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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

CONTRATO DE ARRENDAMENTO, ARRENDATÁRIO, MORTE, TRANSMISSÃO DO CONTRATO, CADUCIDADE, LEI APLICÁVEL, PRIVAÇÃO DE USO, INDEMNIZAÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 30-06-2011

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6905/09.6TBOER.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDATÁRIO
MORTE
TRANSMISSÃO DO CONTRATO
CADUCIDADE
LEI APLICÁVEL
PRIVAÇÃO DE USO
INDEMNIZAÇÃO

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 30-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE

Sumário: I - A Lei nº 6/2006, de 27-2, conhecido por NRAU, cujo início da vigência é 28-6-2006, aplica-se, em regra, imediatamente, a todos os contratos de arrendamento, mesmo aos que antes vigoravam.
II - As excepções aquela regra resultam das normas transitórias constantes dos artºs 26º a 58º do NRAU e incidem sobre a transmissão por morte do direito do arrendamento, benfeitorias e actualizações das rendas.
III - Do artº26º do NRAU decorre que o novo regime em matéria de transmissão por morte aplica-se aos contratos celebrados na vigência do RAU e não aos anteriores ao DL nº 321B/90, de 15-10.
IV - Contudo e nos termos do artº57º do NRAU, aplicável ex vi artº 27º também do NRAU aquela norma deve, igualmente, ser aplicada aos contrato de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, como é o caso vertente.
V - Ora como se constata, o Legislador reduziu o âmbito de transmissão e alterou a sua ordem, sendo que, à luz do referido artº 57º do NRAU nenhum dos RR. reúne os requisitos que os habilitem a suceder ao arrendamento em causa.
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

A , residente na Avenida ..., Lisboa, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma do processo sumário, contra:
B , residente na Rua ..., ... , O... e C , filho do 1° Réu também devidamente identificado nos autos.
Pedindo: - A condenação dos mesmos a reconhecerem o direito de propriedade da Autora sobre a fracção autónoma correspondente ao 3° andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ……, ..., no pagamento da quantia mensal de €475,00 desde a citação até efectiva entrega, nas custas e procuradoria e que se declarasse a caducidade do arrendamento.
Alega, para o efeito e em síntese, que:
- É proprietária da fracção autónoma correspondente ao 3° andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua …., ..., tendo-a adquirido por partilha judicial por óbito do seu marido A.G., que em 1971 arrendou a referida fracção a João …….
- João ….. faleceu em 9 de Agosto de 1993 no estado de casado com Maria ….., que lhe sucedeu no arrendamento e manteve-se no locado.
- Contudo, apesar de esta ter falecido em 15/10/2008, e consequentemente, ter caducado o contrato de arrendamento, os RR. continuam a ocupar o locado.
- Apesar de já terem sido interpelados para entregar o imóvel não o fazem e impedem a autora de rentabilizar o imóvel, sendo que, a renda mensal para uma fracção com aquelas características é de €475,00.
Os RR. foram citados e contestaram por excepção e impugnação, alegando que:
- O contrato de arrendamento não caducou, uma vez que, a arrendatária Maria ….. já havia abandonado o locado, em 25 de Agosto de 2003 e o réu B permaneceu no mesmo com conhecimento e consentimento da autora, pagando mensalmente as rendas, celebrando, deste modo, um novo contrato de arrendamento consensual.
- O réu B alega ainda que, não reside no locado desde Agosto de 2008, pelo que, não pode ser condenado a entregá-lo ou a pagar uma indemnização.
Pugnam, assim, pela absolvição dos RR.
Respondeu a A., negando ter conhecimento que Maria …. não vivia no locado desde 2003 e ter celebrado outro contrato de arrendamento com o 1° Réu, ou ter recebido rendas por essa ocupação.
Foi proferido Despacho Saneador, onde foi afirmada a validade e regularidade da instância e realizou-se a Audiência de Discussão e Julgamento, com observância do legal formalismo, tendo sido decidida a matéria de facto pela forma constante do despacho de fls. 107 a 112, o qual foi objecto de reclamação, por parte da Ilustre Mandatária da A., nos termos melhor referidos a fls.112, tendo sido proferido despacho conforme fls.112 e 113.
E foi proferida a competente sentença – parte decisória:
“-…-
Decisão
Em face do exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, decide-se:
- Condenar o Réu B a reconhecer o direito de propriedade de Maria ….. sobre a fracção correspondente ao 3° andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ….., ....
- Condenar o Réu B a entregar à A. a referida fracção livre e devoluta de pessoas e bens.
- Condenar o Réu B a pagar à Autora uma indemnização mensal no valor de €350,00 desde a data da citação até efectiva entrega da fracção.
- Absolver o Réu C dos pedidos.
Custas pela A. e pelo 1° Réu na proporção de 27% para a primeira e 73% para o segundo e artº 446º do Código de Processo Civil.
-…-”
Desta sentença veio o R., B, recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo (fls.125).
E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O recorrente/apelante impugna o julgamento e a resposta dada, pelo Tribunal a quo, à matéria de facto constante no quesito 1º.
2. A Autora não trouxe aos autos qualquer elemento de prova, documental ou outro, que permitisse ao Tribunal considerar, como considerou, que o valor actualmente praticável para usar uma fracção autónoma com as mesmas características do imóvel identificado em 1), é de €350,00 mensais, designadamente, não juntou aos autos o contrato de arrendamento relativo ao 1º andar e/ou relatório técnico de avaliação do imóvel, realizado por uma entidade credenciada.
3. O Tribunal a quo desconsiderou, ainda, a prova testemunhal e documental produzida pelos réus em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.
4. O Tribunal a quo desconsiderou, também, a confissão judicial realizada em sede de Audiência de Discussão e Julgamento pela testemunha P.Ga., filho da Autora, relativa à falta de licença de habitação do prédio.
5. Nos termos do artigo 1070º nº 1 do CC: “O arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pela entidades competentes, designadamente, através de licença de utilização, quando exigível”.
6. Relativamente à indemnização peticionada, a Autora não fez qualquer prova, como lhe competia (artº 342º, nº 1 do CC), de danos ou prejuízos efectivos provocados pela ocupação do imóvel e a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato senso.
7. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a violação do direito de propriedade e a decorrente privação do uso derivada da prática de acto ilícito e o que não se admite se verifique neste caso concreto - não é geradora automaticamente e de per si, de indemnização como forma de repor a situação anterior e de reparar os prejuízos decorrentes da privação.
8. A condenação, como expressamente consta da sentença proferida, está fundada no nº1 do artº 483° do Código Civil, ou seja, exige o pressuposto essencial da responsabilidade civil, designadamente da aquiliana, que é a existência de danos ou prejuízos que, logicamente, carecem de ser alegados e provados em juízo.
Como é do conhecimento geral, não basta a simples alegação e prova de que a não restituição do andar aos proprietários está a causar-lhe prejuízos, para que daí resulte, sem mais, designadamente, sem a alegação e prova dos restantes pressupostos de tal responsabilidade (ilicitude, culpa e nexo de causalidade entre a conduta ilícita e os danos sofridos) e, além do mais, sem a concretização dos prejuízos sofridos (vide Acórdãos do STJ de 12-11-09, processo nº 1521/05.4TBCBR.C1.S1, e de 5-3-2002, de que foi Relator o Exmo. Conselheiro Ribeiro Coelho, Pº 01A4363, disponíveis em www.dgsi.pt).
9. Por outro lado, o tribunal a quo não fundamentou devidamente a sua decisão no que diz respeito ao montante que atribuiu ao imóvel, limitando-se a dizer que por um imóvel com as mesmas características é devida uma renda de €350.
10. Teria de dizer em que termos chegou à conclusão de que a renda será de €350, por exemplo, porque é o preço obtido através da área, das condições de construção, das condições de vetustez, da pintura, da conservação, etc.
11. Necessitava o tribunal de ter mais elementos que lhe permitissem estabelecer uma qualquer comparação, nomeadamente, através de relatórios periciais elaborados a partir do exame directo ao imóvel.
12. Não tendo esses elementos, não poderia o tribunal decidir como decidiu, face à manifesta insuficiência da matéria dada como provada.
13. O recorrente/apelante impugna o julgamento e a resposta dada, pelo Tribunal a quo, à matéria de facto constante no quesito 3º considerado não provado.
14. O recorrente/apelante impugna o julgamento e a resposta dada, pelo Tribunal a quo, à matéria de facto constante no quesito 6º considerado não provado.
15. O recorrente/apelante considera que, toda a matéria de facto vertida nos quesitos 1º, 3º, e 6º, da base instrutória, nuclear no âmbito da presente acção, foi incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo - artigo 685º-B do CPC.
