificar a existência de malformações ao nível das mãos e dos pés, devido ao tamanho do feto e à posição do mesmo - resposta ao quesito 39º.
38.Quando se realiza a ecografia das 30 semanas de gestação não há a preocupação de verificar a existência de malformações dos membros porque este é o verdadeiro objectivo da ecografia que se realiza às 20 semanas - resposta ao quesito 41º.
39.A autora M.. efectuou ecografias no Hospital desta cidade de Barcelos nas últimas semanas que antecederam a gravidez do R.., concretamente nos dias 17, 23 e 31 de Março de 2005 - resposta ao quesito 43º.

FUNDAMENTAÇÃO:
Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

Assim, as questões a decidir traduzem-se em saber se:
1ª- há lugar à alteração da matéria de facto nos termos do disposto no artigo 712º,nº1 do C. Processo Civil;
2ª- existe fundamento legal para a procedência dos pedidos formulados pelos autores.

I- Quanto à primeira das questões supra enunciadas, sustentam os réus/apelantes que foram incorrectamente julgados os factos perguntados nos artigos 1º, 31º, 32º e 35º da base instrutória.

No caso sub judice houve gravação dos depoimentos prestados em audiência, os recorrentes indicaram os pontos de facto impugnados bem como os meios de prova em que se fundam.
Por isso, nos termos dos arts. 712º, n.º1 e 685º-B do C. P. Civil, é possível a alteração da matéria de facto.

Perguntava-se nos seguintes artigos da base instrutória:
Artigo 1º - “ As deformações descritas em D) eram detectáveis às 12 semanas de gestação?”
Artigo 31º- “ Quando a R. Drª M.. realizou o exame ecográfico às 21 semanas de gestação, verificou que o feto possuía ambas as mãos e ambos os pés ?”
Artigo 32º- “ Das imagens das ecografias era visível que das mesmas resultava a existência do pé esquerdo do feto”?
Artigo 35º- “ Que se formaram tardiamente no decurso da gestação?”

Conforme se vê do despacho de fls. 230 a 240, destes artigos, os 31º e 32º mereceram respostas negativas e aos demais foram dadas as seguintes respostas restritivas:
Artigos 1º – “Provado que as deformidades descritas em D) eram detectáveis numa ecografia realizada às 12 semanas de gestação”
Artigo 35º - “Provado apenas que as bandas amnióticas são de génese precoce e os seus efeitos, como os referidos no artigo 36 é que podem ser detectáveis em qualquer altura da gravidez”.

