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domingo, 18 de setembro de 2011

INSOLVÊNCIA, EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 07-07-2011

Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
275/11.0TBBCL-A.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO
PASSIVO
RENDIMENTO

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07-07-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE

Sumário: No regime de exoneração do passivo restante e para efeitos do disposto no art.º 239.º,n.º 3, al. b) (i) (iii) do CIRE, devem considerar-se excluídos do “rendimento disponível” a ceder ao fiduciário para os efeitos do art.º 241 do mesmo diploma, os montantes tidos por razoavelmente necessários para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar até três vezes o salário mínimo nacional, (excepto se, fundadamente, o juiz determinar montante superior) e, bem assim, outras despesas ressalvadas no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.


Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO
Maria… foi declarada insolvente no processo de insolvência, por si instaurado, que corre termos no 3.º Juízo Cível de Barcelos, sob o número 275/11.0TBBCL, tendo requerido que lhe seja concedida a exoneração do passivo restante nos termos do disposto no art.º 235.º do CIRE.
Sobre tal pedido de exoneração foi proferido, na Assembleia de Credores realizada em 24/03/2011, o seguinte despacho liminar:
“Quanto ao pedido de exoneração do passivo, cumprirá pois admiti-lo, ou não, liminarmente, ouvidos que foram os credores e o Administrador de insolvência.
Não existem razões para o indeferimento liminar do pedido. Assim, nos termos do art.º 239.º do CIRE, determino que durante os 5 anos posteriores ao encerramento do processo, o rendimento disponível da insolvente, que vá para além de um SMN (salário mínimo nacional), fique cedido ao administrador da insolvência destes autos (na qualidade de fiduciário).
Durante o pedido de cessão – os referidos 5 anos após o encerramento do processo – a insolvente fica obrigada a observar as imposições previstas no n.º 4 do art.º 239.º do CIRE.”

Posteriormente, em 31 de Março de 2011, veio a insolvente requerer que, com vista ao cálculo do seu rendimento disponível para efeitos de cessão ao fiduciário já designado, se atendesse ás despesas que tem de suportar mensalmente, com renda de casa, luz, água, gás e medicamentos, no montante global mensal não inferior a 486,08, conforme documentos que juntou aos autos.
Não tendo sido alterado o despacho supra referido, proferido na assembleia de credores, dele interpôs recurso de apelação a insolvente, o qual foi recebido, apresentando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:

I - Conforme resulta dos autos, no requerimento/petição inicial em que se apresentou à insolvência, a Recorrente/insolvente requereu a exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto nos art. 235.º e seguintes do CIRE, por estarem preenchidos todos os seus pressuposto, tendo sido proferida sentença em 24/01/2011 que declarou a insolvência de Maria… , aqui Recorrente, e remetido para a assembleia de credores a decisão para o pedido de exoneração do passivo restante.
II - Com vista à determinação do rendimento disponível da insolvente, a Recorrente na petição inicial (documentos números 22 e 23) e em requerimento apresentado em 31/03/2011 com a referência 6872568 (documentos números 1, 2, 3, 4 e 5) fez alusão a uma série de despesas consideradas absolutamente indispensáveis ao sustento da insolvente - designadamente renda de casa, luz, água, medico medicamentosas - devidamente comprovadas através dos referidos documentos, para serem levadas em consideração pelo Meritíssimo Juiz a quo aquando do despacho inicial de exoneração do passivo restante.
III - De acordo com o Relatório apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência, e dos referidos documentos junto aos autos, a devedora é aposentada, aufere uma pensão mensal no valor de 929,22 €, sendo a garante do sustento do agregado familiar (composto por si e um filho maior desempregado), sendo a sua pensão de reforma insuficiente para fazer face às despesas correntes mensais, vivendo com a ajuda de familiares e amigos.
IV - Não se vislumbra, quer da factualidade explanada no Relatório quer dos demais elementos constantes dos autos, que a insolvente tenha omitido qualquer rendimento ou tenha apresentando despesas que não estejam devidamente documentadas, justificadas ou que não sejam absolutamente necessárias à sua sobrevivência, sustento e qualidade de vida minimamente digna, tendo como único e exclusivo rendimento a sua pensão de reforma.
V - Dos referidos documentos facilmente se conclui que a devedora/insolvente/recorrente tem despesas mensais fixas, devidamente comprovadas e justificadas no valor de 486,08 € mensais, ou seja, superiores ao próprio salário mínimo nacional (este salvaguardado no despacho de que se recorre). Sendo que, a manter-se tal despacho (e sendo o salário mínimo nacional salvaguardado até por imposição constitucional) a Insolvente/recorrente não fica um único cêntimo disponível para comprar um simples pão por mês (ou seja, neste caso concreto nem sequer podemos falar em viver abaixo do chamado limiar da pobreza), não estando garantido, nos termos do artigo 239° do C.I.R.E., o sustento minimamente digno da devedora, que deve ser fixado tendo em conta as suas necessidades básicas, pelo menos, em montante correspondente a duas vezes o salário mínimo nacional que a cada momento vigorar.
VI - Resulta do preâmbulo do DL 53/2004, de 18/3, que aprovou o C.I.R.E. o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica (o que a manter-se o despacho dos autos, nunca poderemos falar em reabilitação económica da insolvente). Sendo o denominado princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência acolhido entre nós através do regime da "exoneração do passivo restante". Assim, deve ser dada à insolvente uma nova oportunidade de reabilitação económica, uma vez que tem tido um comportamento, anterior e actual, pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita à sua situação económica (quer quanto aos rendimentos auferidos, quer quanto às despesas devidamente documentadas e constantes dos referidos documentos juntos aos autos) e aos deveres associados ao processo de insolvência.
VII Ora, declarada a insolvência, a Meritíssima Juiz a quo decidiu admitir o pedido de exoneração do passivo restante e considerar como rendimento disponível da insolvente o que vá além do SMN, fazendo tábua rasa das despesas devidamente comprovadas e documentadas (e constantes dos documentos referidos na conclusão II) apresentadas pela Recorrente, e aos demais para apurar o rendimento disponível, designadamente o disposto no nº 3 do art. 239º do C.I.R.E. segundo o qual "integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional e outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor".
VIII - A Recorrente/insolvente já na petição inicial indicou e comprovou as despesas mensais fixas, o que fez também em momento posterior ao despacho inicial de exoneração do passivo restante, por forma a habilitar o tribunal a determinar qual o rendimento a dispor da Insolvente, embora o Tribunal a quo não tivesse atendido, nem feito qualquer referência a tais despesas.
IX- Atenta a letra da lei, não pode deixar de ser entendimento da recorrente que a intenção do legislador foi a de fixar um limite mínimo relativo ao rendimento que entende ser o razoável para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar, tendo em consideração as despesas efectivas, e devidamente comprovadas e documentadas, tendo o legislador adoptado um critério objectivo na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno: três vezes o salário mínimo nacional, embora os rendimentos da Recorrente não atinjam o valor de três salários mínimos e apenas entender como razoável o valor de dois salários mínimos.
X Conforme resulta da lei, designadamente do disposto na subalínea i) e iii), da alínea b), do nº 3 do art. 239º do C.I.R.E., a exclusão aí referida é exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, afirmado no artigo 1º da C.R.P. e aludido também no artigo 59º, nº 1, a) da C.R.P. O reconhecimento do princípio da dignidade humana exige do ordenamento jurídico o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as pessoas o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna. A função interna do património mais não representa que uma aplicação prática deste princípio supra-constitucional, enquanto alicerce da existência digna das pessoas (suporte da sua vida económica e inalienável direito à manutenção de um nível de subsistência condigno), como são os casos dos artigos 239º, nº 3, b), i) e iii) do C.I.R.E. e 824º, nº 1 e 2 do C.P.C. Estas normas têm o mesmo fundamento axiológico – a garantia do sustento minimamente digno das pessoas, que em última instância é a defesa da dignidade humana.
