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sábado, 4 de agosto de 2012

LOCAÇÃO ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL CLÁUSULAS NULAS - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 21/06/2012


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
381/11.0YXLSB.L1-2
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: LOCAÇÃO
ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULAS NULAS
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO DE BENS

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 21-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA

Sumário: I – Tendo-se as partes convencionado que a A. cederia à R. o gozo temporário de determinados bens móveis mediante o pagamento de uma retribuição mensal, e que decorrido o prazo de 36 meses de vigência do contrato os bens não se poderiam tornar propriedade da R., continuando a pertencer à A., estamos perante uma locação (e não um aluguer de longa duração) com elementos de outros contratos, ainda que os bens hajam sido escolhidos pela R. e adquiridos pela locadora tendo em vista este contrato, e ainda que o montante da renda haja sido calculado em função do custo do equipamento e do prazo do contrato de modo a assegurar a amortização dos custos e a obtenção de lucro.
II. É desproporcional e ilícita a clausula contratual geral em que, incumprindo o locatário e declarando a contra-parte resolvido o contrato, aquele fica obrigado a restituir de imediato os equipamentos e apesar disso, e concomitantemente, a pagar todas as rendas como se o contrato tivesse sido cumprido até ao fim.
III. O mesmo não se passa com a cláusula que o obriga a pagar 1/30 da renda por cada dia de mora na entrega do equipamento.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Autora (A.): “A”, S.A.
Ré (R.): “B”, Construções, Lda.
A A. alegou que no exercício da sua actividade celebrou com a Ré um contrato de locação com a duração de 36 meses que teve por objecto três computadores, um computador portátil e um servidor; a Autora adquiriu tais bens a um fornecedor, escolhido pela Ré, e entregou-os a esta contra o pagamento de um aluguer mensal de € 246,84, acrescido de IVA, a realizar trimestralmente, a que acrescia uma taxa de serviço (única) de € 75,00 acrescida de IVA. Porém, a Ré não procedeu ao pagamento dos alugueres, correspondentes às facturas emitidas e descriminadas, com os números 1.607/2010, 4.256/2010, 9.972/2010 e 18.492/2010, pelo que a A. enviou carta de interpelação para o pagamento sob pena de resolução, e não tendo sido efectuado o pagamento das quantias em dívida, acabou por resolver o contrato por carta registada com aviso de recepção, pedindo nesta o pagamento da quantias em dívida e a devolução do equipamento locado, o que não aconteceu.
E pediu:
1. que seja julgada válida a resolução do contrato de locação celebrado entre Autora e Ré, por incumprimento definitivo e culposo imputado a esta e comunicado extrajudicialmente por carta recebida em 6.7.2010; ou a não se assim entendido que seja declarada a resolução do contrato;
2. que seja a Ré condenada a pagar à Autora as quantias devidas nos termos do contrato celebrado (alugueres, IVA, despesas de administração, indemnização/cláusula penal e juros de mora vencidos), liquidados nos seguintes montantes:
i. 1.537,17 € - soma dos alugueres vencidos e não pagos;
ii. 85,00 € - despesas administrativas, como custos de aviso, custos de retornos de entradas de débito directo e honorários;
iii. 7.286,72€ - a título de indemnização pelos prejuízos causados pelo incumprimento do contrato de locação (cláusula penal) correspondente ao valor dos alugueres vincendos, que se venceram antecipadamente com a comunicação de resolução, recebida pela Locatária, em 6.07.20 10;
3. que seja a Ré condenada a restituir à Autora os bens locados em bom estado de funcionamento e de conservação e a suportar os custos de tal restituição,
4. que seja a Ré condenada a pagar à Autora as quantias que se vierem a liquidar a final, no acto de pagamento voluntário, em execução de sentença, a título de juros de mora vincendos, desde 29.01.2011, até integral pagamento, a liquidar às taxas convencionadas — taxa legal para transacções comerciais acrescida de 8% sobre os montantes devidos a título de alugueres e taxa legal acrescida de 5%, em relação a dívidas de outra natureza;
5. que seja a R. condenada a pagar indemnização pela mora na restituição dos bens, destinada a ressarcir os prejuízos causados pela Ré e a compelir o cumprimento da obrigação de restituição, correspondente a 1/30 do dobro do valor previsto para o aluguer mensal (20,24€ por cada dia de mora), desde a data da sentença.
Citada a Ré, regular e pessoalmente não deduziu contestação, pelo que foram declarados confessados os factos alegados na petição inicial.
Efectuado o julgamento o Tribunal julgou a acção parcialmente procedente, válida a resolução do contrato n.º ..., celebrado entre Autora e Ré, condenou a Ré a pagar à Autora:
- € 648,55, resultante da soma dos alugueres vencidos e não pagos, correspondentes ao proporcional de Abril a Junho e 1 a 6 de Julho de 2010, nas quantias constantes das facturas n.º 9.972/2010 e 18.492/2010 (quanto a esta apenas a quantia de € 9,90);
- € 85,00, respeitante a despesas administrativas, como custos de aviso, custos de retornos de entradas de débito directo e honorários, acrescida de juros de mora vencidos desde 6.07.2010, até integral pagamento à taxa legal para transacções comerciais acrescida de 5%;
- os juros de mora vencidos sobre cada um dos alugueres vencidos até à resolução, à taxa legal para transacções comerciais acrescida de 8%, liquidados desde a data do respectivo vencimento e até integral e efectivo pagamento.
Mais condenou a Ré a restituir à A. os bens locados, em bom estado de conservação e de funcionamento, tal como se encontravam quando lhe foram entregues, e a suportar os custos de tal restituição e absolveu-a do demais peticionado.