E o Mmº Juiz a quo, fundamentou estas respostas nos seguintes termos:
“(…)
Assim, e concretizando, no que se refere aos artigos 1°.; 2°.; 3°.; 11°.; 31°.; 32°.; 33°.; e 34°, as respostas que lhes foram dadas fundamentaram-se, essencialmente, no laudo, constante de fls. 178 e 179, do Perito Dr. N e nos esclarecimentos que ele prestou em audiência, Trata-se, com efeito, de uma autoridade nesta matéria, e, como informou a Perita médico-legal, Dra. M.. foi indicado pela Faculdade de Medicina do Porto para efectuar a peritagem.
Quanto à origem das deficiências apresentadas pelo menor R.., que as fotografias agora juntas documentam, quer o relatório do Hospital Maria Pia, quer o Dr. N.., ainda que deixando a “via” aberta a outras causas, referem, com muito maior grau de certeza, terem sido causadas pelo “síndroma de bandas amnióticas”, que é um “fenómeno” muito raro.
Em palavras singelas, explicou o Dr. N.. «As bandas são inocentes. São véus de um tecido muito fino que anda no meio do útero. Agora, se esse tecido muito fino, em fases iniciais em que tudo é milimétrico, se enrola à volta de um membro, à volta do pescoço, e não deixa que se desenvolvam as estruturas, até pode decapitar, isto em fases incipientes, em estruturas milimétricas. Outras mais tardias, em que elas se enrolam à volta do membro, (que) já está meio formado, causam constrições, apertos do membro, que não amputação do membro» - por isso é que ele exclui, (apenas a admitindo como hipótese académica) que a amputação possa ocorrer depois das 21 semanas de gestação, atento o desenvolvimento do feto.
E, questionado sobre a visibilidade das bandas, disse «podem ver-se. Depende da posição. Mas o que se vê são os efeitos, a constrição»., dizendo ainda, «As bandas estavam lá, mas podiam não ser vistas».
Mais explicou ser «recomendável» que se façam três ecografias: a primeira entre as 11 e as 14 semanas, que tem por objectivo «a visualização dos três segmentos dos quatro membros», referindo que esta é a «melhor altura» para ver os dedos, «em que ele (o feto) está com as mãos abertas» - como a Autora fez a primeira ecografia às 8 semanas e 5 dias — cfr. fls. 24 — ainda não era possível visualizar aqueles segmentos dos membros - «tudo o que disse não se aplica de todo às 8 semanas», como teve o cuidado de advertir o Dr. N...
A segunda ecografia deve fazer-se entre as 20 e as 22 semanas, e é um «exame morfológico», «tem que se ver toda a forma. É o exame de detalhe anatómico maior», começando pelo crâneo e terminando nos dedos dos pés.
A terceira é às 30 semanas em que se vai «à procura de alguns órgãos, do aparelho urinário, do aparelho digestivo», não sendo «nem de longe nem de perto que se vai à procura de malformações porque o feto está escondido para caber lá».
Afirmou, com toda a segurança, que, neste caso, «os efeitos das bandas tinham que ser vistos às 21 semanas», e por isso é que “critica” a fórmula utilizada pela Ré Drª. M.., no relatório que elaborou, ao escrever “Não foram observadas malformações fetais com tradução morfológica” (cfr. fls. 25, antepenúltima linha). A propósito, diz o Dr. N.. «creio que é de boa fé mas é uma maneira de fugir à assertividade Se não tivesse as malformações tinha que ser dito, para mais quando não temos o exame às onze semanas, mas só às oito, quando ninguém vê», e, mais à frente, questionava « “não foram observadas” porque não estavam lá ou não foi à procura?» - é que, como acima se referiu, é sua convicção, reafirmada por diversas vezes ao longo do depoimento, que «às 21 semanas», atendendo ao desenvolvimento do feto, as malformações já existiam e, por isso, eram visíveis, tendo afirmado «eu não conheço nenhum caso em que tenha sido visto um membro e que na hora do nascimento caiu».
Do que não há dúvida é que o exame acima referido não obedeceu ao protocolo já então em vigor, o que o Dr. N.. afirma, e, de resto, é corroborado pela Ordem dos Médicos “... pese embora não ter sido preenchido o relatório tipo recomendado e acordado entre os colégios de especialidade de Radiodiaóstico e Obstetrícia” cfr. linha 3 do terceiro parágrafo da 1ª folha do Parecer agora junto (cujo original está no Inquérito apenso) -, motivo porque não há possibilidade de se confirmar o que, na realidade, foi observado, facto que se reveste, aqui, da maior importância por exemplo, nas fotografias (agora juntas) do menor R.. nota-se a ausência do pé esquerdo, e na fotografia inferior, das tiradas na ecografia das 21 semanas, é visível um membro inferior com pé — cfr. fls. 210 -, não tendo sido possível, nem ao Dr. N.., nem aos médicos inquiridos a quem a questão foi colocada, identificar se aquele membro é o direito ou o esquerdo. Foi, assim, considerado o exposto, por se ter ficado sem se saber o que, na realidade, foi observado pela Ré Dª. M.., que se respondeu negativamente aos artigos 31º. e 32°.(…)
Foi inquirido o Dr. J.. que, no essencial, abonou a seriedade profissional da Ré Drª M.., outro tanto havendo feito, no seu depoimento, a testemunha L.., o que, como é óbvio não infirma nem põe em dúvida as afirmações e os conhecimentos das pessoas acima mencionadas nem é suficiente para fundamentar uma resposta positiva aos artigos 31º. e 32°.”.