16. O Réu trouxe aos autos, suficientes, válidos, incontestáveis e incontornáveis meios probatórios, aceites pela Autora e pelo Tribunal a quo, que impunham julgamento e decisão diversa da recorrida, sobre a matéria de facto constante nos quesitos 1º, 3º e 6º.
I7. A prova testemunhal, produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, pelas testemunhas arroladas pela ré (….)- Acta de Audiência de Julgamento de 24 de Junho de 2010), impunha decisão diversa da recorrida, relativamente à matéria de facto constante nos quesitos 1º, 3º e 6º - artigo 685º-B do CPC.
18. As testemunhas arroladas pelo réu provaram em tribunal, que: i) O valor actualmente praticável para usar uma fracção autónoma com as mesmas características do imóvel identificado em 1), é manifestamente inferior a €350,00 mensais; ii) A Autora sabia que Maria …. não regressaria à fracção autónoma descrita em 1) desde Agosto de 2003 e; iii) Como contrapartida pelo facto de os RR. receberem os seus familiares, dormirem e tomarem as suas refeições na fracção referida em A) pelo menos desde 25 de Agosto de 2004, o R. B entregava à A. o valor mensal correspondente a essa utilização.
19. Na fundamentação de facto da sentença, o Tribunal a quo não efectuou o imperioso exame crítico das provas que lhe cumpre fazer, em violação do disposto no art. 659º nº3 do CPC.
20. Impõe-se, assim, a reapreciação da prova gravada pelo Tribunal ad quem artigos 685º, 685ºB e 712º do CPC.
21. O Tribunal a quo considerou aplicável à matéria dos autos o disposto na Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro, o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), por força do seu artigo 59º, designadamente, as normas transitórias constantes no artigo 26º e seguintes.
22. Por sua vez, a posição dos réus fundamenta-se na cessão da posição contratual de arrendatário da fracção autónoma em discussão na presente lide operada por Maria …. a seu filho B, realizada em 2003, autorizada e reconhecida pela A.
23. Da celebração e da existência de novo contrato de arrendamento, consensual, entre a A. e o 1º R., em 2004, considerando aplicável à relação material controvertida o
Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321B/90 de 15 de Outubro, e as regras da locação civil constantes no Código Civil.
24. Da matéria de facto provada apurou-se que, entre Agosto de 2003 e Outubro de 2008, período de tempo que decorreu entre o internamento definitivo e permanente de Maria …. num lar de terceira idade e o seu falecimento, todos os assuntos referentes ao contrato de arrendamento e ao locado passaram a ser tratados directamente entre a A. e o Réu B e a sua falecida esposa Maria da …..
25. A A. teve conhecimento, autorizou (mesmo que tacitamente) e conformou-se com a cessão, gratuita, da posição contratual de arrendatário do imóvel em discussão na presente lide, operada entre Maria ….. e B, em 2003, de quem passou a receber a renda pela ocupação do imóvel e a tratar dos assuntos do arrendamento.
26. B e a sua falecida esposa Maria ……, a partir de Agosto de 2003, passaram a comportar-se, com aquiescência da A., como verdadeiros arrendatários do locado.
27. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que, o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão - artigo 424º do Código Civil.
28. O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário, subarrendar ou emprestar total ou parcialmente o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no artigo 1049º do CC e no artigo 64º, nº 1, alínea f), do RAU.
29. O locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alíneas f) e g) do artigo 1038º, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência do gozo como tal, ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação se tiver sido feita por este - artigo 1049º do CC.
30. O artº 1049º do CC traduz a consagração do princípio de que o reconhecimento do cessionário como inquilino implica a consolidação da cessão (ou cedência do locado), mesmo que esta não haja sido previamente autorizada.
31. A acção de resolução deve ser proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade - artigo 65º nº 1, do RAU.
32. A procedência da excepção conduz à absolvição do pedido e artigo 493º, nº3, do CPC.
33. Improcede a acção de reivindicação se existir um contrato de arrendamento tácito e este verifica-se se os RR se comportam, com aquiescência dos AA, como verdadeiros arrendatários (RP, 26-10-1977: CJ, 1977, 5.0-1199).
34. Mesmo admitindo, sem conceder, que não se encontram verificados os pressupostos legais para fazer operar a cessão, gratuita, da posição contratual no arrendamento, em 2003, entre Maria …. e B, a matéria de facto já provada nos autos permite concluir que a A. e o R. B celebraram um novo contrato de arrendamento, consensual, em 2004.
35. Dos factos provados, apurou-se que: Maria …. não residia na fracção autónoma descrita em 1) desde 25 de Agosto de 2003; Os RR. recebiam os seus familiares, dormiam e tomavam as suas refeições na fracção referida em 1) pelo menos desde 25 de Agosto de 2004; Faziam-no com o conhecimento e consentimento da A.; e o R. B entregou à A. uma quantia monetária com o valor correspondente à contrapartida mensal pela utilização da fracção a partir de 2003, através de depósito bancário.
36. Arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição e artigo 1º do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro.
37. O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito - artigo 7º nº 1 do RAU.
38. A inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda e determina a aplicação do regime de renda condicionada, sem que daí possa resultar aumento de renda - artigo 7º nº 2 do RAU.
39. A forma escrita que deve revestir este tipo de contrato de arrendamento, formalidade ad probationem, não é elemento do negócio jurídico, não é indispensável à sua constituição e validade, pois o contrato é, como resulta da lei, válido independentemente do escrito que, sendo assim, tem por fim tornar mais segura a prova (Jorge Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 5ª Edição, pag.160 e ss.);
40. Admitindo o recibo a suprir o escrito o legislador afastou deliberadamente a forma como formalidade ad substantiam, postergando aplicação do artº 220º e do nº 1 do artº 364º do CC.
41. O documento comprovativo do depósito bancário tal como o recibo de renda é um escrito de igual valor probatório ao de que devia constar o contrato e não de valor superior nºs1 e 2 do artº 364º do CC.
42. Assim, e como o contrato é válido independentemente do requisito de forma, o recibo (no caso concreto, o documento comprovativo do depósito bancário), é exigido unicamente para prova segura de que o contrato se celebrou e não para prova de que o requisito de forma, teve lugar.
43. O recibo comprovativo do depósito bancário é um documento elaborado pelo homem com o fim de reproduzir um facto - artigo 362º do Código Civil.
44. O autor pode provar o contrato de arrendamento celebrado em 01-01-90 por qualquer meio - Ac. STJ, de 23-01-1996, Revista nº 87929 – 2ª, Bol. Sum., www.stj.pt.
45. No caso dos autos, o suprimento da inobservância da forma escrita através do recibo comprovativo do depósito bancário da renda, determina a existência e a validade de um novo contrato de arrendamento, consensual, entre a A. e o 1º R., em 2004, nos termos do disposto nos artigos 1º e 7º do RAU e 362º e 364º do Código Civil.
46. A Lei nº 6/2006 de 27/02, que entrou em vigor no dia 28 de Junho de 2006, aplica-se a todas as situações ocorridas após essa data e também aos contratos de arrendamento celebrados anteriormente, ressalvado o respectivo regime transitório. Temos de atender à Lei que estava em vigor no momento da celebração do contrato e que é a aplicável no que toca às condições de validade formal e substancial do negócio.
47. O recorrente, B, considera ainda que, a conduta da recorrida, ao pretender que lhe seja restituída a fracção, apesar da factualidade dada como provada, consubstancia um claro e manifesto abuso de direito.
48. Na verdade, a conduta da recorrida, a partir de 2003, inculcou no recorrente a confiança e a certeza jurídica de que este era o novo arrendatário da fracção. Ao pretender agora a restituição da fracção, tal conduta excede manifestamente os limites impostos pela boa fé - «venire contra factum proprium».
49. Para obviar a uma situação clamorosamente injusta, não poderá deixar de ser declarada a existência de abuso de direito.
50. Na perspectiva do recorrente, a recorrida pretende prevalecer-se, ilícita e abusivamente, do disposto na Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), designadamente, do disposto nas normas transitórias constantes no artigo 26º e seguintes, para fazer cessar uma situação de facto e de direito consolidada na ordem jurídica.
51. Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente a lei e violou, expressamente, o disposto nos artigos 12º, 342º nº 2, 424º, 483º, 562º, 1038º alínea f) e g), 1049º e 1311º nº2, todos do Código Civil, e 1º, 7º, 64º e 65º do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, e artigo 59º e normas transitórias constantes no artigo 26º e seguintes da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).
Conclui pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida, reconhecendo-se o recorrente como arrendatário, com as legais consequências.