Veio então a A. recorrer, formulando afinal as seguintes conclusões:
1) O contrato sub judíce é um contrato típico de locação de bens móveis ou aluguer, com o respectivo regime jurídico previsto no Código Civil, não sendo susceptível de ser
qualificado juridicamente como ALD, já que a Locadora não é uma instituição de crédito, nem uma sociedade de locação financeira, mas tão só uma sociedade que se dedica ao aluguer de equipamentos de escritório, máquinas e equipamentos informáticos;
2) A ora Recorrida escolheu os bens locados e a fornecedora, pois a Locadora, ora Recorrente não tem qualquer stock ou estabelecimento comercial com bens novos disponíveis para alugar, cuja aquisição solicitou à ora Recorrente, para que esta disponibilizasse a sua utilização através de aluguer dos mesmos, tendo a Locadora adquirido os bens identificados na Factura n.º 11119, de 22/07/2009 e pago pela respectiva aquisição o preço de 9.285,60 € (Cfr. Doc. n.º 4, junto com a p.i.);
3) A sentença recorrida julgou erradamente os factos ao qualificar o contrato sub judice como ALD;
4) Ficou convencionado no contrato de locação (e está provado por confissão) que os bens locados foram adquirido no interesse da Locatária e exclusivamente para lhe serem alugados, tendo a Locatária assumido a obrigação de pagar à Locadora 36 alugueres de 246,84 €, ou seja, 8.886,24 € (acrescido do IVA à taxa legal em vigor), para amortização integral, quer dos custos de aquisição dos bens, quer das despesas normais de execução do contrato, quer ainda o lucro estimado com o negócio;
5) O montante acordado para os alugueres mensais teve em consideração a duração do contrato (o n. ° de alugueres que a Recorrida se obrigou a pagar), o preço de aquisição dos bens, as despesas normais de execução do contrato e o lucro estimado, pelo que se o contrato tivesse duração inferior o montante dos alugueres teria que ser superior de forma a que fosse pago o total acordado que justificasse o investimento da Locadora;
6) O contrato de locação da “A” e a legalidade das suas cláusulas foi apreciado em 50 decisões judiciais que se juntam cópias, que qualificaram o contrato como sendo um contrato de locação e consideram legais as cláusulas penais convencionada na Secção 17, n.º 1 e 17, n.º 4 das Condições Gerais de Locação;
7) As 50 decisões judiciais qualificaram o contrato semelhante ao sub judice como contrato de locação, não existindo no contrato ajustado elementos específicos que o afastem da típica locação, devendo ser revogada a sentença recorrida, na parte em qualificou o contrato como contrato de financiamento, ou aluguer de longa duração (ALD) e atípico, com o único objectivo, o de afastar a aplicação do regime jurídico do Código Civil, nomeadamente o do art. 1045.° que as partes contratantes expressamente pretenderam aplicar ao contrato celebrado;
8) A sentença recorrida julgou inválidas das cláusulas penais com base em factos não alegados nos autos, mas hipotéticos, quanto à possibilidade de existir um contrato-promessa de compra e venda ou uma promessa unilateral de venda, ou um valor residual ajustado, que não existem na realidade, não estão alegados, nem provados;
9) A cláusula contratual correspondente à Secção 17, n.° 1 das Condições Gerais de Locação não é contrária à boa fé, pois consta escrita do contrato e foi aceite expressamente pela Locatária, ora Recorrida, quando celebrou o contrato e quando confessou os factos alegados na p.i.. tendo a Recorrida optado por não contestar a acção confirmando/ confessando que tinha aceite o acordo nos referidos termos e ser devedora das quantias peticionadas;
10) O Tribunal ao decidir que a cláusula contratual constante da Secção 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação seria nula, por desproporcionada aos danos a ressarcir, interferiu oficiosa e parcialmente na vontade das partes contratantes, sem que tenha fundamentos, factual e legal, que o justifique, violando a autonomia privada e a liberdade contratual, sendo a diferença entre a quantia a que a Locatária se obrigou a pagar e o preço pago pela Locadora para disponibilizar os bens locados escolhidos, negativa em desfavor da Recorrente e a favor da Recorrida, corresponde a 399,36 €, insusceptível de ser considerada excessiva, despropor-cionada ou contrária à boa fé, já que os bens locados quando forem restituídos, se o forem, não terão valor comercial e não serão novamente alugados;
11) As cláusulas contratuais constante da Secção 17, n.º 1 e n.º 4 das Condições Gerais de Locação não violam o artigo 19.°, al. c), do DL n.° 446/85, nem a boa fé, pelo que a sentença recorrida ao julgar inválidas as cláusulas penais convencionadas, viola o art.º 405.° do Código Civil e aplica incorrectamente o art. 19, al. c) do DL 446/85, devendo por tal ser revogada;
12) A indemnização compensatória peticionada no pedido 2.3) resulta da conjugação dos deveres previstos na Secção 1, n.º 2, 15, n.º 2 e 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação, devendo ser julgada procedente tal como foi nas 50 decisões judiciais proferidas, por ser legal e proporcional aos danos a ressarcir;
13) Liquidando a quantia a Locatária se obrigou a pagar à Locadora, destinando-se à amortização total do preço dos bens locados, despesas de execução do contrato (emissão e envio de facturas e apresentação a pagamento por débito directo), é ínfima margem de lucro estimada (cerca de 5,00 € mês), o que apenas é possível se considerar dedutível o IVA pago pelo preço da aquisição dos bens locados;
14) Ao não condenar a Ré no pedido constante do ponto 2.3) do petitório inicial, a sentença recorrida não fez justiça, pois deixou por ressarcir os danos emergentes e os lucros cessantes causados pela Locatária ao incumprir o contrato de locação, concretamente a obrigação de amortização integral dos custos de aquisição dos bens locados, as despesas de execução e o lucro estimado através do pagamento dos 36 alugueres;
15) A indemnização compensatória peticionada no pedido 2.3) do petitório inicial no montante de 7.286,72 €, correspondia aos alugueres Outubro de 2010 a Setembro de 2012, com o IVA incluído à taxa de 23%, sendo que a sentença recorrida não condenou nos alugueres de 07/07/2010 a 30/09/2010, já facturados antes da resolução do contrato e pedidos no ponto 2.1.) do petitório inicial, pelo que deverá a indemnização compensatória, do pedido 2.3), acrescer a quantia de 878,72 €, correspondente à parte restante da factura n.º 18492/201 0, devida nos termos do art. 1045.°, n.º 1 do Código Civil;
16) Se o Tribunal entender que após a resolução do contrato de locação não é devido IVA sobre o valor da indemnização compensatória/cláusula penal, como alternativa ao montante inicial peticionado no ponto 2.3), poder ser reduzido e fixada a indemnização em 5.924,16 €, devida nos termos do contrato de locação celebrado (Secções 1, n.º 2, 15, n.º 2 e 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação), e artigos 810.°, n.º 1, 811.°, n.º 2 e 1045.°, n.º 1 do Código Civil, pelos danos emergentes e lucros cessantes que a ora Recorrida causou por incumprimento culposo do contrato de locação, cuja resolução extrajudicial, foi julgada válida na sentença recorrida;
17) Ao não condenar a Ré na quantia peticionada nos pontos 2.1) (parte dos alugueres de 07/07/2010 a 30/09/2010) e 2.3) do petitório, a sentença recorrida julgou incorrectamente os factos alegados na p.i. e violou as disposições legais previstas nos artigos 405.°, 810.°, 811.° e 1045.°, todos do Código Civil;
18) A Recorrida deverá ser condenada no pagamento à Recorrente das quantias dos pedidos 2.1), 2.3), 4.1), 4.2) e 5).
