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domingo, 11 de setembro de 2011

COACÇÃO MORAL, SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 30-06-2011

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4887/07.8TTLSB.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: COACÇÃO MORAL
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 30-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO

Sumário: I. Não se verifica a figura da coacção moral, prevista no art.º 255.º do Código Civil, quando a trabalhadora, após ter enviado à ré uma carta a alertar para o facto de poder cometer erros, caso fosse colocada nas funções de caixa, vem posteriormente a subscrever uma declaração em conjunto com a entidade empregadora, onde aceita a mudar a sua categoria profissional para a de “caixa”, se não se prova que o tenha feito para a evitar a produção de algum mal com que a ré a tenha ameaçado.
II. Mesmo admitindo que a autora possa ter assinado a dita declaração para não desagradar à ré, sua empregadora, tendo em conta as vicissitudes porque passara a relação laboral, essa hipótese, quanto muito, configuraria um simples temor reverencial, não constituindo coacção moral, como resulta expressamente do n.º 2 do citado art.º 255.º.
III. Embora admitindo que a taxa de juros adicional prevista no art.º 829.º-A, n.º 4, do Código Civil se reporta à generalidade das obrigações pecuniárias, a mesma, porque é de aplicação automática, depende da condenação ser em quantia certa e determinada.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório

A, intentou acção emergente de contrato de trabalho que sob a forma de processo comum contra B, SA, (…), pedindo:
a) a declaração de nulidade, por falta de vontade ou coacção moral da declaração da Autora a aceitar o aumento de carga horária de 35 para 37,5 semanais;
b) a condenação da Ré a pagar à Autora meia hora diária (2,5 horas por semana), com acréscimo de 50% relativamente à retribuição horária normal, a título de trabalho prestado para além do horário, totalizando 3.516,91€;
c) a declaração de nulidade, por falta de vontade ou coacção moral, da declaração de aceitação das funções de caixa, assinada pela Autora em 2005;
d) a declaração de invalidade, por falta de fundamento, das duas repreensões aplicadas à Autora, que se traduziram em assédio laboral;
e) a declaração de ilicitude, por vícios formais, do despedimento da Autora;
f) subsidiariamente, a declaração de ilicitude do despedimento, por vícios substanciais e falta de justa causa;
g) a condenação da Ré a pagar à Autora as retribuições relativas aos meses de Setembro de 2007 e Outubro de 2007, totalizando (2mx 940,74)= 1.880,00€ e bem assim férias, subsídio de férias e subsídio de Natal e respectivos proporcionais e as prestações vincendas até final;
h) a condenação da Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho como trabalhadora efectiva, sem perda de antiguidade, na plenitude das funções correspondentes à sua categoria profissional de “escriturária de 1ª” ou, em alternativa, à escolha da Autora, a pagar a indemnização legal por antiguidade, correspondente, no mínimo, a 45 dias de retribuição de base por cada ano ou fracção de tempo de serviço (796,58 x 1,5 x 20 anos), que totaliza, à data, 23.087,40€;
i) a ser julgado abusivo o despedimento, a indemnização deve corresponder a dois meses (60 dias) de retribuição por cada ano ou fracção do tempo de serviço, o que totaliza, à data, 30.783,20€;
j) a condenação da Ré a pagar a quantia de 30.000,00 pelos danos morais decorrentes do despedimento;
l) a condenação da Ré a suportar e efectuar a quem de direito, os descontos para a Segurança Social e proceder e pagar as retenções fiscais por força da relação laboral a que está legalmente obrigada, tal como se a Autora nunca tivesse sido despedida;
m) subsidiariamente, se se entender que o Tribunal não tem competência para condenar a Ré a efectuar os descontos e as retenções fiscais, a condenação da Ré, caso não efectue voluntária e atempadamente os descontos e retenções, a indemnizar a Autora por todos os prejuízos passados, presentes e futuros que a omissão desses descontos e / ou retenções venha a provocar na sua esfera jurídica (nomeadamente, eventuais reduções nos montantes dos subsídios e / ou pensões a que a Autora teria direito se tais descontos ou retenções tivessem sido integral e pontualmente efectuados pela Ré, a apurar em execução de sentença;
n) a condenação da Ré a pagar à Autora uma indemnização correspondente a todas as despesas de saúde que a Autora tenha feito depois do despedimento, e /ou em que venha a incorrer até à sua reintegração, valor que a Autora estima superior a 50,00€ por mês, a liquidar em execução de sentença e em todas as despesas com a presente lide, designadamente com técnicos, peritos, testemunhas, deslocações, mandatários judiciais e solicitadoria, a sair da conta de custas (ou a liquidar a final em caso de condenação como litigante de má fé).
o) a condenação nos juros de mora contados desde a data do vencimento das prestações até efectivo pagamento, tratando-se de prestações periódicas ou com vencimento certo como (é o caso das retribuições) e que actualmente ultrapassam 20,00€ ou contados desde a citação, sendo prestações que só se liquidem no decurso da acção, como é o caso das indemnizações;
p) a capitalização dos juros decorrido que seja um ano sobre o seu vencimento (artº 560º, nº 1 do Código Civil) e assim sucessivamente, ano a ano e prestação a prestação, sem necessidade de nova interpelação, até integral pagamento;
q) os pagamentos serão efectuados mediante depósito ou transferência bancária para a conta bancária da Autora, tal como a Ré paga habitualmente os vencimentos;
r) caso a Ré não cumpra pontual e integralmente a sentença, a sua condenação a pagar, por cada dia de incumprimento, ou de cumprimento defeituoso, a título de sanção pecuniária compulsória:
r´) relativamente à reintegração, uma multa diária compulsória de 300,00 € por cada dia;
r´´) relativamente às prestações pecuniárias que a sentença venha a fixar, a sanção pecuniária prevista no n.º 4 do art.º 829.º- A do Código Civil, correspondente à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença transitar em julgado, a qual acrescerá automaticamente aos juros de mora legais ou indemnização a que houver lugar.