XI Na execução universal em que a insolvência se traduz, e no caso particular em que é requerida a exoneração do passivo restante, estabelece a lei o princípio de que todos os rendimentos que advenham ao devedor constituem rendimento disponível, a ser afecto às finalidades previstas no art. 241º do C.I.R.E., excluindo, porém, desse rendimento disponível – e logo dessa afectação do património do devedor ao cumprimento das obrigações para com os seus credores – o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
XII Ora, entre os dois regimes existe uma diferença a realçar: enquanto a norma do C.P.C. (justificada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional que veio a declarar, no Acórdão nº 177/2002, publicado no DR I série em 2 de Julho, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resultava da conjugação do disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 2 do art. 824 do C.P.C. então vigente, na parte em que permitia a penhora até um terço das prestações periódicas pagas ao executado que não fosse titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda) estabelece para a impenhorabilidade dos rendimentos do executado, um limite mínimo objectivo indexado ao salário mínimo nacional, já a norma do C.I.R.E. não menciona qualquer limite mínimo objectivo, aludindo antes a um conceito indeterminado – o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado.
XIII A norma (artigo 239º do C.I.R.E.) visa salvaguardar o sustento minimamente condigno do devedor, no confronto com legítimos interesses da universalidade dos seus credores. Para a definição desse mínimo necessário ao sustento digno do devedor, o legislador optou por utilizar um conceito aberto, a ser densificado pela peculiaridade e singularidade da situação única do devedor (tendo em conta os seus rendimentos e as suas despesas mensais fixas e devidamente comprovadas e documentadas nos autos).
XIV - No caso dos presentes autos, entendeu-se adequado fixar, como sustento minimamente digno da Recorrente/insolvente, o montante correspondente ao salário mínimo nacional que a cada momento vigorar (que é o valor mínimo fixado em qualquer processo independentemente das despesas apresentadas garantido constitucionalmente), como se a Recorrente não apresentasse e justificasse a existência de despesas mensais fixas absolutamente necessárias à sua vivência com o mínimo de dignidade humana.
XV Ora, a Recorrente apresentou razões e forneceu elementos que, em concreto, põem em causa a razoabilidade do critério acolhido na decisão recorrida e que deveria ser outra que considerasse indispensável ao sustento minimamente digno da insolvente o valor correspondente a duas vezes o salário mínimo nacional.
XVI - A exclusão a que alude o artigo 239º nº 3 tem a ver com aquele montante que seja razoavelmente necessário às necessidades e exigências que a subsistência e sustento coloca à Requerente/insolvente. Por isso, tem sempre de ficar de fora do “rendimento disponível” a ceder, uma parte do rendimento do devedor/insolvente suficiente e indispensável a poder suportar economicamente a sua existência e do seu agregado familiar, tais como as despesas devidamente comprovadas e que no caso dos autos dizem respeito à renda de casa, luz, água, gás e medico-medicamentosas. Ora, se tais despesas não forem consideradas a Recorrente/insolvente terá que "ir viver para debaixo da ponte", pois o seu rendimento disponível nem sequer é suficiente para fazer face às despesas apresentadas e comprovadas documentalmente. Em suma, não lhe resta o valor suficiente para comprar um único pão por mês (cerca de quinze cêntimos).
XVII - Naturalmente que tendo o legislador empregue a expressão “do que seja razoavelmente necessário” envolverá sempre um juízo e ponderação casuística do juiz relativamente ao montante a fixar. Porém, uma vez que o artigo 239º do CIRE alude ao sustento minimamente digno, não só do devedor mas também do seu agregado familiar, apelando e fazendo eco da denominada “cláusula do razoável” e do “princípio da proibição do excesso”, tendo em conta a pensão de reforma da recorrente e as suas despesas devidamente comprovadas e documentadas, deve determinar-se que, durante o período da cessão que a insolvente receba o equivalente a duas vezes o salário mínimo nacional.
XVIII Ora, o Tribunal a quo determinou a cessão de todo o rendimento disponível da insolvente que vá além do SMN ao administrador de insolvência, sem qualquer fundamentação ou atenção para os elementos probatórios constantes nos autos e conforme as circunstâncias concretas e peculiares do devedor, em clara violação da lei. Contudo, o artigo 239º, nº 3, do C.I.R.E. contém uma exigência adicional de fundamentação (que só pode ser entendido como exigência de uma fundamentação acrescida ou suplementar), aliás uma exigência de fundamentação comum a todas as decisões judiciais, nos termos do artigo 158º do C.P.C.
XIX Concluindo, no regime de exoneração do passivo restante e para efeitos do disposto no art. 239º nº 3 b), i) e iii) do C.I.R.E., devem considerar-se excluídos do rendimento disponível os montantes tidos por razoavelmente necessários para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, considerando-se todas as despesas devidamente documentadas e comprovadas apresentadas pelo devedor.
XX Pelo que, o Meritíssimo Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação do preceito contido nas subalíneas i) e iii) da alínea b) do nº 3 do art. 239º do C.I.R.E., sendo o douto despacho recorrido passível de censura. O entendimento expresso no douto despacho recorrido, que determinou a cessão de todo o rendimento disponível da insolvente que vá além do SMN ao administrador de insolvência, sem qualquer fundamentação ou atenção para os elementos probatórios constantes nos autos e conforme as circunstâncias concretas e peculiares do devedor fazendo tábua rasa de toda a documentação junta, é injusto, infundado, desequilibrado e aplicou incorrectamente a “cláusula do razoável’.
XXI- Assim, e conforme resulta da motivação do presente recurso, entende-se ser o douto despacho passível de censura, impondo-se a sua revogação.