Vê-se, deste despacho, que o Mmº Juiz “a quo” explicou de forma exaustiva, racional e lógica as razões pelas quais deu as supra referidas respostas.
E, em nosso entender, a prova produzida em audiência de julgamento ( e por nós revisitada através da respectiva audição) legitima a convicção formada pelo Tribunal a quo sobre tal matéria.
Por isso, resta-nos apenas rebater os argumentos avançado pelos réus/apelantes para colocar em crise tal convicção.
Defendem estes que o artigo 1º deveria ter merecido resposta negativa, porquanto a convicção formada pelo juiz julgador sobre os factos nele vertidos não tem o mínimo de suporte razoável na prova produzida, sendo, antes, contrariada pela prova científica que consta dos autos, designadamente pelo laudo de fls. 178 e 179, pelo parecer de fls. 243, pelos esclarecimentos prestados pelo Dr. N.. e pelo depoimento do Dr. P...
Mais argumentam que o Senhor Perito, Dr. N.., em sede de esclarecimentos, não deu ao Tribunal qualquer certeza sobre se as deformações ocorriam, ou não, à data em que foram realizadas as ecografias pela recorrente, pelo que não basta a mera convicção do Julgador para responder a este quesito 1º.
Argumentam ainda que o Parecer do Colégio da Especialidade radiodiagnóstico da Ordem dos Médicos, junto a fls. 244 a 246, enquanto parecer e laudo científico realizado sobre os mesmos elementos que serviram de base ao Laudo do Perito Dr. N.., expressamente exclui qualquer possibilidade do Tribunal a quo responder provado ao quesito 1º, porquanto o mesmo demonstra que as deformidades poderiam ter sido causadas pelas bandas amnióticas e que poderiam ter aparecido após a ré recorrente ter realizado as ecografias à mãe do menor R...
E porque este parecer não foi impugnado pelos autores nem posto em causa por ninguém, o Tribunal a quo não tinha conhecimento científico para rejeitar, sub-avaliar, ou desprezar o que nele se descreve.
Mais defendem, com base nestes mesmos argumentos, que a factualidade vertida nos artigos 31º, 32º e 35º da base instrutória deviam ter sido considerada provada, sustentando, ainda, que a resposta dada a este último artigo tem uma leitura equívoca, ora permitindo concluir que as deformidades existiam desde o início da gravidez, ora permitindo a interpretação de que elas só são detectáveis quando ocorrem, e podem ocorrer a qualquer momento da gravidez.