A ré contestou pugnando pela sua absolvição do pedido.

Teve lugar o julgamento, tendo-se respondido à matéria de facto, alvo de reclamação atendida.

Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente, e consequentemente:
a) declarado ilícito o despedimento da Autora porque não se verifica qualquer conduta que possa configurar justa causa de despedimento;
b) condenada a Ré a pagar ao Autor a importância, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor das retribuições, incluindo de férias e os subsídios de férias e de Natal, que a Autora deixou de auferir desde 2 de Outubro de 2007 até trânsito em julgado da sentença, deduzida do montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento;
c) condenada o a Ré a reintegrar a Autora ao seu serviço, no seu local de trabalho e com a categoria, vencimento e antiguidade que lhe competirem;
d) condenada a Ré no pagamento de uma multa diária compulsória de 200,00€ (duzentos euros) por cada dia de atraso na reintegração da Autora.
e) condenada a Ré a pagar os juros de mora, às taxas legais, computados desde o vencimento de cada parcela até integral pagamento.
No demais vai a Ré absolvida”.
Inconformada com a sentença dela recorre de apelação a autora, arguindo nulidades e concluindo, em suma, que ocorreu coacção moral da autora devendo anular-se o acordo de alteração das funções; deve a mesma ser reintegrada na ré como escriturária, bem como a ré condenada a pagar na modalidade referida as retribuições intercalares e os juros capitalizados, devendo esta ainda ser condenada em indemnização por danos morais, bem como em sanção pecuniária compulsória e como litigante de má fé.

A ré respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento; e requereu a ampliação do objecto do recurso, pois refere, a autora cometeu um crime de furto e um crime de abuso de confiança, constituindo o seu comportamento justa causa de despedimento, devendo ser a sentença revogada na parte em que considerou ilícito o despedimento.

Foi observado o art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, recebido o recurso e dispensados os vistos legais com a anuência dos Exmos. Adjuntos.

