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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - CRÉDITO AO CONSUMO ENTREGA DE CÓPIA DO CONTRATO ABUSO DE DIREITO - 08/09/2011


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1277/09.1TBBJA
Relator: JOÃO GONÇALVES MARQUES
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
ENTREGA DE CÓPIA DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO

Data do Acordão: 08-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: BEJA-2º JUÍZO
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO

Sumário:
1 - A obrigação de entrega ao consumidor de um exemplar do contrato estabelecida no artº 6º, nº 1 do DL 351/91 está claramente relacionada com o que, depois, dispõe o artº 8 nº 1, nos termos do qual, com excepção dos casos previstos no nº 5, a declaração negocial do consumidor relativa à celebração do contrato só se torna eficaz se este o não revogar em declaração enviada ao credor por carta registada com aviso de recepção a expedir no prazo de sete dias úteis a contar da assinatura do contrato ou em declaração notificada ao credor, por qualquer meio, no mesmo prazo, porquanto, só dispondo de uma cópia do texto, o consumidor estará em condições de ponderar e reflectir sobre a natureza e consequências das obrigações assumidas.
2 - A alegação no sentido de que posteriormente à aposição nos dois exemplares do contrato de mútuo dos autos da assinatura de um seu representante, o A. (credor) enviou ao R. (consumidor) um exemplar do referido contrato redunda, afinal, na confissão de que não procedeu à sua entrega no momento da assinatura por parte dos RR., sendo este o momento em que a cópia deve ser entregue, já que é a partir daí que se inicia o prazo de reflexão e eventual revogação pelo consumidor.
3 - Na ponderação do abuso de direito por parte do consumidor que invoca vícios do contrato, após o início da execução, “deve o Tribunal actuar com particular prudência já que, na relação de financiamento à aquisição de bens de consumo, é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos serviços e do consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a entidade financiadora da aquisição, prevalecendo-se da superioridade negocial em relação a quem recorreu ao crédito, não infringiu, ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres de cooperação, de lealdade e de informação, em suma os princípios da boa fé”, caso em que não deve ser paralisado o direito do consumidor a invocar a nulidade.


Decisão Texto Integral:
Acordam no tribunal da Relação de Évora:
BANCO… SA, propôs acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra M… e mulher C…, todos com os sinais dos autos, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe a quantia de € 9.924,56, acrescida de € 1.787,66 de juros vencidos até 27 de Novembro de 2009, de € 71,51 de imposto de selo sobre os juros vencidos, dos juros que sobre a aludida quantia de 9.924,56 se vencerem, à taxa anual de 27,394, desde 28 de Novembro de 2009 até integral pagamento e do imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair.
Alega, resumidamente, que por contrato constante de título particular, de 17 de Julho de 2007, emprestou ao R. marido a quantia de € 8.125,00 para aquisição de automóvel de marca BMW, matrícula 09-67-FQ, a pagar em 60 prestações mensais, no valor de € 238,68, cada uma, tendo acordado regime diferente do definido no artº 781º do C. Civil, porquanto expressamente foi acordado que “A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes” e que “No valor das prestações estão incluídos o capital e os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 13º das Condições Gerais”, sendo certo que o Réu marido não pagou a 17ª prestação e seguintes e que, instado a pagar, fez entrega ao A. do referido veículo, que o vendeu por € 1.528,23, quantia que ficou por conta das importâncias que então devia, ficando ainda a dever aquela quantia de 9.924,56, relativamente às prestações em dívida.
Justifica a demanda da Ré mulher alegando destinar-se o veículo ao património da casal e ter ela dado o seu consentimento ao empréstimo dos autos.
Os RR. contestaram separadamente, alegando o R. M…, resumidamente, que foram fiadores do filho de ambos na compra do veículo tendo-se limitado a assinar os papéis que lhes puseram na frente sem que nada lhes tivesse sido explicado, nem lhes tendo sido entregue qualquer exemplar do contrato, sendo certo que pelo seu grau de literacia (são pessoas humildes e analfabetas) não tinham conhecimentos para afastar o regime do artº 781º do C. Civil, desconhecendo, aliás, que tinham celebrado um contrato de mútuo com o A. Por outro lado atento o que foi pago e o produto da venda do veículo, o crédito remanescente do A. seria de apenas € 5. 058,83.
Por sua vez, a R. C…, para além de confirmar a versão do R. marido alegou que a dívida não foi contraída em proveito comum pelo que, também por esse motivo deve ser absolvida do pedido.