Não foram apresentadas contra alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO
Objecto do recurso.
Tendo em conta que o objecto do presente recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, a questão a decidir é a de saber em que montante deve ser fixado o rendimento disponível que a insolvente venha a auferir nos cinco anos subsequentes ao encerramento da insolvência, para efeitos de cedência ao fiduciário designado pelo tribunal a quo, tendo em conta que foi liminarmente deferido o seu pedido de exoneração do passivo restante.

Para além do circunstancialismo fáctico processual descrito no relatório, dos documentos juntos aos autos de insolvência pela Insolvente, quer com a petição inicial (contrato de arrendamento e recibo de renda, comprovativo do montante da pensão auferida) quer com o requerimento de 31 de Março de 2011, (facturas de água, electricidade, e gás em nome da insolvente, declarações de farmacêutica e atestado médico) resultam provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa e que agora se elencam ao abrigo do disposto no art.º 712.º n.º 1 al. b) do CPC:
A insolvente Maria… está aposentada recebendo uma pensão de reforma no valor líquido de € 928,22;
Vive em casa arrendada, pagando de renda, mensalmente, a quantia de € 300,00;
Paga em média cerca de € 62 em água, electricidade e gás;
Encontra-se em tratamento médico permanente há cerca de seis anos, gastando mensalmente € 124,34 em medicamentos.


O DIREITO APLICÁVEL
Como resulta do disposto no artº 235º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante designado como CIRE), pode ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
Conforme se refere no preâmbulo do referido diploma "o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do “fresh start” para as pessoas singulares de boa fé em situação de insolvência e já aplicado noutros países, particularmente nos EUA, tem assim acolhimento no CIRE através do regime da exoneração do passivo restante, regulado nos art.ºs 235.º e seguintes.
De acordo com o regime estabelecido neste código, se o pedido de exoneração for efectuado em processo de insolvência instaurado por iniciativa do insolvente, deverá sê-lo na petição inicial para declaração de insolvência ( cfr artº 236º nº 1).
A concessão de efectiva exoneração do passivo restante pressupõe que não exista motivo para o indeferimento liminar, ( cfr artº 237º), estabelecendo-se os fundamentos que determinam tal indeferimento ( art.º 238.º).
Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido despacho inicial na assembleia de apreciação do relatório ou nos 10 dias subsequentes, devendo tal despacho determinar que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento da insolvência, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considere cedido a fiduciário escolhido pelo tribunal (art.s 239.º n.ºs 1 e 2) para os fins do art.º 241.º .
O n.º 3 do art.º 239, por sua vez, dispõe que integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advêm ao devedor após o despacho inicial, qualquer que seja a sua fonte, que não estejam incluídos nas exclusões das alíneas a) e b) desta norma, a saber:
a) Os créditos a que se refere o art.º 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i)O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.