2. Matéria de Facto
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
1.A Ré é uma empresa que se dedica a distribuir e / ou comercializar produtos de consumo corrente, alguns produzidos em Portugal e outros importados.
2.Em Setembro de 1987, a Ré admitiu a Autora para trabalhar ao seu serviço e sob as suas ordens e instruções, a fim de exercer funções de escriturária, mediante contrato a termo de seis meses.
3.Ficou acordado que a Autora prestaria serviço no estabelecimento da Ré, sito inicialmente na Rua (…) em Lisboa.
4.E depois de 1988, sito na Rua (…), em Lisboa.
5.Inicialmente a Autora trabalhava de Segunda a Sexta Feira, das 9h às 18h30, com intervalo para almoço entre as 13h e as 15h, num total semanal de 37h30.
6.Por volta de 1997, os trabalhadores da Ré passaram a trabalhar das 9h às 18h, com intervalo das 13h às 14h30, num total semanal de 37h30.
7.A Autora recebia uma remuneração mensal pelo seu trabalho inicialmente no valor base de 42.350$00, pagável em 15 prestações anuais, incluindo subsídio de férias e de Natal, e um subsídio de alimentação por cada dia útil de trabalho efectivo.
8.Dão-se aqui por reproduzidos os recibos de vencimento juntos aos autos a fls. 34 a 40, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9.Em Fevereiro de 2007, a Autora auferiu a quantia de € 796,58 a título de remuneração base, a quantia de € 88,66 a título de subsídio de alimentação, a quantia de € 50,50 a título de subsídio de transporte, tendo descontado a título de segurança social a quantia de € 93,30 e de IRS a quantia de € 55,00.
10.A Autora tinha a categoria de 1ª escriturária.
11.Cabia à Autora:
a) preparar correspondência com fornecedores;
b) conferir facturas de fornecedores e pagamentos de alguns destes fornecedores;
c) conferir as correspondentes contas correntes;
d) listava as dívidas a cobrar pela Ré;
e) proceder a reconciliações bancárias;
f) lançava pagamentos a clientes;
g) entregar documentos (nas finanças, correios, conservatórias e bancos).
12.Por volta de 1997 ou 1998, a Autora substituiu, nas funções de caixa, a colega que exercia tais funções durante o período de férias desta.
13.Em 2000 a Autora submeteu-se a diversas consultas médicas e medidas de diagnóstico do foro oncológico.
14.O que debilitou a Autora e deu origem a faltas ao trabalho.
15.Em Março de 2001, a ora Autora foi notificada de um auto de notícia datado de 5 de Março de 2001, junto aos autos a fls. 242 a 244 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16.A Autora respondeu nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 245, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17.A Ré aplicou à Autora uma repreensão.
18.A Autora ficou muito deprimida.
19.No ano de 2001 a Autora ficou de baixa psiquiátrica.
20.Finda a baixa a Autora continuou a trabalhar na Secção de Contabilidade.
21.A Autora continuou a ser seguida em psiquiatria e medicada com anti-depressivos.
22.Em de Março de 2004 a Autora recebeu a nota de culpa junta a fls. 262 a 267, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
23.A Autora respondeu nos termos constantes do documento junto aos autos a fls.268 a 263, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
24.Tendo-lhe sido aplicada uma sanção de repreensão registada.
25.Alturas houve em que à Autora foi ordenado que colasse lombadas em caixas de arquivo.
26.Alturas houve em que à Autora foi ordenado que rasgasse papel velho.
27.A Autora encontrava-se em estado depressivo, com ideias suicidas, passando a tomar anti-depressivos mais fortes.
28.Em princípios de 2005, a Autora soube que a Ré tencionava colocá-la a exercer as funções de caixa.
29.A Autora enviou então à Ré a carta datada de 22 de Abril de 2005, junta aos autos a fls. 70, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que a Ré recebeu.
30.A Autora sofria de angústia, desespero, insónia, ideação suicida, lentificação psicomotora.
31.As funções de caixa implicavam que a Autora tivesse que lidar mensalmente:
a) recebimentos mensais superiores a € 80.000,00;
b) pagamentos semanais na ordem dos € 15.000,00.
32.Enquanto caixa cabia à Autora efectuar alguns pagamentos em dinheiro, a saber a uma Técnica avençada que fazia o controle de qualidade dos produtos e recebia mensalmente a quantia de € 300,00.
33.A Ré não respondeu à carta da Autora, carta essa datada de 22 de Abril de 2005 e junta aos autos a fls. 70.
34.Em 29 de Julho de 2005 a Ré apresentou à Autora um documento designado por “Acordo de Alteração de Categoria Profissional e de Funções”, junto aos autos a fls. 74 e 75 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e que foi elaborado pela Ré sem intervenção da Autora.
35.Tendo a Autora nele aposto a sua assinatura.
36.A Autora não é jurista.
37.A Autora respondia perante o Chefe da Contabilidade, C.
38.Entre 27 de Dezembro de 2006 e 6 de Janeiro de 2007, a Autora esteve em gozo de férias.
39.Na véspera, 26 de Dezembro de 2006, ao final do dia, a Autora na presença do Chefe da Contabilidade C conferiu a caixa, documento por documento, não sendo encontrada qualquer anomalia.
40.No dia 27 de Dezembro de 2006, de manhã, a Autora procedeu à passagem da caixa à empregada que a substituiria, D.
41.Esta conferiu a caixa, documento por documento, antes de a receber, não sendo encontrada qualquer anomalia.
42.Durante as férias da Autora a caixa esteve sempre à guarda de D.
43.Em 8 de Janeiro de 2007, quando a Autora se apresentou ao serviço foi-lhe comunicado que durante as férias da Autora tinham sido encontrados em caixa dois vales de € 700,00 cada, ambos assinados por E, negando este ter recebido o vale mais antigo.
44.A Autora referiu que aquando da conferência da caixa antes do seu período de férias não existiam aqueles dois vales.
45.A Ré exigiu à Autora a emissão de um vale no montante de € 700,00 a descontar no seu vencimento.
46.Intimidada a Autora, em 9 de Janeiro de 2007 escreveu um vale junto aos autos a fls. 76, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e cujo conteúdo foi sugerido pelo sócio gerente da Ré, F que, pelo seu próprio punho escreveu a expressão “em falta na caixa” e que foi depois copiado pela Autora.
47.Em 24 de Janeiro de 2007 a Autora recebeu carta datada de 22 de Janeiro de 2007, junta aos autos a fls. 78 e 79, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, acompanhada da nota de culpa junta aos autos a fls. 81 a 87, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
48.A Autora apresentou a sua resposta junta aos autos a fls. 88 a 93, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
49.A 28 de Fevereiro de 2007 a Autora recebeu um aditamento à nota de culpa, junto aos autos a fls. 96 a 100, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
50.A Autora não respondeu a esse aditamento.
51.A Autora esteve de baixa médica psiquiátrica no período de 23 de Fevereiro de 2007 a 6 de Março de 2007.
52.A 3 de Maio de 2007 a Autora recebeu a decisão de despedimento junta aos autos a fls. 103 a 115, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
53.Antes de 2001, a Autora nunca tinha sido sujeita a qualquer processo disciplinar.
54.A Autora era pessoa estimada e respeitada entre os colegas e as pessoas que com ela privavam.
55.A Autora era considerada zelosa, cumpridora e honesta.
56.Depois do primeiro processo disciplinar, a Autora tem vivido em grande tristeza, angústia e depressão psicológica.
57.A Autora encontra-se desempregada.
58.A Autora aufere subsídio de doença.
59.A Autora tem a seu cargo dois filhos.
60.A Autora suporta todas as despesas da casa.
61.A Autora encontra-se de baixa.
62.Constitui prática da empresa, no início de cada semana de trabalho, entregar aos motoristas que para si trabalham, uma quantia em dinheiro para fazer face às despesas semanais, decorrentes do exercício das suas funções.
63.Sendo o dinheiro retirado de uma caixa existente no estabelecimento da Ré.
64.Por cada quantia entregue é depositado na caixa um vale que documenta a saída desse valor.
65.Posteriormente, os motoristas entregam os documentos comprovativos das despesas realizadas e o excedente do dinheiro, caso exista.
66. O excedente do dinheiro é colocado na caixa.
67. Os documentos comprovativos das despesas realizadas são enviados para a contabilidade.
68. Uma vez justificadas as despesas, o vale é retirado da caixa e entregue ao funcionário respectivo.
69. Sendo reposta a quantia gasta pelo trabalhador.
70. A Ré exige que cada trabalhador apenas tenha um vale em caixa.
71. No âmbito das suas funções compete à Autora executar este procedimento, controlando a entrega dos comprovativos das despesas bem como os valores e dinheiros em caixa.
72. Durante o período de férias da Autora, quando esta estava a ser substituída por D e já depois da caixa ter sido conferida pela Autora e por esta, D apresentou ao seu chefe G dois vales de despesas, no valor de € 700,00, em nome do motorista E que referiu encontrarem-se na caixa.
73.Um desses vales estava datado de 27 de Novembro de 2006 e outro de 18 de Dezembro de 2007.
74.Tais vales foram emitidos pelo funcionário e assinados pela Ré.
75.Incumbe à Ré, no âmbito da rotulagem, a descrição de determinados ingredientes, a classificação das substâncias e a tradução para o português de todos os ingredientes.