O A., que na petição se quedara por 27 artigos, respondeu às contestações em articulado de nada menos do que 102, com as habituais e extensíssimas citações de doutrina e jurisprudência, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelos Réus e invocando, de qualquer forma, a figura do abuso de direito por parte dos RR.
Teve oportunamente lugar a audiência de julgamento vindo a ser proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, declarando nulo o contrato e condenando os RR. a restituírem ao Autor a quantia de € 2.652,89, a título de capital, acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Inconformado, interpôs o A. o presente recurso em cuja alegação formula as seguintes conclusões:
I. Como melhor se explicitou em sede de alegações a se pode verificar pela audição dos depoimentos das testemunhas, não foi produzida nos autos prova de que não foi entregue ao R. um exemplar do contrato (como foi, ou seja, foi enviado pelo A. para a morada dos RR. um exemplar do contrato), pelo que tal suposto “facto”, cujo ónus da prova era dos RR. não se provou nos autos, devendo, por isso, eliminar-se da matéria de facto considerada provada na sentença a respectiva alínea K).
II. Ao contrario do que consta da sentença, o A. não violou os deveres de comunicação e informação previstos nos artigos 5º e 6º do Decreto Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, pois que os cumpriu inteiramente, sendo certo que não estava sequer em causa nos autos o dever de comunicação, pois o que o R. alega é a suposta falta de explicação das cláusulas gerais e isso prende-se com o dever de informação.
III. Na verdade, tal como se explicitou em sede de resposta à contestação e como da análise doa autos ressalta à saciedade, aquando da assinatura pelos RR. do contrato, já todas as suas cláusulas, específicas e gerais, se encontravam integralmente impressas (como inequivocamente tinham de estar, pois o A. já as enviou assim para que o R. assinasse o contrato dos autos), pelo que foram, sem dúvida, efectivamente comunicadas (sendo até certo que as condições específicas do contrato tinham sido previamente acordadas), sendo que ambas as folhas que compõem o contrato mostram-se assinadas pelos RR. (embora para efeitos do referido dever de comunicação tal apenas seja relevante relativamente ao R. mutuário), pelo que, evidentemente, todas as cláusulas (específicas e gerais) lhe foram comunicadas e delas o R. tomou conhecimento.
IV. Acresce que estava à disposição do R. para lhe prestar todos os esclarecimentos e informações particulares que este eventualmente reputasse necessários relativamente ao contrato dos autos, quer anteriormente a este o ter subscrito, quer posteriormente, sendo certo que o R. não solicitou ao A. que este lhe prestasse qualquer informação ou esclarecimento anterior à aposição da sua assinatura no dito contrato, ou sequer posteriormente, não obstante os contactos posteriormente havidos.
V. O A. cumpriu, pois, inteiramente os deveres de comunicação e de informação das cláusulas contratuais gerais, nos termos e de harmonia com o disposto nos artºs 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, sendo certo que não estava sequer em causa nos autos o dever de comunicação pois o que o R. alega é a suposta falta de explicação das cláusulas gerais ao mutuário e isso prende-se com o dever de informação.
VI. Não só o contrato dos autos é perfeitamente claro e explicito – para quem tiver o mínimo de diligência para o ler – pelo que não justifica qualquer aclaração especial – a não ser, evidentemente que tivesse sido pedido qualquer esclarecimento, o que não sucedeu – como sendo o contrato dos autos um contrato celebrado entre ausentes – como ressalta do processo de elaboração antes descrito – sempre se teria de atender “às circunstâncias” que no nº 1 do referido artigo 6º do decreto lei 445/85 de 25 de Outubro se ressalvam.
VII. Não houve, pois, qualquer violação dos referidos deveres de comunicação e informação, que foram cumpridos por parte do A. e nem o que consta da alínea N) da matéria de facto considerada como provada obsta a que o A. tenha cumprido com tais deveres, pois que o dever do A. em prestar os esclarecimentos apenas existe na medida em que os mesmos sejam solicitados pelos mutuários, e tal nunca foi solicitado pelo R.