19) Os custos/despesas suportados pela Locadora com a aquisição dos bens locados e as despesas de execução do contrato não teriam existido se não tivesse sido celebrado o contrato de locação com a ora Recorrida, pelo que a resolução do contrato, porque considerada válida, não poderá deixar de ter as consequências previstas na lei, nomeadamente nos artigos 432.° e seguintes do Código Civil.
20) A reposição da situação que existia implica o ressarcimento dos danos através do pagamento da indemnização compensatória convencionada, ao abrigo da liberdade contratual, devendo assim a sentença ser revogada na parte que não condenou a Ré no pedido 2.3) e a parte do pedido 2.1) (alugueres de 07/07/2010 a 30/09/2010);
21) A Recorrente peticionou a condenação da Recorrida na indemnização compulsória pela mora na restituição, nos termos do art. 1045.°, n.º 2 do Código Civil e cláusula da Secção 17, n.º 4 e 19, n.º 5 das Condições Gerais de Locação, desde a data da sentença até efectiva restituição, não tendo a sentença aplicado qualquer penalização pela mora na restituição após 07/07/2010, o que viola o art. 1045.° do Código Civil;
22) A cláusula penal compulsória, que deu origem ao pedido 4.2) poderá não ser exigível, desde que a Recorrida cumpra a sentença que a condenou a restituir os bens e restitua o computador portátil, mas deverá constar no Acórdão a proferir;
23) A ora Recorrida causou prejuízos à ora Recorrente, que face à sentença recorrida ficariam por indemnizar, já que absolveu a Ré dos pedidos 2.1 (parte), 2.3) e 4.1) [quanto aos restante do pedido 21) e pedido 2.3)] e 4.2), premiando o incumprimento contratual, violando os artigos 405.°, 810.°, 811.° e 1045.°, todos do Código Civil;
24) A sentença recorrida é nula, nos termos do art. 668.°, n.º 1, al. d) do CPC, por não se pronunciar quanto às consequências da mora na restituição dos bens locados, desde 07/07/2010, permitindo um benefício injustificado à Recorrida que incumpriu o contrato de locação (por falta de pagamento dos 36 alugueres a que se obrigou e pela não restituição dos bens locados desde 07/07/2010), e que persiste sem restituir parte dos bens após 29/03/2011, continuando a dispor da utilização de um computador portátil sem a retribuição convencionada pelo gozo;
25) A Recorrida deverá ser exclusivamente responsável pelo pagamento das custas judiciais, já que a elas exclusivamente deu causa com o seu incumprimento do contrato de locação.
Finaliza demandando a revogação da sentença na parte em que qualificou o contrato como ALD, considerou nulas as cláusulas previstas na Secção 17, n.º 1 e Secção 17, n.º 4 das Condições Gerais, de Locação, e a sua substituição por acórdão que condene a Recorrida integralmente nos pedidos 2.1) 2.3); 4.1) quanto a todos os pedidos, 4.2) e 5).
*
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os competentes vistos.

FUNDAMENTAÇÃO
É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 684. 3 e 690.1 do CPC.
Deste modo o objecto do recurso consiste em ponderar a qualificação do contrato celebrado entre as partes e a validade/nulidade da clausula 17ª .
*
Factos assentes:
1. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto social “aluguer de equipamento de escritório, de máquinas e de equipamento informático, incluindo software e hardware, actividades relacionadas e revenda de equipamentos usados. Aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens para aluguer e aluguer dos mesmos, prestação de consultoria de serviços relativos a manutenção e reparação de equipamentos informáticos, software e outros bens, tanto novos como usados. Aquisição e venda de imóveis.”
2. A Ré é uma sociedade comercial que procurou dotar as suas instalações com três computadores e um servidor Fujitsu Siemens e um pc portátil Tsunami Frontier.
3. A Autora e a Ré assinaram o documento de fls. 56, intitulado de "Contrato de Locação", o qual tinha como anexos o documento de fls. 56 a 59, intitulado de "Condições Gerais de Locação", bem como o de fls. 60, intitulado de "Termos e condições gerais relativas ao seguro de propriedade", cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em síntese, pelos referidos documentos, a Autora aceitou comprar o bem infra descrito a C…, Lda., para o ceder à Ré pelo período de 36 meses, pagando a Ré uma renda mensal de € 246,84, a pagar trimestralmente, a que acrescia a quantia de € 75,00 mais IVA, (prestação única), a título de taxa de serviço.
5. Para o efeito, a Autora comprou C., Lda, três computadores e um servidor Fujitsu Siemens e um pc portátil Tsunami Frontier.
6. Os bens locados e a respectiva fornecedora, foram escolhidos pela ré, que recebeu os bens no dia 21.7.2009.
7. Após o que a autora pagou o respectivo preço à fornecedora, no montante total de € 9.285,60.
8. A ré deixou de pagar os alugueres a partir de Janeiro de 2010 apesar de interpelada.
9. Em 16.06.2010 foi enviada à ré uma carta apresentada como “Último aviso antes da resolução do contrato por falta de pagamento de alugueres – Incumprimento do contrato de locação n.º 094-001826” a reclamar o pagamento dos montantes em dívida e juros, no montante global de € 1.893,31.