3. O Direito
De acordo com o preceituado nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], aplicáveis ex vi do art.º 1.º, n.º 2, alínea a) e art.º 87.º do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Assim, as questões que as partes colocam à nossa apreciação são as seguintes:

A) Recurso da autora:
1. Nulidades da sentença
2 Nulidade por omissão de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
3. Erro de direito na absolvição da ré do pedido subsidiário
4. Anulação do acordo firmado entre as partes
5. Reintegração da autora nas funções de caixa
6. Pagamentos devidos à autora
7. Capitalização dos juros
8. Indemnização por danos não patrimoniais
9. Sanção pecuniária compulsória
10. Má fé da ré

1. Das nulidades da sentença
Sustenta a autora que a sentença é nula por excesso de pronúncia e por contradição entre a decisão e a petição inicial (art.º 668.º, n.º1 alíneas d) e c), do CPC).
Diz, para tanto, que tendo-se decidido positivamente no despacho saneador pela competência em razão da matéria, não se podia reapreciar a (in)competência do tribunal em sede de sentença (no que concerne aos descontos para a segurança social e as retenções fiscais), sob pena de violação do caso julgado formal.
Não assiste razão à autora. Na verdade, conforme resulta dos autos, no despacho saneador o Mmo. Juiz limitou-se a proferir uma declaração genérica ou “tabelar”, tendo apenas dito, para o que aqui releva, que o “tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia”; ou seja, não conheceu concretamente daquela problemática no sentido de a resolver em determinado sentido. É sabido, que a declaração genérica contida no despacho saneador não faz caso julgado formal, como decorre do art.º 510.º, n.º 3 e já resultava do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 27.11.91, DR II Série de 11.1.92 que interpretou o art.º 104.º do CPC. Deste modo, podia o tribunal na sentença conhecer da referida questão, indeferindo-se a arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Invoca ainda a autora que a sentença é nula em virtude de existir contradição entre a decisão e a petição inicial, porquanto se absolveu a ré da instância relativamente ao pedido subsidiário por se ter considerado que a autora não concretizou qualquer facto em que se traduziram os prejuízos decorrentes da omissão dos descontos e das retenções fiscais pela ré, bem como as despesas de saúde em que incorreu ou incorrerá. Como refere Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Lisboa, pág. 195, ocorrerá a nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do art.º 668.º (oposição dos fundamentos com a decisão), quando ocorra contradição “no processo lógico, das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir”. Se bem atentarmos na sentença recorrida, não existe qualquer incoerência ou contradição entre as premissas e a conclusão extraída pelo julgador (silogismo), que no presente caso se limitou a concluir não existirem factos em que se concretizassem os alegados prejuízos decorrentes da omissão dos referidos descontos e ou retenções. Poderá ocorrer eventual erro de julgamento, mas não a referida nulidade da sentença que, como tal, se indefere.