VIII. É que o A. não tem obrigatoriamente que ler e explicar aos seus clientes os termos dos contratos que com eles celebra – excepto, evidentemente, se estes não souberem ler e lho comunicarem ou se lhe solicitarem o esclarecimento sobre eventuais dúvidas acerca do conteúdo do contrato – o que o A. tem de fazer – e fez – é assegurar que as condições contratuais acordadas constam dos contratos antes de estes serem assinados, precisamente para permitir a quem use de “comum diligência” possa ler a analisar o contrato, e estar à disposição dos seus clientes para prestar quaisquer esclarecimentos que estes lhe solicitem sobre os contratos que celebra.
IX. Acresce que, para além daquilo que expressamente consta do contrato assinado pelos RR. foi ainda dada ao R. a informação pré contratual que consta do documento que adiante se junta como doc. nº 1 de onde ressalta, mais uma vez, que foi expressamente comunicado ao R., para além do mais, qual a cláusula penal acordada para o caso de incumprimento do contrato e vários outros elementos do contrato dos autos.
X. O R. que, aliás assinou o contrato em sua casa, teve todo o tempo que entendeu para o ler a analisar e que confessadamente assinou sendo que o A. não lhe impôs qualquer prazo para que o fizesse e se porventura não o fez foi porque não se interessou em fazê-lo.
XI. Deve, pois, revogar-se a sentença recorrida também na parte em que considera que o A. violou os referidos deveres de comunicação e informação.
XII. Acresce que, mesmo que porventura se entendesse não revogar a referida alínea K) da matéria de facto “provada” (o que se refere a título meramente académico e por mero dever de patrocínio) e que a A. violou qualquer dos referidos deveres (o que não sucedeu) sempre se deveria (como deve, se for esse o caso) entender e decidir que a invocação pelos RR. da pretensa falta de entrega de exemplar do contrato, quer da pretensa violação do dever de informação (quando foram os RR. que nunca quiseram sequer indagar sobre o contrato nem esclarecer junto do A. quaisquer eventuais dúvidas que porventura tivessem sobre o mesmo) constitui um manifesto e descarado abuso de direito da sua parte.
XIII. Na verdade, a invocação pelos R. da pretensa invalidade do contrato dos autos por suposta falta de entrega de um exemplar do mesmo – que lhe foi entregue – e da pretensa violação do referido dever de informação (que, tal como o dever de comunicação, não foi violado, mas antes cumprido), nos termos, pelo “motivo”, no momento (ou seja, depois do R. há mais de 2 anos e meio ter celebrado com o A. o contrato nas precisas condições que dele constam; depois de o A. lhe ter emprestado, a pedido do R. a quantia mutuada de que há muito usufruiu e utilizou; depois de o R. ter começado a cumpri o contrato, o que fez durante mais de um ano, pagando as 16 primeiras prestações) e com a finalidade com que são feitos (o tentar agora fugir às suas responsabilidades) e tudo isto sem que nunca antes tenha invocado qualquer pretenso desconhecimento do contrato que celebrou e começou a cumprir ou invocado qualquer falta ou atraso na entrega de um exemplar nem qualquer suposta violação do referido dever – apesar dos vários contactos havidos entre o A e os RR. – configura não só um manifesto “venire contra factum proprium”, como constitui a invocação de excepção contra a boa fé e uma manifesta e irrefutável quebra de confiança objectiva em que, perante tudo o que se referiu e na realidade se passou e dos autos consta, o A., de boa fé e em função da conduta do R. sempre investiu e confiou.
XIV. Um manifesto e evidente abuso de direito, portanto, que implicaria, sempre, a paralisação do direito invocado, tornaria inócuas tais invocações e incólome a validade e efeitos do contrato dos autos e o direito do A. de ver satisfeito o seu direito de crédito que constitui o pedido dos autos.
XV. Saliente-se, aliás, que os RR. vieram aos autos mentir descaradamente alegando que ao assinarem o contrato pensavam estar apenas a constituírem-se fiadores de seu filho (quando dos autos ressalta à saciedade que isso é completamente falso), mas que, tal como as apenas agora invocadas supostas invalidades, nunca os impediu de pagarem as 16 primeiras prestações e de nos vários contactos que entretanto tiveram com o A. sempre se assumiram como os responsáveis pelo contrato dos autos e jamais questionaram a validade do mesmo, o que tudo diz bem da “forma de estar” dos RR. que, apenas depois de incumprido o contrato e face à acção dos autos, tudo vêm questionar e pôr em causa, quando antes tudo era válido e conforme o acordado. É demais!