Que dizer?
Desde logo, ser inquestionável estarmos no domínio de matéria de natureza técnica, específica, do foro médico e que, por isso, neste âmbito assume particular relevo a prova pericial existente nos autos.
É que, como é consabido e resulta do disposto no artigo 388º do C. Civil, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação dos factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.
Todavia e contrariamente ao que parecem sugerir os apelantes, isso não significa que, perante a prova pericial, o juiz se se apresente despido da sua veste de julgador.
De resto, não foi por outra razão que se estabeleceu, nos artigos 389º do C. Civil e 591º do C. P. Civil, que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal.
A força probatória reconhecida à prova pericial, no sentido de que este tipo de prova está sujeita à livre apreciação do Tribunal, está directamente ligada à velha máxima de que o juiz é “o perito dos peritos” - neste sentido, cfr. Manuel de Andrade in "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra Editora, pág. 263.
Quer isto dizer que, não obstante os conhecimentos especiais dos peritos, o julgador está apto a efectuar o controlo do raciocínio do perito, cabendo-lhe analisar e escrutinar os dados de facto que serviram de base ao parecer científico exarado pelo perito, de modo a ficar habilitado a poder sindicar o juízo pericial.
E nesta perspectiva, impõe-se referir que, se é verdade não poder negar-se valor informativo ao Parecer do Colégio da Especialidade radiodiagnóstico da Ordem dos Médicos, elaborado pelo respectivo presidente, Dr. C.., a pedido da ré M.. (junto a fls. 244 a 246), nem arredar-se o respeito e atenção que deve merecer, dada a especial qualificação de quem o emite, também não é menos verdade nada impedir o Tribunal de atribuir maior valor probatório ao parecer médico de fls. 178 e 179, elaborado pelo Professor Dr. N.., médico especialista de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicinado Porto, Hospital de S. João, a pedido do Gabinete Médico-Legal de Braga.
É que constituindo este último laudo parte integrante do relatório de perícia médico-legal constante de fls. 174 a 179, reveste-se o mesmo de igual valor probatório ao desta perícia.
E do mesmo valor probatório se revestem os esclarecimentos prestados por este mesmo perito, em sede de audiência de discussão e julgamento, conforme resulta do disposto no art. 588º, nº1 do C. P. Civil.
Acresce que este mesmo laudo não só foi elaborado por pessoa dotada de grau académico mais elevado e com formação específica na área da ginecologia e obstetrícia, como também foi aquele que resultou corroborado pelos demais elementos de prova constantes dos autos, designadamente pelo depoimento da testemunha, Dr. P.., devendo, por tudo isto, merecer, como mereceu, maior valor probatório.
De resto, procedendo a uma valoração do parecer de fls. 244 a 246, diremos que o mesmo deixa sem resposta algumas questões suscitadas por afirmações nele feitas.
Com efeito, afirma-se, neste laudo, que “Os resultados dos exames realizados referem uma gestação dentro dos padrões normais, não se tendo evidenciado malformações fetais” e que “podemos admitir que o aparecimento das malformações apresentadas pelo recém-nascido tivessem aparecido posteriormente à execução dos exames, seguramente dos dois primeiros ( ecografia do primeiro e segundo trimestre), pelo que não foram detectadas; as lesões nas mãos e nos pés estão descritas associadas às bandas amnióticas que se formam tardiamente no decurso da gestação. Acresce que, a detecção ecográfica de estruturas depende das condições locais de observação, do biótipo da paciente, da quantidade de líquido amniótico, da posição do feto, embora não conste dos relatórios a menção a dificuldades de visualização de estruturas durante a realização dos exames”.
Mas se assim é, é caso para perguntar: o que é que foi, efectivamente, observado nas ecografias realizadas?; houve, ou não, dificuldade na observação e na eventual detecção de malformação?; que dificuldades forem essas e quais as suas causas?.
O que tudo equivale a dizer que, no fundo, este parecer não contém um juízo suficientemente caracterizado pelo rigor científico exigido, pois que, tal como nele próprio se reconhece, o mesmo nem sequer assentou em relatório preenchido de acordo com “o relatório tipo recomendado e acordado entre os colégios de especialidade de Radiodiaóstico e Obstetrícia” ( cfr. fls. 244).
Diferentemente, o que temos por certo a este respeito, com base no conhecimento científico do Sr. Perito, Dr. N.. e de acordo com as boas práticas desta especialidade médica, é que as deformidades que o R.. apresenta ( deficiência transversa do punho, mão e pé esquerdo, deficiência longitudinal do pé direito e sindactilia da mão direita) eram detectáveis numa ecografia realizada às 12 semanas de gestação”.
E, mesmo afastando a hipótese de a ré, Srª Drª M.., poder visualizar estas deformidades aquando da realização da 1ª ecografia, posto que esta teve lugar antes de completadas a 14 semanas, a verdade é que, no momento em que foi feita a segunda ecografia, era obrigatória a visualização dos efeitos das bandas amnióticas e, consequentemente, da falta de algum ou alguns dos referidos três segmentos dos quatro membros.
Isto porque, os efeitos das bandas amnióticas eram visíveis desde as 12 semanas de gestação e a segunda ecografia, realizada às 21 semanas, e é um «exame morfológico», que tem em vista todo o corpo, desde o crânio até aos dedos dos pés.
Caso tivessem sido visualizados, nesta altura, os três segmentos dos quatro membros do feto, o R.. não podia ter nascido com as descritas deformidades.
Daí resultar legitimada e conforme com a prova produzida a convicção formada pelo Tribunal a quo quanto à resposta afirmativa dada ao artigo 1º da base instrutória e as respostas negativas dadas aos artigos 31º e 32º da mesma base, pelo que entendemos não haver fundamento para este Tribunal alterar estas respostas.