Contra – alegou A, Autora. nos autos, dizendo, em resumo, que:
- O Apelante impugna a matéria de facto, designadamente as respostas dadas aos artigos 1°, 3° e 6° da Base Instrutória.
- Quanto à resposta dada ao art. 1° da BI entende o Apelante, por um lado, que a Autora/Apelada não fez prova dos factos que integrariam a quantificação da indemnização e, por outro, que a prova testemunhal imporia um valor diferente daquele que foi fixado.
- Tendo-se concluído, e bem, que o Réu não dispõe de título que legitime a ocupação do imóvel propriedade da Autora e que contra a vontade expressa desta o retém, provado fica que a actuação do Réu é a causa da indisponibilidade do imóvel por parte da Autora.
- A Autora/Apelante está, por isso, impedida de fruir do imóvel, quer para o usar, quer para o vender ou de outra forma o rentabilizar, designadamente através de arrendamento.
- Resulta designadamente provado no n°6 da fundamentação de facto - alínea p) da Matéria Assente) - que Maria ….., Advogada, endereçou um documento escrito ao Réu B, com data aposta de 23 de Junho de 2009, onde se pode ler, entre o mais: “ (...) Na sequência da carta que vos foi remetida pela minha Constituinte Sra. D. A , em 23 de Outubro de 2008 e à qual não obteve resposta (...); Não tendo os Srs. título que legitime a ocupação do andar, deverá o mesmo ser entregue à minha Constituinte, livre e devoluto de pessoas e bens e sem deteriorações até ao final do corrente mês de Junho (...); O preço pretendido pela minha Constituinte é de € 125.000, 00; Caso o Sr. esteja interessado na compra pelo referido preço, deverá comunicar-me tal intenção no mesmo prazo; Em última análise a minha Constituinte estaria disposta a considerar a celebração de um contrato de arrendamento com V. Exa. pela renda mensal de € 475,00.”
- Esta carta, endereçada pela mandatária da Autora/Apelada constitui uma verdadeira proposta de venda e de arrendamento e, por conseguinte, a ter sido aceite pelo Réu qualquer um destes negócios, a Autora/Apelada teria vendido o imóvel e feito seu o correspondente preço ou ter-lhe-ia arrendado o andar e feito suas as rendas respectivas.
- De outra sorte, se o Réu, não aceitasse qualquer daquelas propostas e tivesse entregue a casa à Autora, esta estaria em condições de a rentabilizar, como demonstrou querer fazer, por uma daquelas duas vias.
- E só o conseguiria fazer, encontrando-se a casa livre, devoluta e na sua posse.
- Do que resulta que só a actuação do Réu impediu a fruição ou disponibilização do imóvel (por venda ou arrendamento) por parte da sua legítima proprietária, a ora Apelada.
- Daqui resultam inequivocamente alegados e provados os prejuízos da Autora e o nexo de causalidade entre a actuação do Réu e aqueles.
- Mas, sempre se dirá que, o nexo de causalidade imposto pelo art. 563° do C.Civil é um nexo de causalidade adequada, definido em termos de danos prováveis.
- Insurge-se ainda o Apelante, quanto a esta questão, quanto à ponderação da prova produzida, levada a cabo pelo Tribunal a quo.
Vejamos:
- Nenhuma declaração da testemunha P.G., poderia constituir confissão judicial de qualquer facto sub judice, uma vez que, o mesmo não é parte no processo – art. 352° do Código Civil.
- A (in)existência de licença de habitação é provada documentalmente.
- E, se tal facto aproveitasse aos Réus para impedir o facto alegado pela Autora relativo ao arrendamento, a estes cabia o ónus da respectiva prova, necessariamente documental - n°2 do art. 342° do Código Civil.
- Já quanto à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, invoca o Apelante os depoimentos das testemunhas Maria J. ….. e Eduardo …...
- Nas suas alegações, o Apelante transcreveu frases soltas e descontextualizadas, proferidas pelas testemunhas invocadas mas, curiosamente, esqueceu outras partes dos respectivos depoimentos que, claramente, entram em contradição com aquelas outras transcritas.
- Com efeito, a testemunha Maria J….., com o depoimento gravado na única sessão de audiência de julgamento realizada em 24.06.2010, depois de ter afirmado existirem humidades nos cantos de dois quartos e da sala e que o prédio estava como na sua origem, quando é instada pela mandatária do Réu se era ou não verdade que tinham sido levadas a cabo obras no imóvel, afirma peremptoriamente que “partiram os lados esquerdos; mexeram na cozinha, na coluna; não sei o que é que isso influenciou.”
- As obras referidas, levadas a cabo na coluna do edifício, são obras de vulto, significativas, atenta a idade do imóvel. Mas aqui, a testemunha, ferida de parcialidade, embora reconheça as obras depois de ter dito que o imóvel estava inteiramente “de origem”, diz que não sabe “o que é que isso influenciou.”
- Aliás, a própria testemunha afirmou repetidas vezes que sua mãe “fez muitas obras no imóvel”, “valorizando imenso o imóvel”, o que não deixa de ser absolutamente contraditório com a afirmação de que o estado do mesmo era mau ou que se encontrava “como na origem”.
- A Mª Juiz avaliou criticamente o depoimento desta testemunha, como fez com as restantes e não poderia deixar de atentar no facto de a testemunha, que é filha do Réu, aqui Apelante, e ter dito que ela própria vivia na casa, o que, manifestamente constituiria um interesse no desfecho da causa a que, uma avaliação isenta tem de dar a relevância respectiva. Acrescentar-se-á ainda que esta testemunha afirmou mesmo, relativamente ao valor do andar para arrendamento, que o mesmo tem “excelentes áreas” e que está numa “zona boa”, dizendo ainda que é verdade que o andar valeria a renda mensal de €475,00 com muita remodelação e acrescentando, “pratica-se aquele preço naquela tipologia, completamente remodelado.”
- O certo é que, aceitado aquele valor, não concretiza que grande remodelação seria aquela, o que conduz a que a própria testemunha aceite como adequado aquele valor como razoável.
- Aliás, a própria sentença ponderou a necessidade que qualquer proprietário tem de levar a cabo obras num imóvel antes de o arrendar tais como pinturas, envernizamentos, etc., e tendo em atenção tal circunstância, desvalorizou a renda praticável naquele andar para €350,00 referida testemunha admitiu que não tem botas relações com a Autora, de quem é inquilino, facto que foi consignado em acta.
- Esta testemunha nunca falou de quaisquer deficiências da casa dos autos de que tivesse conhecimento directo.
- Disse ser muito amigo do Réu e utilizou a expressão “tenho conhecimento que...”, sem explicar de onde lhe advinha tal conhecimento.
- Tudo quanto a testemunha refere do interior de qualquer andar é reportado à casa onde ele próprio reside, o 3° andar direito do prédio, e não à casa dos autos.
- Também esta testemunha referiu que, “fora feitas obras no prédio, ao nível da coluna que serve os andares do lado esquerdo, no contador, na fossa” e que, durante um período em que esta testemunha esteve ausente do prédio, “fizeram obras no interior das casas.” Referiu ainda que, “Fizeram muitas obras dentro das casas. Pintaram as casas todas.”
- Também quanto à instalação eléctrica do prédio referiu a mesma testemunha que foram feitas reparações (embora não completas por ter faltado uma peça, como, segundo afirmou, o próprio mestre de obras referiu a esta testemunha).
- Quanto ao valor de €475,00 como adequado para um arrendamento da casa dos autos, esta testemunha teve o cuidado de afirmar, desde logo, que “sou muito leigo nisso”, “estou um bocadinho fora disso.” Afirmou ainda pagar uma renda mensal de €76,00 sendo certo que, também afirmou que o seu contrato de arrendamento remonta a 1971.
- Saliente-se ainda que esta testemunha, que vive no andar ao lado da casa dos autos há cerca de 39 anos, afirmou peremptoriamente que a filha do Réu B, a testemunha Maria J….. não vive na casa dos autos há vários anos e que apenas este Réu lá vive, contrariando em absoluto o que aquela testemunha afirmara e tanto assim que, na fundamentação da resposta dada ao art. 1° da matéria da base instrutória, a Mª Juiz diz fundar a sua convicção também no depoimento da testemunha Maria J. … ..
- Ou seja, no confronto entre o depoimento desta testemunha e da testemunha Eduardo ……, conferiu a Mª Juiz maior credibilidade ao depoimento desta última que afirmou que aquela outra já lá não viva.
- A resposta dada a este art. 1° resulta ainda do depoimento prestado pela testemunha Paulo ……, filho da Autora, que demonstrou efectivo conhecimento e cujo depoimento se acha gravado no sistema e foi prestado na audiência de julgamento de 24.06.2010.