XVI. É, pois, errada a decisão proferida na sentença que, ao decidir como o fez, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 334º e 342º, nº 2 do C. Civil, 6º do Dec. Lei nº 359/91, de 21 de Setembro e 5º e 6º do Decreto Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, artigos que, assim, violou.
Termina no sentido da revogação da sentença e da sua substituição por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente e condene os RR. solidariamente nos pedidos.
Não foi oferecida contra-alegação.
Dispensados os vistos, de acordo com os Exmos Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
Na sentença impugnada considerou-se provada a seguinte factualidade:
A. Por documento datado de 17 de Julho de 2010 sob a epígrafe “Contrato de Mútuo nº 831474”, que se encontra a fls. 14 dos autos, o Autor B… e o Réu M… ajustaram, designadamente, o seguinte:
Entre
1. Banco Mais, S.A. (…)
e
2. Como mutuário e como tal ao diante designado, M… (…)
É celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas Gerais seguintes:
CONDIÇÕES ESPECÍFICAS
OBJECTO DO FINANCIAMENTO E IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR
Viatura marca BMW, com modelo 318 TDS Exclusive matrícula …FQ fornecida por A… (…)
Condições do financiamento
Preço a contado: € 8.000,00
Desembolso inicial: € 0,00
(…)
Comissão de gestão: € 125,00
(…)
Montante total do financiamento: € 8.125,00
Imposto de selo de abertura: € 48,75
Data de vencimento da 1ª prestação: 05/08/2007
Data de vencimento da última prestação: 05/07 2012
Número de prestações: 60
Periodicidade: Mensal
Montante de cada prestação € 238,68
(Ao montante indicado acresce € 1,50 por cada cobrança realizada)
Valor total das prestações € 14.328,80
Taxa nominal de juros, fixa ao longo de todo o período do contrato:
23,94%
TAEG: 29,108%
(…)
Autorização de Débito
O 1º Mutuário autoriza que, para pagamento das prestações acima indicadas, bem como de quaisquer outras verbas decorrentes deste contrato, designadamente juros de mora e despesas de cobrança, a sua conta, do banco Santander Totta com o NIB… seja debitada, por contrapartida de uma conta de que o Banco Mais seja titular (…)
CONDIÇÕES GERAIS
1. Montante do Financiamento
O banco Mais concede ao Mutuário um financiamento no montante estabelecido nas condições específicas deste Contrato.
2. Finalidade do Financiamento
O financiamento objecto do presente contrato destina-se à aquisição a crédito pelo Mutuário do bem referido nas condições específicas.
(…)
Reembolso e Pagamentos
a) O financiamento será reembolsado em prestações cujo número, periodicidade, valor e datas de vencimento se encontram estabelecidas nas condições específicas.
(…)
c)No valor da prestação estão incluídos o capital, os juros do financiamento, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 13 destas Condições Gerais.
(…)
8. Mora e Cláusula Penal
a) O Mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação
b)A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implicam o imediato vencimento de todas
c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação da mora
9. Período de Reflexão
a) O presente contrato só se torna eficaz se o Mutuário não o revogar no prazo de sete dias úteis a contar da sua assinatura.
b)Para efeitos da revogação referida na alínea anterior, o Mutuário deverá enviar, no prazo referido, ao Banco Mais, sob registo e com aviso de recepção, uma declaração conforme a minuta que, nos termos legais, se anexa, ou no mesmo prazo notificar o Banco Mais, por qualquer outro meio, de declaração idêntica.
c) Caso o Mutuário tenha já recebido o bem mencionado nas Condições Específicas, poderá, nos termos da lei, renunciar ao período de reflexão.
d) Para informações, o B… disponibiliza a linha de apoio ao cliente com o número de telefone 210000555
10. Rescisão do Contrato
Sem prejuízo de outros casos previstos na lei e neste Contrato, o B… poderá considerar o presente Contrato rescindido, sendo consideradas então imediatamente vencidas todas as obrigações decorrentes para o Mutuário do mesmo, exigindo o cumprimento imediato de todos os valores em dívida, sempre que se verifique alguma das seguintes situações:
a) Falta de pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juros ou outros encargos previstos neste contrato.
(…)
B. O documento descrito na alínea a) dos factos provados encontra-se, por igual forma, assinado pela Ré C….
C. Por conta do acordo descrito em A., o Réu entregou ao Autor 16 prestações na importância unitária de € 238,68.
D. Não tendo, no entanto, entregue ao Autor, em 5 de Dezembro de 2008 ou em momento posterior a 17ª prestação.
E. na sequência da falta de liquidação da prestação referida na alínea em D. dos factos provados, o Autor peticionou ao Réu o pagamento do montante global de € 10.501,92.