10. A ré recebeu essa carta, mas continuou sem efectuar qualquer pagamento.
11. Mas pagou € 2.083,34 em 13.7.2010.
12. Por carta de 02-07-2010, enviada por correio registado com aviso de recepção, a autora comunicou à ré a resolução do contrato por falta de pagamento dos alugueres a partir de 04-01-2010, tendo pedido a entrega dos bens locados até ao dia 16.07.2010, e o pagamento de indemnização no montante de € 8.878,12, correspondente ao valor de alugueres vencidos antecipadamente, com a resolução do contrato.
13. A ré não restituiu todos os equipamentos nem efectuou outros pagamentos.
14. A autora adquiriu os bens em causa exclusivamente para os ceder à locatária.
15. Tais bens, quando forem restituídos, por terem sido usados, terão uma grande desvalorização comercial, pelo que não serão novamente locados.
16. Os equipamentos do tipo do locado estão em constante evolução, aparecendo no mercado novos modelos e tecnologias, não existindo procura destes equipamentos findo o contrato.
17. O valor dos alugueres e a duração do contrato foram ajustados tendo em consideração o preço de aquisição do bem locado escolhido pela locatária, as despesas normais de execução do contrato e o lucro esperado com o negócio.
18. As cláusulas, primeira, décima quinta e décima sétima, das “condições gerais de locação” são do seguinte teor:

1. Bem e Obrigação de amortização total do Locatário, devolução do bem locado
1. O bem tocado é adquirido pelo Locador no interesse do Locatário, após indicação prévia do Locatário do bem a ser locado e da identidade do fornecedor do bem. Após ter adquirido o bem, o Locador entregará o bem ao Locatário, sujeito ao Contrato de Locação incluindo estas Condições Gerais de Locação, a Confirmação de Aceitação e os Termos e Condições Gerais Relativos ao Seguro de Propriedade.
2. O locatário (Locatário) tem a obrigação de amortização total dos custos do locador (Locador) incorrido em conexão com a aquisição do bem locado e com a execução do contrato, bem como do lucro estimado. Após cessação do Contrato de Locação, o Locatário deverá entregar o bem locado ao Locador (confrontar Secção 19).

15. Consequências de atrasos, cessação sem aviso prévio
1. Caso o Locatário esteja em mora com o pagamento de quaisquer pagamentos devidos de acordo com o contrato, serão devidos juros à taxa legal acrescidos de 8% pelos alugueres em dívida e juros à taxa legal acrescidos de 5% por quaisquer outros montantes em dívida.
2. No caso de cessação pelo Locador, a Secção 17 será aplicável. O Locador terá o direito de fazer cessar o contrato de locação sem aviso prévio, caso o Locatário esteja em mora com o pagamento dos alugueres.
3. O Locatário poderá evitar a cessação do contrato através do pagamento dos alugueres em mora acrescidos de uma pena/fracção de 50% do valor dos alugueres em mora.

17. Consequências da cessação prematura extraordinária:
1. Tendo em atenção que o Locador adquiriu o bem locado para benefício do Locatário, caso o Locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o Locatário cesse o contrato de acordo com a Secção 13, o Locador poderá exigir o pagamento de todos os alugueres até ao fim do contrato. A compensação com a poupança de custos ou a obtenção de benefícios relacionada com a cessação antecipada - incluindo indemnizações pagas pelo seguro e outras indemnizações, se existirem (confrontar Secção 12 n.º 2 e Secção 14 números 7 e 8) recebidas pelo Locatário estarão sujeitas às disposições legais. Os direitos do Locador tornam-se exigíveis com a recepção da notificação da cessação. O Locatário deverá ser considerado em incumprimento caso não realize o pagamento devido nos 30 dias subsequente à recepção da notificação da cessação e dos danos enumerados.
2. Mais, o Locatário perderá o seu direito de posse. O Locatário tem a obrigação de devolver o bem locado ao Locador por sua conta e risco. A devolução deverá ser feita para a morada do Locador em Lisboa, indicada no contrato de locação ou para o armazém central (...) excepto se o Locador tenha indicado outra morada para a devolução, que seja mais próxima da sede do Locatário. Caso o Locatário não proceda à devolução imediata do bem locado, o Locador tem o direito, mas não a obrigação, de mandar levantar o bem locado às custas do Locatário.
3. Excepto nos casos de cessação prematura do contrato de acordo com a Secção 13, o bem locado deverá encontrar-se em condições boas e de funcionamento aquando da devolução, correspondentes à sua condição na entrega, tendo em consideração o desgaste e uso causados pela utilização de acordo com o contrato. Caso o bem tocado não esteja nas referidas condições, o Locador terá o direito de reparar o bem locado de forma a colocá-lo em boas condições de funcionamento de acordo com o contrato, às custas do Locatário. Tal não será aplicável caso os custos de reparação excedam o valor reduzido atribuível ao bem locado nas condições não contratuais na acepção da primeira frase.
4. Caso o Locatário não tenha devolvido o bem locado violando as suas obrigações de acordo com o n. ° 2, apesar da solicitação do Locador, deverá pagar a partir da data do termo total da locação e adicionalmente à taxa normal de locação, 1/30 do valor de qualquer aluguer mensal da locação acordada para a duração do contrato por cada dia adicional de retenção.
5. O Locador reserva-se o direito de reclamar futuros danos caso tais danos sejam imputáveis ao Locatário.
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1. Da qualificação.
Entendeu a decisão recorrida que o contrato em apreço é um aluguer de longa duração (ALD).
A recorrente defende que se trata de uma locação.
Vejamos.