- Esclareceu que, conhece bem o prédio em que se insere a fracção, que as fracções dos 1°, 2° e 3° andares esquerdos são todas iguais e que à semelhança do 1° andar esquerdo, propriedade de sua mãe, que foi arrendado em 2009, a casa dos autos se compõe de, “um hall de entrada amplo, com dois roupeiros, uma casa de banho completa, espaçosa, dois quartos com varanda, cozinha cole despensa e zona de refeições, sala com área bastante grande e varanda; Levaram já a cabo várias obras das que foram ordenadas pela Câmara Municipal de O..., designadamente substituição da conduta geral do prédio, electricidade das escadas, arranjo da fossa, fixação das pedras dos parapeitos; o telhado não tem telhas partidas, carecendo apenas de isolamento de algumas juntas e de fixação de telhas deslocadas e a zona é calma, sossegada, com um “...” ao lado, estacionamento grátis à porta, transportes públicos, autocarros, correios, junta de freguesia, bancos, mercado; O 1º andar esquerdo foi arrendado em 2009 por €400,00 porque era uma pessoa conhecida que queria a casa para uma neta e não podia pagar mais. A minha mãe preferiu aceitar uma renda inferior e ter a certeza de que lha pagavam do que pedir ais renda a uma pessoa que não conhecia e correr o risco de não lha pagara; A imobiliária “...” disse-nos que, para o 1 ° andar esquerdo, que é igual àquele, atenta a área e a zona, a renda seria de €600,00.”
- A resposta dada a este quesito resulta, pois, de uma ponderada análise da prova produzida em audiência de julgamento e é consequência da percepção do M°. Julgador que conduziu a diligência e beneficiou da imediação da inquirição.
- Devendo, pois, ser mantida a resposta dada à matéria de facto constante do art. 1° da base instrutória.
- Quanto à resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 3° da Base Instrutória, insurge-se o Apelante, pugnando para que a resposta seja positiva, mas sem razão.
- Os filhos da Autora/Apelada, arrolados como testemunhas - Paulo ….. e Maria …… - acompanharam a mãe nas diligências feitas por esta para saber da situação da inquilina R... …….
- A testemunha Paulo ……, com depoimento prestado em 24.06.2010 e gravado n sistema afirmou: “É solteiro, estudante e reside com a mãe, ora Apelada.”
- Esclareceu que acompanhava sempre sua mãe nas deslocações que esta fazia ao prédio, concretamente: “Combinávamos sempre consoante a minha disponibilidade para poder acompanhar a minha mãe; A maior parte das vezes que a minha mãe foi ao n°…, foi um problema com a fossa; As senhoras do rés-do-chão, D. H... e D. M..., r/chão esquerdo e r/chão direito, telefonavam e foi sempre a essas senhoras que a minha mãe perguntava se tinham visto a D. R... e elas disseram sempre à minha mãe que ela estava no prédio; Nunca disseram que ela não estava lá a viver ou que estava internada; Diziam sempre que a viam chegar ao fim do dia e que a viam lá ao fim-de-semana; A minha mãe foi informada pela D M..., do rés-do-chão direito, que a D. R... estava a ir a um centro de dia, lá em ... e que ao fim do dia vinha para casa; Ela era idosa, cega, diabética e não podia estar sozinha durante o dia.”
- Esta testemunha foi confrontada com o documento n°6 junto com a resposta à contestação, afirmando que fora a Autora, sua mãe que a ditara e que ela, testemunha, a escrevera porque, “nós já havia algum tempo que não víamos a D. R... e mesmo com as vizinhas do rés-do-chão direito e esquerdo a dizer que viam a D. R... lá no prédio, nós achámos melhor confirmar pessoalmente, cara a cara, a situação da D. R...; Tínhamos a suspeita que a D. R... já tinha falecido e que nos estavam a encobrir esse facto; Seguiu essa carta, registada com aviso de recepção, foi recebida e então recebemos o telefonema duma pessoa que se identificou como neto da D. R... e disse que a avó, como já era uma pessoa de idade e cega que ele era o tutor da avó e que não podíamos tratar de nenhum assunto com a avó e tínhamos que tratar do assunto que fosse com ele; Nós queríamos era ver a D. R... para saber a situação dela e ficou em nada; bloquearam-nos a intenção de saber da situação; Já não fomos lá naquele dia porque já sabíamos que não valia a pena; A minha mãe não sabia, não tinha informações nenhumas; A minha mãe sabia que os familiares viviam com a D. R..., filho, nora e netos mas sempre com a ideia que a D. R... vivia na casa; A minha mãe não conhece o filho da D. R...; Nunca o viu; Ainda hoje não o conhece; A minha mãe não podia opor-se que a D. R... vivesse lá com a família dela.”
- E, confrontado com o documento 6 junto com a p.i, que mais uma vez afirmou ter sido ela, testemunha, a redigir a solicitação da sua mãe, prossegue a testemunha: “A D. Maria ….. telefonou lá para casa, um dia à noite para informar a minha mãe, como senhoria, do falecimento da D. R...; A minha mãe apresentou os pêsames, pediu a entrega da certidão de óbito e informou a D. Maria da Conceição que a partir daquele momento o contrato estava caducado; Não foi um telefonema de cortesia; Achámos melhor escrever esta carta para marcar bem a posição; Para não ser só verbal, para não haver dúvidas".
- E a instâncias da Ilustre mandatária dos Réus, afirma a mesma testemunha: “Nunca nos informaram de nada; Os familiares nunca nos disseram sequer que ela estava num centro de dia; Quem nos disse foi a vizinha do rés-do-chão direito; A minha mãe foi uma vez visitar a D. R... ao centro de dia, a ...; Em finais de 2006, princípios de 2007 a minha mãe deslocou-se a esse centro de dia para falar com a D. R... e disseram-lhe que ela já não estava lá; Mandámos então essa carta (doc.6 junto com a resposta à contestação) em Novembro de 2007 para sabermos se ela estava viva e o que é que se estava a passar.”
Também a testemunha Maria ……, filha da Autora, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 24.06.2010 e se acha gravado no sistema, afirmou: “Uma vez fui com a minha mãe lá perto do prédio à procura de uma senhora que tinha problemas de saúde, que era diabética, a Sra. do 3° esquerdo, a D. R..., a minha mãe não sabia nada dela; Sei que é um sítio perto do prédio, mesmo em ...; É um Centro de Dia, para saber se estava viva, porque não sabia o que se passava; Isso foi em 2006/2007; Eu não cheguei a entrar, fiquei à entrada e a minha mãe é que entrou, a minha mãe não conseguiu saber dela; A minha mãe não fazia a mínima ideia; Muitas vezes dizia, se calhar já faleceu e eu não sei.”
- Qualquer uma destas testemunhas, filhos da Autora e que a acompanhavam nas deslocações que a Autora fazia ao prédio, tem um conhecimento directo do que é que a Autora sabia (ou não sabia) relativamente à sua inquilina, D. R... …...
- Já as testemunhas arroladas pelos Réus, designadamente aquelas cujo depoimento é invocado para infirmar a resposta dada ao quesito 3°, não têm conhecimento directo dos factos. Nenhuma delas, afirmou que ela própria contara à Autora que a inquilina já não residia no locado. Nenhuma delas afirmou ter ouvido qualquer dos Réus ou seus familiares comunicarem tal facto. Nem as aludidas pessoas do prédio com quem as testemunhas afirmam que a Autora falava foram arroladas para virem esclarecer nos autos se alguma vez disseram à Autora que a inquilina ali não residia.
- Com efeito, a filha do Réu, Maria ….. afirma que, a Autora ía muitas vezes ao prédio e que a Autora foi falar com sua avó ao lar. Porém, aquilo que a testemunha faz é fazer um relato do que diz que lhe foi dito pela sua avó, que está morta. Esta testemunha nada presenciou.
- Também a testemunha Eduardo ….. que, saliente-se, está de más relações com a Autora também sua senhoria, se limita a debitar factos de que não tem conhecimento directo, dizendo que não vira pessoalmente e que era a sua mulher (da testemunha) que se relacionava com a falecida mulher do Réu e que lhe contara.
- Saliente-se que a testemunha Maria ….., cujo depoimento foi mencionado pelo Réu/Apelante para impugnar a resposta dada a este quesito 3° da B.1., nunca afirmou, como o Apelante refere, que a sua irmã (nora da inquilina R... ….) tivesse comunicado à D. Madalena que a sogra já não voltaria a casa.