F. tendo o Réu, nesse seguimento, entregue ao Autor o veículo 09-67-FQ por forma a que este concretizasse a correspondente venda e creditasse o valor obtido na importância em dívida.
G. O Autor procedeu à alienação do mesmo automóvel pelo preço de € 1.528,23, ajustando, paralelamente, com o Réu, que tal montante seria imputado às quantias em débito.
H. Os Réus subscreveram o documento de fls. 15 na sua residência e na presença exclusiva do seu filho e de A… na qualidade de vendedor do veículo.
I. Sendo que, recolhida que foi a assinatura dos Réus, remeteu o mesmo A… para o Autor o indicado documento de fls. 15.
J. Tendo então o representante legal do Autor aposto a sua assinatura no mesmo documento.
K. Não foi remetido pelo Autor aos Réus cópia do documento de fls. 15 no seguimento da assinatura concretizada pelo seu legal representante ou em qualquer momento posterior.
L. O indicado A… não comunicou verbalmente ao Réu, por ocasião da subscrição descrita em H dos factos provados, o conteúdo das cláusulas ínsitas no documento de fls. 15.
M. Não tendo, por outra via, prestado qualquer informação ou elucidação sobre o correspondente teor.
N. Comunicação e informação que não foram, por igual forma, concretizadas pelo Autor em momento posterior.
O. Os Réus têm dificuldade em ler e escrever.
Vejamos então.
Como se alcança das respectivas contestações, os RR. invocaram, além do mais, a nulidade do contrato de crédito por não lhes ter sido entregue um exemplar do mesmo, como o impunha o nº 1 do art 6º do Dec-Lei nº 359/91, de 15 de Setembro e, ainda, não lhes terem sido comunicadas as cláusulas do contrato nem terem sido informados do respectivo conteúdo, designadamente quanto às letras pequeninas que figuravam no papel que assinaram.
Na sua resposta o A. pronunciou-se no sentido de não ocorrer a apontada nulidade nem ter havido violação dos deveres de comunicação e informação, ao mesmo tempo que sustentou que a respectiva invocação, designadamente depois de terem pago 16 prestações, se traduz em abuso de direito.
Perante a factualidade dada como provada, a discussão jurídica da causa centrou-se, pois, à volta das referidas questões em confronto com as disposições do apontado diploma e do Dec. Lei nº 446/85, de 25 de Outubro (regime jurídico das cláusulas contratuais gerais), na redacção do Dec-Lei nº 244/99, de 7 de Julho, designadamente os artºs 5º e 6º.
Tendo vindo a concluir pela ocorrência da nulidade em causa, nem assim a douta sentença deixou de se debruçar sobre o cumprimento dos deveres de comunicação e informação, concluindo pela negativa, transparecendo porém, claramente, de tão brilhante peça processual, que a questão nuclear para a solução da controvérsia girava em torno da nulidade, o que bem ilustrado está na seguinte passagem: “Por outro lado, atento o regime dos deveres previstos no Decreto-Lei 359/91 e no Decreto-Lei nº 445/85, dívidas não há que é a nulidade daquele primeiro diploma que deverá, atento o seu alcance mais lato e a viciar todo o negócio, prevalecer” (itálico da responsabilidade do presente relator).
Porque efectivamente assim é, por aqui se iniciará a nossa apreciação, na medida em que, para o caso de serem de acolher os fundamentos da decisão recorrida, prejudicada ficará qualquer indagação acerca do cumprimento ou não dos falados deveres de comunicação e informação. Com efeito, a conclusão no sentido da nulidade do contrato acarretará que todas as respectivas cláusulas sejam arredadas da ordem jurídica, contexto em que não faria qualquer sentido voltar a analisá-las à luz do Dec. Lei nº 446/85. É o que, aliás, resulta do disposto no nº 2 do artº 660º do C. P. Civil, quando exclui do dever de apreciação as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Não se oferecendo dúvidas de que o contrato em causa está sujeito à disciplina do já citado Dec-Lei nº 351/91, esclarece o respectivo preâmbulo que o mesmo surgiu da constatação de um significativo desenvolvimento do fenómeno do crédito ao consumo e de que não raro certas das suas modalidades têm associadas condições abusivas o que determinou necessidade de instituir regras mínimas no sentido da protecção dos direitos dos consumidores, concretizadas na garantia de informação completa e verdadeira no sentido de uma correcta formação da vontade de contratar e na definição dos requisitos do contrato constituintes de um conjunto de garantias adicionais para o consumidor.