No ALD “um dos contraentes concede ao outro o gozo temporário e retribuído de determinada coisa” móvel, podendo “conter uma promessa (unilateral ou bilateral) de venda ou pode ainda integrar uma proposta irrevogável de venda inserida na própria locação (…). O locador, durante o período de vigência do negócio, percebe não só o valor suportado com a compra, mas ainda o lucro financeiro. Portanto, no seu termo, o objecto encontra-se integralmente pago, pelo que naturalmente o locatário tem todo o interesse na sua aquisição (…) por um preço pré-determinado, em regra equivalente ao valor da coisa à data da celebração do contrato de aluguer de longa duração. (…) O prazo de vigência é, em regra, inferior [ao da locação financeira]. Na maior parte dos casos, ambos os contraentes vinculam-se à celebração do contrato de compra e venda. Aliás, a aquisição do bem é o objectivo primordial a atingir pelo locatário (de longa duração), dado que no termo do contrato já o pagou na totalidade. Não dispõe o locatário (de longa duração) da tripla possibilidade de escolha (faculdade de compra, faculdade de não aquisição, prorrogação do contrato), que subjaz ao locatário financeiro” (Fernando de Gravato Morais, Manual da Locação Financeira, 2ª ed., 71-73).
O mesmo A. cita o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2010 (op. cit., nota 135, de todo o modo disponível em www.dgsi.pt), que refere que “no contrato de ALD o locador obriga-se, através do contrato promessa, a vender o bem ao locatário, finda a locação, sob pena de incorrer em responsabilidade pelo não cumprimento”.
A transmissão da propriedade é acentuada também por Carla Pedrosa Machado, em “Aluguer de Longa Duração”, texto disponível em www.verbojuridico.net| com|org, quando enuncia três diferenças entre a locação financeira e o ALD:
a) o direito potestativo de aquisição futura, (típico do leasing), não se encontra consagrado no ALD. E citando o acórdão da Relação de Lisboa, publicado na CJ, Ano XXIV, 1999, Tomo III, página 125: “Assim, coexistindo com o ALD um contrato promessa de Compra e venda de veículo alugado, destinado a operar findo aquele, o locatário tem obrigação de realizar a compra e poderá a contraparte exercer os direitos daí derivados se o mesmo não cumprir (…) Na locação financeira, o locatário dispõe de uma opção de compra do bem no final do contrato, enquanto que, no ALD, os formulários com a epígrafe “contrato de aluguer de longa duração” não prevêem qualquer transferência de propriedade do bem no termo do prazo, embora exista normalmente um formulário anexo, com a epígrafe “contrato promessa de compra e venda”, que estabelece obrigações (recíprocas ou unilaterais) de celebrar, na mesma data em que o “contrato de aluguer de longa duração” chega ao seu termo, um contrato de compra e venda relativo ao bem alugado”. E citando Paulo Duarte, Algumas Questões sobre o ALD in Estudos de Direito do Consumidor nº3, Centro de Direito do Consumo, 2001, página 323: “deste modo, no ALD, o locatário, ao contrário do que acontece na locação financeira não se tornaria proprietário do bem locado apenas no caso de o querer (artigo 9º/1 c) do DL 149/95), dado que o locador (ou o já referido interposto 3º) pode, por seu turno, compeli-lo ao cumprimento específico da obrigação de comprar”.
b) na locação financeira o locador obriga-se a adquirir ou mandar construir o bem a locar, no ALD o locador só se obriga a proporcionar o gozo da coisa;
c) no que respeita ao mercado abrangido o ALD é dirigido ao mercado em geral e restringe-se ao segmento automóvel.
“Nas duas figuras (locação financeira e ALD) está subjacente a transmissão da propriedade do veículo (apesar das diferenças já assinaladas).
“Em ambos os casos existe um sujeito jurídico que pretende adquirir um bem, mas que não tem possibilidade económica de o fazer, sendo que, com o intuito de poder gozar o bem se dirige a uma entidade que se encarregará da compra desse bem dando-o de aluguer” (Carla Machado, idem).
No caso, porém, ficou logo assente na cláusula 19, n.º 3, que “este contrato não assegurará ao locatário o direito de adquirir a propriedade do bem locado”, afastando destarte a sua transmissão.
O que desde logo põe em crise a existência de um ALD.
A sentença recorrida esgrime com a aquisição dos bens pela locadora por escolha do locatário, a existência de um prazo de vigência do contrato de 36 meses que corresponde “ao frequente valor útil do equipamento escolhido”, informático, e a obrigação do locatário amortizar totalmente os custos do locador com a aquisição dos bens e execução do contrato.
Não se vislumbra em que é que isto afasta a figura da locação.
Efectivamente, a locação como negocio jurídico bilateral sinalagmático e oneroso, da qual resulta obrigações para ambas as partes, genética e funcionalmente contrapartida umas das outras, é “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição” (art.º 1022º, do Cód. Civil). O locatário adquire o direito ao gozo (incluindo as faculdades de uso e fruição) temporário de coisa alheia, mediante a contraprestação do pagamento da renda. Tratando-se de coisa móvel diz-se ser aluguer (art.º 1023).
É o que ocorre aqui: a A. facultou o gozo de bens móveis à R., mediante o pagamento de uma renda mensal.
A amortização pela R. dos custos da aquisição dos bens não é impressionante atenta a natureza destes, bens informáticos, sujeitos a forte depreciação com o simples decurso do tempo, perdendo o seu valor de mercado. Decorrido certo período é certo que de pouco ou nada adiantará à A. a propriedade
Existem, é certo, elementos menos comuns na locação, desde logo a escolha do bem pela locatária, o que, porém, atenta a liberdade contratual, que compreende designadamente, sempre que a lei, como é o caso, não o impeça, a liberdade de estipulação do conteúdo dos contratos (art.º 405/1, Código Civil).
E não se argumente que é corrente as partes, concomitantemente com o contrato em causa, celebrarem um contrato promessa de compra e venda ou uma promessa unilateral de venda. Talvez; mas nada o provou no caso concreto. Ou seja, estamos perante uma mera suposição, só por si totalmente insuficiente para fundamentar o que quer que seja.