- Para além disso, esta testemunha não presenciou qualquer facto, não assistiu a qualquer conversa, limitando-se a reproduzir conversas que diz que lhe foram relatadas, e não conseguiu dar a razão de sua ciência para a localização temporal de qualquer facto, limando-se a confirmar uma data sugerida pela Ilustre mandatária dos Réus.
- Também este depoimento, por não revelar qualquer conhecimento directo sobre a matéria quesitada sob o art. 3°, é irrelevante para a respectiva resposta.
- Quanto à resposta dada ao quesito 6, também impugnada pelo Apelante, invoca, mais uma vez, o depoimento da testemunha Maria …...
- Porém, o depoimento desta testemunha só corrobora a resposta dada uma vez que esta testemunha confirma que, mesmo após sua avó ter ido para o lar, os depósitos continuaram a ser feitos pela mesma forma, na mesma conta e com o mesmo descritivo.
- Ora, se a partir de então o 1° Réu, ora Apelante, tivesse assumido qualquer qualidade de arrendatário, por qualquer das formas, alternativas, que ele menciona, teria necessariamente passado a fazer o depósito da renda em seu próprio nome.
- Resulta inequivocamente dos documentos de depósitos e extractos bancários feitos na conta da Autora que, até à morte da inquilina os depósitos foram sempre feitos em nome desta e só a partir do seu falecimento e da carta que a Autora juntou com a p.i. sob o n°6 é que o 1° Réu passou a mencionar nos depósitos o seu próprio nome.
- Tanto bastaria para demonstrar, não apenas o desconhecimento da Autora relativamente à ausência do locado por parte da inquilina, como a intenção manifesta do 1 ° Réu de a encobrir.
- O mesmo se diga quanto aos depoimentos mencionados, das testemunhas Eduardo …. e Maria ….. que, como tal, também não infirmam a resposta data a esta matéria.
- Ao invés, o depoimento da testemunha Paulo …., filho da Autora, já mencionado, que a ajudava mensalmente a verificar os pagamentos de renda que eram feitos por depósito na conta bancária de sua mãe, conjugado com os extractos bancários juntos pela Autora como documentos n°s1 a 4 com a sua resposta à contestação, é determinante para concluir que até à morte da inquilina R... , nunca o depósito para pagamento da rendas do 3° andar esquerdo em causa nos autos foi feito com a menção do nome do 1° Réu ou outrem que não a inquilina do mesmo, a D. R... …..
- Afirma esta testemunha: “Nunca apareceu outro nome nos extractos" até à norte da R... …..". "Tenho a certeza absoluta; Mensalmente fazíamos esta verificação dos depósitos; Os depósitos da D. R... coincidiam sempre com os valores que iam nas cartas para o aumento de renda.”
- Também quanto ao recibo de renda esclareceu esta testemunha que era feita (por ele) uma declaração anual, assinada por sua mãe que se referia às rendas pagas em cada ano por cada um dos inquilinos, consubstanciado no documento n°5 junto com a resposta à contestação.
- Esta testemunha foi confrontada com o documento n°5 junto com a resposta à contestação e confirmou ser este o documento de recibo e ser da autoria de sua mãe, aqui Autora, a assinatura aposta no mesmo.
- Recorre ainda o apelante de direito invocando a violação de lei substantiva que identifica e, para tanto, contratual do arrendatário e/ou da celebração e existência de um novo contrato de arrendamento consensual entre a A. e o 1° R. em 2004 e que tais vicissitudes teriam solução legal no disposto no Regime de Arrendamento Urbano aprovado pelo DL 321-B/90 de 15 de Outubro.
- Desde logo, o Réu/Apelante invoca dois direitos com causas incompatíveis entre si e de que, desde logo, diferente consequência.
- Com efeito, se tivesse havido cessão da posição contratual de arrendatário, o contrato era o mesmo, em toda a extensão das suas cláusulas, designadamente, quanto à sua duração, renovação e demais clausulado.
- Já se tivesse sido celebrado um contrato entre A. e R., “consensual”, como o R. lhe chama (e o que quer que isso signifique juridicamente), seria um novo contrato cujo conteúdo tinha de ser querido e havido por ambas as partes.
- E então estariam em vigor dois contratos de arrendamento, porquanto, o contrato de arrendamento com a inquilina R... não cessara por qualquer via legal.
- Está provado à saciedade que os Réus sempre encobriram da Autora que a arrendatária não vivia no locado havia cerca de quatro anos antes da sua morte.
- Está também provado à saciedade que em todos os actos de exteriorização da condição de inquilino, tudo se continuou a passar com a inquilina R... , designadamente os depósitos de pagamento de rendas, os recibos respectivos, as cartas de aumento de renda, a interpelação da inquilina feita através da carta de Novembro de 2007 junta com documento n°6 com a resposta à contestação, para invocar apenas, circunstâncias que têm suporte documental nos autos, o contrato de arrendamento “consensual” simplesmente não existe.
- Todos os factos que o Apelante invoca como provados, designadamente os que constam da Matéria Assente, resultam da circunstância de o Réu, filho da inquilina e restante agregado familiar residirem com esta e a Autora desconhecer que a mesma já não resida no locado ou que ali não regressaria.
- Além disso, mesmo tendo a inquilina deixado de residir no locado por ter ido viver para um lar e, se a Autora disso tivesse conhecimento, e não tinha, a posição da senhoria não conduziria à aceitação do Réu como seu arrendatário.
- Teria significado uma de duas circunstâncias: Ou que a senhoria não usara do direito de resolução que já o art. 64°, na alínea i) do seu n°1 do RAU lhe conferia e que só caducava um ano após a cessação do facto de onde emergia esse direito - n°2 do art. 65° do RAU; Ou que, tendo a inquilina deixado de viver no locado, no mesmo teriam continuado a residir o Réu/Apelante, sua mulher e filhos o que, atento o disposto na alínea c) do n°2 do art. 64° do RAU retirava à Autora o direito de resolver o contrato de arrendamento.
- A posição do Réu nestes autos é um sofisma que assume os contornos de verdadeira má fé processual, pois que, não desconhecendo a inveracidade dos factos que alega, continua a tentar obter para si beneficio que sabe que não lhe assiste, qual seja o de continuar a usufruir de uma casa por €76,00 mensais de que não é arrendatário nem legítimo possuidor.
- Os depósitos que o Réu/Apelante passou a fazer na conta da Autora após a morte da inquilina, de valor idêntico ao da respectiva renda não pode ser havido como renda porquanto, logo na carta que a Autora endereçou em 23 de Outubro de 2008, esta anunciou que recusaria qualquer pagamento a esse título e de seguida intentou a presente acção.
- Pelo que, havendo recusa da Autora, se o Réu entendia que era legítimo arrendatário da fracção teria de fazer consignação legal de rendas, maxime, na pendência da presente acção, e não, fazer um mero depósito bancário como se não tivesse existido recusa da Autora no respectivo recebimento.
- Aos presentes autos não se aplica o RAU, porquanto, o contrato, que data de 1970, só caducou com a morte da inquilina, verificada na vigência do NRAU (que entrou em vigor em 28 de Junho de 2006).
- Não se verificaram, na vigência do RAU, quaisquer vicissitudes que determinem a aplicação do respectivo regime.
- A Autora/Apelada não incorre em abuso de direito reivindicando a restituição do imóvel.
- Resulta dos autos que quem sempre tentou enganar a Autora, ocultando a situação da inquilina do imóvel, foram os Réus, porquanto, nunca informaram a Autora que a inquilina não residia permanentemente no local e que ali não regressaria, continuaram a depositar a renda mensalmente na conta da Autora com a indicação de que se tratava da renda da sua inquilina R... e obstaram frontalmente que a Autora falasse com a sua inquilina para auscultar da respectiva situação, inviabilizando o encontro solicitado através carta que a Autora enviou aquela inquilina em Novembro de 2007.
- A Autora nunca criou no Réu/Apelante, pessoa que ela continua a não conhecer, a convicção de que ele era o seu inquilino.
Conclui pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
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- Foram colhidos os necessários vistos.
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APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum:
- Em função das conclusões do recurso, temos que:
1 - O R. B e recorrente nos autos impugna a factualidade apurada, mais precisamente, as respostas dadas aos artºs1º, 3º e 6º da Base Instrutória/BI;
2 – E pugna pela qualidade de arrendatário da fracção em causa, o que não foi reconhecido na sentença recorrida.
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- Apuraram-se os seguintes FACTOS:
1 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de O..., sob o nº 000, o prédio sito na rua ….., ..., constituído em propriedade horizontal, com fracção autónoma designada pela letra H, correspondente ao 3° esquerdo, inscrita a favor de A , por partilha judicial de António …… .