O respectivo articulado veio a acolher as aludidas preocupações, designadamente no artº 6º, nº 1, impondo que o contrato seja reduzida a escrito e assinado pelos contraentes e que seja entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura, e no arº 7º, cominando, no nº1, que o contrato é nulo, designadamente, quando não for observado o prescrito no nº 1 do artº 6º e, dispondo, no nº 2, que a inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e que a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor.
A obrigação de entrega ao consumidor de um exemplar do contrato está claramente relacionada com o que, depois, dispõe o artº 8 nº 1, nos termos do qual, com excepção dos casos previstos no nº 5, que para aqui não relevam, a declaração negocial do consumidor relativa à celebração do contrato só se torna eficaz se este o não revogar em declaração enviada ao credor por carta registada com aviso de recepção a expedir no prazo de sete dias úteis a contar da assinatura do contrato ou em declaração notificada ao credor, por qualquer meio, no mesmo prazo.
Com efeito, como se escreve no Acórdão do STJ de 01,06.1999, a obrigação de entrega ao consumidor de um exemplar do contrato, imperativamente imposta ao credor, na 2ª parte do nº 1 do artº 6º do Dec-lei nº 359/91 está intimamente relacionada com o termo inicial do período de reflexão consignado no nº 1 do artº 8º do mesmo diploma, na medida em que se a revogação da declaração negocial, direito reconhecido ao consumidor, deve ser declarada, no prazo de sete dias a contar da assinatura do contrato, precisa de ter em seu poder um exemplar do mesmo. A não ser assim, o imperativo período de reflexão ficaria prejudicado posto não poder o consumidor ponderar sobre um texto que não tinha á mão. Com efeito, na ausência do respectivo exemplar, fica o consumidor privado da necessária reflexão sobre a natureza e consequências das obrigações assumidas.
No mesmo sentido se pronunciou o Ac. da Relação de Lisboa de 22-10-09 (rec. 12153.03.1YXLSB.L1.8), como aquele, disponível em www.dgsi.pt.
Não se mostra, por outro lado, defensável que, designadamente, nos chamados contratos entre ausentes, em que, como no caso (ver al. j) do elenco dos factos provados) a assinatura do credor foi aposta em momento posterior à do consumidor, o dever de entrega do exemplar do contrato pudesse ser cumprido aquando da última assinatura. Com efeito o momento relevante é o da assinatura do consumidor, pois é a partir dele que se conta o prazo para a revogação, na medida em que, como se acentua no Acórdão da Relação de Coimbra de 04.05.2010 (rec. Nº 338/094TBGRD.), a previsão do nº1 do art 6º é indubitavelmente de natureza imperativa, não admitindo desvios ou concessões, pois, admitir o contrário, privaria o consumidor, no momento da assinatura, dos elementos necessários a uma ponderada reflexão sobre os compromissos que assumira.
Ou seja, pese embora a lei lhe conceda um período de reflexão de sete dias a contar da assinatura, deve, logo no momento desta, proporcionar-se ao consumidor, os elementos necessários a atingir o significado e consequências das obrigações que vai assumir num contrato em que, a par das cláusulas que exprimem as particularidade de cada caso, estão inseridas cláusulas pré-determinadas pelo credor não passíveis de negociação. Repare-se, com efeito, que o preceito situa o momento da entrega no da assinatura e não depois dela.
Por isso, ainda que, como sustenta na conclusão (i) o apelante tivesse remetido aos RR um exemplar do contrato quando, depois de por eles assinado, o veio a ser pelo seu representante legal, não teria cumprido o disposto no referido preceito.
Daí a irrelevância da sua pretensão de ver arredada da factualidade dada como provada a al. K) do elenco constante da sentença, ou seja que “Não foi remetida pelo autor aos Réus cópia do documento de fls. 15 no seguimento da assinatura concretizada pelo seu legal representante ou em qualquer momento posterior”.
De qualquer forma, a alegação constante do artigo 15 da resposta à contestação no sentido de que “Posteriormente à aposição nos dois exemplares do contrato de mútuo dos autos da assinatura de um seu representante, o A. enviou ao R. um exemplar do referido contrato doa autos para a morada dos RR. que não veio devolvido”, redunda, afinal , na confissão de que não procedeu à sua entrega no momento da assinatura por parte dos RR.