Ora, tendo em conta que as partes assim qualificam o contrato, o que releva para interpretar a sua intenção ao celebrarem o negócio (art.º 236/1, CC) e que estão presentes os elementos da locação, cuidamos mais avisada a conclusão de que se trata efectivamente de um contrato de locação comum, com alguns elementos próprios de outros contratos.
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2. Quanto à validade e regularidade das clausulas.
Dispõem os n.º 1 e 4 da cláusula 17ª do contrato subscrito pelas partes:
“17. Consequências da cessação prematura extraordinária:
1. Tendo em atenção que o locador adquiriu o bem locado para beneficio do locatário, caso o locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o locatário cesse o contrato de acordo com a secção 13, o locador poderá exigir o pagamento de todos os alugueres até ao fim do contrato. A compensação com a poupança de custos ou a obtenção de benefícios relacionada com a cessação antecipada – incluindo indemnizações pagas pelo seguro e outras indemnizações, se existirem (confrontar secção 12, n.º 2 e secção 14, n.º 7 e 8) recebidas pelo locatário estarão sujeitas às disposições legais. Os direitos do locador tornam-se exigíveis com a recepção da notificação da cessação. O locatário deverá ser considerado em incumprimento caso não realize o pagamento devido nos 30 dias subsequentes à recepção da notificação da cessação e dos danos emergentes.
(…)
4. Caso o locatário não tenha devolvido o bem locado, violando as suas obrigações de acordo com o n.º 2, apesar da solicitação do locador, deverá pagar a partir da data do termo total da locação adicionalmente à taxa normal de locação, 1/30 do valor de qualquer aluguer mensal da locação acordada para a duração do contrato por cada dia adicional de retenção”.
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A contratação em massa contemporânea, como é sabido, tem vantagens, como a celeridade, a simplicidade, facilidade e igualdade no tratamento de clientes e fornecedores, mas tem outrossim desvantagens, nomeadamente o risco de exercício abusivo do poder negocial por entes dotados de muito maior poder de facto por referencia à contra-parte (pense-se em bancos e seguradoras, em prestadores de serviços básicos como agua, gás, electricidade e telefone). Por isso o princípio da autonomia privada (art.º 405, CC) conhece restrições, em especial em sede de liberdade de estipulação. Como diz o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, diploma que contem o regime das cláusulas contratuais gerais (ccg), estas “surgem como um instituto à sombra da liberdade contratual. Numa perspectiva jurídica, ninguém é obrigado a aderir a esquemas negociais de antemão fixados para uma série indefinida de relações concretas. E, fazendo-o, exerce uma autonomia que o direito reconhece e tutela. A realidade pode, todavia, ser diversa. Motivos de celeridade e de precisão, a existência de monopólios, oligopólios, e outras formas de concertação entre as empresas, aliados à mera impossibilidade, por parte dos destinatários, de um conhecimento rigoroso de todas as implicações dos textos a que adiram, ou as hipóteses alternativas que tal adesão comporte, tornam viáveis situações abusivas e inconvenientes. O problema da correcção das cláusulas contratuais gerais adquiriu, pois, uma flagrante premência. Convirá, no entanto, reconduzi-lo às suas autênticas dimensões. Apresentam-se as cláusulas contratuais gerais como algo de necessário, que resulta das características e amplitude das sociedades modernas. Em última análise, as padronizações negociais favorecem o dinamismo do tráfico jurídico, conduzindo a uma racionalização ou normalização e a uma eficácia benéficas aos próprios consumidores. Mas não deve esquecer-se que o predisponente pode derivar do sistema certas vantagens que signifiquem restrições, despesas ou encargos menos razoáveis ou iníquos para os particulares”. Também a Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5.4.93, pub. no Jornal Oficial n.º L 095, de 21.4.93, nota que “os adquirentes de bens ou de serviços devem ser protegidos contra abusos de poder dos vendedores ou prestatários, nomeadamente contra os contratos de adesão e contra a exclusão abusiva de direitos essenciais nos contratos”.
O que caracteriza as ccg é a sua pré-elaboração - prévia ao convénio - apenas por um dos sujeitos, rigidez, visto inexistir negociação preparatória do seu conteúdo, ao qual um dos sujeitos, a despeito da sua axiomática liberdade de estipulação, apenas pode aderir ou rejeitar em bloco, e indeterminação, no sentido de que é dirigida a um genérico universo de sujeitos. De ordinário, a estas três características acrescem ainda – mas não necessariamente – a sua natureza formularia, i.é, contida em impressos que regulam detalhadamente as relações das partes, e complexidade material e formal, consubstanciada em textos prolixos, redigidos em muito densa linguagem técnico-jurídica, amiúde numa letra miudinha e até de cor esbatida.
De resto, logo a aludida Directiva 93/13/CEE continha uma lista exemplificativa anexa de clausulas susceptíveis de serem tidas por abusivas, como a exclusão ou limitação de direitos do consumidor (al. a. e b.), a imposição ao consumidor inadimplente de uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado (al. e.), a permissão do profissional unilateralmente alterar os termos do contrato ou as características do produto ou serviço a prestar (al. j. e k.), ou de interpretar apenas ele o contrato (al. m).
O que basta para mostrar a necessidade da sua regulamentação.
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A sentença recorrida, depois, nomeadamente, de dar conta das posições diversas quanto ao sentido do conceito indeterminado “clausulas penais desproporcionadas” do art.º 19/c do Decreto-Lei n.º 446/85 (“são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que (…al. c.:) consagrem clausulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”), segue na esteira do entendimento de Sousa Ribeiro, in Responsabilidade e Garantia em Clausulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85, de 25 de Outubro), e conclui que “não é preciso que exista uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, bastando para tanto que a pena predisposta seja superior aos danos que, provavelmente, em face das circunstancias típicas e segundo o normal decurso das coisas, o predisponente venha a sofrer, mesmo que essa superioridade não seja gritante e escandalosa”
Deve ter-se presente que a boa fé é “o princípio geral orientador das clausulas contratuais gerais” (cfr. Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Clausulas Contratuais Gerais – Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro), como resulta do art.º 16 deste diploma, que distingue as clausulas absolutamente proibidas (art.º 18) das relativamente proibidas (art.º 19), exactamente na lógica de que aquelas violam mais gravosamente a boa fé, enquanto que as relativas se evidenciam num “quadro negocial padronizado”.
