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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

CONTRATO DE SEGURO, MEDIADOR - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 27-06-2011

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12323/08.6TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
MEDIADOR
COMPENSAÇÃO

Nº do Documento: RP2011062712323/08.6TBVNG.P1
Data do Acordão: 27-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - Sendo prática as declarações de vontade entre Seguradora e Tomadora do seguro efectuadas através do mediador, ternos de considerar, de acordo com as regras boa-fé, que a entrega mensal das folhas de salário ao mediador de seguros corresponde à entrega à própria Seguradora.
II - A Ré, ao invocar o seu crédito sobre a A., como matéria de excepção e ao pedir a improcedência da acção, está a manifestar de forma concludente a vontade de compensação com o crédito invocado pela A., se este se vier a provar, declaração que é levada ao conhecimento da outra parte pela notificação da Contestação.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Proc. n.º 12323/08.6TBVNG.P1
Apelação n.º 455/11
T.R.P. – 5ª Secção

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1 -
COMPANHIA DE SEGUROS B…, SA, com sede no …, ..., em Lisboa, veio intentar a presente acção declarativa comum de condenação, sob a forma sumária, contra
C…, LDA, com sede na Rua …, …, em …,
pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 8.821,93, a título de capital, acrescida dos juros de mora, por incumprimento dos contratos do ramo acidentes de trabalho e responsabilidade civil geral.

Para tanto, alegou, em resumo:
as partes celebraram dois contratos de seguro para os ramos de Acidentes de Trabalho e Responsabilidade Civil Geral, em 26-06-1999 e 04-07-1996, respectivamente, pelo período de um ano e renováveis por igual período;
a Ré rescindiu o contrato de acidente de trabalho, em 31-03-2007, e, nessa altura, não havia procedido ao envio de folhas de salários, como estava obrigada;
apresentado à Ré o recibo de acerto, em 18-04-2007, com vencimento em 28-05-2007, no montante de € 5.153,73, esta nada pagou à A.;
o contrato de seguro do ramo responsabilidade civil geral cessou os seus efeitos, por não renovação da apólice, em 31-12-2006;
deste contrato de seguro, a Ré é devedora da quantia de € 3.668,20.
2 –
A Ré contestou, alegando, em síntese, que:
sempre enviou as folhas de salários, através do mediador de seguros;
o prémio devido, correspondente ao acerto do prémio, quanto ao contrato de seguro para o ramo de Acidentes de Trabalho, era de € 3.533,19;
liquidou o recibo de prémio referente à apólice de acidentes de trabalho no montante global € de 3.918,70;
reconhece ser devedora da quantia de € 36,39 do acerto do primeiro trimestre de 2007 e do acerto do prémio anual de 2006;
em 01-01-2007, pagou os prémios das duas apólices em causa.