Ora, nos termos do nº 4 do artº 7º do diploma em apreço, a inobservância dos requisitos (todos) constantes do artigo 6º presume-se imputável ao credor.
Assim, posto que a omissão de entrega do exemplar determina a nulidade do contrato e que a única especificidade de respectivo regime em relação ao regime geral consagrado nos artºs 285º e segs do C. Civil reside em que a mesma só pode ser invocada pelo consumidor, podiam os RR. fazê-lo a todo o tempo, mesmo no caso de ter sido parcialmente cumprido.
Restando, pois, analisar a questão de saber se a arguição se traduziu, no caso, em abuso de direito, figura que o apelante retira das circunstâncias de o contrato ter sido celebrado há mais de dois anos e meio, de o A. ter emprestado a quantia mutuada, de o R. ter dela usufruído, de ter adquirido o veículo, de ter pago as 16 primeiras prestações, etc., “Sem que antes nunca tenha invocado qualquer pretenso desconhecimento do contrato que celebrou e começou por cumprir ou invocado qualquer falta ou atraso na entrega de um exemplar do contrato de mútuo nem qualquer suposta violação do referido dever …”. Tal configuraria, pois, um manifesto “venire contra factum proprium”e invocação de excepção contra a boa fé, em “manifesta e irrefutável quebra da confiança objectiva em que, perante tudo o que se referiu, e na realidade se passou e dos autos consta, o A. de boa fé, e em função da conduta do R. sempre investiu e confiou”.
Como se sabe, o excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico de determinado direito que nos termos do artº 334º do C. Civil conduz à ilegitimidade do respectivo exercício, segundo a lição de diversos autores, sintetizada em Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, 4ª edição, pag. 298-299, tem de ser manifesto, e clamorosamente ofensivos da justiça, ou na afirmação de Vaz Serra, constituir “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”.
A douta sentença, dando conta de diversa jurisprudência sobre a questão, e sem deixar de admitir a intervenção do instituto perante a invocação da nulidade em causa, por isso que “não é pela circunstância de estarmos perante um consumidor que deverá o Tribunal tratá-lo, sem mais, numa postura paternalista, como incapaz de ponderação, raciocínio ou compreensão do contrato e seus direitos”, observou, porém, pertinentemente, que o caso sub judicio não se mostra equiparável às situações que serviram de base à jurisprudência invocada pelo ora apelante como tradutoras de deslealdade ou de má fé.
Acolheu assim, o apelo ínsito no Acórdão do STJ de 30-10.2007, a que na ponderação do abuso de direito por parte do consumidor que invoca vícios do contrato, após o início da execução, “deve o Tribunal actuar com particular prudência já que, na relação de financiamento à aquisição de bens de consumo, é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos serviços e do consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a entidade financiadora da aquisição, prevalecendo-se da superioridade negocial em relação a quem recorreu ao crédito, não infringiu, ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres de cooperação, de lealdade e de informação, em suma os princípios da boa fé”, caso em que não deve ser paralisado o direito do consumidor a invocar a nulidade.
Ora, no presente caso, por isso mesmo que, de acordo com a factualidade dada como demonstrada, se tratava de pessoas (os RR) que têm dificuldade em ler e escrever, mais premente surgia a necessidade de lhe ser dada a possibilidade de, nos sete dias posteriores à respectiva assinatura, disporem de um exemplar do contrato e de se socorrerem de pessoas mais esclarecidas para os elucidarem do verdadeiro conteúdo das obrigações dele constantes, não sendo até de afastar a hipótese de o terem começado a cumprir precisamente porque desconheciam a faculdade de o revogar.
Assim, perante a omissão cometida pelo A., instituição experiente no comércio bancário e parafraseando o citado acórdão, em caso semelhante, “com um arsenal de meios logísticos, marketing e publicidade”, não pode a invocação da nulidade por parte dos RR. considerar-se clamorosamente ofensiva da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
Improcedentes se mostrando assim as conclusões da alegação, também improcedente resulta o recurso.
Termos em que, sem necessidade de mais considerandos, confirmam a brilhante sentença impugnada.
Custas pelo apelante.
Évora, 8.09.11
João Gonçalves Marques
Eduardo José Caetano Tenazinha
António Manuel Ribeiro Cardoso

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