Ora, tendo presente o princípio da boa fé, a desigualdade material dos sujeitos (em que de ordinário o proponente é de facto mais poderoso do que o que adere, ainda que formalmente sejam iguais; o que exige, pois, maior rigor na intervenção do Direito, de modo a evitar o indevido aproveitamento da força pelos sujeitos mais poderosos), e a própria redacção da norma da al. c em causa (que não impõe um grau agravado de desproporção, como seria na leitura de que a desproporção deve ser sensível[1]), afigura-se-nos perfeitamente razoável a conclusão do Tribunal a quo: basta uma desproporção simples, que ultrapasse os usos razoáveis do tráfego comercial (nomeadamente a margem de lucro aceitável).
Já nesse sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.7.94, in BMJ 439, refere que “a lei elege como critério para a determinação da excessividade da pena a sua desproporção em face dos danos a ressarcir (art.º 19/c do Decreto-Lei n.º 446/85) o que tem como subjacente a noção de que pretende medir pelo valor do dano o montante da pena” (na fundamentação, fls. 523, 7§). E acrescentava: “a clausula penal tem aqui uma função meramente coercitiva e não indemnizatória – que é obviamente a pensada naquele preceito”. E que clausula era essa? Exactamente a do “pagamento das rendas vincendas e do valor residual, para além das rendas vencidas, ambas acrescidas dos respectivos juros de mora desde o vencimento até efectivo pagamento (…) após a resolução do contrato de locação financeira por falta de pagamento de rendas da locação, por opção unilateral do locador”, clausula que considerou ilícita, abusiva e nula.
O mesmo Tribunal, no acórdão de 2.3.2004, in CJ-Supremo Tribunal de Justiça, I-93 e ss., nota que “as valorações necessárias à concretização das proibições relativas, ainda que surjam a propósito de contratos singulares, não devem ser efectuadas de maneira casuística (…) o juízo valorativo não se realiza tomando como referencia os vários contratos ut singuli, mas a partir das clausulas - em si próprias e encaradas no respectivo conjunto – para eles abstractamente predispostas. É esse o sentido da referencia ao «quadro negocial padronizado»”.
No acórdão de 03-10-2002 estipulou que “para se afirmar, à luz do disposto no art.º 19, al. c), do DL n.º 446/85, de 25-10, a desproporcionalidade da cláusula, é preciso proceder a uma comparação entre o montante da indemnização que resulte dessa cláusula e a ordem da grandeza dos prejuízos que a locadora sofrerá com o incumprimento. A cláusula em que se concede à locadora o direito de, em caso de resolução do contrato, exigir do locatário, além da restituição do equipamento e do pagamento das rendas vencidas e não pagas, a indemnização correspondente a 20% das rendas vincendas e do valor residual, estando perfeitamente ajustada à natureza do contrato e aos valores envolvidos, dela não resultando desproporção que sensivelmente afecte o carácter comutativo do contrato, apresenta-se válida” (in www.dgsi.pt)[2].
Almeno de Sá, in Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, p. 261, refere que “a consecução de um adequado equilíbrio contratual de interesses aparece como o objectivo último desse controlo (…). O imperativo do respeito pelo interesse do outro flui directamente da própria intencionalidade que atravessa o princípio da boa fé, pelo que somos assim levados á necessidade de uma ponderação de interesses. (…) Nesta ponderação, haverá de concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder “à medida” do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador. (…) Nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos”.
No caso, a clausula 17, n.º 1, dispõe que em caso de cessação o locador poderá exigir o pagamento de todos os alugueres até ao fim do contrato. Ora, é claro que, conjugado com a devolução dos equipamentos, isto ultrapassa os danos. É sobremodo coerciva: se o locatário não cumprir voluntariamente cumpre à força, já que terá afinal de satisfazer por inteiro o equivalente à sua obrigação de pagamento da contra-prestação pelo gozo da coisa, independentemente de a locadora deixar de lha facultar. Ou seja, a locadora é posta na situação em que estaria se o contrato tivesse sido integralmente cumprido pela R. (mas não por ela própria). O que significa que, de um certo ponto de vista, o melhor que poderia acontecer à locadora é a outra parte não cumprir: exercendo a cláusula fica dispensada de facultar o gozo da coisa, que lhe deve ser restituída, e concomitantemente recebe as rendas que seriam devidas por esse mesmo gozo da coisa até ao termo do contrato.
Diria porventura a A. que a natureza dos bens – informáticos, de rápida depreciação e adquirido para utilização da R. - assim o impõe.
Mas isso não é razoável: ainda que exista rápida depreciação, é claro que tal não corresponde às rendas em dívida: se a R. não cumpre a primeira prestação, não se vê por que seria total o prejuízo, considerando que se tratava então de equipamentos novos e com valor de mercado (e nesse caso para que quereria a A. os equipamentos antes do fim do período de aluguer inicialmente acordado ?).
É, pois, compreensível a perplexidade da sentença recorrida quando nota que assim a recorrente ficaria na situação privilegiada “de obter os benefícios decorrentes do fiel cumprimento do contrato pelo locatário, sem que da sua parte houvesse a sinalagmática abdicação, a favor do locatário, do gozo e fruição do equipamento locado”.
É que não é só o mero pagamento das rendas; é isto e a restituição imediata dos bens.
A clausula penal estabelecida não se relaciona com risco e custos, e, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 15.5.2001, CJ-Supremo Tribunal de Justiça, II-76 e ss., “uma clausula penal …que não se relaciona com o risco nem com os custos deve considerar-se desproporcionada ao dano a ressarcir (art.º 19, al. c, DL n.º 446/85)”.
E assim sendo é nula, como decidiu a 1ª instancia.