2. Da nulidade por omissão de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial
Sustenta ainda a autora que, no caso de faltarem ou serem insuficientes os factos alegados àquele título, podia e devia ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando a autora a aperfeiçoar ou completar o seu pedido na parte visada. O convite ao aperfeiçoamento dos articulados está previsto no art. 27.º n.º 1, alínea b), Código de Processo do Trabalho e destina-se a completar e corrigir os articulados quando no decurso do processo se reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, e não a suprir a falta de alegação dos factos pertinentes tanto para a acção como para a defesa. Ora, mesmo a admitir-se, por hipótese, que ocorreu falta de cumprimento do preceituado no citado citado art.º 27.º, alínea b), do CPT, deveria a autora ter reagido mediante reclamação perante o tribunal a quo, por omissão de formalidade que a lei prevê, como decorre dos arts. 201.º e seguintes, e se esta fosse indeferida, então poderia haver recurso dessa decisão. Não o tendo feito, julga-se improcedente a nulidade arguida.

3. Do erro de direito na absolvição da ré do pedido subsidiário
A autora peticionou a condenação da ré a suportar e efectuar a quem de direito, os descontos para a Segurança Social e proceder e pagar as retenções fiscais por força da relação laboral a que está legalmente obrigada, tal como se a Autora nunca tivesse sido despedida;
Subsidiariamente, se se entender que o Tribunal não tem competência para condenar a Ré a efectuar os descontos e as retenções fiscais, a condenação da ré, caso não efectue voluntária e atempadamente os descontos e retenções, a indemnizar a Autora por todos os prejuízos passados, presentes e futuros que a omissão desses descontos e/ou retenções venha a provocar na sua esfera jurídica (nomeadamente, eventuais reduções nos montantes dos subsídios e/ou pensões a que a Autora teria direito se tais descontos ou retenções tivessem sido integral e pontualmente efectuados pela ré, a apurar em execução de sentença (sublinhados nossos).
- a condenação da Ré a pagar à Autora uma indemnização correspondente a todas as despesas de saúde que a Autora tenha feito depois do despedimento, e /ou em que venha a incorrer até à sua reintegração, valor que a Autora estima superior a 50,00€ por mês, a liquidar em execução de sentença e em todas as despesas com a presente lide, designadamente com técnicos, peritos, testemunhas, deslocações, mandatários judiciais e solicitadoria, a sair da conta de custas (ou a liquidar a final em caso de condenação como litigante de má fé).
Na sentença recorrida considerou-se que a autora não concretizou qualquer facto em que se traduziram ou traduzem os prejuízos decorrentes da omissão desses descontos e das retenções fiscais da ré, tendo-se absolvido a ré da instância.
A autora insurge-se contra essa decisão, referindo que o tribunal dispunha de factos suficientes para apreciar o pedido indemnizatório e deferi-lo, pois com o despedimento e cessação das respectivas retribuições brutas e líquidas, os descontos para a segurança social e retenções fiscais ficam comprometidas e que o valor da reforma depende do valor dos descontos efectuados (ou não) pela entidade patronal. Quanto aos danos futuros os mesmos correspondem às diferenças perdidas enquanto a autora for viva, na sua pensão de reforma.
Analisando a petição inicial, verificamos que, como se referiu na sentença recorrida, a autora não alegou factos concretizadores dos pedidos indemnizatórios que formula. E o que agora refere em sede de recurso (para além de não ter sido invocado na petição), traduz-se em meras conclusões em plano lógico, não assentes, igualmente, em quaisquer factos vertidos naquela peça processual. Não estavam, pois, reunidos os requisitos da obrigação de indemnizar (art.º 483.ºdo Código Civil), não sendo caso de remeter para liquidação (art.º 661.º, n.º 2), pois a dedução de pedido genérico não isenta o autor de invocar factos que permitam ao tribunal posteriormente fixar a indemnização. Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.