2 - Em 12 de Junho de 1971, António ….. e João P….. acordaram entre si, por documento escrito com a epígrafe “arrendamento” que, o primeiro permitia a utilização pelo segundo do 3º andar esquerdo do prédio referido em 1), pelo período de 6 meses com início em 1 de Julho de 1971, renovável por igual período, mediante a contrapartida pecuniária de 1.600$00 mensais.
3 - Na 7ª Conservatória Civil de Lisboa, consta o Assento de Óbito nº ..., onde se pode ler que, João P….. faleceu em 9 de Agosto de 1993, no estado de casado com Maria R….., com última residência na Rua ……, em ....
4 - Na Conservatória do Registo Civil de ..., consta o Assento de Óbito nº ..., onde se pode ler que Maria R….., faleceu no dia 15 de Outubro de 2008, no estado de viúva de João P….., com última residência na Rua ….., em ....
5 - A A. endereçou um documento escrito à cônjuge do Réu B e mãe do Réu C , já falecida, com data aposta de 23 de Outubro de 2008, onde se pode ler, entre o mais: “O contrato de arrendamento relativo ao 3º esquerdo da prédio sito na Rua ……, efectuado em 1 de Julho de 1971 entre o meu marido, António ….e João …., devido ao falecimento do arrendatário e do cônjuge, encontra-se rescindido (…). A partir do dia 1 de Novembro de 2008 a renda não poderá continuar a ser depositada nos mesmos termos, se por acaso insistir em fazê-lo, a mesma será devolvida, uma vez que não existe contrato de arrendamento, pois, este caducou com o falecimento dos arrendatários (…).”
6 - Maria J……, Advogada, endereçou um documento escrito a B , com data aposta de 23 de Junho de 2009, onde se pode ler, entre o mais: “ Na sequência da carta que vos foi remetida pela minha Constituinte A em 23 de Outubro de 2008 e à qual não obteve resposta (…). Não tendo os Srs. título que legitime a ocupação do andar, deverá o mesmo ser entregue à minha Constituinte, livre e devoluta de pessoas e bens e sem deteriorações até ao final do corrente mês de Junho. (…) O preço pretendido pela minha Constituinte é de €125.000,00. Caso o Sr. esteja interessado na compra pelo referido preço, deverá comunicar-me tal intenção no mesmo prazo. Em última análise, a minha Constituinte estaria disposta a considerar a celebração de um contrato de arrendamento com V. Exa. pela renda mensal de €475,00 (…).”
7 - B, endereçou um documento escrito a Maria J…., com data aposta de 31 de Agosto de 2009, onde se pode ler, entre o mais: “Acuso a recepção da Vossa carta datada de 23 de Junho de 2009 (…). O contrato de arrendamento relativo a fracção autónoma sita na Rua …., em ..., não se encontra caducado nem se verifica a retenção ilegítima da casa, pela minha pessoa (…). Habito no locado, ininterruptamente, desde 1971 (ano em que os meus pais arrendaram locado) e sou, desde há vários anos a esta parte, através de cessão da posição contratual, o legal arrendatário e legítimo possuidor da referida fracção autónoma. (…). O meu direito, de legal arrendatário e legítimo possuidor da referida fracção autónoma, por cessão da posição contratual realizada pela minha mãe, Maria R…., foi autorizado e reconhecido pela sua constituinte (…). Só assim se justifica, aliás, que a sua constituinte continue a receber as rendas sem qualquer oposição (…). Mais informo que estou interessado na compra do locado, mas pelo valor real de, aproximadamente €50.000,00 (cinquenta mil euros) (…)”.
8 - B nasceu em ... de ... de 1954 e é filho de João P… e de Maria …..
9 – Actualmente, o Réu B recebe os seus familiares e amigos, dorme e toma as suas refeições na fracção melhor referida em 1).
10 - O valor actualmente praticável para usar uma fracção autónoma com as mesmas características do imóvel identificado em 1), é o de €350,00 mensais.
11 - Maria R…. não residia na fracção autónoma descrita em 1) desde 25 de Agosto de 2003.
12 - Os RR. recebiam os seus familiares, dormiam e tomavam as suas refeições na fracção referida em 1) pelo menos desde 25 de Agosto de 2004.
13 - E faziam-no com o conhecimento e consentimento da A.
14 - O R. B entregou à A. uma quantia monetária com o valor correspondente à contrapartida mensal pela utilização da fracção até Outubro de 2009, através de depósito bancário.
15- O R. C não recebe os seus familiares, não dorme nem toma as suas refeições na fracção desde 1 de Agosto de 2008.
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A) - Da questão de facto
Segundo o recorrente a prova carreada para os autos não permite concluir como fez o Tribunal a quo acerca dos prejuízos havidos pela A. e que levaram à condenação daquele a pagar uma indemnização a esta.
Entende o mesmo recorrente que os artºs1º, 3º e 6º da BI devem merecer respostas diferentes, porquanto, na sua opinião, as testemunhas arroladas pelo réu provaram em Tribunal, que: i) O valor actualmente praticável para usar uma fracção autónoma com as mesmas características do imóvel identificado em 1), é manifestamente inferior a €350,00 mensais; ii) A Autora sabia que Maria R….. não regressaria à fracção autónoma descrita em 1) desde Agosto de 2003 e; iii) Como contrapartida pelo facto de os RR. receberem os seus familiares, dormirem e tomarem as suas refeições na fracção referida em A) pelo menos desde 25 de Agosto de 2004, o R. B entregava à A. o valor mensal correspondente a essa utilização.
- Que dizer?
Face à solicitada alteração da factualidade apurada, nos termos do artº712º do CPC e cumprido que foi o previsto no artº685ºB do CPC, este Tribunal de Recurso ouviu na totalidade toda a prova testemunhal produzida na Audiência de Discussão e Julgamento e que foi gravada, como impõe o artº522ºC do CPC.
A testemunha Paulo ….., filho da A., a residir com ela e que respondeu aos artºs1º e 3º a 7º da BI, disse que:
Conhece o prédio pois, é da sua mãe desde Janeiros de 2008; antes era da herança por morte do seu pai me Julho de 1997; não conhece o apartamento em si mas sabe que são praticamente iguais aos do r/c que conhece e tem um hall, 2 roupeiros, casa de banho, 2 quartos e sal com varanda; o prédio está a precisar de obras, mas as mais urgentes foram feitas, por exemplo, no que respeita às canalizações, faltando as pinturas e arranjar o telhado; como as rendas são baixas obrigam a obras graduais; o 1º esquerdo esteve sempre arrendado e só “necessitava” para esse efeito de “lavar a cara e de pequenos arranjos”; o 3º andar por não ter elevador é mais barato; trata-se duma boa zona limpa de ..., junto ao “...”, com transportes públicos, ao pé da Junta, da “Praça” e do Banco e com estacionamento gratuito pelo que o valor de quatrocentos e tal euros está correcto; desde a morte do pai acompanho tudo; a inquilina era a Maria R…e era ela que pagava a renda, nomeadamente, através de depósito bancário; o doc.5 é da autoria da sua mãe e era enviado anualmente para todos os inquilinos como comprovativo dos pagamentos das rendas; só conhecia a D. Conceição que era a nora da D. R... e com quem falou sobre o problema das fossas; as pessoas diziam que a D. R... ia lá sempre e souberam, a través da D. M... que também lá vive no mesmo prédio que a D. R... ia para o Centro de Dia e depois voltava para casa; era uma pessoa idosa e doente tendo ficado cega pelo que não acharam estranho; o doc.6 também foi elaborado por si a pedido da sua mãe e solicitava a presença da D. Maria …. pois, já há algum tempo não a viam e queriam uma confirmação, uma vez que tinham a suspeita de que já tinha falecido; respondeu um neto que disse ser o tutor da avó e “bloquearam” o encontro; a A. nunca soube que a D. R... já não vivia lá e sabiam que “eles” viviam com a D. R... mas não “sem a D. R...; não conhecem o neto Mário ….; as rendas são de 60/70 euros; até ao envio da carta que constitui o doc.6 os depósitos eram em nome da D. R... e a partir daí é que o Mário passou a depositar a renda em seu nome; foi a D. Conceição que informou a A. da morte da D. R...; a A. pediu uma certidão de óbito e informou a D. Conceição que o contrato caducou e escreveram uma carta para não haver dúvidas.
A instância da Ilustre Advogada do R. disse que: o dinheiro das rendas não foi devolvido.