*
A recorrente propõe-se discutir o regime do IVA, alegando que “a sentença recorrida concluiu que a mencionada clausula (1ª) é contraria á boa fé porque o valor ilíquido dos alugueres, ou seja, incluindo o IVA, é superior ao preço dos bens pagos pela locadora, esquecendo que a taxa de IVA variou desde que o contrato foi celebrado de 20% para 23%, e que este imposto é destinado ao Estado, não constituindo o agravamento fiscal qualquer “mais valia” para a locadora, já que o IVA que for pago pela recorrida será entregue ao Estado”.
Ora, isto não constitui fundamento da sentença; o que constituiu foi a desproporção da cláusula penal, nunca se debatendo questões ou valores fiscais.
Não cabe aqui apreciar ex novo a questão ora apresentada pela recorrente.
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E a clausula do n.º 4 do art.º 17?
A sentença recorrida entendeu que era também abusiva porquanto, ao cominar o pagamento de 1/30 avos do valor da renda mensal por cada dia de atraso na devolução do equipamento alugado, estaria a ressarcir-se em montante superior aos danos, já que
i) o contrato seria de aluguer de longa duração;
ii) a renda neste contrato constitui um modo de pagamento fraccionado do preço do bem e dos encargos do locador, sendo superior ao valor locativo;
iii) o valor dos bens ter-se-ia depreciado com o tempo.
Entendemos, porém, pelas razões que já expusemos, que as premissas não estão correctas: não se trata do contrato referido mas de uma efectiva locação, pelo que o referido em ii) não tem suporte fáctico.
Pelo contrário, as partes convencionaram aquele montante mensal, sabendo ambas que os bens eram e continuariam a ser da locadora.
Logo, é perfeitamente proporcional que por cada dia de atraso na devolução a R. pague 1/30 do que pagaria de renda. Menos é que redundaria em prejuízo para a locadora: a aceitar-se esta situação teríamos – ao contrário do que vimos com a outra clausula – uma vantagem para a R.: não pagaria as rendas porque o contrato cessou com fundamento no seu próprio inadimplemento; mas enquanto não se dispusesse a devolver os bens continuaria a utilizá-los a seu bel-prazer sem contra-partida.
Procede, pois, nesta parte o recurso.
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Invoca a recorrente o disposto no art.º 1045/2 do Código Civil para defender que enquanto não forem restituídos os bens sempre teria direito ao dobro das rendas, não obstante não ser esse o valor dos danos.
O argumento não colhe: o facto de estarmos ante uma locação não obsta a que as suas cláusulas sejam, efectivamente, contratuais gerais; e já vimos que o seu regime geral acarreta a proporcionalidade dos danos a ressarcir. E trata-se da sua lei especial (art.º 7/3, Código Civil).
Contudo, colhe a pretensão da recorrente no que toca ao n.º 1 do art. 1045.º do C. Civil, invocada na petição inicial (art.º 83 e 95). Nos termos deste preceito legal, se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer estipulado, salvo se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
No caso a locadora resolveu validamente o contrato através da carta de 02.07.2010, recebida em 6.7.2010, a restituição do bem locado deveria ter sido efectuada até ao dia 16.07.2010.
Julga-se, assim que assistia à Locadora o direito de exigir da Locatária o pagamento, a título de indemnização pela demora na restituição do bem locado, no pagamento do correspondente aos alugueres que seriam devidos desde 06.07.2010 até à efectiva restituição do bem locado.
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Inexistem outras questões pertinentes[3], sendo que entendemos que a sentença não padece de qualquer nulidade, não se tendo deixado de pronunciar sobre as questões pertinentes postas pela A..
Com efeito, se a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC), norma que se articula com o teor do n.º 2 do art.º 660.º do CPC, em que se estipula que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, não é menos certo que a sentença pronunciou-se quanto às consequências do incumprimento; fê-lo foi de forma que não agradou à recorrente, julgando improcedente nessa parte a sua pretensão.
As custas cabem a ambas as partes, nos termos gerais, ponderando o vencimento.
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DECISÃO
Nestes termos, o Tribunal, tendo em conta qualificação do contrato e o demais exarado julga o recurso parcialmente procedente e altera a decisão recorrida, que passará a ter o seguinte dispositivo:
a) julga válida a resolução do contrato n.º ..., celebrado entre Autora e Ré;
b) condena a Ré a pagar à Autora:
i) € 648,55, resultante da soma dos alugueres vencidos e não pagos, correspondentes ao proporcional de Abril a Junho e 1 a 6 de Julho de 2010, nas quantias constantes das facturas n.º 9.972/2010 e 18.492/2010 (quanto a esta apenas a quantia de € 9,90);
ii) € 85,00, respeitante a despesas administrativas, como custos de aviso, custos de retornos de entradas de débito directo e honorários, acrescida de juros de mora vencidos desde 6.07.2010, até integral pagamento à taxa legal para transacções comerciais acrescida de 5%;
iii) os juros de mora vencidos sobre cada um dos alugueres vencidos até à resolução, à taxa legal para transacções comerciais acrescida de 8%, liquidados desde a data do respectivo vencimento e até integral e efectivo pagamento;
iv) a indemnização pela demora na entrega integral dos equipamentos locados, que desde 7.7.2009 e até final de Maio de 2012 atinge € 5.874,79, acrescidas das quantias vincendas desde essa data, à razão mensal de 246,84, até efectiva e integral entrega dos mesmos;
c) condena a Ré a restituir à A. os bens locados, em bom estado de conservação e de funcionamento, tal como se encontravam quando lhe foram entregues, e a suportar os custos de tal restituição;
d) absolve-a do demais peticionado.
As custas da apelação e da acção pelas partes, na proporção de 1/5 para a A. e 4/5 para a R.

Lisboa, 21 de Junho de 2012

Sérgio Almeida
Lúcia Sousa
Farinha Alves
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[1] Feita por Almeida Costa e Menezes Cordeiro, op. cit., 47.
[2] No mesmo sentido acórdãos de 21.5.98, BMJ 477, e de 6.10.98, BMJ 480
[3] E o que importa conhecer são os problemas efectivos centrais e não os argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes (neste sentido cfr. por todos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.1.2000, Sumários, 37-10; idem, 18.9.2003, www.dgsi.pt)

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/59e42d2d1cb107e080257a48003568e8?OpenDocument

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