Concluiu pela improcedência da acção e, em consequência, pela sua absolvição do pedido.
3 -
A A. apresentou Resposta, concluindo, no essencial, como na P. I..
4 -
O processo foi saneado.
5 -
Teve lugar a Audiência Final, que culminou com a Decisão de Facto de fls. 164 e 165.
6 –
Foi proferida Sentença, em cuja parte decisória se lê:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente e não provada e, em consequência, absolve-se o R. do pedido”.
7 –
A A., inconformada, veio apelar da Sentença, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
“1-A Apelante pediu a condenação da Apelada no pagamento de prémios de seguro, a título de acerto e agravamento ao prémio provisório emitido e pago ao longo dos anos de 2006 e de 2007, pela R., com fundamento na celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, nos termos do qual a primeira assumiu a transferência da responsabilidade da Apelada, pelo risco decorrente da actividade dos seus trabalhadores;
2- Mais ficou como provado que no âmbito do referido contrato de seguro em causa foi celebrado na modalidade de prémio variável, aplicando-se-lhe, como tal, a Condição Especial 01, constante das Condições Contratuais Gerais, nos termos da qual o prémio emitido provisoriamente com base numa estimativa de salários prevista no inicio da anuidade, pelo tomador do seguro, fica sujeito ao acerto no final da anuidade de acordo com a massa salarial real ou seja, com o montante total das remunerações declaradas pela R. relativamente aos seus trabalhadores;
3- E que, na falta de envio das folhas de férias por parte do Tomador do Seguro, a Seguradora cobrará no final de cada anuidade, a título de penalidade, um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual.
4- Mais alegou que a R. era devedora de prémios no âmbito dos contratos de seguro de responsabilidade civil geral, igualmente celebrados com a A.;
5- Quanto ao primeiro contrato, a R. contestou o acerto relativo a 2006, alegando ter pago a quantia de € 16.972,52, enquanto que a A. apenas admitiu ter recebido a quantia de € 12.516,40;
6- Entende a A. que da prova documental junta pela R. não ficou demonstrado que o valor correspondente saiu dos seus cofres e entrou nos cofres da A., e bem assim da testemunha da A., D… que no seu depoimento disse que foi paga apenas a quantia de € 12.516,40 – Gravação em CD, contagem 00:00:01 a 00:34:52, por referência ao documentado em acta da audiência final.
7- Quanto a 2007, a A. alegou ser credora do acerto ao prémio provisório emitido, com agravamento de 30% sobre o valor do prémio provisório, considerando que a R. havia incumprido com a sua obrigação de enviar mensalmente as suas folhas de salários para a A.;
8- Da prova produzida e dos factos dados como provados, a R. apenas demonstrou que procedeu à entrega das folhas ao mediador, mas já não provou ou sequer alegou que este as fez chegar à A.;
9- Razão pela qual, deveria o meritíssimo juiz a quo considerar verificado o incumprimento contratual por parte da R., conducente à aplicação da penalidade acordada, matéria que, aliás, consta da factualidade assente.
10- Quanto aos demais elementos de cálculo dos acertos, foram dados como provados, ou seja: capital seguro, taxa do contrato e encargos;
11- Ora, o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado cabe, nos termos do artigo 342º -2, do Cod. Civil, àquele contra quem a invocação é feita, e entende a A. que a R. não fez prova dos factos de que dependia a procedência da defesa por si apresentada, ou seja: que pagou o valor de € 16.972,52, e que procedeu à entrega, por si ou por via do seu mediador de seguros, das folhas de salários dos seus trabalhadores;
12- No que respeita aos prémios reclamados no âmbito dos contratos de seguro de responsabilidade civil, a A. reclamava acertos dos prémios provisórios, agravados em 20%, relativamente aos anos de 2005, pelo facto de não ter sido comunicado, pela R. à A., o volume de facturação, nos termos das condições particulares, que de resto, no que respeita às condições do contrato, foi matéria confessada pela própria R.,
13- A R. alegou que efectuou a comunicação referida no ponto anterior, e juntou uma folha de rosto de faxes, não demonstrando no entanto, se tais comunicações chegaram ao conhecimento da A., uma vez que não foram juntos, pela R., quaisquer comprovativos dos alegados envios dos mesmos à A.;
14- Entende a A., que face a tal ausência de prova não podia o douto tribunal a quo dar como provada tal comunicação;
15- No entanto, quanto ao ano de 2006, a A. apenas reclamava da R. o pagamento dos acertos de prémio emitidos com base na facturação que havia sido comunicada pela R., facto que esta não contestou;
16- Pelo que, deveria a R. ser condenada no pagamento, à A., de tais valores;
17- Ora, quanto a estes factos não se pronunciou o meritíssimo juiz a quo, em violação do artigo 660º-1 e 2, do C.P.C.;
18- Pelo que, quanto aos factos constantes da conclusão 15ª, há omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo;
19- O tribunal a quo entendeu ainda considerar compensadas as quantias que a R. confessou dever à A., com os valores que a R. alegou ter pago a mais, tendo em conta os seus cálculos quanto aos prémios devidos, sem que, no entanto, tenha invocado qualquer compensação de créditos;
20- Pelo que, ao proceder à compensação dos créditos entre A. e R., o meritíssimo juiz foi além do pedido das partes, em violação do principio do dispositivo, constante dos artigos 3º e 661º, do C.P.C.;
21- Assim, a douta sentença violou os dispositivos legais constantes dos artigos 3º, 660º, 661º do C.P.C., e artigo 342º, do C.C.”
Terminou pedindo a anulação e/ou revogação da Sentença, sendo a Ré condenada como pedido.
8 –
Não houve Contra-Alegações.

II – FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

A –
Da Sentença constam como adquiridos os Factos seguintes:

1 – A A. e a Ré, nas respectivas qualidades de seguradora e de tomador de seguro, celebraram nos termos e nas condições gerais das respectivas apólices, contratos de seguro para os ramos de:
a) – Acidentes de Trabalho – prémio variável, titulado pela apólice M ………, celebrado em 26-06-1999;
b) – Responsabilidade Civil Geral – titulado pelas apólices ………., celebrado em 04-07-1996 e ……….., celebrado em 04-07-1996.
2 – Os contratos de seguro foram celebrados nas datas supra indicadas, pelo período de um ano, renováveis por períodos anuais.
3 – Nos termos da Condição Especial 01, constante das Condições Contratuais Gerais e Especiais para o seguro de acidentes de trabalho, prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários ou ordenados anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo do Segurado estar obrigado a enviar regularmente à Seguradora, as folhas dos salários ou ordenados pagos, sendo sempre efectuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos ordenados ou salários efectivamente pagos.
4 – Nos termos da cláusula supra citada, a falta de envio das folhas de férias por parte do tomador do seguro, a seguradora cobrará, no final de cada anuidade, a título de penalidade, um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório.
5 – A Ré rescindiu o contrato referido em 1, a), supra, em 31-03-2007.
6 – Considerando a referida rescisão do contrato, a A. procedeu à liquidação do prémio em dívida, tendo em conta o período de risco efectivamente decorrido entre 01-01-2007 a 31-03-2007, agravado de 30% de penalidade pela falta das folhas de salários.
7 – Para efeitos de cálculo do prémio devido, agravado com a penalidade contratualmente acordada, a massa salarial foi encontrada da seguinte forma: previsão salarial para o ano: € 300000,00x30%= € 390000,00:12= € 32500,00.
8 – A taxa comercial aplicável ao contrato era de 4,400%.
9 - A A. procedeu, ainda, ao cálculo do prémio relativo à anuidade de 2006, tendo em conta os salários declarados pela Ré até final da anuidade.
10 – A Ré pagou, no decurso da anuidade, prémios de seguro calculados com base na previsão salarial de € 260.000,00.
11 – Nos termos da legislação aplicável ao pagamento de prémios de seguro, os prémios relativos a cada período de vigência dos contratos são devidos na data estabelecida no respectiva apólice, sendo que, contratos em causa, o pagamento dos prémios de seguro devidos pela Ré à A. era efectuado anualmente.
12 – O tomador do seguro obrigava-se, de acordo com as Condições Particulares da respectiva apólice, a enviar à seguradora, até ao final do mês de Março, o respectivo volume de capitais do ano civil anterior.
13 – Em caso de incumprimento daquela obrigação por parte da Ré, o valor do ano civil, para efeitos de acerto, seria encontrado tendo em conta os últimos valores conhecidos, agravados em 20%.
14 – A Ré enviou sempre, no dia 15 de cada mês, as folhas de salários através do mediador de seguros, o Sr. E….
15 – As relações entre a A. e a Ré passavam pela figura do mediador de seguros.
16 – Atendendo às folhas de remuneração dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2007, verifica-se que a massa salarial efectiva foi de € 80.299,86.
17 – O prémio devido, correspondente ao acerto do prémio, era de € 3.533,19.
18 – O que resulta numa diferença de € 255,14 a favor da A. entre o montante de € 3.610,50 euros, liquidado pela Ré e o montante de € 3.533,19, correspondente à realidade dos salários efectivamente declarados pela Ré.
19 – A Ré é devedora da quantia correspondente ao acerto do prémio no montante de € 255,14.
20 – A Ré não recebeu o recibo de acerto em 18-06-2007.
21 - Os prémios trimestrais liquidados pela R. em 2006 ascendem a € 16.972,52.
22 – A Ré pagou, no primeiro trimestre de 2006, o prémio total de € 3.666,52.
23 -… Não obstante o valor correcto ser de € 3.129,10, dando conta ao mediador de seguros.
24. – Nos trimestres subsequentes, o valor efectivamente liquidado pela Ré foi de € 3.129,10.
25 – No último trimestre de 2006, foi apresentado à Ré um recibo de prémio referente à apólice em crise, no montante global de € 3.018,70.
26 - …. Tendo a Ré liquidado aquela quantia.
27 – A Ré pagou a quantia de € 16.972,52, referente à apólice n. ……., do ramo acidentes de trabalho à A., no ano de 2006.
28 – Considerando o valor trimestral correcto para uma massa salarial de € 65.000,00 correspondia a um prémio total de € 3.129,10, verifica-se que, para a massa salarial efectivamente declarada no ano de 2006 – € 34.8021,84 -, equivaleria a um prémio total anual de € 16.753,77.
29 - Existe um crédito a favor da Ré, no montante de € 218,75.
30 – A Ré é devedora da quantia de € 36,39 à A. do acerto do prémio do primeiro trimestre de 2007 e do acerto do prémio anual de 2006.
31 – Em 1-1-2007, a Ré pagou os prémios das duas apólices em causa.
32 – Os efeitos dos contratos de seguro em apreço cessaram em 31-12-2007.
33 – Em 30-3-2006, a Ré comunicou por telecópia o volume de facturação do ano civil de 2005 (decisão quanto ao 33º da Contestação).
34 – E fê-lo para as duas apólices de responsabilidade civil geral (decisão quanto ao 34º da Contestação).
35 – Como também o fez relativamente ao ano civil de 2006 (decisão quanto ao 35º da Contestação).