4. Da anulação do acordo firmado entre as partes
Entende a autora que a assinatura do “acordo de alteração de categoria profissional e de funções”, constante de fls. 74 a 75, apenas se traduziu na manifestação do dever de obediência, sem a necessária liberdade de vontade, ou na melhor das hipóteses, de uma mera adesão a cláusulas leoninas, pré - determinadas pela parte dominante, já que o dito acordo foi exclusivamente elaborado pela ré, sem intervenção da autora, numa altura em que esta estava mental e fisicamente afectada, pelo que deve tal acordo ser anulado.
O referido acordo refere-se a alteração da categoria profissional da autora para “Caixa”, a partir de 1 de Agosto de 2005, e nele se refere que “Caixa tem a seu cargo as operações de caixa e registo do movimento relativo a transacções respeitantes à gestão da empresa; recebe numerário e outros valores e verifica se a sua importância corresponde à indicada nas notas de venda ou nos recibos; prepara os sobrescritos segundo as folhas de pagamento, prepara os fundos destinados a serem depositados e toma as disposições necessárias para os levantamentos, efectua e confere os depósitos bancários”.
Nos termos do art.º 246.º do Código Civil, “A declaração negocial não produz qualquer efeito, se o declarante não tiver consciência de fazer uma declaração negocial ou se for coagido pela força física a emiti-la; …”. Prevêm-se neste normativo, para além da coacção física (neste caso não configurável), as situações em que o declarante não tem consciência de que emitiu uma declaração negocial, o que significa que não está efectivamente a fazê-lo, pois «não pode haver declaração negocial sem consciência da negociabilidade». ­­Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2007, 4.ª Edição, Almedina, pág. 656. Ora, ponderando os factos provados, não pode de modo algum concluir-se que a autora ao subscrever o aludido acordo, não tivesse consciência do que estava a fazer.
Pelo contrário, a autora não somente já tinha desempenhado tais funções, como não obstante tenha colocado dúvidas relativamente à sua capacidade para as desempenhar através da carta de fls. 70, nesta refere designadamente, que “Se mesmo assim V.Exªs levarem por diante essa substituição, solicito que tal ordem me seja confirmada por escrito; nesse caso tentarei executar tal tarefa da melhor forma, mas não posso garantir que não cometa erros”. (…)”), (sublinhados nossos), o que significa que acaba por admitir que as possa vir a desempenhar por ordem da ré, alertando, porém, para a possibilidade de vir a cometer erros.
Tão pouco se provaram factos susceptíveis de integrar a figura da coacção moral. Nos termos do preceituado no art.º 255.º do Código Civil, "diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração". E quando tal acontece a declaração é anulável, art.º 256.º do mesmo diploma legal.
Segundo Manuel de Andrade, "Teoria Geral da Relação Jurídica", 2.º Vol., Coimbra, 1960, pág. 273 coacção moral reconduz-se ao receio ou temor (metus) ocasionado no declarante pela cominação de um mal, dirigido à sua própria pessoa, honra ou fazenda ou de um terceiro, sendo que a coacção exercida pelo outro contraente só produzirá nulidade se preenchidos os seguintes pressupostos:
1) Essencialidade:
Importa que a coacção seja determinante da realização do negócio; se for puramente acidental só autoriza o coacto a pedir o ressarcimento dos danos sofridos;
2) Intenção de coagir.
Isto é, o ânimo de extorquir o consentimento para o negócio em causa;
3) Gravidade do mal cominado.
Deve tratar-se de um mal notável em proporção do negócio visado, não de um mal insignificante; este requisito é entendido segundo um critério (objectivo) de razoabilidade, embora acomodado às condições pessoais do declarante (sexo, idade etc.) sendo desnecessário que o mal seja eminente;
4) Gravidade da ameaça em si mesma.
Pondera-se aqui, não a importância do mal supondo-o consumado, mas a probabilidade da sua consumação; para o efeito, olha-se às forças ou possibilidades do cominante; mas olha-se também às capacidades de resistência duma pessoa normal (o "vir constans" dos canonistas);
5) Injustiça ou ilicitude da cominação
Esta pode advir não só da natureza do meio empregado, (designadamente do mal que se comina ou até se começa a executar, mas também do fim visado pelo cominante; rectius, de ser contra o direito a utilização daquele meio para o fim tido em vista), de ser tal meio um instrumento de pressão reprovado pela ordem jurídica, já por ilícito em si mesmo, já por constituir o seu emprego como que um abuso do direito.
Para Castro Mendes, "Teoria Geral do Direito Civil, ", Lisboa, 1979, Vol. III, AAFDL, pág. 249, para que a coacção seja relevante, torna-se necessária a ocorrência de uma dupla causalidade, isto é, a «coacção deve ter sido causa do medo e este do negócio em concreto».
No fundo, a coacção moral torna anulável a consequente declaração negocial e pressupõe: a ameaça; ilicitude da ameaça, propósito de extorsão da declaração por via da ameaça; nexo de causalidade entre o receio da efectivação do mal e a declaração do ameaçado. A coacção moral pressupõe que a declaração negocial tenha sido emitida para evitar a produção de determinado mal, sob cuja ameaça o declarante se encontrava.
Da factualidade provada, não resulta que a autora tenha emitido a declaração em que se traduziu a assinatura daquele acordo por receio ou temor de lhe advir algum mal com que a ré a tivesse ameaçado. Ao invés, a alteração de funções até poderá ser vista como uma prova de confiança da ré nas capacidades da autora, apesar dos alertas desta (na carta de fls. 70), quanto às suas menores capacidades para o exercício do cargo. É certo que a autora, enquanto trabalhadora subordinada, pode sentir algum tipo de constrangimento negocial perante o seu empregador, todavia, isso não implica que se encontre coagida, nos termos acima definidos, a emitir a declaração negocial. Para além disso, mesmo admitindo que a autora possa ter assinado a dita declaração para não desagradar à ré, sua empregadora, tendo em conta as vicissitudes porque passara a relação laboral, essa hipótese quanto muito configuraria um simples temor reverencial, não constituindo coacção moral como resulta expressamente do art.º 255.º, n.º 2. No presente caso não resulta que a ré tivesse, por algum modo, ameaçado ilicitamente a autora a subscrever a o documento em causa, sendo que o exercício das funções decorrentes da alteração categorial proveniente da outorga desse documento, perduraram por algum tempo sem que a autora o tenha pretendido dar sem efeito. Conclui-se, assim, pela não verificação de qualquer dos apontados vícios, não sendo de anular o referido acordo celebrado entre as partes.