A testemunha, Maria J…., filha do R. B e irmã do C , técnica bancária de profissão e que respondeu a todos os quesitos com excepção do artº4º da BI, referiu que:
O prédio em causa é uma construção dos anos 70/71 e a nível geral o prédio “está horrível”; tem a clarabóia partida pelo que chove lá dentro, cheirando a podre; nunca levou uma pintura; a sua mãe fez inúmeras obras no andar em causa; entretanto, faleceu há um ano (D. Conceição nora da D. R...); estranharam que a A. “procurasse pela avó e até tentaram comprar o andar quando a mãe era viva, tendo proposto 8 mil contos, mas não obtiveram resposta; a avó (D. R... ficou invisual) e foi operada à coluna; a sua mãe era cabeleireira e o seu pai trabalha pelo que a avó teve que ir primeiro para um Centro de Dia e depois para um Lar em 2003; tem casa própria, aproveitando um bom negócio, mas nunca saiu da casa em discussão; a A. sabia quem habitava a casa; quem pagava a renda era o pai pois, “a avó já não tinha para o lar”; nunca foi devolvido o valor das rendas.
A testemunha, Maria ….., filha da A., professora de profissão e que respondeu aos artºs1º e 3º a 7º da BI, disse que:
- Tem conhecimento do que se passa com o andar em causa através do que lhe contam a sua mãe e o seu irmão e que corresponde ao testemunho acima resumido da testemunha Paulo …...
A testemunha Eduardo …., 77 anos de idade, empresário de profissão e que respondeu aos artºs1º a 7º da BI, referiu que:
É inquilino do 3º andar direito, tendo sido o terceiro inquilino do prédio e “ele foi um mês depois”; isto há 39 anos; na altura a casa era boazinha e a renda era de 1.600$00 e agora é de 76 euros mensais; foi representante dos inquilinos e “não está de boas relações com a A.; o prédio nunca teve qualquer conservação exterior; houve apenas obras interiores, por exemplo relativas aos colectores das fossas; uma renda de 445 euros é um exagero; chove no prédio pois a clarabóia está partida; este ano apanhou uma pneumonia; até os comunicadores estão avariados e as luzes há mais de 2 meses que não funcionam; o prédio não tem elevador; ao lado morava a D. R... e o Sr. João com os filhos; depois ficou lá o filho Mário e a mulher, D. Conceição e um dos filhos já não está lá; a D. R... foi para um Centro de Dia e depois para um Lar em ... / ...; tem conhecimento que a A. foi vê-la, “suponho que em ...”, segundo lhe contou a sua mulher; pagavam a renda e “depois em numerário no Millenium”; muitas vezes a própria D. Conceição lhe dava o dinheiro quando “ia tratar da renda” pois, tinha tempo e estava reformado; “a filha (da D. Conceição) Maria …. já tem outra casa e o outro filho arrendou uma casa acerca de 2 anos; quem vive lá é o pai da Maria …., o Sr. Mário …. que devido à carta para a D. R... passou a fazer os depósitos; naquela casa os tectos estão “pretos”; no 3º esquerdo “chovia” na cozinha; as obras resumiram-se “à fossa e substituição de tubos”; o 1º direito foi arrendado recentemente mas não sabe quanto pagam de renda; houve inundações no r/c e as fossas foram arranjadas para evitar esse problema, a instalação eléctrica foi “remendada” e a luz acendia e depois não apagava; O Sr. … continuou lá a dormir, a comer e a receber pessoas.
A testemunha, Maria ….., cunhada do R. Mário, empregada de balcão de profissão e que respondeu aos artºs1º, 4º, 5º e 8º da BI, disse que:
- A D. R..., mão do cunhado (casado com a sua irmã Conceição) a partir de 2003 teve que ir para um Centro de Dia e depois para um Lar porque cegou; teve ainda um problema de coluna; nessa altura “sabia que não voltava pelo que casa fica para os meus filhos e netos”; “ela disse que a A. foi lá (Centro de Dia) ver se ela ainda era viva”; a sua irmã vivia na casa em causa desde os 16 anos com os sogros e estes é que pagavam a renda; quando foi para o Lar o dinheiro da D. R... deixou de chegar; mais ou menos em 2008 o sobrinho arrendou e depois comprou casa.
A testemunha, Dalila …., contabilista de profissão e que respondeu aos artºs2º, 3º, 4º. 6º, 7º e 8º da BI, referiu que:
É inquilina do 1º direito e a A. já foi sua senhoria; vive lá desde 1972 e o prédio nunca foi pintado; quando pagava 1.700$00 ganhava 2.000$00; há 6 meses que não há luz na escada; só houve o arranjo das fossas e da instalação eléctrica; conhece o 3º esquerdo porque se dava muito bem com a “São”; quem está no 3º não tem barulhos mas tem muitos problemas (clarabóia, infiltrações; os algerozes têm de ser limpos).
Valorando a relatada prova testemunhal produzida na Audiência de Discussão e Julgamento, bem como, os factos antes dados como assentes, nomeadamente, com base nos documentos juntos aos autos, pensamos que houve, por parte do Tribunal recorrido uma criteriosa avaliação das citadas provas e que está expressa nos factos dados como provados, excepto quanto à quantificação do prejuízo da A. pela ocupação da fracção em causa e no que se refere ao facto de haver o consentimento da A. no sentido dos RR. manterem-se na habitação antes arrendada aos seus pais.
Consta dos pontos 12 da factualidade apurada que: “Os RR. recebiam os seus familiares, dormiam e tomavam as suas refeições na fracção referida no ponto 1 pelo menos desde 25 de Agosto de 2004”; “e faziam-no com o conhecimento e o consentimento da A.”
Acrescenta o ponto 13 da mesma factualidade provada que: “E faziam-no com o conhecimento e o consentimento da A.”
Contudo, a resposta a que alude o referido ponto 13 da factualidade assente deve ser mais restrita, ou seja:
- “E faziam-no com o conhecimento da A.”
Tal alteração é processada nos termos do artº712º b) do CPC e tendo em conta os factos, igualmente, dados como provados que constam dos seguintes pontos:
“-…-
4 - Na Conservatória do Registo Civil de ..., consta o Assento de Óbito nº ..., onde se pode ler que Maria….., faleceu no dia 15 de Outubro de 2008, no estado de viúva de João ……, com última residência na Rua….., em ....
5 - A A. endereçou um documento escrito à cônjuge do Réu B e mãe do Réu C, já falecida, com data aposta de 23 de Outubro de 2008, onde se pode ler, entre o mais: «O contrato de arrendamento relativo ao 3º esquerdo da prédio sito na Rua …., efectuado em 1 de Julho de 1971 entre o meu marido, António …. e João P…., devido ao falecimento do arrendatário e do cônjuge, encontra-se rescindido (…). A partir do dia 1 de Novembro de 2008 a renda não poderá continuar a ser depositada nos mesmos termos, se por acaso insistir em fazê-lo, a mesma será devolvida, uma vez que não existe contrato de arrendamento, pois, este caducou com o falecimento dos arrendatários (…)».
6 - Maria J…., Advogada, endereçou um documento escrito a B, com data aposta de 23 de Junho de 2009, onde se pode ler, entre o mais: «Na sequência da carta que vos foi remetida pela minha Constituinte A em 23 de Outubro de 2008 e à qual não obteve resposta (…). Não tendo os Srs. título que legitime a ocupação do andar, deverá o mesmo ser entregue à minha Constituinte, livre e devoluta de pessoas e bens e sem deteriorações até ao final do corrente mês de Junho. (…) O preço pretendido pela minha Constituinte é de €125.000,00. Caso o Sr. esteja interessado na compra pelo referido preço, deverá comunicar-me tal intenção no mesmo prazo. Em última análise, a minha Constituinte estaria disposta a considerar a celebração de um contrato de arrendamento com V. Exa. pela renda mensal de €475,00 (…)».
7 - B, endereçou um documento escrito a Maria J…., com data aposta de 31 de Agosto de 2009, onde se pode ler, entre o mais: «Acuso a recepção da Vossa carta datada de 23 de Junho de 2009 (…). O contrato de arrendamento relativo a fracção autónoma sita na Rua …..., em ..., não se encontra caducado nem se verifica a retenção ilegítima da casa, pela minha pessoa (…). Habito no locado, ininterruptamente, desde 1971 (ano em que os meus pais arrendaram locado) e sou, desde há vários anos a esta parte, através de cessão da posição contratual, o legal arrendatário e legítimo possuidor da referida fracção autónoma. (…). O meu direito, de legal arrendatário e legítimo possuidor da referida fracção autónoma, por cessão da posição contratual realizada pela minha mãe, Maria R….., foi autorizado e reconhecido pela sua constituinte (…). Só assim se justifica, aliás, que a sua constituinte continue a receber as rendas sem qualquer oposição (…). Mais informo que estou interessado na compra do locado, mas pelo valor real de, aproximadamente €50.000,00 (cinquenta mil euros) (…)».