Todavia, julgamos assistir alguma razão aos réus/apelantes no que concerne à resposta dada ao artigo 35º da base instrutória, ainda que com base em fundamento diverso.
É que, mesmo admitindo que essa resposta resulta dos supra enunciados meios de prova e que serviram também de base às respostas dadas aos artigos 1º, 31º e 32º, há que reconhecer que a mesma ultrapassa o âmbito da matéria nele perguntada e inclui factos que não foram alegados por nenhuma das partes, sendo, por isso, excessiva e violadora do disposto o art. 264º, n.º1 do C. P. Civil.
E ainda que tais factos possam ser considerados instrumentais (que, no dizer de Castro Mendes, in "Direito Processual Civil", 1968, vol. II, pág. 208, são os factos que interessam indirectamente à solução do pleito para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes ou, na expressão de Miguel Teixeira de Sousa, in "Introdução ao Processo Civil", 1993, pág. 52, "os que indiciam os factos essenciais") em relação aos que integram a causa de pedir invocada pelos autores, na medida em que resultam da instrução e julgamento da causa, e, sendo possível, nesta perspectiva, a sua utilização, nos termos do disposto no n.º2 do citado art. 264º, a verdade é que, para tanto, o Mmº Juiz a quo devia ter aditado à base instrutória novo artigo, contendo tal factualidade, e observado o disposto no art. 650º, nºs 2, al. f), 3 e 4 do C. P. Civil.
Não o tendo feito, é indiscutível que o Srº Juiz não podia dar a resposta excessiva ao mencionado artigo 35º.
A preterição da regra de que a resposta ao quesito se deve conter na matéria de facto alegada tem como sanção, de harmonia com o preceituado no art. 646º, n.º4 do C. P. Civil, que a mesma seja considerada não escrita - neste sentido, vide Abrantes Geraldes, in "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, pág. 231 e acórdãos aí citados..
Mas, então, qual é a resposta a dar a este artigo?
A nosso ver e com base no relatório pericial de fls. 174 a 179 e nos esclarecimentos prestados pelo Professor Dr. N.., impõe-se dar ao artigo 35º da base instrutória a seguinte resposta restritiva: Provado apenas que as bandas amnióticas formam-se na gestação.
Daí impor-se a consequente alteração da redacção dada ao nº33 dos factos considerados assentes na sentença recorrida.
Mas, para além de tudo isto, importa, ainda indagar da eventual deficiência da decisão da matéria de facto.
Isto porque, por um lado, os réus/apelantes alegam, nas 32ª, 37ª, 41ª, 42ª e 43ª conclusões das suas alegações de recurso, que não se tendo formulado qualquer quesito no sentido de que a opção de abortar fosse equacionada pelos autores, nem nada se tendo provado nesse sentido, a sentença não poderia pronunciar-se sobre isso, designadamente para efeitos de atribuição de indemnização aos autores V.. e M...
E, por outro lado, estabelece o artigo 712º, n.º4 do C. P. Civil, que “ (…) pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão da 1ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta (...)”.
Não há dúvida que, no no caso dos autos, a Mmª Juíza a quo, na sentença recorrida, afirma que “ (…) Todavia, há que reconhecer que nestas acções de wrongful birth, o pressuposto da indemnização que é, quanto a nós, devida aos pais, assenta na violação do contrato médico e do dever de informar que, como se referiu supra, os privou da faculdade que lhes seria concedida de optar, ou não, pelo aborto.
Nestas situações, a indemnização deverá abranger os danos patrimoniais (especialmente, os custos adicionais resultantes da deficiência) causados aos pais da criança, bem como os danos não patrimoniais, resultantes da privação da possibilidade de praticar licitamente a interrupção da gravidez. (…) ”.
Ora, sendo assim, não deixam os apelantes de ter razão.
Só que, contrariamente ao que estes parecem sugerir, esta ausência de prova, não se ficou a dever a facto imputável aos autores, traduzindo-se, antes, numa deficiência da matéria de facto levada à base instrutória, pois que nela não se incluiu toda a matéria com interesse para a boa decisão da causa.
O que aconteceu no caso dos autos foi que, não obstante os autores terem alegado, no artigo 30º da petição inicial, que a falta de visualização das referidas deformações, impediu que os mesmos “pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez”, esta factualidade não foi levada à base instrutória, ficando, deste modo, os autores privados de fazerem a prova destes factos.
Assim sendo e porque a incorrecta elaboração da base instrutória, não pode penalizar nenhuma das partes, nos termos do artigo 712º, n.º4 do C. P. Civil, impõe-se anular parcialmente o julgamento para ser aditado, à base instrutória, novo quesito.

Assim, do alegado nos artigos 20º da p. i., deve ser formulado o seguinte quesito:
- A não detecção, atempada, das deformidades descritas em D) impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez?”

Daí, procederem apenas parcialmente as 1ª a 21ª, 32ª, 37ª, 41ª, 42ª e 43ª conclusões dos réus/apelantes, ficando prejudicado o conhecimento da 2ª questão supra enunciada.

DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e, em consequência, acorda-se:
A- em alterar a resposta dada ao artigo 35º da base instrutória e, consequentemente, a redacção dada ao nº 33 dos factos dados como assentes na sentença recorrida, a qual passa a ser a seguinte: as bandas amnióticas formam-se no decurso da gestação;
B- nos termos do artigo 712º, n.º 4 do C. P. Civil, em anular parcialmente o julgamento e, consequentemente, a sentença recorrida, por forma a que o tribunal a quo formule novo quesito nos termos acima referidos ou noutros que entenda convenientes atento o alegado no artigo 30º da petição inicial e proceda a novo julgamento para responder a este quesito.
Custas da presente apelação pela apelante, na proporção de 1/3, ficando os restantes 2/3 a cargo da parte vencida a final.
Guimarães, 19 de Junho de 2012

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