5. Da reintegração da autora nas funções de caixa
Sustenta a autora que deve ser reintegrada nas funções de escriturária e não de caixa. Sucede quer esta matéria estava dependente da pretendida anulação do acordo de alteração de categoria a que se não procedeu, nos termos que acima se deixaram expostos. Acresce que, tendo sido declarada a ilicitude do despedimento da autora e ordenada a sua reintegração, deve a mesma ser reintegrada na ré no mesmo posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria a antiguidade, já que por via da invalidade do despedimento o contrato de trabalho subsiste como se não tivesse sido interrompido.

6. Dos pagamentos devidos à autora
Entende a autora que, pelo menos em relação às retribuições intercalares em que a ré foi condenada, está a mesma vinculada a pagá-las por transferência bancária para a conta da autora. Não tem razão. Com efeito, a ré apenas está obrigada a pagar as retribuições em causa após o trânsito em julgado da decisão do tribunal (art.º 437.º, n.º 1, do Código do Trabalho), e segundo as modalidades previstas na lei (art.º 267.º, n.º 4 (corpo) do CT).

7. Da capitalização dos juros
Sustenta ainda a autora que tendo a ré sido citada, foi inevitavelmente interpelada judicialmente para proceder à capitalização dos juros, nos termos expressamente requeridos na petição inicial, pelo que deve ser deferida essa capitalização dos juros.
De novo não assiste razão à autora. Nos termos do art.º 560.º, do Código Civil, para que os juros vencidos produzam juros é necessário convenção posterior ao vencimento, podendo haver juros de juros a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento. No presente caso, não somente não foi celebrada qualquer convenção, como não estão vencidos juros, pois não está apurada a quantia devida título de retribuições intercalares sujeitas que estão estas às deduções previstas no art.º 437.º, n.ºs 2 e 3, do Código do Trabalho.

8. Da indemnização por danos não patrimoniais
A autora pretende ainda que a ré seja condenada pelos danos não patrimoniais que alega ter sofrido; na petição inicial pediu a condenação da ré a pagar-lhe a título de danos morais pelo despedimento quantia superior a euros 30 000,00. Da matéria de facto provada não resulta, porém, demonstrada, como se referiu na sentença recorrida, a existência de danos não patrimoniais (que mereçam a tutela do direito), resultantes do despedimento de que foi alvo a autora por parte da ré, aqui em apreciação - art.º 436.º, n.º 1, alínea a). Deste modo, não estando reunidos os pressupostos da obrigação de indemnizar (art.º 483.º e 496.º do Código Civil), não tem a autora direito à pretendida indemnização.

9. Da sanção pecuniária compulsória
Insurge-se também a autora por não lhe ter sido fixada sanção pecuniária compulsória de 5%, nos termos do art.º 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, sobre as condenações pecuniárias.
Prevê-se nesse normativo o seguinte:
1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.
Salvo o devido respeito também não assiste razão à autora quanto a esta questão.
Como é sabido, “a sanção pecuniária compulsória não é medida executiva ou via de condenação da obrigação principal do devedor a cumprir a obrigação que deve. Através dela, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado”. Cfr. Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Coimbra, 1995, pág. 407.
A inclusão da sanção pecuniária compulsória, como medida coerciva de cumprimento, visou, fundamentalmente, dois aspectos: por um lado, a importância que o cumprimento das obrigações assume, em particular para o credor; por outro lado, o respeito devido às decisões dos tribunais, enquanto órgãos de soberania – Cfr. Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização”, Coimbra Editora, pág. 112.
Por essa razão é que o n.º 3, do art. 829.º - A determina que o montante da sanção pecuniária se destina, em partes iguais, ao credor e ao Estado. O último daqueles aspectos focados tem uma importância vital num Estado de Direito. Efectivamente, estando em causa uma decisão judicial, não está só em jogo o natural interesse do credor na realização prática da prestação a que tem direito, mas ainda o interesse geral da credibilidade da decisão judiciária e da própria Justiça”. Cfr. Calvão da Silva, BMJ 359, pág. 52.
Está aqui em apreciação o disposto no n.º 4 do citado preceito, acima transcrito.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, 2.º Volume, Coimbra, pág. 105, tal normativo, face à sua inserção sistemática, não pode ser aplicado à letra a todos os casos em que tinha sido estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sustentando esses Autores que tal normativo não abrange a totalidade das obrigações pecuniárias, sendo apenas aplicável o adicional de 5% às cláusulas penais fixadas em dinheiro e às sanções penais compulsórias decretadas pelo tribunal, nos termos prescritos no n.º 1, da mesma disposição legal. Mas, não obstante se possa entender, à semelhança de outros, que o dito normativo é de aplicar a outras obrigações pecuniárias, não tem o mesmo aplicação no presente caso. É que a ré não foi condenada em quantia certa, mas sim no que se “liquidar em execução de sentença”, sendo que a referida norma, nesse outro entendimento, apenas colhe razão de ser face a quantias líquidas. Com efeito, como se referiu no acórdão desta Relação de 7.11.2007, www.dgsi.pt e aqui se reitera, o “funcionamento automático da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do referido artigo depende, evidentemente, da condenação em quantia certa e determinada. Se a quantia em que a Ré foi condenada estiver por apurar, não é possível efectuar a aplicação deste normativo – como é que seria possível aplicar automaticamente a percentagem de 5% sem se saber o montante sobre o qual haveria de incidir?”