B -
O Recurso e os Factos

A Recorrente impugna a Decisão de Facto, fazendo-o de forma imperfeita, pois que esta Decisão foi proferida em relação a cada um dos Factos articulados na P. I. e na Contestação, pelo que assim os deveria ter identificado a A., mas, como se entende, a parte decisória que pretende ver decidida de outra maneira, não é rejeitada a impugnação – ver artigo 685º-B, 1, a), do CPC.

A impugnação da Decisão de Facto prende-se com o decidido relativamente aos Factos alegados na Contestação em 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º.
A Recorrente entende que a Decisão de Facto não está correcta, pois que a Recorrida reconheceu que o montante do prémio global referente a 2006, após a correcção salarial, era de € 16.972,52, mas só provou ter pago a quantia de € 12.516,40. Invocou, quanto a este montante pago o depoimento de D….
Porém, dos documentos juntos a fls. 121, 122, 123, 124 e 125, que não foram impugnados pela A. e são recibos emitidos por si, resulta, sem qualquer margem para dúvida, que a Recorrida lhe pagou a quantia de € 16.972,52 relativamente ao ano de 2006 e quanto ao que a Recorrente denomina primeiro contrato.
Por outro lado, a testemunha D…, tal como consta da própria acta da Audiência Final e da gravação do seu depoimento, deixou de trabalhar para a A. em 1998, razão pela qual o seu depoimento só pode ser aproveitado quanto aos esclarecimentos relativos a como se procede aos cálculos em causa, nada sabendo quanto aos Factos em discussão.
Consequentemente, carece de razão a Recorrente quanto a este aspecto.

Por outro lado, insurge-se quanto a ter o Tribunal dado como provado que a Ré comunicou à A. o volume da facturação, quanto aos contratos de responsabilidade civil, pois que não demonstrou que as comunicações chegaram ao conhecimento da A., uma vez que não foram juntos aos autos os comprovativos do envio dos faxes – Decisão quanto aos Factos alegados em 33º, 34º e 35º da Contestação.
De fls. 128, 129, 130 e 131 não resulta estarmos perante faxes, que os mesmos tenham sido enviados e a quem, muito menos que tenham sido recebidos pela A. Nem há nesses documentos um mínimo que nos indique terem, por qualquer modo sido enviados ou elaborados para enviar por telecópia, por forma a esse envio poder vir a ser confirmado por testemunha. Um depoimento sem esse substrato, só por si não pode ter a virtualidade de confirmar que estamos perante faxes e que forma remetidos à Seguradora.
Consequentemente, há que julgar não provados os Factos alegados em 33º, 34º e 35º da Contestação.

Verifica-se outro vício na Decisão de Facto relativamente ao ponto referido como 11 na Sentença que contém matéria de direito, que deve começar em “nos contratos em causa”, o que é imposto pelo artigo 646º, 4, do CPC.

B –

DE DIREITO

A aplicação das regras do ónus de prova, através da interpretação e aplicação dos artigos 342º, 343º, 344º e 345º do CC, é matéria de Direito.

Quanto à aplicação do disposto no artigo 342º do CC, a Recorrente centra-se sobre o seguinte ponto:
a Recorrida, apesar de, relativamente ao ano de 2007, ter conseguido provar que entregou mensalmente as folhas de salários ao mediador do seguro, tinha de alegar e provar que este as entregou à A., o que não fez – ver artigo 342º, 2, do CC.