-…-”
Como se constata da correspondência trocada entre a A. e R. B, directamente ou indirectamente, a partir do falecimento da mãe deste, Maria R… iniciou-se o litígio entre ambos cujo desfecho está dependente do desenlace desta acção.
Logo e sob pena de contradição como as posições tomadas nas referidas missivas, não podia o Tribunal a quo concluir pelo consentimento da A. relativamente ao R. B para habitar no locado em discussão.
Quanto ao valor do prejuízo arcado pela A. por não poder dispor da fracção em causa, sobepesando o valor de mercado daquele tipo de habitação e a manifesta degradação do prédio em que a mesma se insere, reputamos de justa a quantia mensal de trezentos euros.
Procede, deste modo, parcialmente o recurso da matéria de facto deduzido pelo apelante e R., B.
#
B) - Da questão de direito
Tendo em atenção os factos apurados fica afastada a possibilidade de se considerar que a A. reconheceu o o R., B como arrendatário depois da morte da sua mãe, Maria R….
Resta analisar se há, ou não, transmissão - do arrendamento em causa - por morte da sua mãe.
Sobre essa questão central escreveu-se na sentença recorrida:
“-…-
Constata-se que nos casos de transmissão por morte é aplicável a Lei nº 06/06, de 27 de Fevereiro (NRAU) por força do seu artº59º.
Com efeito, conforme o disposto no artº59º do NRAU, este diploma aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
As normas transitórias, encontram-se descritas no artº26° e seguintes do NRAU, interessando-nos reter, para efeito os arts 26° nºs 1 e 2; 27°, 28°, 57°, 58° do NRAU e 1106°; 1107°, do Código Civil.
Ora, nos termos dos artigos 26º e 27º do NRAU, os artigos 57º e 58º são aplicáveis aos casos de transmissão por morte do arrendatário nos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU (aprovado pelo Decreto Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro), como é o caso.
O actual artº57° do NRAU dispõe que:
1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva:
- Cônjuge com residência no locado;
- Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência no locado;
- Ascendente que com ele convivesse há mais de uma ano;
- Filho ou enteado com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11° ou 12° ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;
- Filho ou enteado maior de idade, que com e/e convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
2 - Nos casos do número anterior a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o ascendente, filho ou enteado mais velho.
- Quando ao arrendatário sobreviva mais de um ascendente, há transmissão por morte entre eles.
- A transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, nos termos dos números anteriores, verifica-se ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 ou nos termos do número anterior.
-…-
Contudo, atenta a matéria dada como assente e as normas aplicáveis, verifica-se que nenhum dos RR. preenche os requisitos para suceder no arrendamento.
-…-”
- Quid juris?
A Lei nº6/2006, de 27-2, conhecido por NRAU, cujo início da vigência é 28-6-2006, aplica-se, em regra, imediatamente, a todos os contratos de arrendamento, mesmo aos que antes vigoravam – artº59º.
As excepções aquela regra resultam das normas transitórias constantes dos artºs26º a 58º do NRAU e incidem sobre a transmissão por morte do direito do arrendamento, benfeitorias e actualizações das rendas.
Dispõe o aludido artº26º que:
1 – Os contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano / RAU, aprovado pelo DL nº 321B/90, de 15-10, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.
2 – À transmissão por morte aplica-se o disposto nos artºs 57º e 58º
(…)
Do citado enunciado do artº26º do NRAU decorre que o novo regime em matéria de transmissão por morte aplica-se aos contratos celebrados na vigência do RAU e não aos anteriores ao DL nº 321B/90, de 15-10, como por lapso é referido na sentença objecto de recurso.
Contudo e nos termos do artº57º do NRAU, aplicável ex vi artº 27º também do NRAU aquela norma deve, igualmente, ser aplicada aos contrato de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU.
Estabelece o artº 57º do NRAU que:
1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva:
a) - Cônjuge com residência no locado;
b) - Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência no locado;
c) - Ascendente que com ele convivesse há mais de uma ano;
d) - Filho ou enteado com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11° ou 12° ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;
e) - Filho ou enteado maior de idade, que com e/e convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
2 - Nos casos do número anterior a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o ascendente, filho ou enteado mais velho.
3 - Quando ao arrendatário sobreviva mais de um ascendente, há transmissão por morte entre eles.
4 - A transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, nos termos dos números anteriores, verifica-se ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 ou nos termos do número anterior.
Ora como se constata, o Legislador reduziu o âmbito de transmissão e alterou a sua ordem – neste sentido, a anotação explicativa do alcance do artº57º do NRAU da autoria de Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, in, “Arrendamento Urbano-Novo Regime anotado e legislação complementar, QJ, 2007, pags.97.
E como foi dito na sentença recorrida, nenhum dos RR. reúne os requisitos que os habilitem a suceder ao arrendamento em causa.
Verificou-se sim, a caducidade do mesmo arrendamento, por morte da mãe de ambos, o que retira ao R. subsistente, B, qualquer título que justifique a sua ocupação da fracção em causa.
Essa situação por ser ilícita e imputável ao R., B, obriga-o a indemnizar a proprietária do bem de que se viu privada no valor equitativamente ponderado pelo Tribunal a quo e que está abaixo do valor de mercado, em virtude das deficiências detectadas no prédio, cujos primeiros arrendamentos são de 1971.
Subscrevemos nessa parte o teor da sentença recorrida, com excepção do valor atribuído ao prejuízo sofrido mensalmente pela A que computamos em trezentos euros / €300,00 e não em trezentos e cinquenta euros / €350,00 – cfr. A) recurso sobre a matéria de facto:
“-…-
Deste modo, sem prejuízo do direito que o 1° R. possa ter è restituição das quantias entregues (que não será apreciado nesta acção por não ter sido peticionado), tais quantias não legitimam a ocupação por parte do 1° Réu.
Sendo a Autora a proprietária da fracção indevidamente ocupada por parte do 1° R., tem direito de exigir judicialmente ao detentor o reconhecimento do seu direito e a restituição do imóvel, nos termos do artº 1311º do Código Civil.
Relativamente à indemnização peticionada pela Autora, cumpre referir que é devida, desde que, a violação do direito de propriedade e a decorrente privação do uso derivem da prática de acto ilícito, como forma de repor a situação anterior e de reparar os prejuízos decorrentes da privação (vide, Abrantes Geraldes in Indemnização Do Dano Da Privação Do Uso, p.55, 61 e 62).
Assim, provando-se que a indisponibilidade do imóvel é imputável ao réu detentor (mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem), o lesado deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos seus poderes de fruição ou de disposição (vide Acórdão do STJ de 5/0202009 publicado in www.dgsi.pt).
O facto gerador desta responsabilidade civil é, por isso, a própria ocupação ilícita do prédio.
No caso em apreço, tendo o 1° R. sido interpelado para entregar o imóvel e tendo negado essa entrega, sem que houvesse um título legítimo para fruir o gozo do imóvel (o que não acontecia durante a vida de Maria R... ) apresenta-se tal conduta como ilícita, por ofensa ao direito de propriedade da Autora.
Comprovando-se que o valor praticado para a utilização de um imóvel com as características da fracção em apreço é de 300 euros mensais, deve ser este o valor justo a pagar à A. desde a citação até à entrega efectiva (como peticionado).
Deste modo, deve o 1° Réu ser condenado a reconhecer o direito de propriedade da Autora, a restituir-lhe o imóvel livre de pessoas e bens e a pagar uma indemnização no valor de €300,00 mensais desde a citação até à entrega efectiva, pela ocupação ilícita.
-…-”
Pelo que fica dito, globalmente a sentença acabada de ser sindicada não nos merece censura, sendo, por isso, de confirmar, com as alterações por nós introduzidas fundamentadamente.

DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação (1ª Secção) acordam em julgar parcialmente procedente o recurso e consequentemente:
1 - Absolvem o Réu C dos pedidos e;
2 - a) Condenam o Réu B a reconhecer o direito de propriedade de A sobre a fracção correspondente ao 3° andar esquerdo do prédio urbano sito ……., em ... ;
b) Bem como, a entregar à A. a referida fracção livre e devoluta de pessoas e bens;
c) E ainda, a pagar à Autora uma indemnização mensal no valor de €300,00 desde a data da citação até efectiva entrega da fracção.

Custas pelo apelante na proporção do respectivo vencimento.

Lisboa, 30 de Junho de 2011

Afonso Henrique Cabral Ferreira
Rui Torres Vouga
Maria do Rosário Barbosa

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/8fde4d89caa31a1b802578d40054d096?OpenDocument

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