10. Da má fé da ré
Sustenta a autora que a ré agiu de má fé, porquanto na sua contestação veio impugnar a carta que a autora lhe enviara datada de 22.4.2005, sendo que nessa altura não podia ignorar a falsidade da sua negação, pois tratava-se de facto pessoal.
O instituto da má é muito antigo e sofreu ao longo do tempo diverso tratamento legal. A propósito da figura da má fé, Alberto dos Reis escrevia, em palavras que conservam actualidade, no que se refere ao art.º 456.º, do Código de Processo Civil,
“A parte procede de má fé ou com culpa se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as suas pretensas razões. A sua conduta assume aspecto de conduta ilícita, facto ilícito contrário à ordem jurídica, daí a sua responsabilidade subjectiva emergente desse estado de consciência. Ao princípio da licitude do exercício de meios processuais a ordem jurídica põe uma limitação: que o exercício seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão. Uma coisa é o direito abstracto de acção ou de defesa, outra o direito em concreto de exercer actividade processual. O primeiro não tem limites, é inerente à personalidade humana; o segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral; é necessário que o litigante esteja de boa fé, esteja convencido ou suponha ter razão. Revelada a má fé torna-se patente que exerceu actividade ilícita”.
O referido Autor distinguia a lide cautelosa, imprudente, temerária e dolosa. Apenas esta dava origem à má fé, com a correspondente sanção. A versão do Código de Processo Civil decorrente do DL 44129, de 8.12.1961, alterou os pressupostos da má fé. Mas a litigância continuou a depender do dolo da parte, distinguindo-se o dolo susbstancial (falta de fundamento ou alteração consciente da verdade dos factos) do dolo instrumental (uso reprovável do processo ou dos meios processuais).
Com a reforma operada no Código de Processo Civil pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, o instituto da má fé sofreu algumas alterações e ajustamentos, tal qual resulta do art.º 456.º.
Aí se prescreve que:
“(...)
2. Diz-se litigante de má fé quem com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b)Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão...
A má fé passa, deste modo, a abranger, para além do dolo, a negligência grave; as condutas que integram a má fé são as tipificadas, passando a incluir-se a omissão grave ao dever de cooperação. Litiga de má fé quem viole qualquer dos deveres contemplados no normativo referido. Face aos estritos termos com que se mostra delimitada a má fé, a jurisprudência tem-na aplicado com parcimónia. E o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado que a aplicação das regras da má fé não deve ser feita mecanicamente, mas sim em termos casuísticos, de acordo com o circunstancialismo de cada caso (Cfr., entre, outros, o Acórdão do STJ, de 11.04.2000, www.dgsi.pt).
No caso em apreço, a autora referiu na petição inicial que na sua carta de 22.04.2005, enviada à ré, manifestava o seu desacordo relativamente à sua colocação em funções de caixa (artigos 84 a 87); a ré, por seu turno, impugnou essa matéria e referiu nunca ter recebido tal carta (art.º 148 da contestação). Sucede, porém, que não obstante ter assumido essa posição, a ré vem ela própria juntar aos autos essa carta da autora, juntamente com outros documentos. E aduziu ainda, em resposta ao requerido pela autora, que impugnou o mencionado documento por falta de comunicação entre a ré e seu mandatário. Ora, considerando a postura assumida pela ré, juntando ela mesma a carta que a autora endereçara, após a posição que vertera na contestação, pode razoavelmente entender-se que a impugnação que deduziu, embora desconforme com a realidade, se terá ficado a dever a lapso devido a uma menos cuidada comunicação da ré com o seu mandatário, sem o intuito, porém, de alterar a verdade dos factos ou de deduzir oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar, e sem que tal conduta, apesar de negligente, possa qualificar-se de negligentemente grave.
Quanto às demais condutas que a autora imputa agora à ré, para fundamentar a sua condenação como litigante de má fé, as mesmas são susceptíveis de revelar que foi deduzida por esta impugnação relativamente a matéria que se veio a provar, e que juntou aos autos com alguma delonga os processos disciplinares, mas essas circunstâncias, desacompanhadas da verificação dos citados requisitos da má fé, que se não demonstram, não implicam que esteja a litigar de má fé segundo o ensinamentos supra referidos.
Tudo isto para se concluir pela improcedência das conclusões de recurso da autora.

B) Ampliação do objecto do recurso
Da verificação da justa causa de despedimento
Sobre esta matéria a sentença recorrida fez correcta aplicação da lei aos factos (art.º 713.º, n.º 5). A ré, com efeito, não demonstrou, como lhe competia (art.º 342.º do Código Civil), a prática pela autora de factos susceptíveis de integrar justa causa de despedimento.


4. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso da autora, julgando-se improcedente a requerida ampliação do objecto do recurso por parte da ré, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela autora e ré, na proporção do decaimento.

Lisboa, 30 de Junho de 2011.

Albertina Pereira
Natalino Bolas
Ferreira Marques
--------------------------------------------------------------------------------------
[1] Serão deste diploma todas as referências normativas sem menção de origem.

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/53f43e8ec1d4c555802578d300573621?OpenDocument

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