No caso concreto, a insolvente, na sua petição inicial, requereu que lhe fosse concedida a a exoneração do passivo restante. Nessa petição, alegou quais os rendimentos que auferia e, bem assim, as suas despesas (com renda de casa, que comprovou documentalmente, medicamentos, alimentação e vestuário, que estimou em € 150).
No despacho inicial que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante decidiu-se que a insolvente deveria ceder ao fiduciário designado, o rendimento disponível que viesse a auferir para além do salário mínimo nacional, actualmente com o valor (bruto) de €485. Contudo, de tal decisão não constam quaisquer factos que a fundamentem, designadamente aqueles que a insolvente alegou na petição inicial quando á sua situação económica. Também não foram ponderados os factos posteriormente alegados pela insolvente quanto a tal situação, (na sua maior parte os já alegados na petição inicial) com junção de documentos para a sua prova, o que se impunha, tendo em conta o disposto no art.º 239.º n.º 3 al b), iii.
Não obstante a dita falta de fundamentação invocada pela apelante nas suas alegações, o que configura nulidade do despacho recorrido ( art.º 668.ºn.º 1 al. b) do CPC), cabe a este tribunal conhecer do objecto do recurso, ( art.º 715.º n.º 1 do CPC) isto é, determinar o rendimento disponível que a insolvente venha a auferir a fim de ser cedido ao fiduciário para os efeitos do art.º 241.º do CIRE.
Para tanto, importa saber qual o montante do rendimento auferido pela insolvente que possa assegurar o que seja razoavelmente necessário para o seu sustento em condições de dignidade mínima, pois só o rendimento que exceda esse montante pode considerar-se “disponível”.
Na interpretação que entendemos ser a mais correcta, do disposto na al. b) i) do n.º 3 do art.º 239 do CIRE, resulta que “…o legislador estabeleceu dois limites: um mínimo, avaliado por um critério geral e abstracto – o sustento minimamente condigno do devedor e seu agregado familiar – a preencher pelo juiz em cada caso concreto, conforme as circunstâncias particulares do devedor; e um limite máximo obtido através de um critério quantificável e objectivo – o equivalente a três salários mínimos nacionais –, o qual, excepcionalmente, poderá ser excedido em casos que o justifiquem.
Assim, e no concerne à determinação do que deva considerar por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, a opção legislativa passou pela utilização de um conceito aberto, a que subjaz o reconhecimento do princípio da dignidade humana, necessariamente assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar face às particularidades da situação concreta do devedor em causa, impondo-se, uma efectiva ponderação casuística no juízo a formular no que respeita à fixação do quantitativo excluído da cessão dos rendimentos.” Cf. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/04/2011, proferido no processo n.º 1359/09TBAMD, relatado pela Desemb. Ana Resende.


Já no art.º 824.º do CPC, invocado pela apelante, estabelece-se um limite máximo de impenhorabilidade (dos 2/3 fixados no nº 1). O que a lei garante (fora dos casos de crédito de alimentos, de outros rendimentos do executado e da situação prevista no nº 7 do mesmo artigo) é a impenhorabilidade do rendimento auferido inferior ao salário mínimo nacional; isto é, o que se garante, em regra, é este rendimento mínimo.
Ora, ponderando as despesas alegadas e provadas documentalmente pela ora apelante, somos de entender que as que se referem à habitação, renda de casa no valor mensal e € 300, água, luz e gás, no valor mensal de cerca de € 62, se reportam precisamente ao mínimo indispensável para assegurar uma existência digna. Acresce que, os valores em causa se afiguram razoáveis, tendo em conta o custo de vida no nosso país.
Por outro lado, o valor estimado pela apelante na sua petição inicial para fazer face às despesas mensais de alimentação transportes e vestuário, € 150,00, está longe de ser exagerado, afigurando-se também adequado e razoável para que a insolvente viva com um mínimo de dignidade.
Devem ser também relevadas as despesas com medicamentos, necessários a tratamento médico permanente da insolvente, no valor mensal de € 124,34.
Assim, ascendendo tais despesas ao montante de € 636,34, o rendimento “disponível” será aquele que a insolvente venha a auferir durante os cinco anos subsequentes ao encerramento da insolvência que exceda tal montante.
Deve pois proceder parcialmente o requerido, uma vez que, em face do exposto, não se justifica a “exclusão” do valor correspondente a dois salários mínimos tal como pretendido pela apelante.

III – DECISÃO
Por tudo o exposto acordam os juízes que constituem esta secção cível em julgar a apelação parcialmente procedente, determinando-se que, nos termos do disposto no art.º 239.º n.ºs 2 e 3 do CIRE, durante os 5 anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência em causa, o rendimento disponível da insolvente Maria Manuela Lopes Cortez, que exceda o montante mensal de € 636,34, seja cedido ao administrador da insolvência designado fiduciário nos mesmos autos, mantendo-se, no mais, o despacho recorrido.

Custas pela apelante tendo em conta o seu decaimento, sem prejuízo do AJ concedido.
Notifique.
Guimarães,7 de Julho de 2011
Isabel Rocha
Manuel Bargado
Helena Melo

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/cf88ef247fa9e9c0802578d800384356?OpenDocument

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