De acordo com o decidido relativamente ao facto alegado em 6º da Contestação, as relações entre A. e Ré passavam pela figura do mediador de seguros.
Daqui há que concluir que todo o relacionamento entre ambas era levado a cabo através do mediador de seguros.
Era, pois, prática que as declarações de vontade entre ambas e no que concerne aos contratos de seguro em apreço eram transmitidas ao mediador.
Assim, temos de considerar, de acordo com as regras da boa-fé que a entrega mensal das folhas de salário ao mediador de seguros corresponde à entrega à própria A. Constitui um abuso de direito, tal como se encontra previsto no artigo 334º do CC a alegação feita pela Recorrente quanto a esta questão.

Aliás, um dos deveres do mediador é prestar assistência aos contratos em causa, no que se inclui o receber as folhas de salário – ver artigo 29º, d), do D.L. n.º 144/2006, de 31-7, e 8º, b), do D.L. n.º 388/91, de 10-10, que foi revogado por aquele. Este dever, segundo o entendemos não termina no momento da assinatura do contrato, mas enquanto o mesmo durar, podendo, inclusivamente, ser substituído o mediador.

Também nesta questão carece de razão a Recorrente.

A A. pretendeu receber um prémio adicional através da correcção do que estava a ser aplicado. Um dos pressupostos para esta correcção era a falta de envio de elementos por parte da Ré.
Logo, esta falta de envio é um elemento que integra o direito que a A. pretende exercer através desta acção. Invoca que tem direito a receber prémios superiores e a aplicar sanções contratuais por falta desse envio.
Por tal motivo, se é pressuposto de direito, era à A. que incumbia alegar e provar que esse envio não ocorreu – artigo 342º, 1, do CC.
O alegar e provar que, apesar, de enviado, por culpa da A. não foi por esta recebido é que constituiria facto impeditivo.

Desta forma, terá de ser julgada improcedente a acção quanto à pretensão da A. no que respeita à falta das invocadas comunicações.
Pelo que nenhuma consequência jurídica resultou de julgar não provados os Factos alegados em 33º, 34º e 35º da Contestação.

Resta-nos apreciar a questão da compensação.

Ora, a compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o credor[1].
A compensação é uma forma de extinção das obrigações, segunda a qual, quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma natureza, é admissível que as respectivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte[2].
Dispõe o artigo 847º do C. Civil:
"1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção peremptória ou dilatória, de direito material; b) terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida não impede a compensação."
Do artigo 848º, 1, do C. Civil resulta que a compensação não se verifica ipso jure, mas fica dependente da declaração de vontade de uma parte à outra[3].
E pode ser invocada em acção judicial[4].
A compensação justifica-se por economizar dois actos de cumprimento[5].
"Feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis" - artigo 854º do C. Civil.

Mas, esta declaração, segundo a Recorrente, não existiu, nem foi invocada neste processo, pelo que não pode haver lugar a compensação.

A Ré invocou o seu crédito sobre a A. como matéria de excepção. Ao pedir a improcedência da acção, temos de considerar que houve uma declaração tácita, com base em actos concludentes, de vontade de compensação – ver artigo 217º, 1, do CC, declaração que foi levada ao conhecimento da outra parte[6].

III – DECISÃO

Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a Apelação e em confirmar a Sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

SUMÁRIO:
1 - Sendo prática as declarações de vontade entre Seguradora e Tomadora do Seguro serem veiculadas através do mediador, temos de considerar, de acordo com as regras da boa-fé, que a entrega mensal das folhas de salário ao mediador de seguros corresponde à entrega à própria Seguradora.
2 - A Ré, ao invocar o seu crédito sobre a A., como matéria de excepção e ao pedir a improcedência da acção, está a manifestar de forma concludente a vontade de compensação com o crédito invocado pela A., se este se vier a provar, declaração que é levada ao conhecimento da outra parte pela notificação da Contestação.

Porto, 2011-06-27
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
António Manuel Mendes Coelho
Ana Paula Vasques de Carvalho
_________________
[1] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, vol. II, 7ª ed., reimpressão, Almedina, Coimbra, 2001, p. 197.
[2] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, p. 193. Ver, ainda, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000ob. cit. p. 1015; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, vol. 2º, AAFDL, 1994, p. 219, Tratado de Direito Civil Português, II Direito das Obrigações, T. IV, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 361-363, Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 105-120; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e II vol. cits., p. 130.
[3] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 130.
[4] AC. DA RELAÇÃO DE LISBOA, de 13-2-1974, BMJ. 234º, p. 334.
[5] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e II vol. cits., p. 131.
[6] Ver ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da Compensação …, já cit., p. 132.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/e1b8f5ad64115781802578ce004836d4?OpenDocument

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